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História Always Somewhere (Aonung x Neteyam) - 17. Futuro


Escrita por: Srta_Michaelis

Capítulo 52 - 17. Futuro


Why don't we lie and (Por que não mentimos e)

Act like the best is yet to come? (Agimos como se o melhor estivesse por vir?)

Why don't we try that (Por que não tentamos isso)

Just for once? (Apenas uma vez?)

Envy the leaves – Madison Beer

 

Era como estar em um sonho. Tai’Ren não tinha a menor ideia do que tinha acontecido após levar a flechada no braço, mas sequer se importou. Estar ali, diante de seu avô, era precioso demais, então ele ignorou a falta de contexto e se manteve imerso naquele encontro, temendo acordar caso realmente fosse um sonho.

— Meu avô...- Começou, inicialmente bem receoso e dormente com a sensação de estar pronunciando tais palavras para alguém que não fosse Tonowari ou Jake. – Como ele era?

Huan, o homem diante de Tai’Ren sorriu afetuoso antes de responder:

— Tsu’Yan era um menino muito curioso. Nasceu apaixonado pelas canções dos ancestrais, assim como eu. Cantávamos juntos e não demorou pra ele completar seu treinamento de artesão. Mas eu sempre soube que um dia ele partiria pra longe...

Os poderosos olhos amarelos encararam os cinzentos curiosos de Tai’Ren. Uma emoção forte tomou o coração de Huan, mas ele continuou, sabendo que precisava compartilhar suas memórias com alguém. Aquela parecia a forma mais bonita de eternizar seu filho, que infelizmente, agora sabia que já estava junto à Eywa.

— Quando você é um artista, seja músico ou artesão, sempre chega um ponto onde sua inspiração esgota e então é necessário buscar novos materiais e novas experiências para evoluir. É assim com todos os jovens Anurai, por isso, muitos partiram das planícies, se aventurando pelo mundo, descobrindo materiais, criaturas e até irmãos na’vis. Tsu’Yan tinha esse sonho de explorar cada canto do mundo e conhecer novas criaturas para esculpir.

Tai’Ren manteve-se atento. Suas orelhas vez ou outra se animavam com o crepitar da fogueira, mas seus olhos não desviaram dos amarelos. Com um suspiro distante, Huan continuou:

— Na última noite antes de partir, ele cantou essa canção que eu compus em seu nascimento e me disse que se um dia tivesse um filho, cantaria pra ele também. Me prometeu aproveitar cada momento da viagem e me encher de histórias quando voltasse. Então partiu, e eu esperei até hoje.

— Eu sinto muito...- Disse o Sully, em um sussurro contido. Seus olhos arderam. – Queria poder me lembrar dele assim.

— Não podemos prever os planos de Eywa. – Respondeu Huan, colocando uma das mãos nos ombros finos do rapaz. – Eu achei que depois de tanto tempo, morreria sem ter respostas. Mas a Grande Mãe, mesmo sem poder mandar meu filho, ainda me trouxe você. E ainda realizou a vontade dele de cantar aquela canção para o seu filho, mesmo que em planos diferentes.

Tai’Ren absorveu aquelas palavras estranhamente doces, mas ainda muito tristes. Seu avô parecia cansado, quase como se estivesse vivo apenas para continuar esperando seu filho. E quando o Sully fitou os olhos dourados de novo, viu dor neles. Sabia que ele devia estar sofrendo muito.

— Sinto muito não poder contar pra você as histórias que meu pai te prometeu, vô.

Os olhos de Huan se encheram um pouco mais, mas ainda assim, ele sorriu:

— Não tem que me pedir desculpas. Sei que isso também o machuca. Meu filho deve ter tido memórias muito felizes, senão você não estaria aqui.

— Você... – Tai’Ren ficou inseguro com a pergunta que queria fazer. – Não acha estranho eu ser tão diferente dele? Sabe de qual clã minha mãe era?

— Ouvi apenas histórias. – Revelou ele, pensativo. – Olhando pra você, me pergunto como Tsu’Yan teve contato com o clã das Cinzas, mas provavelmente essa é outra história que nunca vamos saber.

