História Anjos Caídos - Primeiras Impressões

Quando viraram a esquina dos blocos de concreto onde ficavam as salas de aula, Ino freou subitamente.

- Finja indiferença - avisou

- Indiferença - repetiu Sakura.

Todos os outros aluno pareciam estar amontoados em volta das árvores estranguladas por trepadeiras do lado de fora de Augustine. Ninguém parecia exatamente feliz por estar do lado de fora, mas nenhum deles parecia disposto a entrar também.

Dover não tinha regras muito rígidas em relação a roupas, então Sakura não estava acostumada à uniformidade que algo assim podia dar a um grupo de alunos. Ainda assim, apesar de todos estarem usando jeans preto, blusa preta de gola alta e moletom preto amarrado em volta dos ombros ou da cintura, ainda havia diferenças significativas na maneira com que cada usava essas peças.

Algumas garotas tatuadas estavam paradas, de braços cruzados, pulseiras até os cotovelos, em círculo. As bandanas pretas em suas cabeças faziam Sakura sem lembrar de um filme que tinha visto sobre uma gangue de garotas motociclistas. Ela alugara porque pensou: O que pode ser mais maneiro do que uma gangue de motociclistas só de garotas? Agora o olhar de Sakura encontrou o de uma dessas garotas através do gramado. O olhar de esguelha, naquelas pálpebras excessivamente delineadas de preto, fez Sakura rapidamente desviar os olhos.

Um garoto e uma garota que estavam de mãos dadas tinham bordado paetês no formato de caveiras e ossos nas costas de seus moletons pretos. A cada poucos segundos, um dos dois puxava o outro para um beijo na testa, na orelha, no olho. Quando se abraçaram, Sakura viu que ambos usavam a pulseira de rastreamento. Eles pareciam meio grosseiros, mas era óbvio que estavam muito apaixonados. Toda vez que via seus piercings da língua rebrilhando, Sakura sentia um aperto solitário dentro do peito.

Atrás dos namorados, um grupo de meninos estava encostado no muro. Todos usavam só suéteres, apesar do calor. E todos usavam camisas brancas de botão por baixo, com o colarinho levantado. Suas calças pretas alcançavam o topo de seus sapatos perfeitamente polidos. De todos os estudantes dali, esses garotos era os que mais lembraram Sakura dos garotos da Dover. Mas, olhando com mais atenção, rapidamente eles se diferenciavam dos garotos que ela conhecera. Garotos como Trevor.

Mesmo parados com seu grupo, esses garotos irradiavam um tipo específico de dureza. Estava bem ali, dentro de seus olhos. Era difícil de explicar, mas subitamente Sakura se deu conta de que, assim como ela, todo mundo na escola tinha um passado. Todos provavelmente escondiam coisas que não queriam dividir. Mas ela não conseguiu concluir se isso a fazia se sentir mais ou menos isolada.

Ino notou Sakura observando o restante dos alunos.

- Todos fazemos o possível para passar os dias por aqui - disse ela, dando de ombros. - Mas, caso não tenho notado os abutres voando baixo, esse lugar basicamente tem cheiro de morte. - Ela se sentou num banco sob um salgueiro-chorão e indicou com um tapinha o lugar para Sakura se sentar.

A garota limpou uma pilha de folhas caídas e molhadas mas, logo antes de se sentar, notou outra violação das regras de vestuário.
Uma violação de regras de vestuário muito atraente.

Ele usava um cachecol vermelho em volta do pescoço. O clima não estava nem um pouco frio, mas o garoto usava uma jaqueta de motoqueiro de couro preto por cima do suéter preto também. Talvez por ser o único ponto de cor no grupo, Sakura não conseguia tirar os olhos dele. Na verdade, tudo o mais em volta empalideceu de tal forma que, por um longo momento, Sakura se esqueceu de onde estava.

Ela analisou seu cabelo e seu rosto branco como a neve. As maçãs do rosto, os óculos escuros que cobriam os olhos, o formato delicado de seus lábios. Em todos os filmes que Sakura já vira, em todos os livros que lera, o interesse amoroso era sempre incrivelmente bonito - exceto por algum pequeno defeito. Mas, acessível ou não, Sakura sempre tivera uma queda pelos sublimemente estonteantes. Como esse cara.

