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História Black Sheep - 06, bêbado na beirada


Escrita por: cherrybombshell

Capítulo 7 - 06, bêbado na beirada


Draco sempre achou que a frase "com os nervos à flor da pele" não devia ser vista literalmente, mas ele estava começando a mudar de ideia, porque merda, ele estava com os nervos à flor da pele. Ele podia literalmente os sentir, todo o corpo dele parecendo estar pinicando, todo o corpo dele parecendo eletrizado, mas eletrizado em uma voltagem grande demais para aquele lugar, uma voltagem que era perigosa, que estava destinada a explodir.

Ele estava destinado a explodir.

Algo que sempre acontecia quando Draco explodia daquela maneira? Ele atingia todo mundo que estava perto dele deliberadamente, como se, se ele conseguisse os machucar, então ele não iria ter que pensar na dor que ele próprio estava sentindo.

Era aquele sentimento que tinha o feito decidir pôr fogo no campo de futebol.

Aquela leve coceira embaixo da pele dele que não parava não importa o quanto ele se unhasse, aquele sentimento de urgência que aparecia nos momentos mais aleatórios, fazendo o coração dele acelerar e pesar e então voltar ao normal do nada, só por um tempinho, antes dele voltar a enlouquecer.

Quando ele era criança, ele costumava sentar por horas, olhando para a cicatriz na palma da mão dele, pensando em quanto tinha doído a receber. Ele mal respirava, não olhava para nenhum outro lugar, não soltava nenhum som. Ele só a encarava, até os olhos dele estarem secos e ela estar praticamente tatuada na visão dele, e ele podia jurar que ele conseguia sentir o cheiro de carne queimando, ainda, e o barulho do fogo crepitando.

De vez em quando ele ia ficar assim por tanto tempo que quando ele se levantava ele se esquecia de como fazer as pernas dele funcionar, por alguns segundos, e quando ele abria a boca, a voz dele não saia, como se ele estivesse desaprendido como falar do jeito que os pais dele tanto queriam que ele desaprendesse.

Quando ele se recuperava, ele ia gritar com os tutores dele até os homens desistirem do trabalho deles e deixassem Draco em paz. De vez em quando eles choravam. Esses eram os melhores dias, porque aí Draco não chorava depois deles saírem.

Era o que sempre acontecia, porém. Draco sempre começava a sentir aquele fogo dentro dele e ele sempre acabava liberando aquelas chamas em tudo e todos que estavam próximos demais. Ele sempre tinha que estragar algo, tinha que aplacar aquela vontade de destruir, destruir, destruir dentro dele, porque era isso, não era, ele tinha aquela vontade, aquela maldade e sujeira no coração dele, e ele era simplesmente todo errado, ninguém conseguia o amar, ninguém conseguia o aguentar.

Agora que aquela sensação estava voltando, ele só sabia que ia acontecer. Ia, porque Draco não podia parar si mesmo. Não podia parar aquele monstro que havia dentro dele. E nunca tinha sido tão ruim, tão forte, o que queria dizer que–

Que o que quer que ele iria fazer agora iria ser pior do que qualquer coisa que ele já tinha feito antes.

Ele sentou com as pernas cruzadas na cama dele e encarou a palma da mão dele até o sol nascer. Quando ele se levantou, as pernas dele bombearam, mas ele se manteve firme.

Ele pegou o isqueiro dele e saiu de casa.

Era sábado, afinal de contas. Lucius tinha deixado claro que Draco não tinha permissão para ficar lá dentro sábado.

Então ele iria ficar andando por aí.

Não iria haver ninguém para o parar.

Não iria haver ninguém para o salvar.

 

 

Era um dia ensolarado.

A família dele não era exatamente supersticiosa, mas eles tinham muitas tradições, crenças que eles gostavam de seguir a custa e que eles nunca deixariam de lado nem se fossem provados errados, orgulhosos demais para admitirem ter errado. Uma dessas crenças que Draco uma vez ouviu era que coisas ruins sempre aconteciam com Malfoys em dias ensolarados.