Tai’Ren sentiu as orelhas baixarem. Já tinha aceitado a ideia de não descobrir nada sobre sua mãe, mas agora, sabendo um pouco mais do homem que seu pai tinha sido, parecia improvável que ele tivesse viajado até as terras tão perigosas do povo das cinzas. Talvez, ele tivesse conhecido sua mãe durante o período de expansão do clã, mas não tinha como saber.

— A minha mãe deixou um bilhete dentro do totem. – Revelou com pesar. – Ela disse que tinha derramado muito sangue, mas meu pai era inocente. Ele mostrou para ela onde encontrar Eywa e tudo mudou. Mas quando eu nasci, o povo do céu os capturou e... bom...

Não pôde terminar. Era estranho se sentir tão afetado por uma carta escrita por alguém que mal se lembrava. Era quase como se, mesmo em planos diferentes, ainda nutrisse uma forte conexão com seus pais.

— Isso me parece ser algo que Tsu’Yan faria. – Huan sorriu, ainda apertando levemente o ombro de Tai’Ren. – Ele não era um guerreiro, seu coração era pacífico e muito conectado com a Grande Mãe. Suas músicas costumavam ser sobre Ela.

— Eu também gosto de cantar para Eywa. – Tai’Ren sorriu, mas não durou muito. Um pensamento lhe ocorreu e soou meio triste, assim como muita coisa naquela conversa. – Sabe, as vezes eu penso se eles estavam a caminho das planícies quando foram capturados... talvez, meu pai estivesse voltando.

— Não pense em coisas que poderiam ter sido. – Disse Huan, em um tom amável. – Vai acabar preso em uma dor que não pode suportar. O importante é que eles morreram sem arrependimentos.

— Como sabe?

— Pais e mães que morrem pra proteger um filho, partem sem dor, porque mantiveram intacto aquilo que é mais valioso.

Por um instante, os pensamentos do jovem Sully vagaram até Neteyam e Ao’nung, que enfrentaram tantas coisas para protegê-lo e seu coração se apertou com uma saudade imensa.

— Obrigado, vovô. – Respondeu Tai’Ren, emocionado. – Eu vim de muito longe pra tentar descobrir o nome do meu pai, e você me deu muito mais do que isso. Eu sei que é difícil pra você saber o que aconteceu com meu pai depois de tanto tempo, mas ainda assim, você me acolheu. Mesmo quando todos aqui tem medo de mim. Eu queria poder ficar com você, mas...

— Você tem uma família. – Completou o na’vi mais velho.

— Sim. Meus pais me encontraram na ilha e me criaram nos recifes. Eu tenho alguns irmãos e preciso cuidar deles. Eu só estou aqui porque meus pais nunca negaram meu passado. Mesmo que tenham sofrido muito, me prepararam e me deixaram partir.

— Então você precisa voltar. Eu aposto que tem muitas histórias para contar a eles.

— Sim! – Tai’Ren não conteve o sorriso e Huan sentiu uma pontada no peito pela semelhança das feições dele com a de seu filho. Era como se partilhassem o mesmo sorriso, embora o rosto de Tai’Ren estivesse marcado por uma profunda cicatriz. – Teve tanta coisa estranha!

— Tipo o quê? – Perguntou ele, dando espaço para uma conversa menos triste.

Huan descobriu então como seu neto era muito tagarela e aquilo o divertiu bastante. Passou a escutar atentamente cada uma das histórias da longa viagem do menino, desde o longo voo pelo oceano, até uma bizarra flor gigante e de como ele precisou pular de um penhasco para fugir de thanatores.

— Estou dizendo, vô, se não fosse Eywa, eu nem teria chegado aqui!

E Tai’Ren continuou falando sobre como encontrou lugares incríveis e outros muito assolados pela guerra contra o Povo do Céu, assim como suas primeiras impressões das planícies e da poderosa Kaya.

Huan por um breve instante, em meio a chuva de palavras que jorrava de seu neto, viu Tsu’Yan nele e imaginou se seu filho teria histórias interessantes assim para contar.

