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História De carne e papel - Taehyung III


Escrita por: nunytales

Notas do Autor


Olá, novamente! Não sei se esperavam por mim tão cedo (nem eu esperava tanta atualização com intervalos de uma semana certinha), mas aqui vamos nós. Espero que estejam preparados, porque, guuuuurl, as coisas estão ficando intensas por aqui~

Mais uma vez deixo meu MUITO OBRIGADA pelos comentários, pelas perguntas, pelos elogios e pelo apoio! Significa muito pra mim~ <3 ;; Eu li todos e sorri com o coração todo soft e quentinho, mas respondi tudo mentalmente e por isso eu sinto muito!! TTT Tem umas perguntas que eu ainda vou responder, mas acho que, no fim das contas, todas as respostas vão ser encontradas nesse capítulo.

Então, sem mais delongas, tenham uma maravilhosa leitura e muito obrigada por darem essa chance para De carne e papel e para mim <3

Até breve~

Capítulo 7 - Taehyung III


Fanfic / Fanfiction De carne e papel - Taehyung III

A porta do quarto foi aberta de uma só vez, mas Jeongguk não levantou os olhos do notebook onde uma partida de seu jogo preferido se desenrolava para ver quem estava invadindo seus domínios.

Seu inesperado visitante, andou a passos largos e pesados até a cama de baixo do beliche, onde se jogou teatralmente, deixando-se ficar ali depois de emitir um suspiro pesado e cheio de mágoa que não foi capaz de comover Jeongguk.

“Eu sinto falta do Mickey”, Taehyung anunciou afinal, ao perceber que nada do que havia feito até então foi capaz de atrair a atenção do dono do quarto. Sua voz saiu mais fina, como um ganido de filhotinho ou um choramingo manhoso, que causou um sorriso involuntário nos lábios de Jeongguk.

Era um bebê chorão.

“Quando você disse que fazia artes cênicas, eu não pensei que fosse ser uma rainha do drama”, Jeongguk comentou ainda sem desviar os olhos de sua partida.

“Não me diga que não sente falta dele!”, Taehyung o desafiou com uma risada sarcástica, sem se deixar abater pelo comentário do outro.

Uma pessoa podia ter muito mais lados do que um primeiro olhar era capaz de revelar, Jeongguk estava aprendendo, e Taehyung era seu mais dedicado professor. Havia muitos lados escondido nele, como personagens distintos, cada um esperando sua vez de entrar em cena e roubar toda a atenção só para si. Jeongguk ainda não conhecera todos, ainda não catalogara as expressões que ele fazia e o que queria dizer com elas, mas às vezes ele ficava ansioso para saber o que encontraria a seguir, que tipo de resposta ele iria receber se apertasse determinados botões naquele grande painel de controle cheio de opções que ele tinha à disposição para brincar se quisesse. Sarcasmo não era uma novidade àquele ponto, o jeito como ele revirava os olhos quando Jeongguk estava sendo impertinente, o sorriso de canto de quem sabia que está sendo provocado. Taehyung tinha tudo aquilo e mais um pouco – um brilho no olhar cujo significado era a maior incógnita de todas.

Mas não deixava de ser o mesmo garoto que havia chegado ali, confuso, e tagarela, e desastrado, e arrependido pelas faltas que cometia. Ainda tinha aqueles olhos castanhos que inspiravam memórias em Jeongguk.

“Não foi isso que eu quis dizer”, rebateu, antes que pudesse ir longe demais em seus pensamentos, revelando a verdade que Taehyung acabaria descobrindo mais cedo ou mais tarde.

Mickey ficara com eles apenas o tempo necessário para criar um lugarzinho especial em seu coração – o maravilhoso espaço de algumas horas, durante os quais Taehyung e Jeongguk puderam brincar com ele. O dono de Mickey apareceu no começo da noite procurando pelo bichinho de estimação que havia perdido mais cedo. Tinha um amigo que tinha um amigo que recebeu a foto que Taehyung estava enviando aos seus contatos a fim de encontrar o pai de Mickey.

Hoseok – esse era o nome do rapaz que bateu à porta – tinha fotos com Mickey em seu celular e até mesmo vídeos dos dois brincando juntos. Contra isso Taehyung não tinha como argumentar, tampouco podia levar para frente as suas suspeitas de que ele era um sequestrador de cachorros tentando se aproveitar da ignorância dos dois.

A despedida foi breve, mas não deixou de causar um golpe no humor de ambos. Hoseok saía de lá feliz com Mickey em seus braços, e para trás ficava uma dupla de idiotas que se apegava fácil demais e que não teriam mais com quem brincar dali em diante.