Eles floresciam em meio as sombras, em meio as coisas que eram ilegais e que eles nunca iriam ser pegos fazendo, mas nunca iriam parar de fazer muito menos. Uma vez, enquanto ela ainda o amava, enquanto ela penteava o cabelo dele, Narcisa disse que eles eram feitos do brilho da lua, que ele tinha o poder de estrelas correndo pelas veias dele e por isso que ele recebeu aquele nome. Talvez ela acreditasse nisso mesmo ou talvez ela só estivesse falando isso para fazer o "príncipe dela" se sentir ainda mais especial do que ele já se sentia. Ele não podia a perguntar agora.

O importante era que para Malfoys o sol sempre foi um mal sinal.

O dia em que Draco nasceu tinha sido um dia ensolarado, o que deveria ter sido um aviso para como ele ia acabar sendo. O dia em que ele recebeu a cicatriz dele também foi.

E agora, bem–

Draco colocou uma mão em frente aos olhos dele, lançando um olhar muito, muito raivoso para o céu por entre os dedos dele. Malcolm soltou uma risada.

"Merda, Small D, parece que você quer dar um soco em Deus."

Eu vou dar um soco em você se você continuar me chamando assim, Draco pensou, mas ele não falou, porque ele não socava pessoas, toda a violência que ele fazia sempre era verbal, e se ele realmente perdesse a paciência e começasse a acabar com Malcolm, ele queria que fosse uma surpresa.

Então ele só abaixou a mão e disse:

"E eu iria ganhar," o que ele supunha que deveria ser blasfêmia, mas Draco nunca nem viu uma bíblia de longe, e ele meio que era uma pessoa merda e que provavelmente tinha algum tipo de complexo de Deus, então ele realmente não dava a mínima.

Gordon riu, algo baixinho e levemente amargo. Enquanto os outros meninos tinham esquecido do insulto que Draco os deu no dia seguinte, Gordon parecia ter neurônios o suficiente para se lembrar e agir meio rancoroso. Era bem irritante, mas ele ainda não falava tanto assim com Draco, então era fácil de ignorar.

"Eu não duvido," ele sussurrou e Draco o lançou um olhar raivoso, porque ele realmente não gostada daquele tom. Só Draco que podia falar assim de outras pessoas. Gordon levantou as mãos. "Ei, tecnicamente é um elogio."

Ninguém elogiava Draco, porém, e ele era inteligente o suficiente para sempre ver através dos tecnicamentes e ver o que as pessoas realmente estavam pensando. Havia algo sempre se escondendo em meio as entrelinhas. Draco sabia. Todo mundo que era como ele vivia lá naquele meio, naquilo que não podia ser falado e reconhecido em voz alta. Com o tempo você se acostumava. Você aprendia.

"Ah, tanto faz," Duda soltou de repente, soando muito como uma criança prestes a fazer pirraça. Duda, Draco imaginava, deveria ter passado a infância toda dele gritando e chorando por mais. Draco sabia, porque ele tinha feito o mesmo. Ele também tinha sido dado tudo. "Draco, certeza que você não quer um trago?"

"Câncer não me atrai, obrigado."

Duda franziu o cenho. Então, ele deu de ombros.

"Mais para gente," comentou, passando o cigarro para Piers – e para meninos que passavam tanto tempo surrando outras meninos por serem "viadinhos", havia algo incrivelmente irônico deles dividirem o mesmo cigarro entre si e trocarem saliva como se não fosse nada. Não que Draco iria dizer isso. Eles provavelmente não entenderiam nem o que era ironia nem o que havia de tão nojento na situação.

Draco uma vez tinha visto Malcolm tirando um chiclete que estava grudado embaixo de uma mesa e o colocando na boca. Higiene não era exatamente o forte de nenhum deles. É. Era uma verdadeira surpresa.

Depois que eles acabaram de fumar – e Draco ter reclamado o suficiente do calor para eles resolverem ir para casa de Gordon, que tinha ar condicionado – Duda apagou o cigarro na parede de uma casa e eles saíram do lugar onde estavam escondidos no espaço entre dois dos vizinhos dele.

No caminho, eles passaram em frente à casa de uma das outras vizinhas deles, a que cheirava igual xixi e andava por aí com as roupas cheias de pelo. Duda pegou uma pedra no chão, um sorriso cruel crescendo no rosto dele. Ele deu uma cotovelada nos amigos dele para ter certeza de que eles estavam prestando atenção, disse bem alto: "Ei, ei, olha só."

