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História Always Somewhere (Aonung x Neteyam) - 22. Jornadas que terminam, outras que começam


Escrita por: Srta_Michaelis

Notas do Autor


Finalmente chegamos aqui.

Último cap antes do epílogo. UAU.

Lembrando que teremos 2 extras muito incríveis com direito a cenas calientes e mais cenas em Awa'atlu (estavam com saudade também?)

Playlist da fic no spotify -> https://open.spotify.com/playlist/1aRePxCbac7cDunYhqoeCg?si=53e0db9f2f584a20

Capítulo 57 - 22. Jornadas que terminam, outras que começam


And in the evening the sun sank (E à noite o sol se põe)

Tomorrow it will rise (Amanhã ele ressurgirá)

Come a little closer – Cage the elephant

 

Kaya não se recordava de outro momento tão urgente quanto aquele desde a morte de seu filho, no Santuário dos Ossos.

Enquanto tentava avançar com Eiji em seus braços pelos corredores em chamas e quase desmoronando sobre eles, ela evitava pensar em qualquer outra coisa que não fosse sair dali o quanto antes.

Mas a destruição na base era tamanha, que logo a mulher se viu perdida entre o emaranhado de corpos e escombros. Muitas vezes parava diante de um corredor bloqueado e se via obrigada a voltar para o fogo, buscando outro caminho.

Os pés descalços pulavam agilmente, mas não conseguiam evitar as queimaduras, que arrancavam lamentos furiosos de seus lábios.

Conforme os segundos passavam e a fumaça aumentava, dificultando sua respiração, Kaya apertava mais Eiji em seus braços, como se pudesse protegê-lo do calor fumegante.

Os olhos dourados buscavam passagens livres ou janelas que pudesse destruir, mas não conseguia entender as construções do Povo do Céu e se perdeu nos corredores de novo.

Quando começou a sentir os pulmões queimarem pela fumaça quente que os invadia, Kaya ficou mais afoita e acelerou o passo para buscar alguma saída.

— Kaya! Eiji!

A voz de Aneya parecia distante e a mulher sabia que precisava ir em sua direção.

— Aneya! – Gritou em resposta, mas tossiu logo em seguida.

— Kaya! Onde estão!?

Seguindo na direção da voz, a guerreira passou a ignorar o fogo ardendo em seus pés e apertou Eiji com ainda mais força.

— Estamos indo!

Contudo, logo sua euforia se foi quando virou no corredor e deu de cara com uma pilha de escombros. O suor em seu rosto pareceu se intensificar.

— Estamos aqui! – Gritou, na esperança de que a resposta de Aneya viesse de outra direção.

— Ah, droga! – Praguejou o rapaz, que estava exatamente atrás do que havia desabado. – Se afastem!

Kaya obedeceu e logo percebeu os sons das pedras ameaçando se moverem.

Aneya empurrava o que conseguia para abrir uma passagem para os amigos. Era difícil por conta da fumaça, mas tinha um treinamento poderoso para prender a respiração, então se utilizou de todas as lições aprendidas com seu povo naquele momento.

Podia escutar, um pouco mais baixo, os sons das tosses de Kaya conforme o ar era rapidamente substituído pela fumaça escura que os sufocava.

Mais urgente do que precisava fazer, Aneya grunhiu, empurrando com mais firmeza as pedras em seu caminho até que finalmente abriu um minúsculo buraco entre os escombros, que permitiu uma certa troca de ar e aliviou um pouco as coisas do lado incendiado.

Usando toda sua força e velocidade, o jovem Metkayina se aproveitou da brecha aberta e começou a empurrar as pedras maiores. Seu corpo inteiro retesou pela força aplicada, mas depois do que pareceu uma eternidade, a pedra cedeu e um caminho um pouco maior se abriu.

Quase sem forças, Kaya ergueu os braços para que Aneya pegasse o corpo de Eiji e quando o rapaz o fez, ela o seguiu cambaleante até o exterior.

Caiu de joelhos quando pôde, enfim, respirar ar puro e tossiu por longos segundos até correr para puxar Eiji outra vez para seus braços.

A calmaria parecia começar conforme os Omatikaya diminuíam a ofensiva, visto que os humanos que ainda não tinha morrido, já se rendiam.

