Quatro, cinco voltas. Rebolava pela cama, sem conseguir voltar a dormir.
Maravilhosa folga a meio da semana.
Os acontecimentos da tarde anterior continuavam na minha memória. As horas passavam e ao invés de dormir, refletia sobre o assunto.
De tanto pensar, cheguei à conclusão que queria dirigir-me à esquadra.
Fazer um relato completo da aparência do rapaz e relembrar a conversa e a ameaça. Não podia ter medo de alguém, que brevemente estaria atrás das grades.
Não fazia a mínima ideia de quem era, nunca antes me cruzara com o rapaz na rua.
Muito menos em Marina del Rey.
Acariciava o pêlo de Gold, este adormecido ao meu lado. Durante todo o tempo que aquele rapaz ficou na minha casa, o cão estava preso na varanda. No entanto, mesmo que não tivesse, jamais atacaria alguém.
Mesmo uma pessoa desequilibrada como o rapaz mostrou ser.
Acabei por sair da cama, perto das dez horas. Soltei o cabelo preso numa trança e dei-lhe algum volume, pois estava húmido quando o prendera.
Tirei um conjunto simples e fresco do armário, vesti-me e depois calcei as converse brancas.
Apressei-me a juntar Nutella num croissant simples e a enrolar num guardanapo. Peguei num pacote de sumo e chamei pelo Gold, visto que tencionava levá-lo a passear, antes de me dirigir à esquadra.
Ele era um cão bastante obediente, não se afastava de mim, não atacava outros animais.
Porém, não era a única na vizinhança com animais.
O meu telemóvel vibrou entretanto, uma mensagem de Kyle, com quem não falava há algum tempo.
De: Kyle
(10:45am) Conteúdo: Olá desaparecida! Como tens andado? Alinhas num jantar hoje?
(10:46am) Conteúdo: Juntamos o pessoal
- Bem e tu? Sim, parece-me ótimo
(10:48am) Conteúdo: Também. Já te dou certezas
Kyle era um rapaz impecável. Há anos que o conheço, desde do nosso quinto ano, penso.
É uma pessoa positiva, bastante fiel e protetora. Não há nada que não lhe confie, a cumplicidade entre ambos é rara, visto que somos de sexos opostos e na boca do mundo, somos mais que amigos.
Enfrentar os três anos de secundário foi de facto duro para ambos, pois os olhares e os rumores eram frequentes.
Após quinze minutos a passear com Gold, voltei para o apartamento, onde alimentei o animar e abri as janelas, de forma a arejar o espaço. Deixei também a varanda do quarto aberta, para Gold se deitar.
Certifiquei-me que tinha os meus documentos comigo, as chaves e o telemóvel.
Demorei bastante tempo a chegar ao departamento policial de Los Angeles, onde iria denunciar - novamente - o rapaz, embora por motivos distintos.
Estacionei o carro perto da esquadra, deixando o mesmo.
Esperei que o sinal ficasse verde para os peões, o que demorava uma eternidade.
Ao passar a entrada, uma moto parou quase em cima de mim. Antes de qualquer reação, reconheci a feição do rapaz, quando este tirou o capacete.
- Pensa duas vezes, Adams.
Mesmo à frente do departamento, a sua expressão estava calma, o que me deixou frustrada.
Porque estava tão calmo, quando estava perto de ser denunciado?
- Sobe para a moto. - Ordenou, o que me levou a arquear a sobrancelha. Qual é a ideia dele? - Imediatamente, antes que perca a cabeça. - Cerrou o maxilar, agora menos calmo.
Ainda tentei chegar ao departamento, mas ele foi mais rápido e segurou o meu braço.
Encontrava-se à minha frente.
Tentava não chamar as atenções das pessoas que caminhavam apressadas, tanto para passar a estrada, como para chegar a qualquer lado.
- Não vou contigo a lado...
- Tens a certeza? - Aproximou o rosto do meu. - Creio que outras pessoas não te vão dar oportunidade de escolha.
Afastou-se, embora com o olhar pousado em mim.
Voltou a sentar-se na moto. As minhas pernas moveram-se automaticamente até à moto, onde acabei por me sentar e aceitar o capacete que outrora usava.
