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História Crow's Flight - Gotas


Escrita por: erikastybrien

Notas do Autor


Oii amores!! Bem, aqui estamos nós no oficial penúltimo capítulo da história. Devo avisá-los que esse capítulo é mais como uma passagem, nós fecharemos de vez os pontinhos no epílogo que virá no 65. Talvez alguns de vocês sintam falta de diálogos um pouco mais concretos, mas eu fiz dessa forma justamente porque além do motivo dos personagens, não existe muito "desenvolvimento" quando estamos no final e de certa forma os diálogos servem para progresso. Sendo assim, todas as falas dos nossos personagens (isso também vale para o próximo capítulo) foram necessárias de sua forma.
Boa leitura!!! <3

Capítulo 64 - Gotas


Fanfic / Fanfiction Crow's Flight - Gotas

Terceira Pessoa

Uma semana depois...

Mitch sentia-se melhor. Dia após dia, seu corpo apresentava algum sinal de que estava se recuperando mesmo em meio aos músculos incessantemente doloridos. O agente já estava habituado a dor – por conta do emprego –, então não se tornou tão difícil lidar com os desconfortos para dormir ou para se movimentar pela casa.

No fundo, o que realmente doía em Rapp já não tinha relação com seu organismo frágil, e sim com o buraco que havia se infiltrado em seu peito desde que Lydia o contara sobre a gravidez. Ele não sabia o que fazer.

O tempo todo nutria algum receio em tocar naquele assunto outra vez, mesmo que fosse para consolá-la. De noite, quando deitavam para dormir na mesma cama – já que Lydia estava morando provisoriamente com ele – não sabia se tinha algum passe livre para estender a mão e tocá-la na cintura. O misto de saudade e dor era um sentimento novo e ardido.

A noite que ainda atormentava seus pensamentos, a noite em que perdera sua mãe e também seu filho, ainda rangia no fundo de sua cabeça o tempo inteiro e ele reconhecia que toda a revolta e ira e desgaste da tragédia estava sendo soterrada pela preocupação por Lydia e pela forma como ela ainda reagia mesmo em pouco tempo.

Lydia se fechara. Ainda estava lidando com a culpa que insistia em afrontá-la, a saudade indesejada que sondava as veias sempre que pensava naquela criança. Diferente de Mitch, ela não conseguia reagir. Estava estagnada em luto e desamparo.

Reconhecia que deveria estar habituada à sensação e a realidade de perder tudo que amava muito fácil, muito rápido, como se sempre estivesse à mercê de um destino que gostava de magoá-la sem grandes razões.

Sua certeza de que deveria estar correndo para fora da chuva de aflição que cobria-lhe a cabeça, ou repetindo para si mesma que em algum momento – como aconteceu em relação à Katherine e Gina – aquele corte aberto em seu peito fecharia tentava lhe mandar um sinal, mas o desespero silencioso em seu corpo tornava Lydia surda.

Não sabia se estava cedo demais para se recuperar ou se simplesmente, desde que tudo acontecera, seu corpo agora fosse, mesmo que de forma inconsciente, condicionado a sofrer. Lydia sabia que dor era parte de sua rotina. Sempre, por alguma razão, ela estava sofrendo.

Naquela semana em questão, não só sofreu pelo filho que insistia em se torturar ao pensar no formato do nariz ou boca, como também pelo receio que formigava nas mãos sempre que lembrava em ter matado Theo. Por todos os lados, em cada célula de seu corpo, um sentimento diferente a consumia. Estava cansada de sentir, de precisar pensar, estava exausta de saber que era estúpida por não ter coragem de virar-se para Mitch e dizer que o amava e só precisava de alguns dias em silêncio.

Para sua sorte, mesmo que não tivesse verbalizado seu anseio, ele reconhecera a necessidade dela. Mitch não tornou as coisas mais difíceis do que já eram e Lydia não demorou para perceber. Dois dias bastaram. Desde que contara a ele sobre o bebê, uma nova rachadura abriu-se entre eles.

O relacionamento que já vinha sendo marcado por perdas e adrenalina há muito tempo, ganhara uma nova perspectiva de desolação com a notícia do filho que perderam. Mitch cogitou conversar, mas não sabia o que dizer a ela. Pensou no que deveria fazer, mesmo sabendo que todas as vezes que encontrava os olhos verdes que reservavam pensamentos agoniantes rondando um prato ou uma janela, sabia que ela não queria que ele fizesse nada.

