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História Extras de Até que ponto é fantasia? - Como assim Rapunzel?!


Escrita por: Niebla

Notas do Autor


É aqui que o livro vai deixar bem claro o que ele é, pelo menos nessa fase inicial.
Afinal, nem tudo é o que parece ser 'u'

Capítulo 2 - Como assim Rapunzel?!


Ponto de vista do Len

O riso leve de Lun me pegou desprevenido. Mesmo sem querer, já me perguntava como seria a gargalhada dela. O sorriso que dei em resposta talvez não tenha parecido tão arrogante quanto eu gostaria que fosse, então torci para que ela não tivesse percebido.

— Que tal abrir isso logo? — sugeri, mudando de assunto.

Contornei a fechadura com uma das mãos e girei a chave entre os dedos da outra. Depois, encaixei-a no cadeado, que se abriu num clique e caiu pesadamente no chão. Juntos, erguemos a tampa da arca, e Lun se inclinou, mexendo em seu interior.

— Tem uma carta aqui dentro — ela disse, desdobrando o papel ruidosamente.

— O que está escrito aí?

Respirei fundo. Detestava depender dos outros para saber daquele tipo de coisa, mas pelo menos tínhamos aquela droga de acordo... Encostei-me na parede do lado direito da arca e passei a mão nos cabelos; estavam uma bagunça.

Pelo silêncio, ela devia estar me encarando. Ajeitei meus óculos na tentativa de esconder o lampejo de expectativa que passou pelo meu rosto. Impaciente, batuquei na lateral da arca com os dedos, e Lun esticou ainda mais o papel; nada de dizer o que estava escrito. Ela enrolava de propósito? Eu estava prestes a quebrar a nossa breve trégua para mandá-la ir à merda quando ela limpou a voz e se encostou à parede, pronta para ler.

— Puxe o pano e encontrará vários clássicos que atravessaram o tempo e embebedaram gerações e gerações com sua magia, mostrando a realidade para os menos preparados.

Coloquei a mão dentro da arca e realmente senti um pano que parecia ser de veludo. Puxei-o com cuidado para que o pó que senti sobre ele não se espalhasse. Lun fez um barulho esquisito ao se jogar... de joelhos?

— Ah, Len... Você tem que ver isso. São livros! Peter PanBranca de Neve, A Bela e a Fera... — tagarelou, sonhadora. E eram muitos. Com a mão dentro da arca, tateei e percebi que todos tinham a mesma espes- sura, algo bastante estranho. Cada história, logicamente, deveria ter um tamanho diferente, não? — Nunca deixei de gostar dessas coisas... — ela disse, quase ronronando. — Sente só o cheiro desse livro. Tão bom!

Lun espirrou, e eu aproveitei para pegar o livro que ela, sem perceber, segurava encostado no meu braço; empolgada, ignorava a nossa “falta de intimidade”. Ela não precisava saber, mas não era como se eu achasse aquilo particularmente ruim. Lun era bastante incomum, e mais uma vez eu estava começando a achar que aquilo não era bem um defeito. Por mais que eu não quisesse admitir, ela me intrigava. Não media palavras ou gestos, era direta e nunca fazia questão de me agradar. Sem contar que provocá-la era bastante divertido.

— Estranha... — eu disse em tom de deboche e voltei a atenção para o livro em minhas mãos.

Aquela, sim, era uma capa dura de verdade, e eu adorava aquele tipo de livro. Depois de me deliciar com o barulho sólido dos meus dedos batendo na capa de couro, procurei entre os outros livros o lugar de onde ela tirara aquele e o coloquei de volta.

— Reescrevemos esses contos com uma tinta tão encantada quanto seus dizeres, por isso tome cuidado para não mergulhar a estrela fugaz no mundo da fantasia: ela pode pertencer ao mundo dos sonhos, mas seu lugar é na realidade. — Ela parou de ler e ficou em silêncio. Parecia pensativa. Fiz sinal para que se manifestasse. — Será que é a estrela daquele pote? — perguntou com um tom divertido na voz; devia estar mesmo considerando aquela hipótese esquisita.

— Deve ser simbólico.

Dei de ombros. Onde eu tinha colocado a garrafa? Deveria ter prestado mais atenção. Corri as mãos perto da arca e por sorte a encontrei rapidamente.

— Espera. Tem alguma coisa errada com isso.