Ficando sem qualquer proteção.
Logo, acelerou a moto pela rua, obrigando-me a abraçá-lo pela cintura.
"Outras pessoas não te vão dar oportunidade de escolha"
O que quis dizer?
Estávamos a sair de Los Angeles e a chegar a Long Beach. Ele não parecia ser um serial killer, a levar a sua vítima para um beco. Muito menos, parecia estar associado a uma gangue.
Era calmo, dentro dos possíveis. Não parecia estar armado.
As aparências iludem e creio que no caso dele, a frase aplicava-se bastante bem.
Mesmo sem parecer um criminoso, não inspirava qualquer confiança.
Desligou a moto perto da praia, de um dos bares ao longo da mesma. Esperou que descesse da moto, para descer também.
Evitei olhar para ele, apreciando toda a paisagem à minha volta. Estávamos rodeados de pessoas...
Qual era a sua ideia?
- Porque estou aqui?
- Precisas de saber que não tiro vidas inocentes. - Murmurou, caminhando na direção do bar. - Mas também, que não poupo quando me atiram areia para os olhos.
- Continuo sem perceber. - Tentei caminhar ao mesmo ritmo que ele.
- Não te quero matar Zoe, só garantir que não me fodes a vida. Ainda mais.
Fiquei um pouco surpreendida com o seu tom pouco severo.
Pediu duas hambúrgueres no prato, com batatas fritas e Coca-Cola. Levou os pedidos para a esplanada, fazendo sinal para que me sentasse à sua frente.
Comi uma batata, bebendo também um golo da Coca-Cola.
Reparei no olhar dele na minha hambúrguer e depois, pousado em mim, por não estar a comer.
- Sou vegetariana. - Murmurei baixo, divertida com a sua expressão.
- Pede outra coisa.
Assenti, dirigindo-me ao balcão.
Limitei-me a pedir um wrap vegetariano, voltando para junto dele, que não desviou o olhar de mim.
Sentei-me à sua frente, a saborear o wrap e as batatas fritas. Uma combinação um pouco estranha, mas nada que não se aguentasse.
O olhar dele continuava pousado em mim, sendo um pouco desconfortável.
- Qual é a tua ideia? - Quebrei o silêncio, sem saber o que sentir em relação àquele rapaz. - Garantir que não conto nada?
- Mesmo que o faças, não fica segundos no sistema ou nos arquivos.
- Então, porquê este rapto? - Ele arqueou a sobrancelha, perante a minha questão.
- Fazes muitas perguntas, Zoe.
Fiquei em silêncio, pois não queria voltar a questiona-lo tantas vezes. O facto de estar a ser agradável, quando no dia anterior se mostrou agressivo, deixava-me menos aflita.
Entretanto, uma pergunta escapou-me.
Aliás, pensei demasiado alto. Ele encarava-me com a típica expressão divertida e calma.
Como se tivesse controlo em tudo. Até em mim.
- Então... És um gangster? Um serial killer ou um traficante?
- Caso não saibas, deriva tudo da palavra gangster.
- É isso que és?
Ele ficou novamente em silêncio, terminando de beber a coca-cola.
Aproveitei para o encarar melhor. Os cabelos despenteados num tom claro, não chegava a ser loiro.
Uma cor caramelo nos olhos e a pele pouco bronzeada. O que mais me interessava, eram os lábios. Carnudos e rosados, com um formato diferente.
Sinais espalhados pelo seu rosto, barba discreta.
Não deixei de reparar na tinta preta ao longo dos seus braços e pelo decote em V da camisola branca, tinha também tatuagens no peito e abdómen.
- Já acabaste?
Tentei não me engasgar com o sumo. A minha pele começou a aquecer, na zona das bochechas.
Ser discreta não era de facto comigo.
Evitei olhar para ele. Sentia-me um pouco envergonhada e nervosa.
- Vou levar-te a casa.
- E o meu carro?
- Já lá está. - Arregalei os olhos, encarando-o por fim. - Não penses que sabes tudo sobre mim.
- Nem sequer o teu nome sei, quanto mais. - Um riso nervoso fugiu pelos meus lábios, o que me deixou ainda mais envergonhada.
- McCann, Justin McCann, babe.
(...)
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