Mas a guerreira não ficou ali para ver o desfecho. Preocupada com a palidez do menino que não tinha voltado a acordar, ela disparou floresta adentro, pronta para pedir à Eywa mais uma ajuda.

****

Quando Tai’Ren abriu os olhos, manteve a mente vazia como uma forma de continuar se protegendo, mas não demorou para que os olhos estranhassem a ausência da luz branca dos laboratórios.

A falta das dores da tortura ininterrupta foi outro fator que imediatamente fez o rapaz concluir que tudo aquilo não passava de um sonho. Principalmente quando o rosto de Neteyam apareceu em seu campo de visão, preocupado.

— Bebê? Consegue me ouvir?

A voz protetora, depois de tanto tempo longe de seus ouvidos, soou um pouco estranha para Tai’Ren.

Não tinha como nada daquilo ser real, por isso, ele não respondeu. Voltou a fechar e a abrir os olhos, tentando trazer um pouco mais de lucidez para sua mente corrompida.

O cheiro característico das plantas Tawkami invadia suas narinas, mas ainda não era capaz de expulsar sua forte camada de proteção.

— Tai’Ren? – Neteyam tentou outra vez.

— Ele acordou? – A voz de Aneya surgiu no ambiente, de repente muito urgente.

Tai’Ren deixou os olhos pousarem nos traços de seu pai e depois na pele alva do Metkayina, mas não sentiu qualquer chama em seu coração. Era como se uma parte de si tivesse morrido.

— Está tudo bem, filho. – Neteyam tocou seu rosto. – Está seguro agora. Estamos cuidando de você e depois vamos pra casa. Ao’nung e seus irmãos estão com tanta saudade!

Inerte, Tai’Ren quase podia sentir os fios elétricos dentro de sua cabeça, como se ainda estivesse conectado a máquina. Seus dedos tremiam, mas não desenvolviam força para responder aos seus comandos. Toda sua cabeça começava a doer se forçasse para puxar qualquer memória.

O Metkayina encarou Neteyam, preocupado.

— Senhor, por que ele está assim? – Perguntou em um sussurro dolorido.

— Não sei. – Admitiu o mais velho. – Mas ele vai melhorar.

Ambos continuaram ali, repetindo palavras de afeto e segurança, tentando criar em Tai’Ren um vínculo com a realidade. 

Aneya sabia que os dias longe de seu amado, mesmo que poucos, tinham causado no outro muito sofrimento. E, embora ainda não soubesse o que tinham feito a ele, estava rezando para que Tai’Ren conseguisse melhorar.

O jovem Sully, por sua vez, optou apenas por fechar os olhos, refém de uma forte exaustão mental.

 

Quando seus olhos voltaram a se abrir, estava sozinho no mesmo ambiente de antes. Felizmente, seus braços pareciam ter ganhado alguma força, pois os usou de apoio para que pudesse se sentar.

Ao seu redor, a cabana florida era mais um lembrete de que estava longe das mãos daqueles que tanto o feriram. E, como se uma barreira tivesse sido quebrada, Tai’Ren tocou seu próprio rosto a tempo de sentir as lágrimas quentes que o banhava.

Deixou o primeiro soluço sair, evidenciando o primeiro resquício de emoção que teve em dias. Fitou os braços repletos de marcas pelas perfurações das agulhas sedentas por seu sangue e encolheu os ombros.

Conforme sua mente cansada e dolorida se eletrizava outra vez, trazendo as memórias dolorosas da tela luminosa, do sangue banhando seu rosto e do sorriso doloroso de sua falecida mãe, o rapaz se reconectava com os temores profundos, entregando-se finalmente ao sofrimento que queria sentir.

— Tai’Ren? – Aneya hesitou por um segundo diante da cena assim que adentrou a cabana, mas logo correu em sua direção, envolvendo-o com os braços. Não se importou por não ser retribuído. – O que houve!? O que está sentindo? Fala comigo...

Porém, não teve respostas. O Sully continuou imerso nas próprias dores, deixando tudo o que estava fortemente aguentando finalmente se materializar.

Estava quebrado. Permanentemente alterado.

— O que fizeram com você, meu Tai’Ren? – Aneya sussurrou, sentindo a própria voz embargar. – Sinto muito por chegar tão tarde. Senti sua falta em todos os momentos. Eu vejo você...