Ela queria se martirizar um pouco. Lydia era boa com isso, afinal, passara grande parte do último ano nesse estado. Acusou-se quando se envolveu com Theo, mesmo que não soubesse quem ele era. Acusou-se quando sua mãe e irmã morreram por sua causa. Acusou-se quando enfiou uma faca em um homem que matara a própria esposa e ainda matava crianças inocentes. Acusou-se quando alguém estava sangrando por ela, mesmo que Lydia ainda não soubesse que todo aquele sangue era planejado por Foster. E por fim, acusou-se quando precisou matar alguém que merecia morrer e, ainda, o alguém que estava a tirando a última pessoa que poderia amar no mundo.

O ciclo vicioso de remorso e ira não era saudável e Martin sabia disso também, mas, ainda assim, queria vive-lo. Desde que deixara o hotel do Ninho, quis sentir alguma coisa que não a deixasse ligada no modo automático. Não era como se aquele sentimento fosse útil – e ela sabia disso – mas ainda era a única coisa que conseguia fazer algum fio de humanidade enroscar-se nas entranhas da agente. Sua dor era um lembrete de que ainda estava ali, mesmo que suas mãos estivessem eternamente sujas de sangue e o homem que amava, apesar do coração também destroçado, vivendo ao lado dela.

Lydia também entendia que estava sendo egoísta. Tentou quebrar suas próprias barreiras quando cogitou conversar com Mitch, mas assim como ele, ela não sabia o que dizer. Como iriam resolver um problema como aquele?

Não existia uma espécie de diálogo que pudesse livrá-los da agonia. Ela não queria magoar Mitch, tão pouco fazê-lo sofrer, mas não sabia como poderia salvar seu coração e seu relacionamento em uma única tentativa. Ela acrescentou esse novo martírio dentro dela.

Sete dias se passaram dessa forma.

Deitavam para dormir na mesma cama, mas não conversavam. Só olhavam um para o outro quando percebiam que alguém estava de costas.

Suas peles queriam se sentir, suas bocas queriam se acariciar, seus olhos queriam encarar o fundo das pupilas alheias e despejar todos os pensamentos que tinham de uma só vez... mas eram apenas desejos. A cama parecia dividida em dois planetas.

Naqueles dias, Mitch escutara algumas vezes Lydia acordando entre lufadas de ar do que lhe pareceram susto. Ele sempre verificava se ela estava bem e, por impulso, a perguntou várias vezes se ela precisava de alguma coisa.

A resposta de Lydia sempre era a mesma. Ela murmurava um “não” baixinho e então pedia “desculpe te acordar”.

Mitch sabia que ela estava mentindo, ele podia sentir como o “não” sempre raspava em seus ouvidos com controvérsia, porém, ele também sabia o que a resposta significava. Ela não queria que ele ajudasse. Era assim que ele entendia, ao menos.

Para ela, Lydia apenas queria poupá-lo. Ela sabia que ele também estava sofrendo, então, porquê precisar recordá-lo de que eles tinham perdido algo que amavam mesmo antes de descobrirem quando sua cabeça fazia aquele trabalho por ambos, todas as noites?

Todos os dias, ela esperava Mitch voltar à dormir para ir até o banheiro e chorar um pouco. Era demais para suportar. As lágrimas eram fracas, quase como se o estoque estivesse de fato se esgotando, mas ainda assim sempre apareciam.

Lydia estava se acostumando. Sabia que não deveria, que precisava fazer alguma coisa... mas não sabia o que. Seu amor por Mitch ainda estava vivo em cada artéria do seu corpo, ainda que estivesse entorpecido por tantas tragédias. O que ela tentava descobrir, pouco a pouco, era como fazer com que aquele sentimento voltasse ao seu coração, ao invés de continuar emaranhado no fundo de sua alma em meio aos gritos e choros que a domavam por dentro.

**

Mitch caminhara pelo gramado bem aparado, observando a forma como o sol escondia-se por trás das árvores verdes. Respirou fundo enquanto tentava manter a cabeça vazia, em conjunto com coração que contraditoriamente, enchia-se de um sentimento desconhecido.