Era só o que faltava... Eu devia ter danificado aquela coisa sem querer. Passei a mão no vidro mais de uma vez e vi que ele permanecia intacto, sem uma rachadura sequer. Torcendo o nariz, entreguei o pote para ela.

— O quê? Parece normal pra mim — eu disse.

— A estrela que estava aqui dentro sumiu sem deixar rastros. Muito estranho... Deve ser algum tipo de truque.

Ela sacudiu o pote, talvez na esperança de que a estrela reaparecesse.

— Magia... — Revirei os olhos com a minha própria piada. — Vai que, ignorando a literalidade da coisa, só você pode ver essa tal estrela.

— Ha, ha. Ha!

Aquela risada forçada não soou tão falsa, como se ela realmente tivesse levado meu comentário a sério, mas não importava. Estiquei as pernas, esperando que ela continuasse com a leitura da carta, que era mais estranha do que a garota que a lia. Um riso passeou pelos meus lábios ao pensar nisso.

— Estamos muito gratos pela oportunidade de disponibilizar nossos livros. Aproveitem a leitura; especialmente você, querida Estela. — Ela dobrou a carta e a enfiou dentro da arca. — Fim.

— Considerando todos os títulos que você mencionou, aposto que essa Estela era uma criança.

— Também acho.

Peguei um livro aleatório e o girei entre os dedos. Novamente virei o rosto para ela, esperando algum comentário, que não veio. Gabriel dissera que Lun se distraía com facilidade, mas eu não imaginava que era tão grave.

Contornei as confusas letras desenhadas em baixo-relevo com uma caligrafia fina e quase desisti na terceira tentativa. A cada letra que eu tocava, menos certeza da anterior eu tinha. Elas eram rasas demais. Por que precisavam entrelaçá-las até parecerem um monte de rabiscos indefinidos ou letras no meio das letras? Já estava suspeitando de que alguns deles poderiam ser algum tipo de desenho por trás do título ou... Devia ser algo bem bonito de se ver, mas com certeza não era “bonito” de se tocar.

— Ru...? Ou é Re?

— Rapunzel? — arriscou.

Ri, sem graça. Se ela não tivesse falado, eu provavelmente passaria minutos naquilo, mas acabaria acertando por dedução. Imaginá-la me olhando fazer aquilo não era agradável. Não era como se eu me envergonhasse ou algo do tipo, só me sentia estranho, analisado... Levantei-me, desconfortável, pensando em como mudar de assunto.

— O que tem de mágico nesses livros? Brilham no escuro? — perguntei, fingindo desinteresse. — Já abriu algum deles?

— Não — respondeu; pelo tom, estava surpresa com a própria afirmação. Ela se aproximou para pegar o livro que eu segurava — as boas maneiras não deviam incentivá-la a pedir antes de fazer algo assim? —, mas, ainda um pouco incomodado, puxei-o para longe. Ao contrário do que Lun pensava, com ou sem trégua, eu não facilitaria as coisas.

— Ei!

Tarde demais para desviar. Sem conseguir parar e atrapalhada que era, ela caiu em cima de mim. No susto, o livro escorregou dos meus dedos e aterrissou no assoalho, caindo provavelmente aberto, longe do nosso alcance.

***

Era uma vez um jovem casal muito pobre que desejava, acima de tudo, ter filhos. Quando finalmente tiveram seu desejo atendido, viveram felizes por alguns meses. Quase no final da gravidez, a moça começou a cobiçar os fartos rabanetes, parte deles em flor, que cresciam no jardim da vizinha, uma mulher envolvida em boatos que iam da avareza à bruxaria. O marido, com medo de perder esposa e filho por um simples capricho, decidiu seguir a sugestão da esposa e cometer o roubo. Porém, ela não se satisfez com os que ele colhera. Queria mais e não comeria nada além daqueles suculentos rabanetes.

Na noite seguinte, ele voltou a invadir o jardim da vizinha. Mais uma vez, os que conseguira não resolveram o problema, então ele continuou com os furtos.

Certa noite, ele mal pisara no jardim e foi descoberto pela dona dos rabanetes. Marido e esposa se explicaram, mas a vizinha se negou a dar os rabanetes sem antes receber o valor devido, alto demais para que pudessem pagar. Com o pedido negado, a moça tentou conter o desejo, mas, à medida que os desejava, mais e mais sua saúde definhava.