Depois do longo relato dos momentos estranhos da viagem, Tai’Ren murchou conforme foi se lembrando dos momentos delicados, como o encontro com os na’vis hostis que marcaram seu rosto para sempre.

— Sabe vô, muitos irmãos na’vis ainda têm medo do povo das Cinzas e também do Povo do Céu. Eu tive que fazer coisas difíceis pra sobreviver. Na verdade, não só eu, meus amigos também. Todos eles. – Os olhos cinzentos baixaram. Subitamente, Tai’Ren sentiu falta de Aneya e de seu abraço protetor.

— E não foi por isso que seus pais te prepararam pra essa viagem? O mundo não é perfeito, Tai’Ren. Nós fazemos o que é preciso pra viver e também pra sobreviver. É assim que as coisas são, por isso, é sempre difícil pra um pai deixar seu filho ir pra longe. Porque nós sabemos que o mundo não é doce como o lar. Nunca foi e nunca vai ser. Mas ninguém poderia te dizer que desafios encontraria, só a Grande Mãe, e se ela te trouxe até aqui, é porque era seu destino aprender tudo o que aprendeu.

O menino refletiu sobre aquelas palavras e agradeceu o olhar de ternura que recebeu. Não recebia aquele afeto desde a última vez que esteve com Neteyam.

— Você tá certo, vô. Aconteceu tudo o que precisava acontecer.

Ambos ficaram em silêncio por alguns momentos, voltando os olhos para a fogueira. A essa altura, os Anurai já tinham se afastado completamente do local e se dissipado para descansarem. Tai’Ren não se preocupou em absorver mais detalhes da vila onde estava, manteve-se ali, aproveitando a presença suave.

— Eu queria partir sabendo que vocês estarão em casa outra vez. – A voz de Tai’Ren cortou o ar. – Nas planícies.

— Seria bom voltar pra casa. – Huan concordou. – Mas talvez isso não aconteça mais.

— E por quê?

— Kaya é a única guerreira que sobrou. E nós que restamos aqui na selva profunda, somos velhos demais para encarar o Povo do Céu.

Tai’Ren se entristeceu com a constatação e notando tal coisa, Huan continuou, para amenizar suas palavras:

— Eu vivi todo esse tempo pra ter as respostas do destino do meu filho e Eywa não apenas me mandou isso, como me trouxe você. Mesmo que não fiquemos juntos, eu estou feliz por ter te conhecido, Tai’Ren. Não desejo mais nada da Grande Mãe, se ela me levar hoje, vou estar satisfeito.

— Eu tô feliz de te conhecer também, vô. – Tai’Ren respondeu, sentindo um aperto no peito por saber que logo teriam que se separar, mas logo essa sensação foi embora quando um pensamento lhe ocorreu. – Você pode me ensinar a tocar aquela música? Eu tentei reproduzir com a visão que Eywa me deu, mas nunca consegui.

Huan sorriu agradecido pelas palavras do menino e assentiu, empolgado. Quando puxou o instrumento que usava mais cedo e apresentou as notas para Tai’Ren, imediatamente se surpreendeu com a velocidade de aprendizado dele.

Compartilharam aquele momento como se sempre tivessem estado juntos e caso Huan ainda tivesse qualquer sinal de dúvida em seu coração, quando a voz de Tai’Ren acompanhou as notas que seus dedos produziam, ele não teve dúvida: Aquele menino era com certeza sangue de seu sangue.

Escondido entre as tendas floridas, Aneya se manteve em completo silêncio, mas seus olhos ardiam de alegria ao ver a cena. A voz de Tai’Ren imediatamente o embalou e não pôde evitar deixar as lágrimas caminharem por suas bochechas.

Eles tinham conseguido afinal. Agora, poderiam finalmente, ir para casa.

****

Quando Eiji abriu os olhos ainda demorou para de fato recobrar a consciência. Durante esse tempo de limbo entre a sonolência e a urgência, se perdeu na visão do céu claro de Pandora que pouco aparecia por entre as folhas densas das árvores gigantes.

Estava quente e abafado, mas ele agradeceu o clima ameno e protetor, não poderia suportar um clima de gelar os ossos.

