História Arritmia - O lance dos morangos, o campeonato e o flagra da biblioteca

Yixing é um cara legal, apesar de ser bem estranho.

Bom, desde que nós descobrimos sobre a coisa toda das almas gêmeas, ele tem sido um cara muito bacana comigo. Deve ser uma coisa dele mesmo, pelo que Sehun já me contou, de ser muito gentil e educado com todos, você entende o que eu quero dizer.

Eles dois parecem muito bem e eu sinto que posso confiar no alfa para cuidar do meu irmãozinho. Ainda não sou muito feliz com a ideia de Sehun ter crescido tão rápido, mas não é como se eu pudesse fazer alguma coisa, então agora é só sentar e assistir. Aliás, não, assistir não. A Deusa me livre de assistir Sehun transando com Yixing.

Mas... eles parecem muito felizes, eu tenho que admitir.

Exatamente por causa da felicidade deles, eu me senti obrigado a guardar as minhas lamúrias sobre os últimos acontecidos. Não quero ser o cara que estraga a alegria dos outros, entende? Eu vou ficar bem, mesmo sem o meu Sehunnie para ouvir meus dramas 24/7.

Tudo é uma questão de controle emocional, certo?

Ai, meu Zeus, o Minseok chegou na cafeteria... Preciso continuar agindo naturalmente... Respire fundo, respire fundo, aja naturalmente... Continue andando com calma até alcançar a fortaleza da mesa...

— Bom dia, Baekhyun!

— CRENDEUSPAI, YIXING!

— Assumiu seu lance com morangos? — ele sorriu e apontou para a minha bandeja, notando uma tortinha doce, suco e um potinho de mousse com calda extra... tudo sabor morango.

— E-eu estou meio n-nervoso com os exam-mes, morangos me... morangos me acalmam.

— Eu vejo... Vou buscar meu almoço, volto em um instante. Por favor, sente-se confortavelmente.

Sentar confortavelmente? Sério, quem deseja isso para uma pessoa numa mesa de lanchonete no meio da escola?

Enfim, de qualquer forma, me sentei mesmo na porcaria da mesa. Só não consegui a parte do “confortavelmente”, mesmo depois de me entupir de açúcar nem do sabor doce dos morangos, por razões de que eu meio que não conseguia tirar os olhos da mesa do outro lado da cafeteria, onde aquele serzinho fofo e gentil sorria tão lindamente, parecendo um daqueles personagens populares de anime, rodeado de amigos e... daquele poodle que quer ser pitbull.

Minha Deusa, se não for pedir muito, você poderia, sei lá, talvez só... matar aquele garoto? Ferir gravemente também seria legal, mas no momento, até afundar o canudinho do suco dele já estava ótimo.

Não que eu tenha alguma coisa contra ele (risos). Não faço o tipo rancoroso e tal, eu só peguei um pouquinho (para caralho) de ranço daquela cara lavada e daquele sorrisinho estúpido que nunca sumia daquela boca.

Mas não é nada pessoal (risos).

— Baekhyun, você dá medo quando faz essa cara — Sehun chegou do meu lado e sentou deixando a bandeja do almoço na mesa. — Se você pudesse matar só olhando, eu teria pena de Jongdae.

— Vai namorar com ele também, então — resmunguei igual um velho, odiando a traição do meu melhor amigo. Quem sente pena de Kim Jongdae?

— Credo, Baekkie, que bicho te mordeu?

— De onde eu venho, nós chamamos isso de ciúmes. — Kyungsoo deu uma sorrisinho e enfiou o canudo do achocolatado na boca, fazendo charminho.

— Você nasceu aqui, babaca.

— Mais um motivo.

—Aaarrggg, vão pro inferno, todos vocês — reclamei irritado e olhei um pacote de biscoitos recheados sabor morango dentro de uma sacolinha ao lado de Chanyeol. — Me dá essa porcaria aqui.

Enfiei os biscoitos todos na boca e ignorei firmemente as risadinhas cúmplices que os dois casais trocavam, rindo da minha desgraça. Que se fodessem, espero que reprovem em todos os exames.

...

Ah...

Olha só aqueles olhinhos. Você não acha Minseok adorável? Eu acho também, ele é um anjo, ainda mais com aquelas roupinhas leves de verão e as bochechas coradas com o calor.