Tai’Ren estava distante demais para ouvir as palavras de seu amado, mas manteve-se ali, encolhido dentro do abraço morno e protetor, sentindo os dedos de Aneya subindo para seus cabelos, afagando-os carinhosamente, enquanto continuava repetindo para o vazio suas palavras culpadas e apaixonadas, como um mantra.

****

Em uma cabana não muito longe da de Tai’Ren, Kaya estava sentada concentrada enquanto seus dedos matavam a saudade de um trabalho que há muito não faziam: Trabalhar nos ofícios dos artesãos.

Recuperando-se de seus próprios ferimentos, a mulher lixava o pequeno pedaço de madeira em suas mãos, vez ou outra alternando com outra ferramenta para cortar os pedaços que já não se encaixava na escultura que nascia.

O minúsculo totem não era nem de longe seu trabalho mais grandioso, mas de alguma forma, havia se tornado estranhamente especial, então ela dedicou todo seu coração a tarefa.

Vez ou outra, os orbes dourados iam para o lado, fitando a criança humana que continuava adormecida, coberta do cheiro das misturas floridas da tsahik ou para as diversas outras que estavam em seu redor, perto da única figura conhecida. As crianças da colônia tinham um grande senso de cumplicidade e isso os fazia dar as mãos enquanto dormiam ou se escolhiam nos cantos da cabana, no aguardo da recuperação do amigo.

Eiji havia chegado quase morto na vila Tawkami. Como seu corpo aguentou tanto tempo em sangramento intenso ainda era um mistério, mas Kaya sabia o quanto Eiji era cabeça dura e teimoso, portanto, se ele não queria morrer, iria insistir na vida até o fim.

E foi o que ele fez. Mesmo quando os na’vis negaram diversas vezes os pedidos desesperados de Kaya para que o salvassem, o coração do menino continuou batendo, esperando uma nova chance.

Os Anurai não sentiram qualquer compaixão pelo pequeno demônio em suas terras, e ainda expressaram um profundo desgosto com Kaya por implorar pela vida de um inimigo.

Os Tawkami, por sua vez, ainda descrentes pelo pedido da guerreira, começaram a ceder quando YiJin, ainda ferido, contou sobre o período que vigiou o pequeno humano.

— Eu vi o Povo do Céu de verdade! Aqueles que quase tentaram nos destruir... e esse menino não age como eles. – Garantiu, defendendo o posicionamento de Kaya. – Por favor, Tsahik!

As palavras gentis do jovem Tawkami e as lágrimas sinceras de Kaya, compadeceram a líder espiritual da selva profunda. 

E quando ela tocou em Eiji para curá-lo, uma energia enorme passou por seu corpo para caminhar até o da criança. No mesmo instante, Eywa se conectou a si.

Em suas visões, viu apenas alguns vislumbres do espírito do pequeno alienígena, o que era estranho, pois sequer imaginava que Eywa pudesse lhe conceder visões de quem não fosse um irmão na'vi.

— Eywa não tem motivo pra me proteger...- Disse Eiji tempos atrás.

O vislumbre foi substituído por diversos outros momentos muito conflitantes. A explosão que queimou metade de seu corpo e levou sua mão, a dor da recuperação, a morte brutal de sua mãe, Tai’Ren e Aneya lutando bravamente e, por fim, uma visão mais longínqua, do que parecia ser o próprio Eiji, mais velho e alto, com cabelos lisos esvoaçando com o vento enquanto atirava, lutando contra os de sua espécie em uma terra que a jovem tsahik só ouviu por histórias de seus irmãos: As planícies. O Santuário dos Ossos.

Quando retornou de sua conexão, fitou o corpo pálido, a luz que emanava de suas misturas medicinais e sabia que ele sobreviveria.

— Eywa vai salvá-lo. – Sussurrou para Kaya, que aguardava ansiosamente. – Ele vai crescer e vai lutar nas planícies. Vai lutar pra tomar a terra de volta outra vez. Foi o que a Grande Mãe me mostrou.

Desde então, pouca resistência havia nos cuidados de Eiji. Muitos na’vis ainda evitavam a cabana por medo dos pequenos humanos que a habitavam, mas outros superavam o medo e deixavam comida, remédios e até alguns brinquedos de madeira, o que animava as crianças mais jovens.