Ele estava encostado no prédio com os braços cruzados de leve sobre o peito. E, por uma fração de segundo, Sakura se viu aconchegada naqueles braços. Balançou a cabeça para afastar a imagem, mas a visão continuava tão clara que quase fez com que ela disparasse em direção a ele.

Não. Isso era loucura. Certo? Mesmo numa escola cheia de malucos, Sakura tinha certeza absoluta de que esse instinto era loucura. Ela nem conhecia o cara.

Ele estava falando com um garoto mais baixo, que tinha os cabelos vermelhos vivo e uma tatuagem na testa. Os dois riam muito e com vontade, de um jeito que deixou Sakura estranhamente invejosa. Ela tentou se concentrar e lembrar há quanto tempo não ria, ria de verdade, como eles.

- Aquele é Sasuke Uchiha - explicou Ino, se inclinando e lendo seus pensamentos. - Posso ver que chamou a atenção de alguém.

- Não me diga - concordou Sakura, envergonhada ao perceber como devia estar parecendo para Ino.

- É, bem, se você gosta desse tipo de cara.

- O que há ali para não se gostar? - perguntou Sakura, incapaz de impedir aquelas palavras de saltarem de sua boca.

- O amigo dele se chama Gaara - disse Ino, indicando com a cabeça o menino de cabelos vermelhos. - Ele é legal. O tipo de cara que consegue as coisas, entende?

Na verdade não, pensou Sakura, mordendo o lábio. - Que tipo de coisas? - perguntou Sakura.

Ino deu de ombros, usando o canivete roubado para cortar um fio solto de um rasgo em seu jeans preto.

- Coisas, só isso. Do tipo, peça-e-há-de-conseguir.

- E Sasuke? - Sakura perguntou. - Qual é a história dele?

- Ah, ela não desiste mesmo. - Ino riu, e então limpou a garganta. - Ninguém sabe de verdade - disse. - Ele não abre mãos dessa ideia de ser o homem misterioso. Pode ser apenas o típico babaca de reformatório.

- Babacas não são novidade para mim - disse Sakura, embora, no segundo que falou essas palavras, tenha desejado poder voltar atrás. Depois do que acontecera com Trevor - o que quer que tenha acontecido -, ela era a última pessoa que devia julgar os outros. Mas, mais do que isso, nas raras vezes em que se referia, mesmo que minimamente, àquela noite, o estranho toldo preto de sombras descia sobre ela, quase como se estivesse de volta ao lago.

Sakura olhou mais uma vez para Sasuke. Ele tirou os óculos e os guardou dentro da jaqueta, e então se virou para olhar na direção dela.

Seus olhares se encontraram,e Sakura viu quando os olhos dele se arregalaram e depois rapidamente se estreitaram com o que parecia ser surpresa. Mas não, era mais do que isso. Quando os olhos de Sasuke encontraram os seus, Sakura prendeu a respiração. Ela o reconhecia de algum lugar.

Mas com certeza se lembraria de conhecer alguém como ele. Teria se lembrado de se sentir completamente abalada como se sentia agora.

Ela percebeu que ainda estava se encarando quando Sasuke sorriu. Uma onda de calor se espalhou pelo seu corpo, e ela precisou se segurar no banco para não cambalear. Ela sentiu seus lábios se curvando para sorrir de volta para ele, mas então Sasuke ergueu umas das mãos. E levantou o dedo médio para ela. Sakura levou um susto e abaixou os olhos.

- O quê? - Ino perguntou, alheia ao que tinha acabado de acontecer. - Não importa. Não temos tempo. Sinto que o sinal vai tocar.

Como se esperando essa deixa, o sinal tocou imediatamente depois, e todos os estudantes caminharam devagar em direção à entrada do prédio, esbarrando uns nos outros. Ino estava puxando a mão de Sakura e tagarelando sobre quando e onde encontrá-la em seguida. Mas Sakura ainda estava surpresa por um estranho completo ter mostrado o dedo a ela. Seu delírio momentâneo em relação a Sasuke tinha desaparecido, e agora a única coisa que queria saber era: qual é o problema desse cara?

Segundos antes de entrar em sua primeira aula, ela ousou olhar para trás. O rosto de Sasuke estava inexpressivo, mas não havia dúvidas: ele a estava observando partir.

CONTINUA...