Ele soltou um grito quando recuou aterrorizado, andando com as mãos e os pés como um caranguejo. O gato voltou ao local onde arranhava, puxando um pedaço de alguma coisa enquanto Ed tentava respirar normalmente depois de se deixar cair deitado.
-Eu não sirvo pra isso, mesmo.
Com um olhar desconfiado viu o gato morder algo depois de puxar aquilo debaixo do tapete. O felino se aproximou com o objeto na boca.
-Cuidado Gato, isso é...
Incrédulo, reparou que era um jornal.
-Hã?
O título, “Espelho da baía”, estava meio comido, sendo decifrado por dedução lógica. Uma foto grande de uma mulher bonita com cabelos castanhos e lisos que passavam um pouco dos ombros, boca grande pintada com um batom de cor natural e olhos castanhos amendoados o encarava.
Embaixo da foto, a notícia:
“Phoebe Halliwell, nossa colunista de conselhos em uma entrevista exclusiva sobre sua vida, e as dores e delícias de uma mulher moderna.”
A data era de maio de dois mil e três. Tentou achar a matéria, mas ali só havia isso falando da bruxa.
-Phoebe...
O olhar dela era forte, mas ao mesmo tempo exibia certa...
Fragilidade, talvez?
Ele percebia que o seu próprio olhar no espelho era como aquele. Um olhar de quem sabia muito, mas queria acreditar em pouco.
Um olhar jovem de uma alma velha.
De repente, ele sabia o que tinha que fazer.
Olhou no celular uma vez mais, após colocar o jornal no bolso da calça, e dando uma lida rápida por cima, fez o que podia no momento.
O que, aliás, era sua especialidade.
Improvisou.
Puxou o tapete, deixando um pedaço do chão até que limpo, comparado ao que havia ao redor no ambiente. Pegou o giz de lousa branco e fez, da melhor forma que pode, um círculo no chão.
-Certo... Então...
Havia uma sacola de papel com velas dentro. Velas coloridas. Mas ele simplesmente escolheu uma branca, uma preta, uma lilás, e uma vermelha. Dentro do círculo que desenhara, colocou as quatro velas, formando um quadrado. Espetou nas velas os incensos. Sem saber bem o porquê, ignorou o copo. Usou os fósforos e acendeu as velas e o incenso. Sentiu que faltava algo.
-O óleo.
Abriu o vidrinho e aspirou.
-Óleo de lavanda?
Molhou o dedo, e sem pensar sobre, lambuzou as velas. Quando terminou, fechou o vidro e o colocou fora do círculo. Olhou para frente e encarou o felino.
-Bem Gato, eu não sei por que fiz isso, mas fiz. Alguma coisa tem que acontecer, certo?
O animal o encarava com olhos como se estivesse em transe. O pelo dele se arrepiou todo, e ele virou-se de costas para Ed, rosnando para a porta do sótão.
O rapaz sentiu como se agora fosse a hora de fazer algo, ou problemas logo apareceriam.
Postando-se no centro do círculo ele fechou os olhos e aguardou.
E nada aconteceu.
O gato começou a arranhar o chão e miar repetidamente. Um som estranho, quase que...
Ritmado?
O felino avançava devagar em direção a porta. O lugar estava ficando cada vez mais escuro, e uma sensação de urgência tomou o corpo de Ed.
-Vamos, alguma coisa...
Ele sentiu o bolso traseiro de seu jeans esquentar. Achou que deveria ter se aproximado de alguma vela, mas continuava imóvel no centro do círculo.
O jornal com a foto de Phoebe era o que estava quente.
Ele fitou a imagem, sentindo um tipo de atração que não dava pra explicar, pela mulher a sua frente.
-Eu preciso e quero te libertar, mas não sei o que fazer...
Nesse instante seu corpo se arrepiou por inteiro. Ele ouviu vozes.
-No sótão. A energia vem de lá.
O som de passos pesados demonstrava que alguém se aproximava.
E pelo som não era apenas um.
Mas o que quer que fosse estava no plural.
O desespero tomou conta de cada célula do seu corpo. Sentia que tinha que terminar aquilo ali, naquele lugar e naquele momento, mas não sabia mais o que ou como fazer. Olhou para a foto mais uma vez, os miados constantes e o arranhar do gato o enlouquecendo.
-Vamos, apareça. Venha de onde estiver, não sei. Me ajude.
A foto apenas o encarava como uma foto. Sem expressão ou coisa do gênero.
Vultos surgiram no corredor. Quantos ele não saberia dizer, mas sabia o que eles eram.
Pois nas mãos erguidas, chamas começaram a cintilar.
A descarga de adrenalina o petrificou. Ele observou os demônios rodearem o círculo que ele havia feito, o gato ainda miando como louco e gargalhadas sinistras ecoando pelo ambiente.
O suor escorria pela sua testa, e sentiu que sua camisa encharcava.
“Eu vou morrer! Assim? Desse jeito idiota? Queimado por demônios?”
Ele encarou a foto uma vez mais, respirando pesadamente. Levou a foto ao peito e percebeu, antes de fechar os olhos, que os demônios levantavam as mãos.
As bolas seriam lançadas nele naquele instante.
E foi nesse segundo que as palavras saltaram de sua boca.
-Que aconteça o que for preciso, mas liberte o seu poder.
O que aconteceu a seguir veio em uma sucessão de flashes.
Ele sentiu que o jornal pegou fogo em sua mão. Um barulho de explosão chegou aos seus ouvidos.
Ele foi arremessado até o teto, batendo em uma viga e então caindo de encontro ao chão sujo.
Ouviu gritos de desespero e uma voz de mulher.