Minseok realmente é um anjo, pensando melhor agora. É, é um anjo mesmo. Aquele cabelinho loiro, que parecia só emoldurar o rostinho mais lindo do mundo, os olhinhos quase sempre espremidos em meias-luas, acompanhando o sorriso brilhante de seus lábios delicadamente desenhados e eternamente vermelhos, como morangos.

Bom, agora que eu já descobri qual é a minha doença, eu consigo ficar mais calmo com algumas coisas, tipo conseguir passar horas observando o Minnie estudar, falar, comer, sorrir ou só... respirar. Passei os últimos anos todos tentando evitar até olhar para ele, com medo que a minha doença atacasse e, de repente, eu parasse de respirar, mas agora que eu sei do que se trata e que sei que eu não vou morrer por isso (exceto morrer de amor rsrs), me sinto mais livre para assistir de longe o quanto Minseok havia mudado. Não realmente me importava que meu coração estivesse decidido a me pular da boca e sair correndo cem metros em um segundo, a preocupação maior era de que alguém pudesse ouvir e pensar que eu estava enfartando.

E estava mesmo.

Eu não sei bem se tudo aquilo é porque Minseok é um ômega Kim, mas ele era abusivamente perfeito. Quanto mais tempo passava, mais bonito ele parecia ficar e, ao mesmo tempo, os anos não pareciam fazer efeito nenhum, já que ele permanecia com o mesmo rostinho de bebê, salvo pelas bochechas menos arredondadas (o que era uma pena, porque acabei por nunca realizar meu desejo de mordê-las até conseguir provar que elas tinham gosto de morango também) e os olhos que, de alguma forma, pareciam mais ávidos, atentos e... sensuais.

Isso tudo sem mencionar que ele é o queridinho dos professores, entre os melhores da escola, perdendo somente para Kyungsoo, provavelmente (mas Kyungsoo tem pacto com Satã, ele usou hack, então Minseok continua sendo o primeiro da escola... e do meu coração rsrs). Ele também é excelente em qualquer esporte, principalmente futebol.

Resumindo tudo, ele é um deus.

Minseok é um deus e eu sou um fiel em sua seita.

— Só se for a seita que dói menos — Sehun chegou sorrindo, me denunciando que ou eu deveria ter falado aquilo em voz alta, ou ele e Yixing deveriam ter alguma espécie de poder psíquico.

— Que pesado, Sehunnie — Yixing me defendeu, ainda bem. Ele é um cara bacana. — Não caçoe dos sentimentos alheios. — Yixing é uma ótima pessoa, um alfa desses, bicho.

— Desculpa.

— Tudo bem, eu já aprendi a lidar com a dor — joguei meu corpo para trás dramaticamente, caindo na grama do pátio, desistindo de continuar a sofrer observando Minseok de longe enquanto ele jogava bola com os colegas de turma.

— Você quer drama, @? — Sehun voltou a sorrir e se deitou ao meu lado, abraçando o namorado e o arrastando junto no processo. — Vamos fazer campeonato de Call of Duty depois da aula?

— Não sei se tenho energia pra isso, Hunnie... — soltei um suspiro cansado e fechei os olhos por causa do excesso de claridade mesmo debaixo da árvore.

— O prêmio para o vencedor vai ser uma torta de morango.

— Vai ser na minha casa ou na sua?

...

— Jongdae sabe que vocês são almas gêmeas — Yixing disse e enfiou a mão cheia de salgadinhos de queijo na boca.

No mesmo instante, virei para encará-lo, esquecendo do jogo.

— Como?

— Eu conversei com ele sobre vocês dois — o alfa chinês continuou falando tranquilamente depois de mastigar —, nós somos amigos, afinal. Ele me disse que sabe sobre vocês dois.

— E então?

— O quê?

— O que mais ele disse?

— Jongdae?

— Sim, Jongdae.

— Que não vai abrir mão do Minseok pra você.

— Eu já sabia disso — sorri forçado, me achando ridículo por ter criado alguma esperança.

— O jogo, Baekhyun! — Chanyeol gritou, me fazendo virar a cabeça para a tela novamente e acertar mais uns caras.

— Acho que todos na escola já perceberam o modo que os lobos de vocês interagem — Sehun disse e eu não pude virar para vê-lo, porque um grupo de inimigos começou a nos atacar de alguma tocaia e eu precisava me esconder dos tiros mais perigosos. — Desde o Dia dos Namorados, as pessoas andam comentando sobre vocês, Baek. Aconteceu alguma coisa?