Kaya seguia o tempo inteiro ao lado do garoto, pensando sobre a revelação da tsahik até que finalmente, decidiu trabalhar no pequeno artefato.

Quando os dedos enfim terminaram tudo o que precisava finalizar, guardou-o com cuidado em sua cinta. Tinha ficado exatamente do jeito que queria.

****

— Como ele tá? – Jake tocou o ombro de Neteyam, que apenas suspirou, sentindo-se muito dolorido.

— Parece que ele ficou muito tempo exposto aquela máquina que sonda os pensamentos. Falei com o Norman pelo comunicador e deve ter tido algum dano maior... Não sabemos se ele vai voltar a ser o mesmo. Talvez, se ele começar a se conectar com as coisas fique mais fácil. Estamos tentando.

As palavras eram muito cruéis e causavam no filho mais velho de Jake uma sensação terrível de desamparo. Notando a dor nos olhos de Neteyam, o líder Omatikaya apertou um pouco mais o ombro dele:

— Ele vai melhorar. Não tenho dúvidas. Os Sully aguentam qualquer coisa.

Neteyam assentiu, precisando desesperadamente acreditar nas palavras do pai. 

Lo’ak, que não estava muito distante, sentiu as orelhas baixarem um pouco, mas rezou internamente pela recuperação de seu sobrinho e quando Jake olhou pra ele, mandou apenas um olhar de quem tinha um recado pra passar.

Jake deixou Neteyam voltar para a cabana e caminhou até Lo’ak.

— Descobriu algo com os humanos que sobreviveram?

— Pode apostar. – Respondeu o filho. – Temos o líder da base entre os presos sobreviventes. Um tal de Roger. Talvez a gente consiga informações valiosas.

— Ótimo. Leve-o pra floresta Omatikaya. Vamos dar um tratamento especial pra ele. – Sugeriu, ameaçador.

— Sim, senhor. – Lo’ak aprovou. – E quanto as crianças?

Jake refletiu um pouco.

— Podemos levá-las para o acampamento. Vão ficar seguros por lá. Só precisamos ver uma forma segura de fazer isso. Nenhum helicóptero vai conseguir pousar na selva, provavelmente tenhamos que voltar pra base e de lá embarcar.

— Certo. E quando partimos?

— Assim que o Tai’Ren estiver em condições de voar.

Lo’ak assentiu e deixou o pai sozinho, seguindo para executar os combinados.

Jake, por sua vez, encarou a vila minúscula, escondida no meio da selva vasta e sentiu compaixão por seus irmãos na’vis, que vinham sobrevivendo com dificuldades graças a guerra iniciada tantos anos antes. Memórias muito antigas ocuparam seus pensamentos, mas ele as expulsou.

Não poderia virar as costas e nunca mais se perguntar o que seria daquelas pessoas, por isso, fez uma nota mental para conversar com a jovem tsahik. Se ela assim permitisse, poderia enviar humanos para construir uma base da resistência na região, a fim de fortalecer aquele território, principalmente para que pudessem aguentar as consequências que a destruição de uma parte da colônia implicaria para eles no futuro.

***

As vozes finas infantis e eufóricas rodearam os ouvidos de Eiji, até que finalmente ele abriu os olhos, curioso. Seu corpo remexeu, enquanto as narinas absorviam o cheiro gostoso da flora que tratava seus ferimentos.

— O olho dele abriu! – Gritou uma menina minúscula, que não devia ter mais do que 4 anos. – Olha!

Imediatamente, vários olhos grandes e curiosos se colocaram sobre Eiji, conforme as crianças se empurravam para ver quem ficaria mais perto.

Diante das interações que rapidamente começaram a arranjar lamentos de uns e raiva de outros, Kaya se aproximou, o que espantou a maioria das crianças:

— Vamos, saiam de cima. Ele mal se recuperou e já querem matá-lo.

Eiji virou o rosto devagar, ainda sonolento, mas absorveu demoradamente os traços de seus colegas e, por fim, os de Kaya.

Seus lábios secos se ergueram, em um sorriso doce, porém ainda frágil.

— A gente conseguiu? – Perguntou, rouco.