-Vamos lá, mostrem que são melhores que isso.
Tentou virar-se e enxergar algo, mas o corpo inteiro doía. Tudo que conseguiu ver foi uma mistura de humano com fantasia de halloween arregalando o espaço vazio onde deveriam existir olhos antes de soltar um grito medonho e se dissolver em chamas e fumaça.
Ainda zonzo reparou que o silêncio tomou conta do lugar. Mãos pequenas, mas fortes viraram seu corpo e então ele deu de cara com a mulher que encarara na foto do jornal.
-Phoebe?- Conseguiu gaguejar enquanto ela o puxava para que ele se levantasse, mas tudo que conseguiu foi fazê-lo sentar-se.
-Suponho que você me conheça. Phoebe Halliwell, devo dizer que bem na hora, a seu dispor. E você seria...?
Ela o encarava, ainda com uma expressão de dúvida no rosto bonito. Estava mais nova do que na foto, os cabelos em um tom castanho claro, usando jeans de cintura baixa e uma blusa de alças finas, azul com renda colorida. Os saltos pretos das sandálias vermelhas não passaram despercebidos.
-Eu sou Ed... Suponho que deveria libertar você e suas irmãs.
Ela o encarou desconfiada.
-Libertar? Eu e minhas irmãs? De onde exatamente?
Ele ofegava profundamente, buscando ar para explicar a situação. Fez um sinal com a mão para que ela aguardasse.
-Oh, pelos deuses.
Ela agarrou a mão dele, e pareceu ter tomado um choque. Os olhos fecharam-se e ela deu um pulinho. Ofegou por alguns segundos e então soltou a mão do rapaz.
-Eh... Phoebe, você está...?
Ela respirou fundo e abriu os olhos.
-Eu vi a história toda. Tudo que houve com você. Agora vamos, eu preciso saber mais sobre isso. Me orbite de volta pra casa.
Ed a encarou confuso.
-Suponho que aqui é sua casa?
-Faça o que disse. AGORA!
-Uou, calma aí moça. Eu nem sei onde é sua casa.
Ela o analisou um segundo antes de tomar ar e falar em uma voz que queria mascarar a ansiedade.
-O apartamento que você estava com a senhora do vestido verde? Bem, ele era meu há muito tempo atrás. É pra lá que devemos ir. E agora.
Ele a observou, confuso. Mas de algum modo, sabia que devia seguir o que ela dizia.
-E o gato?
-Que gato?
-O gato. Ele veio comigo e...
-Um gato laranja com olhos verdes?
-Isso.
-Não se preocupe com o... - Ela sorriu, como se já soubesse o final de uma piada- Gato nesse momento, ele ficará bem. Vamos, eu sei que você me trouxe de volta, então precisamos achar um lugar seguro e saber o porquê me invocaram nessa época.
-Eu fui quase morto naquele apartamento se quer saber, e...
-Eu tenho o dom da premonição querido. Vi o futuro e o passado, e estou dizendo, vamos para meu apartamento. Agora. Lá você vai poder descansar.
Ele apenas concordou e deu a mão para ela. Fechou os olhos e tentou-se lembrar das palavras de Olívia.
Observou a sala ampla, e imaginou-se nela com Phoebe. Sentiu seus órgãos mudarem de lugar no corpo, e então o ar mudou.
-Vai ficando mais fácil, sabe? Não se preocupe.
Ao abrir os olhos viu Phoebe analisando o local.
-Consegui?
-Naturalmente. Estamos aqui não?
Ela parecia concentrada demais no ambiente.
-Espero que seja você querido, e espero boas...
Olívia entrou na sala no momento exato que Phoebe pousou os olhos nela. Ela pareceu se transformar em uma estátua, a cor desaparecendo do rosto.
-Phoe...
-Imagino que seja Olívia. Poderia me explicar o que está acon...
A mulher mais velha lançou-se nos braços da jovem bruxa que foi pega de surpresa.
-Oh, eu nunca imaginei que viveria pra ver isso um dia. Você em carne e osso na minha frente.
Olivia a segurou pelos ombros e a encarou com o olhar fascinado.
-Exatamente como descreveu.
-Bem, vejo que sou conhecida mas não te conheço. Poderia...
Antes que ela terminasse a frase, Olívia segurou uma mão dela entre as suas. Ela reagiu da mesma forma que quando segurou a mão de Ed.
Então depois de abrir os olhos ela olhou emocionada para a senhora a sua frente.
-Oh querida...
Elas se abraçaram. E ficaram abraçadas até que Ed sentiu que precisava interromper.
Tossiu pra chamar a atenção.
-Desculpem, mas... Posso fazer algumas perguntas?
Elas se soltaram e sorriram, cúmplices.
-As que quiser, Ed.
Olívia fez sinal para que se sentassem. Ed não tirava os olhos de Phoebe.
-Você é mesmo Phoebe... A bruxa... Que eu tenho sonhado?
Ela sorriu, e soltou uma risada baixa. Abrindo os braços e fazendo gestos de uma dançarina espanhola com as mãos, gracejou.
-Em carne, osso e juventude. Apesar de possuir as memórias de toda a minha vida, digamos que voltei com esse corpinho em uma época que eu achava maravilhosa.
-Hã?
Ela riu da confusão no rosto dele.
-Eu estou no meu corpo de quando tinha vinte e sete anos. Mas eu tenho as memórias de toda a minha vida, como se eu houvesse morrido mas lembrasse de tudo. E julgo que tenho os poderes que eu tinha quando morri também.
-Morri? Você está morta?
Ela coçou a cabeça.
-É... Complicado. Veja bem...
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