E então ele jogou a pedra.

O vidro quebrou, é claro. Praticamente explodiu. Houve um gritinho lá dentro, alto e desesperado mesmo de longe, e então a vizinha veio correndo, observando a janela com olhos arregalados e aterrorizados.

Duda gargalhou. Os amigos dele fizeram o mesmo, Piers falando que ele era "brilhante". Gordon sorriu de lado. Draco–

Draco olhou para a vizinha. Para o medo e confusão e incerteza no rosto dela, e no leve cansaço, como se ela estivesse acostumada, lá no fundo, e nem um pouco surpresa. Ela olhou para ele, o único dos meninos que não estava nem sorrindo, e os olhos deles se encontraram. Ela estava parada um pouco perto demais do chão que Draco sabia que deveria estar cheio de cacos de vidro.

Ela parecia que queria chorar.

"Não foi um arremesso nem um pouco surpreendente," Draco comentou com desinteresse, se virando. O sorriso de Duda caiu e os amigos dele hesitaram e a mulher saiu correndo para pegar uma vassoura ou para chorar, mas não foi o suficiente. Não saciou a vontade de destruição de Draco.

Não parou a pinicação na pele dele.

 

 

A casa de Gordon realmente estava mais fria, mas fria demais. Ele deixava o ar condicionado ligado no máximo, em todos os cômodos, em todos os momentos do dia, e fazia parecer que os pulmões de Draco estavam cheios de gelo. Respirar ardia, um pouco, a garganta dele apertada. E ainda assim, era só Draco abrir a porta e pensar em sair que ele já começava a suar.

Ele odiava o sol. Ele o odiava tanto que nem dava para explicar.

Apesar de que, talvez a verdade fosse que Draco odiava tudo. Meio que era isso, é. Cada coisinha estava fazendo os dentes dele rangerem e o coração dele se retorcer, e ele era uma pessoa irritada normalmente, mas agora cada nervo dele parecia estar gritando ódio.

Você deixa eles desconfortáveis, era isso que Lucius tinha dito para Draco e ele não conseguia parar de pensar naquelas palavras. Desconfortáveis. Aquela era a história da vida dele, não? Todo mundo que o conhecia de verdade ficava desconfortável e Draco odiava tudo e todos em troca.

Principalmente, naquele momento talvez mais do que qualquer coisa, ele odiava aqueles meninos com quem ele estava passando tempo, como ele foi lembrado quando eles se sentaram na sala de Gordon, jogando vídeo games que Draco odiava, e ficaram falando sobre garotas da escola deles de um jeito que até Draco, que era uma pessoa ruim, não queria ouvir.

"Eu tentei mandar uma mensagem pra ela," Malcolm comentou. "Ela me chamou de estranho e me bloqueou. E depois eu que estou do lado errado."

"Não me surpreende," disse Dennis, os olhos dele grudados não tela enquanto ele tentava matar o personagem de Gordon. "Ellie é uma puta rancorosa. Todo mundo sabe disso."

"Mas eu tô falando," Duda disse, mexendo com os controles violentamente. "A gente não precisa da permissão dela para ir na festa. É só aparecer de penetra e então curtir com todas as meninas bêbadas."

"A não ser que a gente não sabe onde a festa vai acontecer," comentou Gordon, "então–"

Duda deixou a língua dele pra fora bem no canto da boca dele. Draco olhou para o lado com uma careta. "Então não dá, é. Mas eu acho que a gente consegue descobrir. É só– sei lá. Só arranjar alguém que vai pra lá e obrigar eles a falar pra gente. Fácil."

Os olhos de Draco se encontraram com a janela, se cerrando. Estava ficando de tarde já, as horas passando rapidamente, o sol se preparando para se pôr daqui a um tempo. Lucius deveria estar se arrumando, agora. Tendo certeza de que não havia nada fora do lugar na casa e que Dobby estava pronto para os servir e que qualquer vestígio da existência de Draco tinha sido completamente escondido. Sabe, só o que ele sempre fazia.