Ninguém além deles mesmos.

“Você disse que seria divertido se a gente limpasse o chão juntos”, Jeongguk balbuciou em uma tentativa desesperada de não se deixar abater. Taehyung parecia ter entendido a deixa, aceitando dividir a tarefa com Jeongguk pelo bem de seu coração partido.

“Acha que o pai dele deixaria a gente brincar com ele?”, Taehyung perguntou de repente, enquanto Jeongguk se concentrava em matar algumas das tropas inimigas.

“Pai de quem?”, questionou, não entendendo muito bem como eles pararam de falar de Mickey para falar no pai de alguém –o pai de Hoseok, talvez? Embora fosse difícil dizer por que Jeongguk iria querer vê-lo de novo, o rapaz era tão cheio de energia que era até complicado de acompanhar.

“O pai do Mickey! Você acha que ele iria confiar na gente pra deixar o Mickey passar uma tarde aqui? Talvez ele ache que a gente ‘tá tentando roubar o cachorro e não queria arriscar...”, continuou falando, com Jeongguk respondendo ocasionais “hm” e “uhum”, ao passo que seus olhos acompanhavam o movimento de vários pontos no mapa e buscavam, alertas, qualquer sinal de perigo. “Acha que tudo bem se eu ligar pra ele amanhã? Acho que posso conseguir o número com alguém...”

“Acho”, disse Jeongguk sem pensar muito bem sobre o que estava fazendo – ele estava finalmente derrubando a segunda torre da rota de baixo, claro que ele não estava preocupado com as perguntas de Taehyung, mas sim com um ataque surpresa vindo de lugar nenhum.

O silêncio prevaleceu depois disso, exceto pelo que era possível ouvir nos fones de ouvido que Jeongguk estava usando – barulho de feitiços, tiros e golpes sendo desferidos para todos os lados na partida em andamento daquele jogo que era a febre do momento. Se não estivesse tão preocupado com uma possível reviravolta do time adversário, Jeongguk teria sido capaz de prevenir-se, evitando assim um susto que quase o fez cair da cadeira.

“Goldenjk971”, Taehyung recitou com calma—e quando ele havia ficado tão perto?! Graças àquela proximidade inesperada, àquela voz que não deveria vir de uma distância tão pequena, foi impossível evitar o sobressalto – e a morte de seu personagem no jogo. “Não sabia que você também jogava, em que nível você ‘tá?”, e depois adicionou, com uma voz engraçada, como se não tivesse qualquer intenção de se desculpar: “Oops, acho que acabei com a sua imortalidade...”

“Pensei que você estivesse de luto pela perda do Mickey ou algo assim”, rebateu, irritado, embora não tivesse muito que ele pudesse fazer além de esperar a passagem dos segundos necessários para que seu personagem retornasse. A familiaridade das palavras o fez se ajeitar na cadeira, movendo-se em busca de algum conforto.

“Você não ‘tava me dando atenção, então eu vim ver o que podia ser mais importante que meu sofrimento”, deu de ombros, sorrindo, divertindo-se com a situação. Não havia uma só sombra de culpa naqueles olhos, não era preciso olhar para saber. “Acho que você devia jogar comigo qualquer dia desses, eu só tenho encontrado troll, fica até difícil se empolgar com uma partida”.

“Só se for pra você se arrepender de ter me chamado”, a afirmação era um desafio. Jeongguk não tinha intenção de pertencer ao mesmo time do outro – nada pessoal, ele só queria testá-lo antes de aceitar fazer uma parceria, não podia aceitar qualquer um.

“O que você disse?!”, Taehyung perguntou, o que Jeongguk a princípio achou que era uma provocação. Olhando por cima do ombro, no entanto, ele percebeu que o outro só estava distraído com o que estava acontecendo na tela do notebook, já pouco interessado na conversa que havia iniciado.

“E ainda fala de mim como se fosse diferente”, resmungou com um suspiro, preparando-se para voltar à partida. Para Taehyung ele respondeu com um “nada...”, só para pôr um fim no assunto sem precisar dar maiores explicações.

 

 

 

“Jimin-ah!!”, Taehyung choramingou em um domingo de manhã enquanto todos eles, ainda com olhos sonolentos e passos preguiçosos, arrastavam-se pela casa em busca de comida, de um lugar para se encostar que não fosse as respectivas camas e de um pouco de coragem para encarar um dos poucos dias em que não precisavam cumprir nenhuma obrigação. Era o dia de liberdade, melhor aproveitarem enquanto podiam. “Jeongguk é de noventa e sete, por que ele não me chama de Hyung?”, questionou mesmo sem saber se, de onde estava, Jimin podia ouvi-lo.