— Não... — respondi rápido, mas minha mente deu um estalo tão grande que me fez dar um pulinho na cadeira — Aconteceu! Minseok... O Minseok estava passando pelo pátio externo quando eu estava distribuindo os chocolates... Eu não sabia quem ele era, mas ele parou para me ouvir e ele... Bom, acho que ele também sentiu.

— Ele sentiu?

— Os lobos se conectaram — Yixing pôs a mão no queixo pensativamente, inclinando a cabeça e eu concordei com a cabeça. — Então o Minseok já sentiu você... Isso é um bom começo, talvez ele não saiba tão pouco quanto nós pensamos.

— As pessoas ficaram falando sobre isso desde então, imagino que Jongdae tenha se sentido ofendidinho em saber que o namorado dele tem outro alfa.

— Teoricamente, ele não tem — sorri sem graça e cocei a cabeça instintivamente. Estava feliz por saber que o Minnie tinha me sentido como eu sentia ele, mas também me enchia de uma tristeza bizarra saber que isso não alterava em nada realmente a minha situação. — Vocês... Vocês acham que e-ele sabe sobre... V-vocês acham que ele sabe que nós s-somos...?

— Eu não acho que sim, ou ele teria me falado alguma coisa sobre isso — respondeu um Sehun com a boca transbordando o sanduíche de presunto.

— Não quero estragar a sua esperança, meu anjo, mas você já pensou na possibilidade de Minseok esconder isso de você por ciúmes? — Yixing ainda tinha a mão no queixo, mas olhava para o namorado agora, sorrindo de sua falta de etiqueta por falar e comer ao mesmo tempo. — Eu quero dizer, talvez ele estivesse com ciúmes de você e do Baekhyun, já que todo mundo pensava que vocês estavam juntos. Só eu sei o quanto tive que me conter para não arrancar o pescoço do Baekhyun todas as vezes em que eu via vocês dois em situações sugestivas... — a última parte ele terminou sorrindo, embora trouxesse lembranças constrangedoras para mim e para Sehun.

— Agora que você disse — o ômega começou a falar, imitando Yixing com a mão no queixo —, eu lembro de algumas vezes em que ele agiu estranho, como se estivesse com raiva de mim, incomodado com a minha amizade com o Baek.

— Incomodado? Como? — perguntei, curioso o suficiente para me virar e encará-lo.

— Baekhyun! Foco! — Chanyeol gritou outra vez e me forçou a virar de novo na cadeira.

— Muito cedo na manhã um dia antes do Festival do Amor, eu estava testando umas receitas de doces e o Minseok me ouviu falando para o papai Heechul que eu os daria para Baekhyun. Ele meio que surtou — Sehun riu, mas alguma coisa em seu sorriso foi triste, mas não pude confirmar a expressão em seu rosto —, disse umas coisas meio... Bom, ele disse que eu não deveria namorar o Baekkie.

— Eu ficaria full pistola se eu visse um ômega fazendo chocolates para o meu alfa — Kyungsoo falou pela primeira vez e eu dei outro pulo na cadeira, colocando a mão no peito tentando acalmar o coração. Quando Kyungsoo tinha chegado ali? A coruja gótica continuou falando calmamente, ignorando meu estado: — Deve ter sido muito engraçadinho o Minseok com ciúmes.

— Não foi — Sehun riu nervoso. — No mesmo dia, eu levei alguns biscoitos para o Baekhyun, mas ele... Eh, não deu muito certo e ele... passou mal... Eu fiquei triste, porque era a milésima vez no dia em que me falavam que os meus biscoitos estavam ruins e fugi para o telhado...

— Você disse para um ômega que os biscoitos dele estavam ruins? — Kyungsoo novamente virou aqueles olhões escuros para mim, encarando como se fosse puxar uma faca do bolso e me fazer em cubinhos acebolados ao molho barbecue.

— N-não foi ele... — meu amiguinho intercedeu por mim e eu suspirei aliviado quando o outro virou os olhos para ele, confuso.

— Como você consegue conviver tranquilamente com ele? — perguntei baixinho para Chanyeol, que enchia a boca com salgadinhos sabor churrasco com uma mão enquanto a outra trabalhava fervorosamente no joystick.