Desesperado, o homem recorreu à vizinha e explicou a situação, ainda que temendo ser severamente punido. Para sua surpresa, ela o ajudou de bom grado, mas com a condição de, um dia, receber como pagamento qualquer coisa que pedisse em troca. Com medo de perder a oportunidade, ele aceitou. Dali em diante, todos os dias ela preparava e levava os rabanetes para a moça, que logo recuperou sua saúde. Com o nascimento da filha, uma menina linda e sadia, a vizinha retornou para cobrar o combinado. Para o desespero do casal, a vizinha levou o bebê como pagamento da dívida.

A garotinha cresceu, tornando-se cada vez mais bela. Temendo que a desposassem e a levassem embora, a bruxa cuidou dos cabelos da garota, fazendo-os crescer dia após dia, sem parar. Logo que a cabeleira alcançou inacreditáveis onze metros de comprimento, a bruxa foi morar com a garota em uma torre sem portas ou escadas no meio da floresta. Julgava que lá ambas poderiam viver juntas para sempre.

Num belo dia, encostada na janela, a moça acordou com a sensação de que estava mergulhando em água morna.

Onde estou?, pensou, confusa.

Rapunzel, Rapunzel! Jogue-me suas tranças... castanhas? — gritou a bruxa aos pés da torre.

Como assim? — A moça franziu o cenho. Então olhou para os próprios cabelos presos em duas tranças enormes. Puxou uma delas com força e sentiu uma dolorosa pressão na raiz. — Ai! O que está acontecendo comigo? E que voz do além é essa? — perguntou ao passo que andava em círculos, pro- curando ao redor.

Por consequência do nervosismo — o coração disparava! —, quase tropeçou nos próprios cabelos.

Filhinha, algum problema aí em cima? — perguntou a bruxa, preocupada.

Na-nada não. Estou indo!

Jogou as tranças pela janela num gesto automático, como se obedecer ao pedido fosse o certo a se fazer.

Pelas tranças, a bruxa subiu a torre sem grande esforço; estava acostumada àquilo. Assim que colocou os pés na torre, a primeira coisa que fez foi abraçar a garota. Rapunzel se sentou na cama sem recolher os cabelos, que continuavam pendurados do lado de fora, e deixou os olhos correrem de um lado para o outro. Começava a achar que havia batido a cabeça e por isso estava alucinando, mas tudo era tão real...

Trouxe umas coisinhas para você — disse a bruxa, sorrindo.

Ao ver aquele rosto ainda mais enrugado devido ao sorriso, a garota imaginou que ela tinha por volta de uns quarenta anos. Rapunzel olhou para ela sem disfarçar a confusão.

Obrigada — balbuciou.

Você me parece um tanto corada. Será febre? Aconteceu alguma coisa? — perguntou, preocupada, colocando sobre a mesa as coisas que trouxera para tocar as bochechas da moça.

Estou bem. Acho que só preciso lavar o rosto. — Rapunzel tentou sorrir, afastando-se aos poucos. — Não precisa se preocupar comigo.

Vou buscar algumas flores para fazer um chá. Logo vai se sentir melhor. Enquanto isso, descanse. — Levou a jovem até a janela e ajeitou as tranças com cuidado, certificando-se de que era seguro antes de descer. Chegando lá embaixo, gritou: — Até logo, minha menina!

Quando a viu desaparecer entre as árvores, Rapunzel puxou as tranças de volta.

O que está acontecendo aqui? — Leves notas de pânico começaram a oscilar em sua voz. — Não posso simplesmente ter entrado num livro, virado parte da história e reaparecido vestida assim. Olhou, estupefata, para o próprio vestido, que estremecia com o vento. — Ou posso? Eu me lembro de um conto com esse nome, de um príncipe que salva a princesa... e de mais nada. Você é o narrador? — perguntou, olhando para os lados e depois para o teto, esperando que alguém caísse diante dela. — Será que enlouqueci?

O príncipe caminhou na direção de uma árvore, mas desviou antes de se chocar contra ela, e seguiu na direção de um tronco caído, parando diante dele. Depois, passou a mão na superfície áspera e se sentou.

Que conveniente! Até parece um GPs. — Espreguiçou-se, rindo de canto. — Onde será que aquela encrenqueira se enfiou? Parece que entramos na história do livro... Mas como? Não me lembro de nada, só de uma torre. E ainda tem essa coisa de ficar falando sozinho... Que estranho, não consigo controlar. — Depois de um tempo, levantou-se. — Você me diria alguma coisa, Narrador? — perguntou, mas não recebeu resposta. — Ok. Acho que se eu andar por aí vou acabar encontrando a garota, certo?