Depois do estado de letargia, o menino enfim se remexeu, constatando que estava em uma rede, que oscilava conforme ele se movia. Arranjando forças para erguer o tronco, ele brotou de seu pequeno casulo, mas imediatamente se colocou em alerta ao escutar cochichos.

— Ele acordou! – Uma voz infantil horrorizada soou a sua esquerda e Eiji estreitou os olhos para tentar enxergar o invasor, mas a criança parecia bem escondida entre as árvores.

— O Povo do Céu é muito estranho! – Uma menina gemeu, incômoda.

— É melhor a gente sair daqui! Eu ouvi dizer que ele pode nos matar só olhando!

Eiji sorriu, sádico. Não fazia ideia de onde estava, mas não poderia perder uma oportunidade como aquela.

— É isso mesmo! – Gritou, em na’vi, para o completo horror de sua plateia escondida. – É melhor irem embora antes que eu pegue vocês e transforme em folhas secas! E eu amo comer folhas!

As crianças gritaram amedrontadas e o menino as escutou correndo para longe. Ele se aproveitou do momento de diversão e depois voltou para a realidade, pulando para fora da rede enquanto varria a clareira com os olhos pequenos.

— Você não tem vergonha de agir assim? – A voz de Kaya soou reprovadora.

Dessa vez foi Eiji que pulou de susto. Seus olhos automaticamente se voltaram para cima, a tempo de ver a guerreira descendo de uma árvore não muito distante.

— Você quase me matou! – Reclamou o garoto.

— Achei que seu plano fosse ser o menos hostil possível com os Tawkami.

— Em minha defesa...- Começou Eiji, corando. – Eu nem sei o que está acontecendo. Só brinquei um pouco. Mas, então, nós conseguimos?

— Sim, faz uns dias.

— Dias!? Isso quer dizer que... naquela hora, eles nos fizeram dormir?

Kaya terminou de descer da árvore se aproximou da figura minúscula.

— Sim. Levaram todos para a vila, menos você.

— Entendi. – Os olhos de Eiji de repente brilharam e ele ergueu o rosto pra Kaya, ansioso. – O Ren conseguiu? Encontrou algo sobre o pai dele!?

Kaya assentiu, com um sorriso suave.

— Sim, ele encontrou seu avô e descobriu a identidade do pai.

— Uau... – Disse Eiji, em um misto de sentimentos. Em partes, estava feliz por seu amigo. Mas, por um instante, pensou que agora Tai’Ren e Aneya iriam voltar para a terra distante de onde vieram e aquilo lhe deixou cabisbaixo.

— O que houve? – Perguntou a mulher, notando sua mudança de humor.

Imediatamente Eiji se recompôs.

— Nada. – Mudou de assunto. – Por que eu não posso entrar na vila?

Ela revirou os olhos.

— Advinha? – Perguntou, irônica.

— Tudo bem. Foi uma pergunta boba.

Eiji se perguntou o que faria agora. Tai’Ren e Aneya já tinham planos bem estruturados. Agora que conquistaram o que vieram procurar, voltariam para casa. Kaya perdeu sua casa, mas em troca, estava junto de seus irmãos Anurai outra vez.

Aflito, o menino percebeu que não tinha objetivo algum. Não era bem visto pelos humanos e muito menos pelos na’vis. Talvez devesse continuar explorando Pandora. Não sabia quanto tempo duraria, mas talvez fosse sua única alternativa.

Kaya estreitou os olhos, observando o diálogo interno de Eiji e se perguntando o que o garoto estava pensando tanto.

Contudo, quando ia questionar, se aprumaram ao notar barulhos na floresta. Rapidamente, Kaya se colocou mais próxima do menino, temendo que fosse algum Tawkami de poucas palavras. Nos últimos dias, apenas YiJin estava responsável por vigiar o jovem garoto humano, e mesmo com um medo abismal, ele se permitiu aprender mais sobre o pequeno cativo.

Porém, Kaya sabia que não seriam todos os Tawkami que dariam essa oportunidade, por isso, se preparou para uma represália. Talvez a brincadeira de Eiji tenha enfurecido os na’vis da vila.