Draco apertou o controle com mais força, ele se ficando contra a cicatriz na palma da mão dele. A respiração dele estava começando a ficar um pouco mais ofegante.

Narcisa, ela deveria estar fazendo o mesmo. Colocando o vestido mais chique dela, arrumando o cabelo dela como ela costumava arrumar o de Draco, quando ele ainda era amável, e escolhendo as joias mais chamativas o possível. Se preparando para fingir que não era uma mãe, só uma esposa.

Só o que ela sempre fazia.

Os ouvidos de Draco pareceram estarem zunindo, alto demais. Quando ele voltou a ouvir o que estava acontecido, foi porque Duda gritou:

"Mas que merda! Você me matou, Draco!"

Draco engoliu em seco, olhando para tela confuso. Então, ele lançou um sorriso para Duda, aquele sorriso tão frio e tão malvado que fazia até Lucius se encolher. Duda não teve chances, se voltando para TV rapidamente, com as bochechas vermelhas e as sobrancelhas retorcidas.

"Eu achei que você não sabia como fazer isso," ele resmungou rabugento, fazendo um biquinho.

"Eu não sabia," Draco disse secamente, dando de ombros. "Mas até sem saber o que fazer eu consigo te vencer, Dursley. Não é tão difícil assim."

Ele não precisava falar que ele não tinha a mínima ideia de como tinha ganhado. Que ele não tinha estado prestando atenção nenhuma, pensando nos pais dele e em fogo e em destruição.

Ninguém tinha que saber disso. Não até ser tarde demais.

 

 

Ele foi o primeiro a sair de casa de Gordon.

Duda o perguntou se Draco precisava de uma carona, mas passar meia hora no mesmo carro que Valter Dursley parecia tortura, então Draco disse não imediatamente. Além do mais, ele ainda não tinha permissão para voltar para casa, então–

Então ele tinha outros planos. Ele só tinha que pensar neles ainda, mas ele ia fazer algo. Ele não ia só ficar andando por aí pensando em Lucius e Narcisa jantando e rindo e se divertindo com os amigos deles. Pensando na casa iluminada e com a temperatura perfeita e a comida quente e deliciosa onde a presença dele não era desejada e–

E Draco abriu o Instagram, digitando um nome rapidamente e indo para o terceiro perfil, o que tinha uma foto que ele reconhecia.

Ei, ele mandou, o cenho franzido e a garganta estranhamente apertada. Eu estou pensando em ir na sua festa. Quando e onde é?

 

 

Ellie Gillis era a menina mais atraente e mais popular da escola deles, aparentemente.

Era o que toda a gangue de Duda sempre falava e apesar de Draco não se sentir nem um pouco atraído por ela, ele podia admitir que ela era bonitinha. Ela tinha um – um busto muito grande, o que era a maneira mais educada que ele achava para dizer isso. Draco não tinha prestado muita atenção, mas Duda e os amigos dele pareciam querer lembrar o mundo disso toda vez que mencionavam o nome dela, como se os peitos dela fossem a coisa mais importante sobre ela.

Provavelmente era para eles.

O que realmente importava para Draco era que ela parecia achar engraçado sempre que ele insultava alguém, o que ele não entendia e não gostava nem um pouco.

Ela tinha respondido a mensagem dele com um montão de exclamações e os detalhes sobre a festa e assim que ele chegou ela pareceu o encontrar e ir na direção dele. O sorriso dela era grande e muito branco, os cabelos dela pretos. Ela não o tocou, mas ela ficou perto dele, dizendo que ia o mostrar onde as coisas eram já que ele era tecnicamente novo.

Draco não era idiota. Ele podia não tentar ser sociável, mas isso não significava que ele não entendia como pessoas funcionavam. Ellie estava claramente tentando flertar com ele, o que era irritante não só porque ele nunca iria querer ficar com uma garota – com ninguém em geral, mas especialmente não com garotas –, mas também porque ela não conseguia olhar nos olhos dele assim como todo mundo, o que deixava a situação com um toque extra de desconforto e estranheza que fazia Draco ranger os dentes.