Ao não receber respostas, deu de ombros e continuou a caminhada.

A cada passo se aproximava mais e mais do coração da floresta, um lugar bastante perigoso, mas, por algum motivo, ele continuava seguindo naquele mesmo caminho. Poderia ir para a cidade ou então para o castelo, mas não era o desejo em seu coração.

Alguém começou a se aproximar sem pressa e, desconfiado, o príncipe se escondeu atrás de um arbusto — sem saber, deixou metade do corpo exposta. Depois, abaixou-se, ficando completamente oculto entre os galhos. Como não sabia quem era nem se podia confiar no desconhecido, pensou que seria melhor observar antes de agir.

Rapunzel, Rapunzel, jogue-me suas tranças de caramelo! — a senhora gritou.

Em seguida, o príncipe ouviu o ruído de algo pesado caindo no chão, da respiração ofegante dela enquanto subia pela torre e então o assobio de algo parecido com uma corda sendo puxada mais de uma vez.

Então isso é uma torre? — perguntou, mesmo sabendo que não receberia resposta. Como estava ocupado falando sozinho, o príncipe mal escutava a conversa entre as duas mulheres. — Ha, ha, ha... — ele disse e bufou, apoiando o queixo na mão.

Minutos depois, a mesma senhora começou a descer da torre. Ainda com cuidado para não ser visto, o príncipe esperou até que ela se afastasse de vez antes de sair do esconderijo. Decidiu tentar fazer o mesmo para descobrir o que havia lá em cima.

Rapunzel, Rapunzel, jogue-me suas tranças de... cogumelo! — gritou esperando que a imitação de voz fosse boa o bastante. — Parece que errei a frase... — murmurou com ironia. Por estar distraído, foi pego de surpresa pelo que caíra diante dele. — Isso é cabelo? — perguntou ao tocar nas enormes tranças. — Parece que sim... Francamente, essas coisas só acontecem em contos de fadas. — Com os olhos bem fechados e o maxilar travado, ele subiu evitando ao máximo pensar em quão longe estava do solo. — Em cabelos, estou pensando em cabelos, não na altura...

Segurou com mais força as madeixas macias.

Len?

Rapunzel sorriu, aliviada, quando o viu pular desajeitadamente janela adentro.

Oi, princesa! — debochou pouco antes de tropeçar nas tranças e quase cair de joelhos.

Eu não avisei, né?

Ela mordeu o lábio inferior, fazendo cara de desentendida.

Engraçadinha... — Recompôs-se e caminhou com mais cuidado. — Acho que aquele livro nos trouxe para dentro dessa história, mas não consigo me lembrar dela, se é que a conheço.

Também não me lembro, mesmo que eu tenha certeza de que a conhecia antes de abrir o livro. — Suspirou. — Eu sinto que você vai precisar me tirar daqui.

Puxou boa parte do cabelo trançado para perto de si. Não queria que ele acabasse se esborrachando no chão.

É só sair pelas escadas — disse como se fosse óbvio.

Não tem nenhuma. Já procurei até debaixo do tapete.

Como assim? Não me diga que só dá para subir e descer usando os seus cabelos...

Ele apertou os olhos com ainda mais força e se encostou à parede, incrédulo.

Parece que sim. Mas, então, como vim parar aqui em cima? — ela se perguntou e apertou os lábios. — Duvido que exista uma escada tão grande por aqui.

Vamos dar um jeito. — Desencostou-se da parede e deu as costas a ela. — Acho melhor eu ir. Vai que aquela mulher volta e me encontra aqui. Se ela trancou uma “princesa” na torre, deve ter um bom motivo. — Apoiou-se na janela e respirou fundo ao procurar pelas tranças, que estavam no chão, à esquerda. — Obrigado, Narrador! — Sorriu, alcançando-as e as jogando pela janela. — Vou ver se arranjo uma escada de cordas pra você descer comigo — ele disse e partiu, sumindo de vista.

Tomara que ele consiga.

Ela suspirou ao se debruçar na janela para contemplar o lindo entardecer. Por estar cansada e não ter mais nada para fazer, adormeceu pouco tempo depois.