Quando os segundos tensos se passaram, no entanto, quem apareceu na clareira além de YiJin, foi a tsahik dos Tawkami, com seu costumeiro semblante impassivo. Eiji ficou encantado com o cocar enorme e florido, mas seu corpo se enrijeceu de tensão pela presença da líder espiritual. Imediatamente, se arrependeu de assustar as crianças.

Preparada para ser uma apaziguadora, Kaya se colocou mais a frente:

— Tsahik. – Cumprimentou-a, fazendo o gesto de respeito com a mão.

— Kaya. – Respondeu a mulher, passando os olhos para Eiji logo em seguida. Analisou o menino rapidamente dos pés à cabeça. – Soube que nosso visitante do Povo do Céu acordou.

YiJin parecia horrorizado ao ver Eiji acordado e não conseguia relaxar seus olhos arregalados.

O pequeno humano engoliu o seco e fitou Kaya, mas o olhar que recebeu foi tão mortal que imediatamente ajeitou a postura, antes de responder em na’vi:

— O-oi, tsahik. Sou Eiji. Me desculpe por ter assustado as crianças. Foi só uma brincadeira.

YiJin estava incrédulo. Não fazia ideia de que aqueles estranhos alienígenas pudessem fazer coisas como “brincar”. Parecia um desrespeito terem a capacidade de se divertir depois de tamanho estrago que fizeram em Pandora. Por isso, o rapaz Tawkami deixou os olhos pousarem na líder espiritual, esperando sua resposta.

Depois de alguns segundos, ela respondeu:

— Crianças são sempre crianças, afinal. – E se voltou para as flores coloridas presentes na clareira.

Kaya e Eiji se entreolharam, surpresos com o retorno. YiJin estava desnorteado diante da calma da tsahik.

— Não me entendam mal, só estou aqui pra colher umas flores. Se a Kaya diz que você é confiável, vou acreditar nela.

Eiji sentiu-se tomado por um alívio enorme e sorriu.

— Que bom que ela falou bem de mim então. – Sabia que provavelmente tinha recebido outro olhar mortal, então foi muito firme em evitar os olhos amarelos de Kaya e manteve-se focado na mulher na’vi que pegava alguns ramos de flores vermelhas e muito vivas.

Curioso, se aproximou, mas imediatamente parou quando YiJin rosnou, em ameaça.

— Fique longe da tsahik!

— Pode deixar ele vir, YiJin.

— O quê? – O guerreiro se surpreendeu. – Mas...

— Está tudo bem. – Ela o cortou, focada na seleção das melhores flores.

Kaya estreitou os olhos e se perguntou se ter tamanha paz de espírito era um requisito pra ser tsahik. Fez uma nota mental de conversar com Eiji para que ele ficasse calado e chamasse o mínimo de atenção possível.

Ignorando a tensão dos dois guerreiros, Eiji caminhou despreocupado até a na’vi que emanava cheiro doce de flores. Era grotesca a diferença de altura, mas ele já tinha se acostumado.

— Gosta de flores? – A misteriosa tsahik quebrou o silêncio.

— Não sei, mas conheci alguém que gostava. Ele desenhava tudo o que encontrava. – Respondeu simplesmente. – Essas são pra curar feridas?

— Não. Nós as chamamos de sombra vermelha. – Ela tocou uma das flores com a ponta dos dedos. O menino percebeu que a flor parecia ter um miolo preto e fundo. – São delicadas e parecem inofensivas, mas se apertá-las, seu miolo estufa e solta uma poeira laranja. O contato com a poeira te faz dormir.

— Foi isso que usaram pra nos apagar?

Ela assentiu.

— Entendo... mas por que me contou isso?

— Como eu disse antes...- Dando-se por satisfeita com a quantidade de ramos coletados, ela se afastou, voltando na direção de onde tinha vindo. – Confio nas palavras de Kaya, porque os Anurai são nossos irmãos agora.

Sem dizer nada mais, a tsahik se embrenhou na floresta, deixando os três em silêncio.