"Eu fico super feliz que você veio," ela comentou, os olhos no chão, e de vez em quando ela lançava uns olhares para ele no canto do olho, mas ela sempre parava nos lábios ou nas bochechas dele, nunca ia até os olhos de Draco. O corpo dela estava virado de uma maneira não natural, tentando fazer aquela falta de contato visual menos estranha, mas só piorando as coisas.

"É sábado a noite," Draco comentou, dando de ombros. "Eu não tinha mais nada para fazer."

Era uma coisa rude a se dizer, as bochechas de Ellie ficando vermelhas, mas ele não se importava. Ele era uma pessoa ruim e além disso – não olhar para os outros enquanto se falava com ele era rude também. Isso nunca parou ninguém.

Ela soltou uma risadinha, de qualquer maneira. Divertida.

"Bem, eu fico feliz que você não trouxe os seus amigos. Eles são uns cuzões."

Havia uma firmeza na voz dela no fim, uma confiança. Ela tinha, afinal de contas, dado um tapa em Malcolm. Se ela deixasse o nervosismo de lado e mostrasse aquele lado dela, talvez Draco até fosse falar com ela. Não que houvesse chances dela conseguir o que queria, mas, bem, talvez ela fosse conseguir uma amizade.

Não com ela agindo como estava agora.

Ele deu um passo para trás.

"Eu odeio eles," disse secamente, e era 100% verdade. "Onde ficam as bebidas?"

"Ah," Ellie disse, e então ela sorriu, olhando para os lados. "Eu te mostro."

 

 

Haviam festas em Ballincrest, escondidas, feitas pelos alunos que ousavam mais, que tinham mais coragem e menos o que perder. Draco era convidada para todas elas, mas ele raramente ia.

Ele não gostava de pessoas, obviamente ele não iria gostar de festas. Se ele fosse para uma, 99% do tempo era porque Collins tinha o arrastado. Collins gostava de ser visto com Draco. Era bom para reputação dele, o que em troca era bom para os negócios dele.

Draco entendia negócios, entendia usar pessoas para ganhar dinheiro. Era o que Malfoys faziam de melhor.

Não significava que Draco gostava disso. Não era nem que ele se sentisse mal, porque ele não se importava de verdade com Collins ou com as intenções dele, simplesmente o achava o melhor entre os piores. Não, Draco só achava que festas eram um tédio.

O hábito dele era imediatamente escolher um canto onde ele iria ficar pelo resto da noite, sempre bebendo e lançando olhares muito mortíferos para qualquer idiota que ousasse de aproximar. Não eram muito idiotas que fizessem isso. Até adolescentes tinham um senso de perigo e uma vontade de não morrer. Só era meio escondido por todo o excesso de hormônios e falta de neurônios.

Você os deixa desconfortáveis.

Tinha que ser uma piada. Tinha que ser. Desconfortáveis? Sério?

Lucius nunca deu a mínima para o conforto de Draco, deu? Ao menos não nos últimos seis anos ou mais. Ele não perguntou para Draco como Draco se sentia tendo tutores, como ele se sentia indo para Ballincrest, indo para Privet Drive. Ele só arrastou Draco pra lá e pra cá não importa o quanto Draco tentasse lutar.

Ele não se importava.

Draco achava que talvez – Draco se lembrava de quando ele acordou com a cicatriz na palma dele pela primeira vez, mal conseguindo se lembrar do que tinha acontecido, mal conseguindo mexer a cabeça ou olhar para os lados, babando e não conseguindo falar nada a mais ser uns grunhidos sem sentidos, todo anestesiado.

Draco achava que talvez Lucius tivesse segurado a mão dele, naquele momento. Deixado o dedo dele acariciar a cicatriz, o último carinho que ele iria dar para Draco em toda a vida deles.

Talvez.

Talvez tivesse sido só um sonho. Parecia que tinha sido, quando Lucius agia como ele agia. Mas parecia real, de vez em quando. Se Draco se esquecesse do nojo nos olhos de Lucius atualmente, ele conseguia se lembrar de uma época em que Lucius o olhava com amor, antes da verdadeira natureza de Draco ser descoberta. Doía mais do que qualquer outra coisa.

Draco tirou as costas dele de onde elas estavam apoiadas contra parede de um canto, virando o copo de plástico que Ellie o deu e o bebendo de uma só vez. Ele ainda sentia aquela eletricidade, aquela vontade, e a barriga dele estava toda revirada.