 — Rapunzel, jogue-me suas tranças, querida — a bruxa pediu, sorri- dente. Subiu cantarolando e desfez as tranças da filha. — Que bom que o chá que eu trouxe te fez melhorar. Está tão perigoso lá fora, minha menina. Nem imagino o que aconteceria com você caso eu te deixasse descer — disse ao pentear os cabelos da jovem com delicadeza; a cada movimento da escova, sorria com olhos orgulhosos para as mechas gigantescas.

Acho que entendo.

Rapunzel deu de ombros ao mesmo tempo em que a mãe começava a trançar o cabelo da filha.

Que bom que você está mais conformada e calma do que antes. — No fundo, a bruxa estranhou aquela mudança repentina, mas abandonou os pensamentos e a abraçou. Então se ajeitou, foi até a janela e amarrou a ponta da trança com um laço apertado. — Vou sair de novo para adiantar algumas coisas. Volto em duas horas. Quero passar o resto da semana com você. Se tudo der certo, só saio amanhã bem cedinho, mas volto à tarde.

A bruxa desceu e se afastou. Enquanto isso, a moça se sentou na janela e aguardou o retorno de seu belo príncipe.

Meu príncipe?

A trança escorregou para fora, e, com o movimento brusco, Rapunzel quase caiu da janela.

Você já me viu daí? — o príncipe perguntou ao longe, imaginando que ela jogara a trança para ele.

É claro... É claro — mentiu. — Narrador dedo-duro!

Bufou com irritação. Lá embaixo, o príncipe gargalhou. Assim que alcançou o alto da torre, amarrou sistematicamente uma escada na janela.

O tamanho bateu? — perguntou, abrindo passagem para ela verificar.

Claro que não. Ainda falta um terço, senhor calças bufantes! — Ela suspirou olhando para fora. Queria sair logo dali.

Desculpa se eu não vi a altura da torre.

Ele cruzou os braços, ofendido, e Rapunzel baixou o olhar. Não queria ter descontado toda a frustração nele, mas não aguentava mais ficar trancada. O príncipe decidiu reconsiderar e baixar a guarda ao perceber que aquela não era uma boa hora para brigar.

Parece que nossa personalidade, aparência e todo o resto interferem na história. Lá no castelo, eles não ajudaram muito. Mesmo eu sendo o príncipe mais velho, me trataram como um filho bastardo ou um nobre qualquer. — Deu de ombros. — Acho que é como se nesse lugar eu também tivesse ficado cego quando mais novo.

Rapunzel o encarou com curiosidade. Não sabia daquilo sobre ele. Na verdade, não sabia quase nada sobre ele. Recostando-se na janela, decidiu não estender o assunto.

Interessante. Até a linguagem deles, ou nossa, não sei, parece menos rebuscada do que deveria ser. Acho que o livro foi feito para qualquer um conseguir “ler” sem esforço.

Bom, acho que está na hora de eu ir. — Percebeu que ela, pelo me- nos, não era tão intrometida. A garota bufou, olhando torto para ele. — Preciso conseguir mais corda. Você aguenta até amanhã sem mim?

Ergueu as sobrancelhas e sorriu, sarcástico.

Com certeza! E só para não pensar que não quero que você volte, vou acenar da janela como aquelas princesinhas dos filmes. Assim está bom pra você? — Ela revirou os olhos. — Ah, vem pela manhã. Ela não estará aqui tão cedo.

Pode deixar.

Ele desceu com cuidado, e ela acenou, fazendo-o rir pouco antes de sumir entre as árvores.

Logo a bruxa voltou e junto à filha passou o tempo contando histórias. Rapunzel reparou que ela era cuidadosa e bastante dedicada e concluiu que não devia ser tão má quanto imaginara.

Mesmo estando tarde, vou sair só mais uma vez — anunciou a bruxa. — Parece que estamos com pouca lenha para esta noite. Vou buscar as que deixei na nossa antiga casa. Quer alguma flor ou algo do velho jardim? — perguntou, já se preparando para descer.

Pode me trazer rapúncios? Eles lembram o meu nome — Rapunzel pediu depois de pensar um pouco.

A bruxa desceu e bons minutos depois voltou a subir com bastante cuidado para não amassar as flores.

Como você demora! O príncipe é bem mais rápido — disse assim que a bruxa entrou pela janela. — Ei! Era pra isso ser um pensamento! — exclamou ao ver o rosto furioso da mãe... Ou era tristeza? Não saberia dizer.