— Francamente, você é terrível. – Lamentou Kaya, contendo o ímpeto de beliscar o menino. Se Eiji tivesse uma cauda, ela teria puxado. – Fique quieto da próxima vez! Não são todos que vão tolerar você!

Eiji sorriu, dando de ombros.

— Ela gostou de mim, isso que importa, né? Quando eu vou poder ver o Ren?

— Vou avisar que você acordou. – Respondeu Kaya, mas logo apontou o dedo no rosto de menino, de forma ameaçadora. – Vê se não apronta mais nada. YiJin vai ficar de olho em você.

O Tawkami engoliu o seco, mas rapidamente se aprumou, balançando a cabeça em concordância.

Sob olhar atento da guerreira, Eiji deu de ombros antes de vê-la sumir floresta adentro. Por fim, se aproveitou do medo do homem que o vigiava para caminhar pela clareira colorida, tentando não se entediar.

Em um breve momento de distração de YiJin, pegou algumas das flores vermelhas e enfiou no bolso com cuidado para não apertar o miolo.

***

Alguns minutos depois, o grupo já estava sentado na clareira, formando um círculo. YiJin se manteve distante depois de recusar um pedido de Tai’Ren para se juntar a eles.

Aneya não queria admitir, mas estava aliviado de ver Eiji bem outra vez.

— Então você encontrou mesmo seu vô? – Questionou o pequeno humano.

Tai’Ren sorriu.

— Sim! Ele até me ensinou mais coisas sobre música! Mas eu assustei ele com as minhas péssimas habilidades de artesão... – Terminou a fala com uma risada, que Eiji fez questão de acompanhar.

O Metkayina mordeu o lábio para conter o riso. Por um instante, lembrou-se do terrível ilu que ambos tinham trabalhado com tanto afinco anos atrás.

— Devia ter treinado junto com o Aneya nas planícies, não teria passado essa vergonha. – Provocou Kaya.

— É, tem razão. – O Sully corou. – Mas pelo menos mostrei que sou um ótimo cantor.

Sentado em um galho, YiJin observava o grupo com atenção. Eram estranhos por serem muito diferentes entre si, mas achou engraçado a tranquilidade com que conversavam. Não era como se tivessem presenciado coisas horríveis.

— Ren. – Chamou Eiji de repente. – Você tá andando muito bem. Que tipo de milagre a tsahik fez pra te curar?

A pergunta surgiu até em um tom de brincadeira, mas fez Tai’Ren se lembrar de uma conversa importante.

— Na verdade... – Seu ânimo murchou um pouco. – Eu não estou curado. Esse efeito é passageiro. Nos próximos dias devo piorar de novo.

— Ah... – Eiji acabou se desanimando também.

— Mas não se preocupe. Logo vou estar em casa e vão resolver isso.

— Espero que sim.

— E você, Eiji... – Aneya mudou de assunto. – O que vai fazer agora?

Os ombros pequenos se encolheram. Não queria pensar naquilo. Para não evidenciar suas preocupações, Eiji rapidamente procurou responder:

— Quem liga, eu arranjo algo.

— Tem certeza?

— Sim, não se preocupem comigo. – Reforçou.

Encerrando os assuntos mais delicados, os quatros amigos passaram o resto do dia juntos, descansando e finalmente aproveitando um pouco de paz e segurança.

Aneya, no entanto, tinha desenvolvido uma estranha preocupação que nunca amenizava e vez ou outra faziam seus olhos correrem pelos cantos, procurando inimigos nas sombras. Queria acalmar seu coração agora que estavam tão perto do fim, mas parecia que sempre estaria esperando um novo ataque.

***

Horas depois, quando a noite já estava no auge, aquela pequena centelha de preocupação já havia se tornado uma mancha no coração do Metkayina. O sentimento o fez se desvencilhar com muito cuidado dos braços de Tai’Ren, que estava preso em um sono pesado.

Acostumado com a vigília noturna, o guerreiro se esgueirou pelas tendas em silêncio. Não seria bom se fosse visto, mas precisava ter certeza de que estavam seguros. Por isso, se embrenhou na floresta luminosa, caminhando silenciosamente com uma destreza que não tinha antes de ir embora de Awa’atlu.

