História Batata Frita com Sorvete - Capítulo único - A Melhor Combinação

Busan, Coreia do Sul. 20 de Maio de 2023

Acho interessante como nosso acervo de memórias funcionam, em um momento você não se lembra de algo que lhe aconteceu e no momento seguinte, você vê algo, sente um cheiro, ouve um som ou pensa em alguma coisa que te devolve essa memória. E foi exatamente isso que me aconteceu agora enquanto passo em frente à uma lanchonete Mc Donalds acompanhada de minha filha.

Na realidade, não é qualquer lanchonete dessa franquia que trás a tona essa lembrança, mas sim esta que estou entrando. Lembro-me de marcar um encontro pelo MSN com um cara que eu costumava gostar e ele simplesmente não apareceu, nem me explicou o motivo de não vir! Claro que eu estava irada, e a primeira coisa que fiz ao chegar em casa foi bloqueá-lo, queria lhe mostrar o quanto fiquei chateada com o bolo que me deu, mas queria que ele me procurasse no curso no dia seguinte e pedisse um milhão de desculpas e dissesse o quanto foi idiota por me deixar lá sozinha, encostada no poste o esperando. Mas nunca passou pela minha cabeça que após aquele dia eu nunca mais o veria.

As vezes imagino como minha vida seria se aquele encontro houvesse acontecido. Jimin e eu teríamos dado certo? Teríamos tido um amor tão bonito como o que eu e Mingyu tivemos? Ou o universo já tinha planos para que eu me tornasse mãe solteira tão nova? Nunca superei meu trauma de hospitais depois que um aneurisma rompido tirou meu marido de mim. Nunca superei o vazio dentro do meu peito após sua perda. Não superei o fato de minha filha crescer sem o pai que tanto a amou durante o único ano que esteve presente em sua vida…

Olho para minha filha, sentada à minha frente, vejo em cada detalhe de seu rosto algo que me traz lembranças de meu falecido marido. O formato dos olhos, a cor de seus cabelos, o sorriso, o humor mordaz mesmo tão nova... se dependesse de mim, e de meu desejo de lembrar-me dele, de sua voz, e seu riso, poderia passar horas e mais horas apenas nisso, poderia atribuir todas as qualidades e imperfeições de Hayun à ele, mas eu não estaria sendo justa comigo.

— … seu nome num tweet, você o conhece Omma?

— O que disse querida? Omma estava pensando, não te ouvi, desculpe!

Ouço o riso suave de Hayun e um sorriso leve adorna seus lábios — Pensando em appa, certo?

Sorrio, como que consegui criar uma jovenzinha tão espirituosa? Meu deus, já me imagino tento sérios problemas com ela no futuro.

— Sim meu amor, estava pensando no seu appa e no quanto você me lembra ele — como de costume, consigo ver o brilho em seus olhos sempre que faço alguma menção ao Mingyu e mais uma vez, antecipando suas ações acrescento — sei que vai me pedir que lhe conte algo sobre ele, o que você quer ouvir hoje?

— Como vocês se conheceram, a senhora sabe que essa é minha preferida! E querendo ou não, sempre descubro algo novo sobre appa a cada vez que a ouço.

— Claro que é essa história né? — acrescento, com um sorriso discreto no rosto, viajando nas minhas memórias até 2010 e realmente, me lembro de algo que nunca contei a Hayun e então inicio a breve história — Seu appa e eu nos conhecemos aqui, nessa lanchonete!

— Sério Omma? Porquê nunca me contou isso antes?

— Nunca me pareceu algo relevante! — dou de ombros, e continuo a história, dessa vez sem maiores interrupções — isso aconteceu em maio de 2010, eu tinha 17 anos e estava com um encontro marcado aqui com um outro rapaz com quem eu estudava, mas por um motivo que até hoje eu não descobri, ele nunca apareceu para o encontro.

Hayun esboça uma expressão espantada, mas não me interrompe, por isso continuo.

— Eu estava encostada naquele poste bem ali na esquina, ele sabia sobre o que minha omma falava sobre encontrá-la sob a luz e como naquela época a comunicação não era como hoje, combinamos que eu o esperaria ali, e ali fiquei por várias horas até entender que ele não viria. — Respiro fundo e continuo — Como ele não apareceu, a pessoa a me encontrar sob o poste foi seu appa, e invés de ter o encontro com o outro rapaz, aquele foi meu primeiro encontro com seu appa e foi o mais incrível de minha vida! Mingyu era atencioso, carinhoso, me amou de uma forma tão intensa, assim como eu também o amei!

— Porque “amei", no passado? A senhora não ama mais o appa?

— Claro que eu ainda o amo, mas, infelizmente filha, seu pai morreu, e eu sei que ele não desejaria que eu fosse infeliz, que eu me prendesse apenas ao nosso amor, mesmo após sua partida. Ele desejaria que eu seguisse em frente e que encontrasse uma pessoa que me desse tudo e ainda mais do que ele me deu durante nossos três anos juntos, qualquer coisa que for menos que isso jamais funcionará! Levei treze anos para compreender e abrir meu coração para amar outra pessoa.