Jeongguk, por outro lado, podia ouvir e ficou atento ao perceber que seu nome foi pronunciado. Se houvesse um pouco mais de disposição em seu corpo, ele prontamente se meteria na conversa, rebatendo com um comentário ácido, especialmente depois do que aconteceu na noite anterior – seu corpo estava destruído e seu orgulho ainda não havia se recuperado, talvez nunca se recuperasse. Contudo, sua atitude mais marcante aquela manhã havia sido trocar a cama pelo sofá, só porque Jimin havia insistido em remexer em algumas coisas que guardava no quarto sem motivo algum.

“Jeongguk é um caso a ser estudado, e eu acho que nem mesmo em cinquenta anos vai ser possível encontrar as respostas certas pra explicar como ele pensa”, Jimin respondeu do quarto, onde ainda estava, cercado pela bagunça que havia criado no local. Sua voz carregava um tom leve e divertido apesar do conteúdo de sua afirmação. “Alguma vez você já ouviu ele me chamando de hyung?”, questionou para um Taehyung frustrado que havia parado na porta do quarto, provavelmente para não ter que continuar gritando, embora ninguém fosse reclamar de seus gritos, Mark e Youngjae sequer deram sinais de se importar – Jeongguk suspeitava de que o rapaz poderia escapar com quase qualquer coisa ali, se tentasse.

A resposta demorou um pouco para vir, mas Jeongguk se viu ansiando por ela a cada segundo que passava.

“Hmmm, não...”, o rapaz afinal concedeu, com um tom que denotava incerteza.

“Só chamo quando eu e hyung estamos sozinhos”, Jeongguk se intrometeu, fazendo sua brincadeira soar mais sugestiva que o pretendido, com um duplo sentido não intencional, mas não importava. Seu objetivo foi alcançado com sucesso e de imediato – Taehyung se virou em sua direção, colocando a língua para fora, como forma de retaliar, o que fez Jeongguk rir, satisfeito e vitorioso, faltando pouco para que ele se sentisse vingado pelo que o mais velho o fez passar na noite anterior – horas jogando para um placar vergonhoso de 6 a 2.

“Eu acho que posso ganhar mais algumas partidas, então, se for o suficiente pra garantir algum respeito nessa casa”, Taehyung rebateu, mexendo em uma porção de fios de cabelo e os jogando para cima em clara afronta. Jeongguk torceu o nariz, já não mais exibindo seu sorriso. Não sabia de onde tinha saído toda aquela petulância, mas, ah, ele não iria deixar barato. Não importava que Taehyung estivesse no tier de Diamante enquanto ele ainda estava no Platina. “Oh, gostei do livro, onde conseguiu?!”, Taehyung mudou de assunto de repente, abaixando-se para pegar algo que ele encontrou no chão – o tal livro.

A ausência de resposta de Jimin era um indício de que as coisas estavam seguindo por um caminho tortuoso, mas Jeongguk só teve real noção do que estava acontecendo quando viu o livro grande e pesado nas mãos do outro, um livro antigo, que trazia uma história mais antiga ainda em suas páginas amarelas, com poderes o suficiente para libertar um de seus personagens no mundo real uma vez.

Os segundos passaram devagar enquanto Taehyung manuseava o livro. A respiração ficou presa na garganta de Jeongguk enquanto pensava—pensava em sorrisos inocentes, olhos curiosos, cabelos compridos que se espalhavam como cascatas sobre ombros largos que de alguma forma conseguiam parecer delicados ainda que possuíssem a força que a compleição masculina proporcionava.

“É só... uma velharia”, Jimin respondeu, fazendo o tempo voltar a correr normalmente de novo. “A história não é tão legal quanto parece”, adicionou, esperando que, com isso, fosse capaz de persuadir Taehyung a largá-lo. Todavia, era difícil acreditar que o interesse do rapaz morreria com tão pouco. Jeongguk sabia que o fato de Taehyung ter um trabalho de meio período em uma livraria – em que ele lia histórias para crianças – deveria significar que ele era bem mais que um simples leitor ocasional.

“Eu nunca ouvi falar nele—e olhe que eu já ouvi falar em muitos livros”, comentou, só confirmando o que Jeongguk já sabia.