Tudo estava calmo dentro da selva densa, mas ainda assim, o Metkayina tomou o cuidado de varrer todo o perímetro em torno da vila, procurando qualquer ameaça. Não soube ao certo quanto tempo levou e tomou muito cuidado para não acabar se perdendo no caminho.

No fim das contas, pôde suspirar aliviado enquanto retornava para a vila. Estavam bem.

Não havia ameaça.

*****

— Ei, Kaya! – Chamou Eiji balançando os braços para que a mulher que relaxava em cima de uma árvore se virasse pra ele.

— O que é?

YiJin acordou com os chamados do menino e coçou os olhos, se ajeitando na rede que tinha feito pra ele.

— Tá muito chato aqui!

— E daí?

— Pode me ajudar a subir aí? – Pediu Eiji, com uma expressão pidona. Estava extremamente incomodado por ser mantido preso em uma clareira que parecia se tornar menor a cada hora que passava. Muita energia parecia ter se acumulado em seu corpo. – Não aguento mais ficar parado! Não sabia que crianças precisam gastar energia?

Por um instante, se preparou para receber um olhar atravessado ou uma resposta seca, mas surpreendentemente, Kaya suspirou e desceu da árvore até ele.

— Anda, vamos. – Disse ela simplesmente antes de se abaixar para oferecer suas costas.

— V-você... vai mesmo me deixar subir? – Perguntou o menino em um sussurro surpreso.

— Se ficar enrolando retiro o convite.

Eiji não precisou de nenhuma palavra a mais. Com um sorriso, se enganchou nas costas de Kaya e sentiu um frio na barriga quando ela saltou agilmente para escalar a árvore gigantesca. YiJin agradeceu silenciosamente quando o garoto barulhento se afastou e voltou a dormir encolhido na rede.

Um sentimento aventureiro se apoderou do menino conforme observava a clareira ficar mais distante. Seu corpo balançava, acompanhando os movimentos ágeis da mulher Anurai. Depois de longos segundos escalando, Kaya parou, colocando Eiji em um galho grande o suficiente para que ambos se sentassem lado a lado.

O menino vacilou um pouco quando olhou pra baixo.

— Nossa...

— Está com medo? – Arriscou Kaya, sentando-se.

— É claro que não! – Eiji corou, se sentando ao lado dela.

Permaneceram quietos depois disso. A luz quente do dia atravessava as pequenas brechas da selva densa, chegando com muito custo ao solo fértil. Os animais pareciam especialmente mais animados para cantarolar naquela manhã.

Com o canto dos olhos, outra vez Kaya notou que Eiji parecia preso em um dilema interno e finalmente quebrou o silêncio:

— Está com medo também? Do que vai ser daqui pra frente.

O humano se surpreendeu com a pergunta.

— Como assim “também”? – Indagou. – Você também se sente assim?

Um suspiro veio antes da resposta dela:

— Foi bom encontrar todos o que sobreviveram, mas não sei se meu lugar é mesmo aqui.

— Sente falta dele? Do seu filho. – Disse o menino de repente, mas logo se corrigiu. – Pergunta idiota, é claro que você sente. O que eu quis perguntar é se você sente falta de ficar na vila, mais perto dele...?

— ... Eu sinto sim, mas sabia disso quando decidi ir embora.

— Então, por que está com medo do que vem agora?

— Eu não sei. – Admitiu ela. – Só não me vejo ficando aqui por muito tempo. Eu quero sentir que estou sendo útil pra alguma coisa nessa guerra. Depois de tanto tempo lutando nas planícies, viver escondida na selva é estranho.

— Queria poder saber o que fazer também... – Disse Eiji com sinceridade. Parecia uma loucura estar ali ao lado de Kaya sem estar correndo algum risco de vida. Ela sempre foi tão ameaçadora. – Eu pensei em lutar, salvar os meus amigos daquele lugar, mas não tenho força. E, bom, não é como se alguém fosse me acolher em Pandora, então, não acho que reste muita alternativa além de andar por aí.