Desde aquela conversa com Lucius, Draco não conseguia parar de pensar no acidente, não conseguia parar de pensar em Narcisa e Lucius. E isso era tão perigoso. Tão terrivelmente perigoso.

Era uma receita para desastre.

Ele deixou o copo em cima da uma mesa qualquer, porque o lugar já estava bagunçado o suficiente que não ia fazer muito diferente. Por onde ele passava, as pessoas olhavam para ele, o menino novo misterioso, o menino novo assustador. Dependia de para quem você perguntasse. Dependia do quanto eles achavam Draco atraente.

Enquanto ele ia em direção ao banheiro, Draco pegou o isqueiro dele, o abrindo e o fechando, o ligando e o desligando. Como acontecia sempre que ele fazia isso, parecia que os cantos da visão de Draco tinham ficado embaçados e que ele só conseguia focar nas pequenas chamas em frente dele.

Ele sentou na privada fechada, ouvindo o som da música lá fora. Ele pensou na vizinha fedida e no vidro estilhaçado, e Draco percebeu que os olhos dele estavam ardendo não porque ele estava olhando tão intensamente e sem piscar para o fogo, mas porque ele queria chorar.

Bem.

Vai se foder, Draco pensou, e então ele piscou até aquelas lágrimas idiotas terem desaparecido, porque o dia em que ele chorasse ia ser o dia em que ele colocava fogo em si mesmo de novo.

Ele se inclinou para trás na privada, fechando o isqueiro rápido e com força o suficiente para quase prender o dedo dele. A música estava muito alta, alta o suficiente para fazer a porta tremer um pouco.

Tudo que Draco conseguia ouvir era o crepitar do fogo que nem estava lá mais.

 

 

Draco não tinha o número dos pais dele, mas quando um número desconhecido o mandou uma mensagem simplesmente dizendo pode voltar, Draco sabia que era Lucius. Ele revirou os olhos e olhou a hora no celular dele.

Onze horas.

Ok. É, considerando que o jantar de Lucius deveria ter demorado umas cinco horas sem contar as discussões sobre negócio, ele provavelmente só tinha acabado agora. Draco costumava os odiar quando ele ainda era um membro de verdade da família Malfoy.

Ele ainda continuou na festa por mais uns dez minutos. A caminhada até a casa dele iria ser mais longa, mas ele queria ter certeza de que Lucius e Narcisa já estariam dormindo quando ele chegasse, então Draco esperou. Ele contou os segundos antes de decidir que seria seguro ir.

Ellie o deu tchau. Ela o perguntou se ele tinha uma carona ou algo do tipo, porque estava escuro e ela não sabia se ele conhecia a cidade tão bem assim. Draco acenou para ela, só com a cabeça, e saiu sem a responder.

Ele não conhecia a cidade tão bem assim, é claro, e não ajudava que ele estivesse levemente tonto. Haviam grandes chances dele ser assaltado, ele sabia. Ele só não se importava. Não com a segurança dele e principalmente não com a segurança de quem quer que tentasse o parar.

Draco tinha estado naquele estado exato quando colocou fogo no campo da escola. Agora tudo nele gritava para ele fazer algo ainda maior.

E ainda assim, Draco se viu só andando em direção a casa dele. Cambaleando iria ser a palavra mais preciso, mas tanto faz. Ele estava indo, continuando a seguir o caminho que deveria seguir mesmo que os nervos dele estivessem a flor da pele e a mão dele estivesse segurando o isqueiro dele e parecesse que alguém tinha derrubado o cérebro dele dentro de um liquidificador.

Quando Draco chegou, a porta da frente não abria.

Por um segundo ele achou que realmente estava mais embriagado do que achava, mas então ele parou no escuro, respirando fundo para se firmar, e mexeu a maçaneta, uma, duas, três vezes. Ele soltou uma risada levemente maníaca, o bairro inteiro silencioso de uma maneira que não parecia completamente natural, que parecia levemente perigoso. E Draco, ele só riu.

Os pais dele tinham deixado ele trancado do lado de fora.