Respirando fundo e afastando o restante do sono que ainda pesava em seus olhos, Jeongguk levantou de um salto, andando a passos largos na direção de Taehyung. Sua ideia era tomar o livro dele, e um impulso o levou até lá, mas foi incapaz de concluir sua missão. Seus pés pararam a meio caminho, embora estivesse mais perto de Taehyung que do sofá. Toda sua movimentação foi capaz de atrair a atenção dele, tarde demais para voltar atrás.

“O que foi?”, questionou, fechando o livro, para alívio de Jeongguk. Pelo menos impedira-o de olhar o que acontecia no final. “Esse livro é seu?”, dirigiu-se a ele mais uma vez, fazendo-o se lembrar de quando Taehyung pegara seu celular e mexera nele a fim de descobrir quem era o dono, só para dar de cara com uma cópia de si mesmo ao lado de Jeongguk, vivendo algo que ele nunca havia vivido.

“Não”, Jeongguk confessou, fechando as mãos em punho e baixando o olhar, para onde os pés de Taehyung encontravam o chão.

“Existe algo de importante sobre ele? Algo que vocês não estão me contando?”, Taehyung indagou, olhando entre Jimin e Jeongguk, que trocaram olhares como se fossem capazes de ler os pensamentos um do outro.

“Ele é especial pra Jeongguk”, Jimin respondeu, deixando nenhuma alternativa para Jeongguk a não ser encará-lo com a boca entreaberta, a réplica mal-educada pendendo de seus lábios sem que ele soubesse como lançá-la. Rebater, naquelas circunstâncias, serviria apenas para atestar a veracidade do que fora dito pelo mais velho.

“Eu posso compreender isso”, Taehyung disse sorrindo, sem nenhuma mágoa ou desconfiança na voz, aceitando a resposta recebida sem maiores questionamentos. “Se algum dia confiar em mim o suficiente para me emprestar, eu vou querer saber, tudo bem? Vou ficar feliz em viajar por mais uma história, ainda mais sendo especial pra você”, ele lhe ofereceu o livro pesado de volta, uma oferta de paz que Jeongguk aceitou de imediato, no automático, pensando em todas as coisas que havia acabado de ouvir.

Um: não era questão de confiar ou não em Taehyung. Dois: ele esperava que Taehyung não viajasse naquela história em especial. Três: também não sabia se estava preparado para as consequências de ter alguém lendo aquele livro de novo, não quando ele sabia como a sua própria história acabaria acaso alguém que não pertencia àquele mundo acabasse aparecendo por ali de nov.

“Se eu mudar de ideia, eu aviso”, mentiu, sabendo que não soava convincente nem para seus próprios ouvidos. Entretanto, Taehyung abriu um sorriso tão largo e tão cheio daquele brilho que era só dele que Jeongguk se perguntava se havia feito algo certo alguma vez na vida para merecer aquela reação.

Chegou à conclusão de que a resposta era não.

 

 

 

Fora da casa era incomum que Jeongguk fosse visto com Taehyung e vice-versa, não por se ignorarem mutuamente mesmo quando já haviam passado por situações como cuidar de um cachorro juntos – e o pensamento não fazia seu peito sentir coisas estranhas, mas devia ser seu resfriado de verão se aproximando, sempre podia ser um resfriado de verão.

Jeongguk, no entanto, esbarrouce Jeongguk fosse visto com   algumas vezes na figura de Taehyung, embora fosse um esbarrar muito de longe para ser considerado ignorar quando não era ele quem não o via. Na verdade, era meio difícil dizer que ele ignorava o colega de moradia quando o rapaz estava sempre acompanhado de pelo menos duas pessoas, conversando de maneira animada e gesticulando, exatamente como havia feito na primeira noite, durante o jantar. Era Taehyung que nunca olhava na sua direção, sempre olhando para onde sua atenção era requerida – pessoas que provavelmente faziam o mesmo curso, estudavam na mesma turma.

Talvez fosse até melhor assim. Sabia que não tinha noção de como poderia se comportar se por acaso acabassem no caminho um do outro, e teria que contar apenas com as habilidades sociais de Taehyung para não fazer o encontro ser tão estranho quanto estava fadado a ser. Soava melhor aos seus ouvidos e à sua paz de espírito que fosse ele a observar de longe, vendo a luz do sol refletir em alguns dos fios castanhos que eram mais claros que outros, vendo o sorriso que logo se transformava em risada por algo que alguém do grupo havia dito. Era até mais fácil escapar quando as circunstâncias estavam assim tão propícias para que ele voltasse para casa sozinho, dando cada passo com cuidado, embora seu pensamento estivesse distante.