Você me traiu! Esta torre era para nós duas vivermos juntas para sempre, mas você deixou um estranho entrar. Isso não é justo! Só o meu amor não é o suficiente? — A cada palavra, a voz ficava mais carregada de raiva e mágoa. — Esse seu principezinho vai pagar por ter tomado parte do seu coração, que era para ser só meu.

Ela pegou uma faca na estante.

Mas e-espera! Não foi bem isso... — Rapunzel tentou se explicar, temendo que a bruxa a esfaqueasse.

Sem “mas”! — Possessa, a bruxa cortou a trança da filha rente ao pescoço e caminhou, puxando-a pelos cabelos até o centro da sala. Sem muita dificuldade, empurrou uma estante pesada, revelando a entrada de uma escada que descia em espiral. Primeiro vou castigar você, depois será a vez do seu príncipe — disse enquanto arrastava a moça à força.

Sem o menor indício de remorso, a bruxa abandonou a filha sem qualquer amparo no meio do deserto e retornou à torre por meio de um caminho confuso demais para que Rapunzel pudesse voltar.

***

Jogue-me suas tranças, Rapunzel! — o príncipe gritou num tom engraçado na manhã seguinte, meio cantarolado. Uma única trança caiu. Ele subiu o mais rápido que pôde, parando na frente da janela com a escada feita de cordas cuidadosamente pendurada no ombro. Passara as últimas horas na tarefa de amarrar os pedaços de tecido, já que, ao contrário da última vez, não conseguira algo pronto. — Então, estranha, acho que consegui o bastante para enfim descermos juntos.

Estava contente e especialmente aliviado por estar quase se acostumando com a altura da torre.

Você roubou o coração da minha filhinha, seu monstro! — ralhou a bruxa, surgindo das sombras com um dedo apontado para o príncipe confuso.

Arregalou os olhos, surpreso.

Como assim? Onde ela está? — perguntou olhando inutilmente na direção da voz que ouvira.

Não se faça de desentendido! Você nunca mais vai vê-la!

— Não é como se eu já tivesse visto antes... — Ele riu, ainda que hesitante, mas ela o ignorou e avançou, apoiando as mãos no peito dele, pronta para empurrá-lo. Os joelhos do príncipe amoleceram e o coração disparou. — O quê? — perguntou, virando a cabeça para cima, mas logo foi empurrado janela abaixo. Nem sequer teve tempo para se desesperar. Por instinto, conseguiu apenas cobrir os olhos com um dos braços. No alto da torre, a bruxa fechou a janela com um baque depois de o ver caído em um espinheiro, sem perceber que saíra praticamente ileso.

Agora era para eu ficar cego, é isso? — Ele riu consigo mesmo, saindo do estado de choque ao ter um breve vislumbre de mais uma parte da história. — Isso você já tinha desde o começo. Agora devo buscar aquela pirralha em um deserto, certo? Vê se me ajuda um pouquinho, Narrador...

Como não recebeu resposta, voltou-se para o caminho que levava à cidade. Então se virou de novo e seguiu, dessa vez em direção ao deserto.

***

Eu devia fazer alguma coisa — Rapunzel falou consigo mesma, desolada. — Ficar parada não ajuda em nada. Se o sol fica para o Leste... — Ela girou o corpo com uma das mãos estendidas. — Mas dava ou não para o ver da torre? Não me lembro. E quando ela me trouxe aqui era noite e... Por qual lado viemos? Como sou burra! — Passou a mão pelo cabelo, agora assimétrico. — Já me perdi umas trinta vezes nas últimas horas. Bem que você poderia me ajudar... — Ergueu as mãos para o céu. Nenhuma ajuda veio.

— Cantar? Era isso que a moça fazia, não era? Que constrangedor! — Rapunzel ficou vermelha com a ideia. — Eu me recuso a fazer isso. Ele me azucrinaria para sempre... — continuou falando sozinha. — Len! — Na esperança de ser ouvida, decidiu chamar por ele.

***

— Calor, calor... — o príncipe murmurou ao, afetado pela alta temperatura, quase abraçar um cacto no topo de uma duna. Desviou por pouco, sentindo as botas afundando na areia quente. — Pelo menos nenhuma miragem é capaz de me iludir, mas esse zumbido... — Ele se sentou e tirou a areia das botas esfoladas. Todos os arranhões em sua pele causados pelos espinhos ardiam, e o vento carregado de areia só piorava as coisas, mas sentiu que já se acostumava com a dor. — Nunca pensei que teria tanto trabalho justo por causa daquela garota... — Levantou-se e bateu as mãos nas bochechas queimadas de sol. — Só mais um pouco... — disse pela centésima vez.