É claro. Claro que isso ia acontecer. Era difícil saber se eles tinham feito isso de crueldade e como uma maneira de o castigar por chegar tão tarde, ou se eles só tinham esquecido de Draco completamente. Era difícil saber qual das duas opções doía mais.

Mas ele riu, porque ele não podia chorar.

Uns cinco minutos depois, a porta abriu. Não era nem Lucius bem Narcisa, os olhos grandes e cheios de preocupação de Dobby encarando Draco em meio ao escuro. "Eu fiquei acordado te esperando, senhor," ele comentou rapidamente. "Seus pais pediram–"

"Não," Draco o cortou, passando por ele. "Eles não pediram."

O silêncio de Dobby era pesado. Draco podia sentir culpa, vergonha, pena emanando dele, e tudo isso servia como uma resposta clara. Não, eles não tinham pedido. Eles tinham trancado a porta e ido dormir e Dobby percebeu o que ia acontecer, então ele ficou esperando Draco chegar apesar dele ter que acordar antes do sol nascer. O peito de Draco se apertou, mas ele não queria pensar nisso. Era demais. Ele não conseguia dizer obrigado, começava a se engasgar só com aquela sugestão aparecendo na mente dele.

Ele começou a ir em direção as escadas.

"O senhor não parece bem," Dobby comentou. "Você precisa de uma água–"

"Não. Eu só– eu só vou pro meu quarto. Eu preciso de ar fresco."

E foi por isso que quando ele chegou lá em cima, ele foi quase imediatamente para a janela dele, a abrindo e enfiando a cara para fora. Draco se segurou nela com força enquanto inclinava o seu corpo para frente. A janela do vizinho estava aberta também, uma leve luz saindo de lá, mas Draco olhou para baixo, não para ele.

Eles estavam no segundo andar. Draco nunca teve medo de nada, muito menos um medo tão bobo quanto altura, mas ele teve a leve sensação de que o que ele estava fazendo era meio perigoso, considerando que ele estava meio tonto e não estava com o melhor equilíbrio do mundo no momento. Bem.

Ele respirou fundo. Para dentro, para fora.

"O que você acha que está fazendo?"

Draco olhou para cima. Harry estava o olhado, o cenho franzido, a luz que tinha estado ligada no quarto dele agora desligada. Ele só estava iluminado pelo brilho pálido da lua, apesar dos olhos verdes dele parecerem ter todo um brilho próprio. Ao menos na cabeça de Draco. Ele só não estava acostumado ainda.

Draco cerrou os olhos.

"Respirando," ele respondeu simplesmente, de má vontade.

"Eu– bem, sim, eu sei, é isso que humanos fazem literalmente o tempo todo." Harry arrumou os óculos dele, um pouco de ansiedade aparecendo no rosto dele, traindo o sarcasmo na voz dele. "Você podia talvez não ficar quase se jogando da janela enquanto respira?"

"O que?" Draco disse, se inclinado ainda mais para frente apesar dele manter seu aperto na janela bem firme. "Assim? Isso te deixa com medo?"

Ele era um babaca. Ele realmente, realmente era horrível. Os olhos de Harry se arregalaram e ele se aproximou um pouco mais da própria janela dele.

"É," ele disse, a voz acelerada, alta demais de um jeito que iria acordar alguém, se ele continuasse. "Me deixa, porque eu consigo imaginar um milhão de maneiras em que isso pode acabar dando errado. Então porque você não para? Agora."

Ah, havia uma firmeza na voz dele também. Ainda mais do que havia na de Ellie, talvez mais do que havia na voz de qualquer outra pessoa que Draco já tinha conhecido. Infelizmente, Draco tinha passado a vida inteira dele ouvindo ordens e resolvendo as ignorar só de birra. Ele foi para trás e para frente, se balançando um pouco na janela.

"Por quê eu pararia?"

Harry o observou com um olhar entre preocupado e muito irritado. "Eu acabei de dizer! Pode dar muito, muito errado. Você pode se machucar. Então volta pra dentro."

Draco o lançou um sorriso selvagem.

"Não," ele disse simplesmente, dando de ombros.

Harry soltou uma respiração trêmula.