— Qual o nome dele Omma? O rapaz que nunca apareceu? — os olhos de Hayun estão brilhantes e enormes, sempre ficam assim quando ela tem alguma ideia, descobre algo novo ou quando vai aprontar, todas essas opções são um perigo!

— Park Jimin, por quê? — Hayun passa a mexer em seu celular energicamente, a procura de algo, as mãos trêmulas, o rosto corado em surpresa, chamo sua atenção para mim novamente — Hayun?

—ACHEI! — exclama energicamente — Leia isso Omma!

Ela me entrega seu telefone celular, aberto em uma publicação no instagram. Se trata de um print de uma outra rede social que não conheço, não tenho muito tempo para devanear sobre todas as redes sociais existentes no universo, por quê a mensagem do print capta completamente a minha atenção. O print diz:

"J. Daehyun, se você ler essa mensagem, saiba que eu não fui ao nosso encontro no Mc Donalds no dia 05/05/2010 pq meu pai ficou doente. Ainda quero te mostrar que #BatataFritaComSorvete é a melhor combinação e ganhar a aposta. Me responda, pfvr. RT PRA DIVILGAR"

AI MEU DEUS!

Leio a legenda da publicação.

“Olha só o que o amor não faz, não é? Esse rapaz apaixonado está a procura de um amor do passado, e postou esse tweet há três anos atrás, na tentativa de encontrar seu amor de 2010. Você está por aqui J. Daehyun? Ou você conhece alguém que possa ser essa pessoa? Marque nos comentário, compartilhe essa publicação, vamos ajudá-los a se reencontrarem!”

— É a senhora, não é omma? A pessoa a quem ele está procurando? — desviei o olhar do celular e o fixei em minha filha, o coração batendo descompassado em meu peito...

— E-eu... hã.. acredito que sim! — observei os olhos de Hayun serem tomados por uma expectativa que nem sei explicar o que houve em seguida.

— Ah Omma, já sei o que vamos fazer pra vocês se encontrarem!

— Vamos? Que Deus me ajude!

Seul, Coreia do Sul. 23 de Dezembro de 2023

Abro os olhos e observo a escuridão do quarto, não faço ideia das horas, mas imagino que já seja manhã. Me assusto ao pensar em como a vida funciona, sete meses atrás, pensei em como minha vida seria, se estivesse junto do meu amor da adolescência desde o início, se não houvesse conhecido Mingyu me casado e desse amor nascido uma criança linda, que é a luz da minha vida. Se, a vida não houvesse transcorrido dessa maneira, viver essa realidade, a qual me encontro deitada ao lado de Jimin, seria possível?

Enquanto o observo dormir, com a franja escura sobre os olhos, a respiração suave e o pé enroscado ao meu, acaba sendo inevitável não me recordar do dia em que nos reencontramos.

Flashback: Busan, 29 de maio de 2023

Nunca imaginei que a tarde passaria tão rápido! Jimin estava sentado a minha frente e conversamos sobre praticamente tudo, menos sobre um dia específico do passado. Observo o homem sentando a minha frente, as bochechas coradas, o sorriso bonito que vai até os olhos... — Preciso confessar que não achava que iria encontrar você, não depois de 3 anos esperando uma resposta.

— E eu não fazia a menor ideia que você estava a minha procura! Não sou muito de usar redes sociais, minha filha que descobriu sua postagem.

Não imaginava que o sorriso dele poderia se iluminar tanto, mas aconteceu — Você teve uma filha? Como ela se chama?

Foi praticamente impossível não sorrir ao ver seu entusiasmo — Ela tem 12 anos, se chama Hayun e é a luz da minha vida!

— Literalmente né? — Jimin riu — Você quis fazer uma homenagem a sua mãe no nome de sua filha?

— Sim! E ela acabou sendo minha luz mesmo, se não fosse por ela, não sei como teria lidado com a morte do pai dela.

— Não quero ser indelicado, mas sei que você se lembra que sempre fui muito curioso, você quer falar sobre isso?

— Não está sendo! É um assunto que desperta a curiosidade, mas não me incomodo de lhe contar sobre, não é mais tão traumático assim — apesar de não ser mais tão sofrido relembrar como Mingyu partiu, sempre é triste lembrar como ele partiu tão jovem — um aneurisma, —suspirei — foi o que tirou ele de mim. Nossa filha tinha pouco mais de um ano quando ele rompeu.

— Sinto muito!

— Estávamos em casa — continuei — já era tarde e Hayun estava dormindo, durante o dia ele reclamou de dores de cabeça, mas me certificava que não deveria me preocupar, a noite, quando soube que a dor não tinha passado, liguei para minha sogra que morava perto de nós, para que ela fosse ficar com Hayun enquanto íamos ao hospital, eu não imaginava que aqueles seriam os últimos momentos dele vivo...