— Sim! – Jean tomou a frente, animado. – Foi uma loucura total! Aquele na’vi esquisito salvou a gente e até o Jake Sully tava lá fora! Dá pra acreditar? Nunca imaginei que sua mensagem daria tão certo.

— Foi um golpe de sorte.

— Sinceramente, pareceu sorte até demais...

Eiji pensou novamente na reflexão que teve antes, sobre talvez nada daquela invasão ter sido ao acaso. Reencontrar uma parte de seus amigos, salvar os Tawkami, tudo por conta da ajuda da família de Tai’Ren... Era quase como se...

— Talvez... tudo isso já estivesse planejado. – Concluiu o pensamento em voz alta.

— Hm? – Jean franziu as sobrancelhas. – Não entendi.

— Quando parar de pensar com... – Eiji umedeceu os lábios. -... tanta lógica, vai entender o que eu quero dizer.

Kaya sorriu, pois dentro da cabana, era a única que pensava de forma parecida.

Eiji não costumava fazer nada além de pensar racionalmente. Mas sua longa jornada por Pandora, lidando com a vida e a morte, abriram cada vez mais seus horizontes. E, mesmo que tivesse a consciência de não ser querido no planeta onde nasceu, aprendeu a ver aquele mundo com todas as suas nuances.

E de fato, havia algo sobrenatural em Pandora. Em cada folha, cada raiz, cada animal...

Talvez nunca compreendesse de fato. Mas agora, podia sentir que aquela misteriosa energia existia e continuava fluindo em todas as direções.

Desligando seus devaneios, Eiji sorriu para a guerreira. Outra vez, teve um estranho vislumbre de sua falecida mãe.

— Obrigado, Kaya. Você sabe... por me salvar.

— Confesso que pensei duas vezes. – Brincou ela.

— Que engraçado...

Curioso, Eiji a viu retirar algo da cinta, que prontamente estendeu a ele.

— Fiz da forma mais fiel as minhas lembranças. – Comentou Kaya. – A passagem dela nas planícies foi curta, mas espero que tenha me lembrado o suficiente.

O menino pegou com cuidado o totem de madeira e levou para perto do rosto, analisando os contornos para enxergar a figura esculpida.

Era uma mulher. Uma humana. O corpo pequeno tinha sido entalhado na madeira com um nível de precisão tão bonito, que apenas mãos muito habilidosas conseguiriam reproduzir.

Os olhos de Eiji imediatamente se encheram ao reconhecer o uniforme dos pilotos e os cabelos soltos, rebeldes. Seus lábios tremeram e o sorriso despontou no mesmo instante em que as lágrimas transbordaram.

— Ele tá triste... – Disse outra das crianças.

— Não. – Corrigiu Eiji, com um sorriso emocionado. – Olhem, é a minha mãe!

Kaya deu um passo para trás, deixando as crianças correrem até ele outra vez. O pingente passou pelas mãos minúsculas de quase todos eles. Os olhos curiosos, das mais variadas cores, brilharam ao fitar a pequena forma entalhada.

— Uau! – Muitos diziam em uníssono.

Eiji buscou os olhos dourados e sorriu outra vez.

— Obrigado, Kaya.

A guerreira apenas voltou a se sentar, observando a interação das crianças. Uma paz expressiva invadiu seu coração. Talvez estivesse olhando para um futuro estranho, que nunca havia cogitado.

As crianças curiosas e que nutriam um interesse genuíno por Pandora poderiam crescer e construir um mundo diferente, de esperança.

E, talvez, tudo o que precisasse fazer dali pra frente, fosse garantir que elas vivessem, que construíssem esse mundo estranho, porém, repleto de vida.

— Grande Mãe. – Sussurrou. – Se essa for sua vontade, eu vou aceitá-la.

****

Dias depois, Eiji caminhava devagar pela vila, com sua única mão cuidadosamente pousada sobre o abdômen enfaixado.

— Ei. – Chamou baixinho. Os olhos escuros fitaram Tai’Ren, que estava sentado sozinho em um tronco não muito longe de onde haviam feito uma fogueira na noite anterior.

Os na’vi cinzento inicialmente tremeu em sua presença, assustado, mas como se recordasse de alguma coisa, balançou a cabeça.

— Oi.