— Não consigo — o alfa sorriu e deu de ombros. Quase senti pena.

 — Enfim — Sehun continuou —, isso não importa, o que vocês precisam prestar atenção é que depois que o Minnie nos pegou juntos no telhado, ele não falou mais comigo até o dia em que ele soube que eu estava namorando o Xing.

Fiquei um tanto aliviado ao perceber que Sehun não falou nada sobre o beijo que nós trocamos lá naquele dia. Não tinha sido realmente um beijo cheio de sentimentos românticos, foi mais uma coisa de instinto mesmo, mas poderia causar alguma confusão desnecessária e eu estava me dando bem com Yixing para arriscar aquilo.

— Ele fala com você agora?

— Ele se desculpou por ter sido rude comigo e nós voltamos a nos falar normalmente.

— Isso parece ciúmes para mim — Kyungsoo afirmou balançando a cabeça.

— Ciúmes, com certeza — Yixing confirmou e voltou a comer seus salgadinhos, antes de dizer suavemente: — Eu mesmo já estava planejando assassinar o Baek por ter beijado meu ômega.

Então a balinha de iogurte de morango que eu tinha acabado de jogar na boca ameaçou ser engolida pelo canal errado e eu jurava que ia acabar tossindo minha vesícula até conseguir respirar de novo. Àquela altura já tinha largado o controle e perdido a batalha, ouvindo os gritos de Chanyeol por ter arruinado a partida. Sehun parecia tão surpreso quanto eu, a única sorte é que ele ainda não tinha colocado a comida na boca ainda.

— C-como...? — o ômega perguntou meio assustado.

Yixing sorriu com um excesso de meiguice e continuou comendo calmamente, como se o assunto não fosse realmente grande coisa.

— Vocês são bobinhos demais para esconder qualquer coisa.

Eu meio que fiquei sem saber se isso era um elogio ou não.

...

E então, no dia que eu resolvi assumir meu amor (lê-se: leve obsessão) por morangos, comprei uma caixa de tintura vermelha para cabelos, rezando para todos os deuses que eu não estragasse meu cabelinho quando fui usá-la.

Ficou ótimo, inclusive, como já era de se esperar. Afinal de contas, meu cabelo é maravilhoso, muito bem hidratado, a tinta deveria se sentir honrada por toca-los.

E é aquele ditado, não é? Demora para admitir, mas quando acontece só falta escrever na testa. Por isso que, combinando com meu novo visual incrível, vesti meu moletom cor de rosa com uma pixel art de morango. Só faltava uma tatuagem de "I ♡ Morango" no braço, estilo motoqueiro.

O que problematiza a coisa toda é que... exatamente no dia em que eu assumi meu amor por morangos, Minseok assumiu ser um morango.

Tão logo na entrada da escola, no meio daquele bando de gente estranha que povoa os corredores todos os dias, eu, lindamente caminhando rumo à sala de aula, presidente do fã clube oficial dos morangos, quase esbarrei em um Minseok com os cabelinhos fantasticamente pintados de cor de rosa. Quase esbarrei, porque quando vi fiquei paralisado no meio do caminho, longe o suficiente para que ele passasse sem problemas, mas perto o bastante para ainda conseguir sentir seu cheirinho de morango se espalhando pelo ambiente e deixando o dia mais doce.

Senti meu coração acelerar em resposta, e tive vontade de arranca-lo do peito e jogá-lo fora, por me fazer ficar tão embaraçado daquele jeito. Agradeci um bocado por meu cabelo agora ser vermelho e a coloração das minhas bochechas ficarem disfarçadas entre eles.

Retiro o que tinha dito antes sobre Minseok não saber sobre mim. Ele, com certeza, sabe e fazia tudo aquilo de propósito, porque... Puta merda, Kim Minseok, você é tão lindo que meu pâncreas dói.

Olhem lá, ele todo felizinho agradecendo o milhão de pessoas que tinham isso elogiar seu visual novo. De repente, o rosado dos cabelos desceu para as bochechas também.

— Minseok, você está maravilhoso! — ouvi alguém dizer e quase balancei a cabeça concordando. — Você é o garoto mais bonito da escola — e isso choca um total impressionante de zero pessoas — aposto que o seu alfa deve ter amado seu cabelo novo.