Jimin me ouvia atentamente, suspirei mais uma vez e senti a mão dele envolver a minha sobre a mesa, me encorajando a continuar.

— No hospital, eles fizeram uma tomografia e constou um sangramento que já estava extenso no cérebro, a cirurgia foi de emergência, mas eu sentia que os médicos já sabiam que ele não sairia vivo e assim foi... um tempo depois o médico veio me explicar que eles fizeram todo o possível, mas não conseguiram salvá-lo.

— Sinto muito por você ter passado por tudo isso tão jovem! Não sei se isso pode ser um pensamento ingênuo, mas acredito que muitas vezes passamos por momentos de dificuldade para nos tornarmos mais fortes, e sei que foi assim com você! Olhe a mulher incrível que você se tornou! Criou sua filha sozinha e tenho completa certeza que, mesmo se ela não se parecer com você fisicamente, ela não deixa de ser um espelho seu, da mulher que se tornou e você tem que sentir muito orgulho do que conquistou até aqui!

Senti as lágrimas quentes escorrerem pelo meu rosto, e foi nesse momento, enquanto eu chorava e Jimin acariciava minha mão, que percebi o quão lindo seria passar o resto de meus dias ao lado dele.

— Desculpe por ter mudado o clima da nossa tarde!

— Não se preocupe! É bom quando conseguimos confiar suficiente em alguém a ponto de desnudar a alma.

Assenti e de alguma forma, consegui sorrir. Pego uma batata frita e mordo, enquanto sinto o olhar de Jimin sobre mim.

— Epa! — ele exclama — Você está fazendo errado! Estamos aqui para que você experimente batata frita com sorvete, lembra?

— Nossa, é verdade! — dou risada — Esqueci completamente! — pego outra batata e molho no sundae, enquanto Jimin me observa. Tento manter a mente limpa de pensamentos "pessimistas" porquê imagino que deve uma combinação horrível.

Mordo a parte úmida e me sinto o Remy de Ratatouille, em uma explosão de sensações e sabores. Gelado e quente, salgado e doce, não sei como duvidei por tantos anos dessa combinação, mas acabou sendo algo incrível! Acredito que Jimin percebe o que eu achei pela minha reação, porquê ele começou a rir.

— Eu sabia que você iria adorar!

— Como??? — pergunto enquanto mastigo mais um pouco de batata com sorvete — Eu tinha certeza que iria odiar! Não acredito que vou perder meu Hybrid Theory Jimiiinn!!!

— Hahahaha, sinto muito por isso Dae, mas esse Hybrid Theory agora é meu! E só avisando que nesses treze anos eu fiquei muito fã do Linkin Park, seu filho não irá para um lar negligente, acredite!

~*~

— No que você está pensando? — a voz sussurrada de Jimin me traz de volta à realidade, o quarto ainda escuro pelas cortinas fechadas, a respiração suave em meu pescoço, o carinho que suas mãos fazem em minhas costelas e cabelos... viro o rosto em sua direção e dou um beijinho em seu nariz.

— Pensava no dia em que nos reencontramos, em como a vida continua a me surpreender e em como eu estou feliz, tendo a oportunidade de viver tudo isso com você. — um sorriso suave adorna o rosto dele e seus lábios encontram os meus em um beijo breve.

— Pensamentos muito complexos para o amanhecer, não acha?

— Acho! Mas acontece né? O amanhecer e o anoitecer são ótimos momentos para as reflexões!

— Realmente, mas essa reflexão precisa acontecer agora? — Jimin perguntou, enquanto deitava minha cabeça sobre seu peito e começava um cafuné gostoso — Quero ficar abraçadinho com você até dormirmos de novo!

— Hmm, é uma proposta tentadora! Mas hoje é véspera de Natal e temos uma adolescente em casa que ama o Natal, não temos esse luxo e você sabe!

— Tudo bem então! Como os seus planos para o dia de hoje atrapalham os meus, minha proposta acontecerá sem pompa, totalmente o oposto do que eu tinha em mente — afastei minha cabeça de seu peito até conseguir ver seu rosto.

—Jimin??

— Sempre fui apaixonado por você na época do cursinho Dae, e não sei como consegui passar treze anos longe! Mas apartir de agora não quero ficar mais um segundo sem você — seus olhos estavam fixos nos meus, uma de suas mãos brincavam com as pontas de meus cabelos e a outra segurava minha mão esquerda, que estava sobre seu peito — Dae, sei que posso parecer precipitado, mas esses foram os melhores sete meses de toda minha vida! E assim como você descobriu que batata frita e sorvete são a melhor combinação que existe, eu sei que além dessa, não existe melhor combinação que Daehyun e Jimin, Casa comigo Dae?

Não consigo conter o sorriso que brotou em meus lábios, o mais incrível disso tudo, é que ele não está errado, esses foram os melhores meses de minha vida e muitos outros virão!

— Caso! — aproximo meu rosto e o beijo. Realmente, não há melhor combinação que Daehyun e Jimin.