Já mal estava se aguentando em pé quando ouviu uma voz rouca chamando seu nome. Correu na direção dela e na pressa se atrapalhou todo, tropeçando várias vezes até conseguir alcançá-la em um pequeno oásis não muito longe de onde estava.

— Len!

Rapunzel se deixou cair ao lado dele, que riu, cansado.

Até que enfim!

Estava tão perdida que acabei não ajudando em nada. Por um momento, pensei que nunca mais nos encontraríamos... — Desviou o olhar, sentindo o vento excessivamente quente contra os seus recém-cortados cabelos. O príncipe, por sua vez, apenas ria. — Qual é a graça?

Apontou para o rosto dele, nervosa, e quase caiu sobre ele ao deslizar na areia.

— Nada, nada...

Ele segurou o riso e tentou não pensar naquilo para não ser delatado pelo Narrador. Rapunzel cruzou os braços, desistindo de esperar algo minimamente humano ou empático da parte dele.

Seu chato!

Nossa! — Ele fingiu estar abalado. — Sou o que agora?

Uma pedra, seu insensível! — Encarou seu rosto querendo que ele abrisse os olhos. — Eu estava preocupada... Isso não tem graça.

Comigo? — Ele apontou com o dedo para si, confuso. Imaginou não ter escutado direito. — Pensei que você me odiasse.

Eu não te odeio... — ela admitiu, chutando a areia para jogar as pernas para a frente. — Não dava para saber o que aquela mulher podia fazer. Se ela deixou a própria filha passando fome no deserto, o que faria com um estranho que ameaçou tirá-la de casa?

Ela só me jogou pela janela — disse ele, indiferente.

Como assim?!

Saí praticamente intacto — disse, como se cair de uma torre fosse algo irrelevante. — Ah, falando nisso... — Ele gargalhou ao, assim como ela, finalmente se lembrar do resto da história. — Que bom que não se passaram meses e você não me recebeu com gêmeos.

Você teria desistido — acusou Rapunzel, abraçando os joelhos ralados.

Duvidando de mim? Eu também posso ser persistente, sabia? — Ele a encarou por trás das pálpebras fechadas. — Mesmo que fossem meses, não desistiria de te procurar. Gabriel me mataria se você sumisse de repente.

Como se eu pudesse agradecer depois de você falar algo assim! — Ela se afastou mordiscando o lábio. — Na história, eles se beijavam e...

Ela emudeceu, enrubescendo adoravelmente, evitando pensar naquela hipótese terrível.

Sou tão feio assim? — ele a interrompeu com o costumeiro tom irônico.

Não necessariamente. — Deu de ombros, sincera. Evitava contato visual, pois tinha medo de que algum pensamento revelador escapasse e o Narrador desse uma de fofoqueiro. — Mas com certeza é arrogante, indiferente, cínico, dissimulado, implicante, frio, idiota...

Foi se aproximando.

Nossa! Quantos elogios. Estou lisonjeado. Não sabia que era minha fã.

Vou te ignorar. — Revirou os olhos e cerrou os punhos, determinada.

E agora, só para sair disso... Fica parado.

Pra quê?

Ele inclinou o rosto na direção dela.

O nosso “felizes para sempre” — ela disse como se fosse algo óbvio e lascou um beijo na bochecha dele.

***

Algo como uma “luz” morna pareceu nos envolver. Eu me sentia meio tonto, mas, pela mudança brusca de temperatura, tinha certeza de que não estávamos mais no meio do deserto.

Estávamos de volta à biblioteca.


Notas Finais


Você chegou até aqui? Muito obrigada por ter lido até o final deste capítulo!
Espero que já tenha conseguido te fisgar e encantar com a proposta e personagens deste livro.

Bom, é aqui que acaba a "degustação de Até que Ponto é Fantasia? Como este livro entrou em uma editora, precisei tirá-lo do site, é uma exigência dela, mas fiquei com TANTA dó de fazer isso... Vocês não fazem ideia de como! Foi aqui que tudo começou e justamente por isso essa plataforma e cada leitor que acabou mergulhando nesta trama é muito importante e significativo para mim. Por isso, decidi deixar esses primeiros capítulos no site e também alguns extras que possa vir a escrever sobre a história.

Enfim, espero que a leitura tenha sido agradável.

Mais uma vez, obrigada /o/


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