Por isso foi estranho ouvir seu nome sendo chamado aos berros por um Taehyung que não o deixara passar despercebido pela primeira vez em uma dessas tardes em que ele acabava observando demais.

Taehyung acenou quando viu Jeongguk se virar em sua direção a fim de procurar a origem do grito que anunciara seu nome ao mundo e se despediu dos amigos com quem conversava para se aproximar em um trote lento até parar à sua frente.

“Indo pra casa?”, ele questionou antes mesmo de parar. Era possível sentir a energia que emanava dele em ondas invisíveis que cansavam Jeongguk só de estar exposto a elas.

“Sim”, confirmou, desconfiando das intenções dele, já esperando pelo que viria a seguir.

“Eu vou com você, vou só pegar minha bicicleta!”, anunciou, voltando a correr na direção de onde supostamente as bicicletas dos alunos ficavam estacionadas, antes mesmo que Jeongguk tivesse a chance de dizer que ele não precisava ir embora naquele instante, que não precisava dispensar os amigos para acompanhá-lo. “Eu volto, já!”, ouviu-o gritar por sobre o ombro, não vendo outra alternativa a não ser permanecer ali até que ele voltasse.

Pelo menos ele não estava mentindo quando disse que voltava logo, porque nem cinco minutos haviam se passado quando ele voltou – usando a bicicleta para chegar mais rápido, inclusive, com uma expressão satisfeita por vê-lo no exato local onde havia sido deixado.

“Não pensei que você fosse me esperar de verdade, mas eu ‘tô feliz”, confessou, freando a bicicleta e descendo, como se não pretendesse continuar montando. “’Tava preparado pra alcançar você, se fosse preciso”, adicionou, ao que Jeongguk revirou os olhos.

“Eu devia ter ido”, resmungou, sabendo que estava falando apenas da boca para fora.

“Você é bem mais doce do que pensa”, Taehyung comentou, empurrando a bicicleta em um ritmo lento, dando os primeiros passos na direção de casa, os quais foram acompanhados por Jeongguk meio no modo automático, meio sem querer. Ele estava mais focado nas palavras que haviam sido ditas, as quais nadavam em seus pensamentos e faziam uma risada sarcástica e incrédula sair de sua garganta, mesmo que elas tivessem atingido uma de suas paredes de vidro, ameaçando fazê-la em pedaços, tal qual um copo. “O quê?! Acha que eu não ‘tô falando a verdade?”

“Você deve ter algum problema de visão”, Jeongguk desviou a perspectiva segundo a qual aquela conversa seguia, não querendo chamar Taehyung de mentiroso na cara dele. Ele podia ser o que fosse, mas era difícil ser aquele tipo de babaca.

“Então meu coração é que tem problemas”, rebateu, e as palavras dele por algum motivo fizeram o coração de Jeongguk tropeçar nos próprios pés, dando uns pulos para evitar que a queda se tornasse uma realidade – ele não precisava que seu coração desse com a cara no chão, não mesmo. “É que eu sinto que existe bem mais em você do que você quer que as pessoas vejam...”

“Hmmm... Eu participo de um culto secreto aos sábados e domingos”, afirmou, em uma tentativa de fugir de sua suposta doçura. Era para ser uma brincadeira, é claro, mas Taehyung se virou em sua direção, com olhos que diziam que ele havia acreditado um pouco demais na brincadeira e lábios que se abriram em um “o” de quem não sabia o que dizer, e reduziu a velocidade de seus passos até parar. Jeongguk não podia acreditar no nível de inocência daquela pessoa.

“Eu nunca iria descobrir”, ele afinal comentou, provavelmente tentando fazer cálculos mentais sobre os horários em que Jeongguk estava em casa e sobre suas saídas, a fim de ligar todos os pontos.

Foi preciso lutar bastante para não descrever a reação dele como fofa.

“É brincadeira, bobo”, Jeongguk resistiu à ideia de continuar a mentira com detalhes não-tão-secretos sobre seu suposto culto e riu. Taehyung, por outro lado, não achou nada engraçado, não o acompanhando na risada, franzindo o cenho e encarando Jeongguk como se este tivesse cometido uma ofensa imperdoável à sua pessoa.

“Não acredito que você teve a ousadia de me enganar! E ainda sendo mais novo que eu!”, reclamou, exagerando na teatralidade como ele bem gostava de fazer. Jeongguk já até estava se preparando para ter que ouvir o sermão da montanha até em casa – ou algo bem perto disso – quando a atenção do outro foi atraída para cima. “Tá chovendo...”, Taehyung murmurou já sem qualquer sinal da teatralidade de segundos antes, mas o murmúrio mal pôde ser ouvido, e Jeongguk só notou o que estava acontecendo quando sentiu uma gota cair em sua bochecha, perto de seu olho, como uma lágrima que ele não havia derramado.