Ele imaginou várias coisas quando pensou em ir até ali. Em um momento, se via chorando diante da lápide. Logo depois, pensava que sentaria na grama e, como uma verdadeira criança, abraçaria as pernas junto ao peito e encararia o nome dela por horas e horas seguidas. Ele não sabia o que esperar.

A semana repleta de inquietação e desamparo era como um balde que enchia. Dia após dia, Mitch sabia que novas incontáveis gotas caíam sobre o recipiente. No começo da semana, as gotas eram por Irene. Logo depois, foram somadas à notícia de que seria pai, e então não seria mais. Não demorou para as gotas designadas de Lydia fundirem-se ao resto da mistura.

Ele suportou cada uma de suas ruínas, mas sem nenhum tipo de explosão. Diferente de Lydia, que ele sabia estar se deixando ser consumida porquê ela queria assim, ele não só lutava contra os sentimentos, como também os negava.

Naquele dia em especial, queria enfrentar de uma vez por todas o quanto a ausência de Irene estava o fazendo mal pelos motivos errados. A culpa e a raiva já eram comuns quando pensava em tudo que acontecera, mas ainda precisava lidar com uma parcela de expectativa quebrada. Mesmo que não quisesse, imaginou como tudo seria diferente se ela ainda estivesse ali. Depois que precisou vê-la morrer, que recebeu um olhar tão cheio de amparo fantasiou como tudo seria quando aquela noite terminasse.

Mitch sabia que Irene estava condenada a morte de qualquer forma. Quando descobriu que ela tinha parkinson degenerativo, soube que iria a perder mais rápido do que imaginava, porém, os seus conceitos de rápido naquela época contabilizavam alguns meses. Trinta dias, sessenta dias, talvez até noventa deles... seriam o suficiente para que aprendesse a enxergar as coisas de uma forma diferente pois estava disposto a fazê-lo.

Queria viver alguma coisa com ela. Perdeu muito tempo com raiva, com rancor e com o sentimento inquebrável de injustiça estralando nos ossos o tempo inteiro... perdera tanto tempo que, antes que percebesse, o perdeu por completo. Sua oportunidade de meses tornou-se horas. E essas horas, eram por causa dele.

Mitch não queria que ela tivesse se sacrificado. Por um lado, os resquícios do adolescente frustrado que foi aprendera a admirar a atitude da mãe mesmo em uma semana, mas, por outro, o homem adulto e tão marcado por traumas e sentenças de morte durante anos não conseguia se conformar com a forma que tudo aconteceu. Ele estava sofrendo. Simplesmente não conseguia não fazê-lo, e tão pouco sabia quando o sentimento tomaria coragem para se dissipar ou quando ele faria isso.

Aquela semana havia sido o suficiente. Quando acordara naquela manhã, Mitch soube que precisava olhar para as coisas como elas realmente eram. Sem filtros, desculpas ou qualquer tipo de transparência.

Seus pés se tornaram dormentes enquanto ele atravessava os corredores vazios, observando as lápides ao redor. Não soube se seu corpo estava dando um sinal de que a ideia era ruim, mas concentrou-se no que seu coração parecia verdadeiramente ansiar: liberdade.

Continuou, ainda vigilante diante dos pensamentos que atravessavam a cabeça. Repassou – por instinto – o último toque que deu na mão de Irene antes que ela morresse, os ouvidos sendo acariciados pela forma sincera que ela o pediu desculpas antes que ele a deixasse sozinha. Seu coração se contraiu dentro do peito.

Poucos passos seguiram até ele firmar os pés no chão e, com um engolir seco, os olhos caírem para a lápide com o nome da mãe. Hurley o contou que o enterro aconteceu logo depois da morte, mas ele não pode ir pelo fato de estar no hospital. A realidade poderia ser cruel e tida, talvez, até como egoísta por si próprio, mas Mitch sabia que não teria ido mesmo que pudesse.

Não sentia-se confortável com a ideia de estar rodeado de pessoas da CIA o cumprimentando e lidando com o fato de descobrirem – através do vazamento de informações de Foster – que ele era filho dela, quando também cochichavam sobre os crimes de obstrução e abandono que Irene havia cometido.

Ele também não planejou ir até ali sozinho, mas além de não ter tido coragem alguma para acordar Lydia naquela manhã e pedir que ela fosse com ele, também não soube o quanto ansiava de verdade compartilhar aquele momento com alguém. Enfrentar sua dor de frente, sozinho e desarmado, parecia a escolha mais inteligente. Talvez a mais dolorosa, mas ainda assim a mais correta e eficiente.