"Você foi naquela festa que o Duda não parava de reclamar por não ter sido convidado?" ele perguntou. "É isso, não é? Você bebeu."

"Talvez," Draco disse, e as unhas dele se fincaram na madeira da janela até doer, e talvez ele estivesse tremendo, talvez a garganta dele estivesse se fechando. Ele não entendia. O ar estava fresco. Por que era de repente tão difícil respirar? "Quem se importa? Ninguém. Meu pai me quer morto. Ele está constantemente a um só passo de ir atrás de um assassino de aluguel para se livrar de mim, eu sei que ele está. E minha mãe – de vez em quando eu acho que ela já considera como se eu tivesse morrido quando eu era criança. Ela olha para mim como se eu fosse um fantasma. Como se eu fosse alguém que ela já tivesse amado um dia e agora eu só sou uma assombração bem irritante. Ninguém importa com o que eu faço. Eles não iriam se importar se eu ficasse machucado."

Algo ficou estrangulado dentro dele, preso dentro de Draco, e ele tinha quase certeza que era um soluço. Ele fechou a boca, tinha que fechar se não quisesse soltar algo ainda mais vergonhoso do que tudo que ele já tinha falado. E Harry –  desespero. Era isso no rosto dele agora, tão claro e tão forte que quase fez Draco revirar os olhos e bufar. Desespero e algo como entendimento. Harry apertou a janela dele próprio, apesar dele estar bem mais dentro do quarto dele do que Draco estava.

"Eu sei," ele soltou em um tom de voz mais baixinho, e havia uma hesitação lá na voz dele, quase que um medo. Ele nunca tinha falado aquilo em voz alta. Draco achava que não. Ele parecia estar tremendo também. "Meus tios– eles também não iriam se importar comigo. Mas– foda-se isso. Foda-se todos eles, ok? Eles são idiotas e eles não merecem nada da gente. Só volta pra sua cama."

Draco deveria. Ele queria. Ele se inclinou um pouco para trás, mais pro seguro, e os ombros de Harry perdendo um pouco da tensão, ele soltou uma respiração aliviada. Draco olhou para ele, tudo dentro de si queimando, tudo gritando destruição, e tinha que ser a bebida, porque de repente Draco se viu soltando:

"Todo mundo que eu já amei nem consegue me olhar nos olhos mais. Por que – por quê? O que tem de tão impossível de se amar em mim?"

Os olhos de Harry se arregalaram de uma maneira que nem parecia possível, que Draco nunca tinha visto ninguém arregalar antes, ficado tão grandes que Draco não tinha certeza de como eles cabiam no rosto do menino. Ele abriu a boca, mas então ele a fechou, e talvez ele fosse falar algo mais, talvez ele só precisasse de mais alguns segundos para pensar em algo, para arranjar coragem, mas Draco decidiu que ele não se importava.

Draco fechou a janela dele com tudo, sua pele ainda toda coçando, mas diminuindo um pouco. Draco não tinha destruído nada, mas ele tinha deixado Harry ouvir algo tão pessoal, uma fraqueza tão grande dele, e aquilo parecia um pouco com Draco tentando destruir a si mesmo, o que aplacou as vontades dele, só por enquanto.

Ele caiu na cama, o peito subindo e descendo devagarinho e ele–

Ele simplesmente caiu no sono.

No pequeno milissegundo antes de ficar desacordado, Draco pensou na sensação de Lucius segurando a mão dele e o dando apoio uma última vez. A palma da mão dele pareceu queimar com aquela memória.


Notas Finais


━ eu falei no meu perfil da wattpad, mas eu vou falar aqui tbm: eu arranjei um emprego! não é muito trabalho ou super difícil, mas eu tenho que tomar muito cuidado com os menores detalhes, então é mais demorado e tedioso, além de eu ser uma burra que fica se espetando com a tesoura o tempo todo. eu não sei se vai atrapalhar as minhas postagens aq, mas se vocês perceberem uma diferença é provavelmente isso

━ a cena do Draco embriagado na janela é meio que baseada numa experiência que eu tive na vida real, então eu estou meio ansiosa postando esse capitulo. eu não tinha percebido isso ate já ter escrito tudo e ter parado e pensado, merda, eu reconheço isso. então, é. que coisa.


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