Ah, você não tem ideia do tamanho da minha vontade de gritar “Amei, sim!” e eu cheguei até a abrir a boca mesmo, sabe? A língua se mexeu e tudo, mas no último segundo, um certo poodle resolveu latir:

— Ele é incrível, não é? eu disse que ele ficaria fantástico com essa cor. Adorei o resultado.

E eu achei melhor sair de perto antes que eu resolvesse fazer o vermelho dos meus cabelos se estender até o chão, com o sangue de Kim Jongdae.

— Eu acho simplesmente inacreditável como você consegue parecer sempre tão brilhante todas as manhãs logo cedo — a voz de Sehun soou sarcástica atrás de mim e me fez virar para encará-lo, revirando os olhos. Ele sorriu e jogou os braços ao meu redor para me dar um beijo na bochecha. — Bom dia, Baekkie! Eu já disse que você está lindo com esse cabelo de menstruação?

— O único sangue que nós vamos ver aqui vai ser o seu se não calar a boca — sibilei irritadíssimo. Sehun apenas sorriu mais e me de outro beijinho na têmpora, me arrastando até o corredor das nossas salas.

— Estou brincando, você está lindo de verdade, vermelho é a sua cor!

— Bom dia! — Yixing apareceu e Sehun me soltou para abraçar o namorado. — Gostei do cabelo, Baek, vermelho combina com você.

— Obrigado — suspirei e entrei na sala deixando os dois sozinhos com seus amassos matinais.

— Cabelo legal — ouvi Chanyeol me dizer. — Tá tudo bem, cara?

— Me sinto atacado — suspirei pela milésima vez naquela manhã, me dando o trabalho de explicar para a expressão confusa em seu rosto: — Minseok está terrivelmente lindo com os cabelos pintados de cor-de-rosa lá embaixo e adivinha só? Não sou eu quem pode enchê-lo de beijos e repetir isso mil vezes por segundo para ele.

Eu gosto muito do Chanyeol.

Nós nos conhecemos quando ele ainda era baixinho, então você consegue entender que fazem alguns séculos, certo? Se eu não me lembrasse dessa época e alguém me dissesse que Chanyeol já foi pequeno algum dia, eu riria na cara dessa pessoa.

Mas a verdade é que ele sempre me entendeu bem. Chanyeol é um cara muito... empático, como as pessoas dizem, sabe? Quando eu fazia alguma piada, ele era sempre aquele idiota que riria, mesmo sem ter graça alguma.

— Ah, cara... — e lá estava o rei da empatia novamente, dividindo um suspiro comigo.

E quisera eu que fosse o último daquela manhã.

...

— Esse seu lance com morangos é meio assustador, Byun — foi isso que Kyungsoo disse, quando finalmente me notou depois de beijar Chanyeol por quase meia hora sem intervalo quando chegamos lá.

— Esse seu lance com essa coruja satânica é meio assustador, Park — retorqui e Kyungsoo meio sorriu e meio revirou os olhos.

— Isso é inveja — o ômega sorriu e se agarrou mais ao alfa.

— É isso mesmo, então parem de se pegar na minha frente.

Empurrei os dois e me sentei no meio, enfiando o canudinho da vitamina de morango na boca, mas, diferente do que eu esperava, no lugar do cheiro gostosinho da minha bebida, o cheiro de dondiego invadiu meu nariz. Ainda eram dez horas da manhã e nós nem estávamos no jardim, mas mesmo assim, olhei para os lados, procurando a origem do perfume. Até que fez-me muito sentido que o ômega satânico tivesse o cheiro de uma flor que só desabrocha de noite.

— Que porra...? Kyungsoo, você tá no cio?

Estranhamente, o garoto só corou e abaixou os olhos e eu imaginei que ele estivesse mesmo perto do período, o que tornaria lógico que eu tivesse que esperar a beijação de horas terminar para ele perceber que eu estava ali.

— Que nojo — saí correndo e sorrindo do constrangimento dos dois.

Mas só consegui sorrir até sair de perto, porque me dei conta de que eu estava sozinho e os meus amigos eram todos uns filhos da puta que tinham namorados e estavam todos muito felizes, trocando salivas em todos os intervalos entre as aulas.

Obriguei a mim mesmo a ir para a biblioteca procurar qualquer coisa para ler e passar o tempo, já que era o horário de estudo livre e eu não queria voltar para a sala de aula.