Ele girou nos dedos a rosa de trouxera consigo, encarando a cor vermelho sangue das pétalas. Pensou que aquela poderia ser uma boa comparação para a mãe. Ela era uma mulher forte e admirável, apesar de que seus espinhos sempre fossem o foco da atenção para as pessoas.

Com um suspiro, agachou-se nos calcanhares e depositara a rosa em cima da grama. Sentiu os sentimentos zunindo dentro de suas veias enquanto eram jorrados em direção ao solo, libertando-se dele. Mitch sabia que a sensação não era duradoura e talvez até fosse ilusória, mas pensar que algum dia aquelas cicatrizes dolorosas dentro de si seriam apenas uma lembrança, o fizera sentir esperança.

E foi daquela forma, pensando em quando aquele dia chegaria, que lágrimas quentes subiram aos seus olhos. Permitiu que elas despencassem do rosto porque suas mãos não tinham forças para as limparem. Sentiu-se até mais aliviado conforme as gotas desciam. As mesmas gotas que se acumularam dentro dele por semanas. Gotas transformadas em marasmo.

Esforçou-se para acreditar que, algum dia, em algum momento, Irene seria apenas uma memória boa dentro de si.

Uma memória antiga que continuaria batendo em seu coração.

**

Mitch não soube quantos minutos passaram. Em algum momento, suas lágrimas pararam de subir aos olhos e sua cabeça tornou-se vazia. Como se alguém tivesse cauterizado uma por uma suas feridas, sua dor se dissipou como fragmentos de poeira. Ele não se acostumou com a sensação, pois acreditava estar vivenciando uma paz passageira, porém, também não encontrou forças para lutar contra a ilusão. Preparou-se para deixar o sentimento bom ir embora quando acontecesse.

Quando se levantou outra vez, esticou as pernas dormentes e respirou fundo, ainda observando a lápide como se estivesse olhando diretamente para Irene. Seu interior estava silencioso como se todos os barulhos do mundo de repente fossem expulsos de suas orelhas. Piscou os olhos marejados e finalmente passou o dorso da mão pelas bochechas, fungando baixinho.

Virou-se para caminhar, mas seus pés pararam rápido demais, os pulmões inutilmente soprando todo o oxigênio para fora enquanto seu coração se debatia. Alguma espécie de vergonha lhe aqueceu as bochechas em total contradição à maneira instintiva e saudosa que suas mãos formigaram.

Era como estar em uma chuva quente onde as gotas feitas de mel caíam diretamente em sua corrente sanguínea. Ficou parado. Além de não saber o que fazer, também estava curioso e anestesiado pelas lágrimas recentes.

Lydia não se deu muito tempo para pensar. Ignorou algum aviso inconsciente que talvez Mitch não a quisesse por perto, aproximando-se dele enquanto sustentava os olhos curiosos. Seu pulso dando cambalhotas a fizera relutar por um momento, observando os pés dele que, apesar de todo o esforço, não conseguia parar de olhá-la.

Mitch olhou para ela durante a semana inteira, mas aquele momento pareceu diferente. Foi a primeira vez que sentiu – desde que tudo aconteceu – que ela também estava o olhando de volta, verdadeiramente. Lydia o encarou como se tivesse arrancado cada sentimento ardente do peito e estendido para ele.

O amor em seus olhos era tímido, mas dançava pelas pupilas dilatadas da agente a cada novo segundo.

– Imaginei que você pudesse estar aqui. – Ela engoliu, nervosa. Suas mãos formigaram com tanta força... tanta saudade... e Lydia sentiu-se ridícula.

Passou sete dias inteiros ao lado daquele homem, mas não o tocou mais do que o necessário por várias razões. Naquele momento, suas dores estavam se escondendo, intimidadas pela paixão que enraizou-se em cada célula do seu corpo, recordando-a de como o amava.

Os sete dias doeram. Foram longos e com horas intermináveis, mas foram necessários. Lydia ainda não havia aprendido a empurrar o luto por seu bebê para longe, considerando que aquele sentimento ruim ainda zunia no fundo de sua consciência. Só que aquele trauma também adormeceu naquela manhã quando Lydia acordou e percebeu estar sozinha.