Merda!”, Jeongguk praguejou baixinho, retirando a mochila das costas e a colocando sobre a cabeça, na tentativa de se proteger enquanto olhava para o caminho ainda por percorrer. A chuva engrossava a cada batida de seu coração, e não havia nem sinal de uma proteção onde pudessem se abrigar.

“Sobe aí, eu te dou uma carona pra casa”, Taehyung falou ao seu lado, novamente sobre a bicicleta, esperando apenas que Jeongguk aceitasse sua oferta para partir.

Em um exame rápido das circunstâncias, Jeongguk percebeu que: 1) A chuva em breve iria deixá-lo completamente encharcado; 2) A distância a ser percorrida era bem extensa para alguém fazer sob a ameaça de não ter um só ponto seco ao chegar; 3) Taehyung não parecia ser o tipo de pessoa que costumava dar caronas em sua bicicleta para alguém – e não era por maldade que Jeongguk duvidava de sua capacidade de carregar qualquer coisa mais pesada que um cachorro como Mickey, ele estava tentando somente se proteger; mas 4) não era como se ele tivesse muito que perder com a decisão de dar um voto de confiança a seu salvador e simplesmente ir.

Desse modo, Jeongguk não esperou mais nenhum segundo e obedeceu ao que lhe tinha sido ordenado, torcendo para que sua análise e sua conclusão não estivessem erradas.

Não estavam.

Taehyung não tinha realmente força para carregar outra pessoa, mas Jeongguk não tinha mesmo muito que perder. Depois do começo tortuoso, em que foi preciso que o mais novo apoiasse os pés no chão, os dois conseguiram chegar ao destino final em meio a risadas e gostas de chuva que caíam apesar de o sol não ter sido completamente coberto pelas nuvens pesadas. Contudo estavam molhados como se tivessem acabado de sair do banho quando entraram em casa – Taehyung depois de Jeongguk por ter ido guardar a bicicleta no quartinho do lado, onde ela costumava ficar.

Os dois permaneceram na entrada enquanto secavam um pouco, Taehyung balançando a cabeça como um cachorro que tentava se livrar do excesso de água a todo custo. Jeongguk tentou se proteger, mas sua risada denunciava que não estava irritado pelo acontecido. Não era como se ele pudesse ficar mais molhado de toda forma.

Ao encará-lo, Taehyung tinha mechas de cabelo apontando em direções estranhas, e Jeongguk foi dominado pelo estranho impulso de se aproximar e ajeitar, embora um lado de si não fosse contrário à ideia de mantê-lo daquele jeito, que era só um pouco mais engraçado do que deveria.

Seus pés avançaram sem que ele dispensasse outro pensamento ao ato, e sua mão alcançou a mecha rebelde sem problemas, ajeitando-a com uma calma e delicadeza fora do comum.

Quanto mais a mão de Jeongguk garantia que nenhuma mecha estava fora de lugar, mais o sorriso no rosto de Taehyung morria e mais a confusão nos olhos do rapaz aumentava. Como se estivesse dormente, ele não percebeu que quase um minuto inteiro havia se passado com os dois naquela configuração estranha, mas que era bem-vinda para Jeongguk, como encontrar abrigo em um dia de chuva.

Então Taehyung levantou a mão, como se prestes a retribuir a cortesia do mais novo, porém esta encontrou no rosto molhado de Jeongguk o objeto de sua missão. Com o polegar, ele tentou secar um pouco a área, afastando as gotas que se acumulavam sobre a pele alheia.

Foi impossível evitar que seus olhos se fechassem, quando o toque dele sobre sua bochecha era tão leve que fazia inveja a uma folha no outono. No entanto, tão logo seus olhos, pesados, fecharam-se, o toque foi embora.

“Taehyung?”, chamou-o, abrindo os olhos e não o encontrando à sua frente.

Como resposta, contudo, tudo o que Jeongguk obteve foi a porta do quarto sendo fechada com uma batida e o silêncio que sucedeu o ato.

 

 

 

Trocar mensagens com Taehyung se tornou algo costumeiro quando eles queriam saber se o outro estava disponível para uma partida – Jeongguk começou a jogar no time de Taehyung em algum momento depois que o mais novo perdeu as contas de como andava o placar entre eles.