Não queria, mas agora quero muito, porque assim que botei os pés na seção de periódicos, lá estava a razão do meu suplício, com o cenho franzido em concentração e um artigo de biologia celular aberto sobre a mesa.

Eu devo ter passado mais tempo do que o aconselhável ali parado observando, porque...

— Ele é lindo, não é?

— É... — respondi ainda meio perdido, até que dei um pulinho de susto, tão logo a ficha caiu, me virando de uma vez para encarar o rosto risonho de Kim Jongdae.

— Você está procurando alguma coisa?

— N-não.

Você conhece o Flash?

Então, ele teria inveja da velocidade em que eu corri para fora da biblioteca naquele instante.

...

— Vocês... — comecei meio incerto de como faria aquela pergunta, embolando os dedos um no outro e agradecendo que almas gêmeas tendem a ficar muito imersas uma na outra para que eles pudessem perceber meu nervosismo — Eh... Como... Como vocês souberam que são almas gêmeas? Eu quero dizer, como vocês tiveram certeza?

— No exato momento em que eu vi o Chan — incrivelmente, o Kyungsoo foi o primeiro a responder. Eu me assustei um pouquinho, porque ele não fala muito, só observa as nossas conversas e sorri de vez em quando. — Minha mãe me contava a história dos pares desde quando eu era pequeno...

— Você ainda é — Sehun debochou e antes que todo mundo pudesse sorrir:

— Não mais do que o seu pau — um momento de choque pela agressividade e rapidez da réplica e no momento seguinte todos já estavam chorando de rir do olhar assassino que o Kyungsoo lançava para o outro ômega, antes de se virar para mim outra vez e continuar com a história. — Enfim, a minha mãe contava a história dos pares desde quando eu era criança, era meu conto favorito, e... Bom, é uma questão muito lógica no final das contas.

— O que tem de lógico nisso? — soltei uma risada que ficou presa entre sarcasmo e desespero.

— Você se lembra da história que o Yixing contou?

— Sim...

— Pois então só analise as partes, Baek, pense com calma, está tudo lá. A Deusa roubou a metade da alma do Primeiro, ela não avisou nada — o ômega falava tudo pausadamente, com aqueles olhos arregalados me observando com cuidado para saber se eu estava acompanhando seu raciocínio — e escondeu no Segundo, mas o Primeiro só percebe o que faltava quando encontra o Segundo. A partir daí, nenhum dos dois consegue viver sem o outro, porque quando se separam outra vez, a falta que um faz é muito dolorosa para conseguir sobreviver. Você está me entendendo?

— Não muito...

Kyungsoo bufou e rolou os olhos e Chanyeol sorriu baixinho, assumindo o lugar nas explicações. Os dois ainda estavam muito grudados, por causa do cio próximo do ômega, então os namoradinhos ocupavam um banquinho só e eu estava sentado em outro, de frente para eles.

— Se a gente colocar os nomes nos bois, vai ser mais fácil — o alfa disse —, você só precisa se imaginar no lugar do Primeiro. Você não sabia do tamanho da falta que o Minseok te fazia até o instante que você soube que ele era a sua metade perdida. E de lá pra cá, quanto mais tempo você fica longe dele, só parece piorar tudo, não é verdade?

Era verdade. Era uma puta verdade.

— E no final — o Kyungsoo voltou a falar —, quando o conto diz que os Filhos dos Lobos também nasciam divididos, mas que uma hora ou outra se encontrariam, só é mais outra metáfora para que, não importa o quão longe as duas metades estejam, em algum instante elas vão se encontrar, porque... é inevitável. Então, quando eu vi o Chan e soube que nós éramos um pedaço um do outro, eu sabia que nós ficaríamos juntos, porque é assim que a Deusa quer e não vai ser eu quem vai tentar mudar isso.

Daí eu vi toda aquela baboseira romântica dos dois outra vez, ampliada por causa do período de fertilidade do Kyungsoo, com beijinhos trocados e uma besteiras melosas sussurradas aqui e ali, como se eu realmente não estivesse perto.

Mas deveria ser assim, não é? Se eles dois são duas metades que se encontraram, então nada no mundo importa mais...

Os dois pareciam tão completos que a única coisa que eu conseguia sentir, quando ficava perto deles, era a minha saudade doer mais e eu quase voltei para a biblioteca outra vez, mesmo que não fosse realmente falar com o Minseok. Só de estar no mesmo ambiente que ele já me fazia respirar melhor.