Ela encarou a parede por dez minutos seguidos desde que olhou para o lado e viu o espaço de Mitch desocupado. Dez minutos cogitando viver sem ele. Dez minutos sem coragem para erguer a cabeça e observar se ainda existiam itens masculinos pelo quarto.

Dez minutos sofrendo por possibilidades.

Arrependeu-se de não ter se esforçado como acreditava que poderia, mas aqueles minutos eternos de angústia foram o suficiente para ela. Como um soco no estômago dado pela realidade, sentiu em cada molécula do corpo a dor excruciante que a atingira quando pensou que poderia ficar sem ele, mesmo depois que o perigo de morte já tinha passado.

Perder Mitch por escolha era diferente de perde-lo para a o destino. Não menos doloroso, mas diferente. Lydia não queria desperdiçar nem um segundo a mais que fosse. Estranhamente nervosa, quase como se estivesse o conhecendo de novo, suas bochechas encheram-se de uma mistura de rosa e vermelho.

Mesmo quando os olhos curiosos e atentos e saudosos de Mitch olharam no fundo dos dela, Lydia precisou impedir-se de abaixar a cabeça.

Ele estava com o nariz vermelho, evidenciando o choro atual. Preocupada, ela observou a lápide de Irene atrás dele. Algum sentimento puxou seu estômago em desamparo.

Mitch passou uma língua pela boca e, sem jeito, enfiou as mãos nos bolsos da calça jeans. Ele observou o cemitério, dando-se um instante para separar o que deveria responder das palavras sem contexto e amáveis que realmente ansiou despejar no ar.

– Eu precisava vir. – Disse ele, a voz morna e cheia de melancolia. – Eu precisava fazer isso logo.

Lydia não deixara de se surpreender com a forma que sua paixão pareceu inflar nos pulmões. Desde que o conhecera, sempre admirou a forma que Mitch era astuto e seguro de suas decisões. Além de ser mais racional do que ela, ele era bom em terminar situações desgastantes antes que o consumissem. Obviamente, Lydia não se identificava com ele. Por essa razão, ela o amava ainda mais.

Se fosse ao contrário, ela sabia que não desejaria sequer passar em frente ao consultório ginecológico em que visitou e descobriu que o sangramento que teve dois dias depois ao confronto com o Ninho, era resultado da morte de seu bebê.

Ela ainda estava aprendendo a lidar com o trauma, mas considerando que Mitch a ajudara com todas as feridas que Theo abrira nela desde que Lydia chegou à CIA, ela sabia que ninguém melhor do que Rapp poderia estendê-la a mão outra vez. Lydia poderia superar sozinha, mas ela ainda não queria. Ela queria estar com ele, mesmo que estivessem atravessando o inferno. Com a ternura fluindo em suas cordas vocais, Lydia ergueu os olhos outra vez.

Suas próximas palavras alcançaram os ouvidos de Mitch com parcelas de apelo e amor.

– Não desista da gente. – Sussurrou, precisando de concentração para segurar o impulso que se despedaçou na ponta da língua. Quis despejar de uma só vez tudo o que sentiu durante seu tormento de sete dias. – Talvez seja pedir muito...

– Não é.

Martin piscou. Eram duas palavras. Duas palavras simples, pequenas, mas que a atingiram como se um raio descesse por sua coluna. A voz de Mitch continuou reverberando com doçura em seus ossos mesmo quando ele, calado, só conseguiu olhar para ela.

Os sentimentos guerrearam dentro dele. Sua dor por Irene estava caindo em um buraco fundo e desconhecido enquanto, por fora, tudo o que lhe importava era a gratidão tímida e apaixonada que preencheu o rosto de Lydia quando ela piscou outra vez e engoliu, beirando à uma ansiedade caótica quando abaixou a cabeça.

Estava envergonhada. O desespero que rugia dentro de seu estômago como um verdadeiro gigante desde que acordara continuava a consumindo. Ela precisava que ele soubesse que ainda o amava. Precisava que ele entendesse que, por mais difícil que estivesse sendo, uma hora as coisas funcionariam outra vez.

Lydia precisava evidenciar que, em algum momento, conseguiria recolher seus pedaços e voltar inteira para ele.