Ele também mandava mensagens aleatórias em momentos tão aleatórios quanto, sempre sobre algo que viu e que o fez pensar em Jeongguk de imediato, nunca falhando em fazê-lo sorrir com a sequência de palavras que ele enviava para explicar o que exatamente o fez lembrar o outro.

Independentemente do quão aleatórias as mensagens eram, contudo, elas nunca chegavam em momentos em que eles deveriam estar dormindo por terem aula no dia seguinte logo cedo. Por isso, quando Jeongguk se moveu sobre a cama para pegar o celular que havia colocado sobre o colhão, ali do lado do travesseiro, ele não esperava que o remetente da mensagem fosse Taehyung.

“Já dormiu?”, leu os caracteres como se ele estivesse sussurrando em seu ouvido, temeroso de acordá-lo se por acaso já tivesse adormecido. “Não consigo dormir”, recebeu logo em seguida, antes que tivesse a chance de enviar uma resposta à primeira mensagem.

“Não tente me arrastar pra insônia também”, Jeongguk escreveu e apertou o botão de enviar, mas decidiu adicionar um emoticon para não soar tão ranzinza.

“Tem certeza de que precisa que eu arraste você? O que faz acordado, então?”

“Estava quase dormindo”, replicou, não se deixando abater pelo fato de que estava contando uma mentira. Pelo menos ele pretendia dormir logo, e não ter conseguido ainda era apenas um detalhe. “Mas posso fazer um favor a você”, estava se sentindo generoso de repente, pronto para ajudar se fosse preciso.

Taehyung demorou tanto a responder que Jeongguk imaginou que ele tivesse conseguido dormir. Me deixou falando sozinho, resmungou em pensamento, já pensando em como poderia confrontá-lo no dia seguinte, fazê-lo se sentir um pouco culpado – só um pouco – para então garantir que ele sempre se despediria antes de dormir.

“Quer jogar?”, o convite chegou afinal, quando Jeongguk já se ajeitava debaixo do lençol para pegar no sono, e este franziu o cenho ao olhar para a tela do celular, perguntando-se se por acaso Taehyung havia perdido o juízo.

“Como você vai conseguir dormir assim?”, enviou de volta, mas não esperou daquela vez, descendo do beliche, pegando o notebook e fugindo na direção do quarto ao lado.

“Pensei que você não ia vir”, Taehyung disse ao vê-lo parado do lado de fora do quarto, o que fez Jeongguk revirar os olhos.

“Pensei que você ficaria feliz em me ver, não há de quê, você sabe, não precisa agradecer por eu ter saído do conforto da minha cama”, Jeongguk foi entrando e procurando a tomada onde iria ligar seu aparelho enquanto alfinetava seu anfitrião. Sua ladainha, no entanto, foi capaz de fazer Taehyung sorrir – não o mais brilhante dos sorrisos, porque ele já havia visto o verdadeiro potencial de Taehyung, brincando com Mickey, comendo gimbap-que-deu-errado, vencendo Jeongguk. Era fácil perceber que algo estava errado, o que só se confirmou quando ele não lutou de volta e apenas agradeceu de um jeito retraído ao mesmo tempo em que carregava o próprio notebook até a cama.

“Se quiser... se quiser falar sobre...”, Jeongguk ofereceu, contra todas as expectativas. Ele sabia que não era um bom conselheiro, mas—Mas Taehyung...

“Só jogar já ‘tá de bom tamanho”, anunciou sem encará-lo, focando-se em digitar a senha que iria destravar o notebook para uso.

“Se você diz”, deu de ombros, e, sem pensar muito, acomodou-se sobre a cama ao lado de Taehyung.

Foi tentando encontrar um jeito confortável de se sentar e de se acomodar sobre a cama entre uma partida e outra, entre um retorno para o ponto de início e outro, que Taehyung acabou usando as pernas de Jeongguk como apoio para as suas. Em algum momento entre a terceira e a quarta partida – uma vitória frustrante sobre o time adversário que mal conseguia se organizar para efetuar um ataque, Taehyung aproximou-se tanto que Jeongguk podia sentir o calor da coxa dele a apenas alguns milímetros de distância, sem que, no entanto, ele se dignasse a retirar as canelas de cima das suas.

A partida não era importante, Jeongguk percebeu. Era apenas a desculpa. Suspeitava de que Taehyung queria apenas companhia, embora não estivesse falando como usual – ele sempre verbalizava avisos, comentava suas jogadas mais loucas, demonstrava compaixão pelos adversários que ousavam arriscar demais, apostar alto demais, mas naquela madrugada Jeongguk só ouvia o som que saía baixinho dos alto-falantes de seu notebook.