Compadecido, o humano optou por continuar de pé e não se aproximar mais. Ainda não sabia reagir muito bem a estranheza com a qual o Sully lhe travava, desde o medo terrível no primeiro reencontro até a frieza com a qual estava convivendo agora.

— Vim me despedir. Sei que estão de partida. – Começou Eiji, já com o peito apertado por se separar de seus amigos. Com a visão periférica, percebeu Aneya não muito longe. – Eu só... queria te agradecer, Ren. Se não fosse por você, eu teria morrido muito tempo atrás. Obrigado por convencer o Aneya de que eu não era uma ameaça pra vocês, mesmo quando eu não merecia toda essa confiança... Você se tornou meu amigo. Vocês dois. Espero que a gente se veja de novo. Eu vou ficar aqui com os meus amigos e a Kaya. Quem sabe quando formos mais fortes possamos resgatar as outras crianças e até voltar para as planícies? Só o tempo vai dizer.

Os olhos cinzas estavam pousados no menino, mas Tai’Ren não fez muita questão de interrompê-lo.

— Seu avô Omatikaya combinou com a tsahik de que vai enviar outros humanos aliados. Eles vão nos ajudar a sobreviver aqui e espero que tragam roupas do meu tamanho. De qualquer forma, acho que vou poder visitar você nos recifes. Seria legal, não é?

Sem saber ao certo o que sentir sobre aquilo, mas começando a notar a pontada estranha em seu coração, Tai’Ren balançou a cabeça, em concordância.

Não era muito, mas deixou Eiji feliz.

— Ótimo, então a gente se vê! Até logo, amigo.

Com um sorriso carinhoso, Eiji caminhou de volta, trocando um olhar cúmplice com Aneya, de quem já tinha se despedido. Ainda assim, em um ímpeto curioso, ele parou por um momento para abraçar o Metkayina, que retribuiu desengonçado.

— Cuida bem dele. – Pediu o menino.

— Não se preocupe. Logo tudo vai voltar a ser como era.

Trocaram um aceno e Eiji voltou para onde Kaya estava, sendo recebido por um carinho em seus cabelos, que já estavam crescendo.

Aneya caminhou até Tai’Ren e o puxou pela mão suavemente. Rodeou seu braço pela cintura fina, sabendo que o rapaz não conseguia se locomover direito sozinho por conta do joelho.

— Aneya.

Os olhos azuis do mais velho brilharam com o chamado baixinho.

— O que foi?

Tai’Ren virou o rosto para trás, observando aqueles que lhe encaravam com tanto carinho. Kaya, Eiji e seu avô, Huan.

— O que eu deveria estar sentindo agora?

— Não se cobre, meu Tai’Ren. Com o tempo, tudo vai ficar claro outra vez. – Respondeu, com um certo aperto na garganta por estar deixando seus amigos para trás. – Apenas... tente entender seu coração.

Não falaram mais nada dali em diante.

Neteyam e Lo’ak vieram ao encontro deles e juntos seguiram para o campo aberto onde apenas os rastros de destruição da base haviam sobrado. Dezenas de ikrans respondiam ao chamado de seus companheiros de viagem e pousavam, preparando-se para a viagem longa.

A visão dos animais fez os olhos de Tai’Ren se maravilharem. De repente, em um ímpeto incontido, ele reproduziu os sons para chamar seu próprio ikran, o que surpreendeu aqueles que estavam ao seu redor.

O gracioso animal, que ainda carregava algumas marcas da perigosa viagem, desceu de encontro ao seu querido amigo na’vi e soltou seu característico grito, satisfeito pelo reencontro.

Tai’Ren não sabia ao certo o que pensar. Sua mente ainda era um vazio estranho, mas seu corpo reagiu instantaneamente, dando um passo à frente. Aneya o segurou com mais firmeza para que não caísse. O menor então esticou o braço para tocar na cabeça do ikran, que aceitou o carinho de bom grado.

Seu coração imediatamente se encheu de ternura. Ele queria voar.

— Não precisa ter medo. – Neteyam o incentivou. – Você sempre foi ótimo nisso.

— Faça o tsaheylu e eu te ajudo a subir. – Aneya sorriu.

As palavras de motivação fizeram o jovem na’vi puxar sua trança e se conectar com o animal. Imediatamente o ikran se inquietou, confuso pela própria desorientação de Tai’Ren, mas logo se acalmou ao encontrar a ternura do coração do rapaz.