Mãos quentes a tocaram no rosto. Cogitou relutar ao contato, mas seus impulsos eram superiores a qualquer tipo de linha que pensamento que quisesse se forçar a acreditar. Com as bochechas ainda tomadas por rosa e o coração escorregando entre os dedos, encarou-o. Admirou o rosto bonito de perto outra vez, quase se perdendo da realidade conforme pensava em tudo que ele era para ela.

Os sentimentos rolaram até os dedos que deslizaram pelo rosto dela. Mitch suspirou, quase entorpecido quando se deu conta de que suas dores estavam anestesiando enquanto Lydia começava a tomar tudo dentro dele, como sempre fizera. Ele ainda não estava habituado a forma fácil e terna que ela se tornava a coisa mais importante para ele, rápido demais.

Quando ele finalmente conseguiu se distrair de como os olhos verdes lhe perfuraram a alma com alguma culpa e arrependimento e amor, Mitch precisou recuperar algum fôlego antes de sua língua finalmente receber um impulso sincero e leal, vindo de seu coração.

– Nunca será demais esperar por você, Lydia. – Sussurrou, e sentiu-se atingido por uma rajada de dor quando os olhos verdes, muito de repente, drenaram as lágrimas que ela já estava segurando antes mesmo que soubesse. – Nunca será.

Martin tentou falar, mas sua garganta tornou-se anestesiada pela enxurrada de ternura. Desmoronou por ele, por ela, pelo acúmulo de desgaste que os sete dias de agonia deixaram dentro dela. As lágrimas escorreram em silêncio e seus olhos verdes e chateados caíram para a camisa preta dele.

– Desculpe. – Ela soprou, balançando a cabeça devagar. – Eu não queria que tivesse sido assim nos últimos dias, só que...

Queria dizer que não sabia como reagir ao próprio luto, que não sabia como arrancar de suas entranhas a lembrança inventada de que aquele bebê estava destinado a ser um recomeço para eles e agora, ele não passava de uma memória traumática. Tudo sobre aquele assunto ainda doía com força em suas veias.

Mitch sabia, e entendia, e sentia também. Ele esmagou com força a ameaça de lágrimas quando ela surgiu, engolindo firme. Devagar, escorregou as mãos para os ombros de Lydia e a puxara para perto.

Os dedos masculinos eram como algodão caindo sobre seu corpo. Ela não hesitou em passar os braços pela cintura dele e, finalmente, depois do que lhe pareceram anos, sentir-se em casa. Apoiou a cabeça no peito dele e sentiu os braços fortes a apertarem enquanto ele sussurrava “eu amo você”.

Com o amor afundando em suas peles e a dor escorrendo dos olhos, Mitch e Lydia logo descobriram que o refúgio de suas dores esteve perto o tempo inteiro.

Suas fugas da realidade enquanto sofriam, suas noites mal dormidas, as incuráveis marcas em suas almas... cada ponta de dor dissipada dentro deles só poderia sumir quando, juntos, eles aceitavam que estavam destruídos.

Mesmo magoados, sempre estavam dispostos a recolherem os pedaços um do outro.

Esse era o verdadeiro refúgio que seus corações passaram sete dias choramingando.

Esse era o verdadeiro refúgio que seus corações, eternamente, enquanto batessem, clamariam dia após dia para que tivessem.

Sempre, braços e olhares e calor. Um pedido de paciência. Um baixo e calmo pedido. Um abraço. Um eu te amo sussurrado com desespero.

Sempre, um ao outro.  

Sempre, queimando pela chama que daquele momento em diante, Mitch e Lydia souberam que nunca se apagaria.


Notas Finais


Mapp sempre foi um casal de muita comunicação, mas nesse momento em especial, eu não imaginei eles fazendo agindo com tanta facilidade. Eles sofreram demais e tudo o que aconteceu ainda os machuca (como vocês viram no capítulo), então de certa forma eles não poderiam agir diferente.
Em teoria, a história poderia ser encerrada aqui, mas o epílogo (apesar de curto), deu o tom que eu queria para o final. Existem coisas importantes lá ;)
Estarei postando ele amanhã de noite ou, caso eu não possa, no domingo.
E bemmm, de antemão, quero dizer mais uma vez que estou com o coração apertado e com saudade. Essa história foi uma aventura enorme e difícil, mas eu me apaixonei muito por ela e tudo que foi construído aqui. Obrigada por todo o apoio de sempre.
Mais uma vez, quero saber quais são as expectativas de vocês, agora de fato para o último capítulo!!
Beijosss, até!


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