— Por que não volta com o Tai’Ren? Ele não conhece pessoas do Povo do Céu que são aliadas? Poderia se unir a eles.

Eiji já tinha pensado na possibilidade, mas havia uma parte de si que não queria aquilo. Não poderia se distanciar da guerra dessa forma. Não queria virar as costas para as crianças que precisavam dele.

— Tenho medo.

— Do que? – Kaya perguntou, intrigada.

— De me acostumar com a vida longe da guerra e esquecer que tem pessoas que precisam de mim.

A resposta tão sincera do garoto pegou a mulher de surpresa. Não por ser algo maduro para alguém de sua idade, mas por ser definitivamente as palavras que explicavam o que ela mesma estava sentindo.

— É. – Respondeu, finalmente. – Nisso, eu entendo você.

Eiji achou muito estranho concordar com Kaya em algo e ter aquele momento de conversa franca, por isso, reagiu automaticamente, para esquecer seus pensamentos preocupados, puxando um pequeno fruto que brotava nos galhos ao seu redor e jogando em direção a rede lá embaixo, onde o na’vi Tawkami dormia.

O impacto da frutinha não foi capaz de despertá-lo, o homem apenas se remexeu e Eiji deu uma risada, jogando outra fruta.

— Você precisa sempre estar irritando alguém? – Perguntou Kaya, estreitando os olhos diante da expressão sapeca da criança.

— É só uma brincadeira, não seja chata. – Respondeu ele, arremessando uma série de frutos minúsculos e variados em YiJin, até que ele despertasse, confuso.

Eiji riu tanto com sua brincadeira, que ficou alheio ao olhar reprovador que recebia.

“Definitivamente, ele precisa de alguma educação.” Pensou Kaya, esquecendo momentaneamente dos medos internos que haviam compartilhado momentos antes.

***

Quando a noite caiu outra vez, Aneya repetiu seu pequeno ritual para se sentir seguro e depositou um beijo muito suave em Tai’Ren antes de puxar seu arco e caminhar para a floresta.

Tentou pensar na volta para casa e no reencontro com seus pais para aliviar a ansiedade e só conseguiu ficar mais tranquilo quando começou a fantasiar os dias que poderia ter ao lado de Tai’Ren quando retornassem.

Corou, sabendo que agora tudo seria diferente. Poderiam passar o dia juntos sem se preocupar com o Povo do Céu, nadar em seus ilus até a Enseada do Ancestrais, esculpir algum outro ilu não tão horroroso quanto o primeiro e trocar beijos com a mente vazia.

Poderia, enfim, viver aquilo que por tanto tempo manteve trancado em seu coração.

Um sorriso suave despontou em seus lábios por estar vivendo um amor tão precioso. Tai’Ren era seu refúgio, uma calmaria necessária no meio de tantas provações. Não conseguia se imaginar sem ele em um futuro próximo ou distante. A certeza de que precisava cuidar daquele que amava era o que lhe mantinha sempre lutando.

Seus pensamentos doces foram interrompidos quando seus pés esmagaram algo no chão que fez um som estalado. Confuso, Aneya se inclinou diante do objeto minúsculo, porém reluzente.

O coração disparou antes mesmo de sua mente encontrar uma resposta para o que estava vendo.

Não se tratava de apenas um objeto, mas um punhado deles. Maletas duras, porém frágeis para suportar o peso de um na’vi. Caixas vazias. Um resquício de quem havia passado por ali.

Tomado por um senso de urgência absoluto, Aneya se escondeu na mata e aprumou a flecha para disparo, estreitando os olhos para garantir um tipo certeiro. Imediatamente descartou a possibilidade de ser uma armadilha, pois se fosse, teria sido pego com facilidade.

Mas por que haveria maletas vazias do Povo do Céu por ali? Tinham sido abandonadas recentemente?

Em um terror silencioso, porém ainda com um desejo ardente de proteger Tai’Ren, o Metkayina continuou indo mais fundo na floresta, com passos silenciosos e leves. Não sabia o que encontraria, mas tinha a certeza de que não ficaria em paz se voltasse atrás.

Então ele seguiu em frente.



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