O Sully fechou os olhos, estabilizando aquela conexão que, por mais nova que parecesse, era tão antiga.

Subitamente mais confiante, encarou Aneya para lhe ajudasse a montar. O pedido foi prontamente atendido.

Lo’ak sorriu:

— Partiu, casa!

Aneya encarou Neteyam, que apenas fez um aceno em concordância para o combinado que haviam feito.

Com todos prontos, os ikrans partiram da selva profunda, levando a gratidão dos moradores da vila e deixando a esperança de dias melhores.

*****

Tai’Ren estava perdido na imensidão do mar. 

Os olhos cinzentos absorviam o azul acolhedor e familiar com sentimentos conflitantes. Mesmo depois de tantas interações com a “vida real”, o rapaz ainda estava convencido de que a qualquer momento tudo pudesse se apagar, dando lugar as luzes brancas e frias de seu cativeiro.

Seus medos fizeram o ikran protestar, despertando-o da letargia. Sentindo a insegurança, Aneya rodeou com mais firmeza o busto do amado.

— Estou aqui. – Sussurrou. – Não se preocupe.

Em tempos normais, Aneya estaria muito orgulhoso por perceber que já não estava incomodado com os voos. Mas estava tão dedicado aos cuidados de Tai’Ren, que pouca coisa além disso se passava por sua cabeça. Talvez apenas a saudade de Awa’atlu.

Já não voavam em meio as dezenas de ikrans dos irmãos Omatikaya. Depois da breve parada na floresta, onde Tai’Ren pôde ter um tratamento mais adequado ao seu joelho, eles partiram junto com Neteyam de volta para os recifes.

Agora, a paisagem estonteante do continente havia dado lugar ao mar infinito. O cheiro salgado os recebia com felicitações depois de tantas provações.

Neteyam estava em paz por trazer seu filhote de volta para a casa, mas ansioso com as questões que Tai’Ren precisava enfrentar para superar o trauma adquirido do breve período cativo.

Aneya estava com sentimentos parecidos. O medo de ver Tai’Ren recluso para sempre se contrastava com a animação para voltar para casa e reencontrar sua família. Seus devaneios foram interrompidos quando Neteyam fez um sinal que passou despercebido por Tai’Ren:

“Me sigam.”

O ikran de Neteyam então manobrou para voar em outra direção do oceano. Sem questionar, o filho o seguiu depois de ser instruído por Aneya.

Ambos continuaram o voo por horas, até que o mar límpido deu lugar a águas mais escuras, repletas de cavernas subaquáticas, que pareciam formar um grande labirinto. Os olhos cinzas de Tai’Ren se estreitaram conforme a visão de duas ilhas idênticas começava a crescer diante deles. Sua respiração aumentou a velocidade conforme seus batimentos também aceleravam.

Percebendo a inquietação, Aneya colocou a palma no abdômen do rapaz:

— Relaxa. Respira com calma.

Quando se aproximaram o suficiente para pousarem, Aneya ajudou Tai’Ren outra vez. O Sully, que em nenhum momento desviou os olhos das árvores altas, deixou os pés sentirem a grama macia com muito cuidado.

Estava alheio ao diálogo que ocorria ao seu lado:

— Você tem certeza de que não querem ir direto pros recifes? – Neteyam questionou.

— Tenho, senhor. Mesmo que o Ren esteja se recuperando, essa missão é importante demais pra ele. Precisamos terminar isso... mesmo que sem todas as respostas. – Respondeu Aneya, com muita convicção. – Além do mais, talvez ele tenha aqui o que precisa pra voltar a ser quem era.

Neteyam sustentou o olhar do jovem guerreiro por um tempo até assentir.

— Tudo bem, não esqueça da direção pra voltar. Vamos estar esperando vocês.

Aneya sorriu e segurou a cintura de Tai’Ren para dar ao rapaz a mobilidade tão esperada. Com apoio, o mais novo pôde enfim deixar os pés se moverem automaticamente, entrando nas floresta como se sempre tivesse morado por ali.

O Metkayina absorvia as características daquele lugar silencioso e abandonado, mas não mostrou hesitação.

Aquele era o último passo da grande jornada.

 



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