Era um tanto quanto estranho, desconfortável—não, nenhum desses adjetivos conseguia descrever como Jeongguk se sentia. Era mais um vazio que qualquer sentimento existente já nomeado. Um buraco que somente a voz de Taehyung e sua agitação costumeira, mesmo durante as madrugadas, preencheria.

Ou deveria. Deveria.

“Eu tenho uma coisa pra perguntar”, Taehyung finalmente falou, mas nem isso aliviou a sensação em seu peito, criando, em vez disso, um buraco ainda maior, que tomava parte de seu estômago, sem que Jeongguk sentisse vontade de comer, pelo contrário. “É algo que me deixou curioso desde o primeiro dia, mas eu imaginei que—imaginei que você não iria querer falar sobre”, explicou, fazendo todos os sentidos do mais novo entrarem em alerta, com sirenes e luzes vermelhas piscando em algum lugar de sua imaginação. “Mas eu sinto que eu não posso esperar mais se eu quiser viver em paz, entende? É como se eu fosse explodir se eu guardar isso por mais um dia que seja..."

Jeongguk não entendia, não conseguia nem começar a entender aonde aquela conversa estava indo. Para completar, ele ainda estava sendo emboscado naquele instante e seu cérebro parecia não ter a menor condição de encontrar uma solução, um caminho, para evitar o ataque desesperado do time adversário.

“O que, exatamente, você quer saber?”, questionou, vendo o personagem de Taehyung se deslocar da rota do meio para ajudá-lo na rota de cima, neutralizando o ataque inimigo. Jeongguk agradeceria se as circunstâncias fossem outras.

“O rapaz da foto”, ele disse, depois de respirar fundo. “Quem ele é?”, a pergunta foi feita devagar, como se as palavras pesassem e se recusassem a sair.

Era uma pergunta difícil, para a qual Jeongguk elaborou várias respostas antes de finalmente desistir de tentar esclarecer até mesmo as perguntas não feitas ainda. Como iria dizer a Taehyung que o rapaz que era como um irmão gêmeo perdido dele era o personagem de um livro que havia feito uma visita inesperada em um dia qualquer, sem explicação plausível? Como ele podia dizer que Hansung era alguém que provavelmente viveu havia muito tempo, antes mesmo de o país finalmente chegar perto do que era naqueles dias, e que voltou para a própria história depois que eles finalmente fizeram-na levá-lo de volta? Como dizer qualquer uma daquelas coisas sem parecer um lunático varrido?

Sem saber o que dizer, ele se viu dando um passo em falso numa direção que ele sabia ser verdade. Uma parte dela, pelo menos.

“Um amigo…”

“Sério?”, Taehyung soou um tanto quanto insatisfeito, incrédulo, mas com expectativas.

“Sério…”, respondeu, com um murmúrio suave demais para ser seu.

“Qual o nome dele?”, Taehyung continuou seu questionário, ao mesmo tempo em que o estômago de Jeongguk fazia coisas engraçadas. Suas pernas e seus braços pareciam ter enfraquecido, fazendo-o imaginar que precisava comer alguma coisa, mesmo que não sentisse nenhuma vontade de ingerir o que fosse naquele momento.

“Hansung...”

“Você tem alguma ideia de por que ele se parece comigo?”, aquela era a pergunta de um bilhão de won ali. Jeongguk não iria mentir se a pergunta de Taehyung envolvesse teorias e especulações sobre aquele pequeno lapso do universo – reencarnação, ancestralidade, coincidência pura e simples, imitação, clonagem, tudo se passou pela cabeça dele, mas era difícil saber qual daquelas opções era a verdadeira.

“Sei tanto quanto você...”, balançou a cabeça para um lado e para o outro, sem esperanças de encontrar a solução por si só.

“Onde ele está agora?”

“Longe...”, respondeu, “Não acho que vá voltar um dia”, não era exatamente uma mentira e era melhor que dizer que Hansung havia voltado para a história a que pertencia. “Isso é tudo? As coisas estão ficando meio complicadas, acho melhor você se concentrar”, brincou, ao que Taehyung respondeu com um riso curto de escárnio, afinal ele estava indo muito bem ali. Era Jeongguk quem enfrentava problemas, com os ataques especiais todos em tempo de espera e com seus pontos de vida sendo reduzidos pouco a pouco.

“Eu tenho uma última pergunta”, Taehyung adicionou, correndo para salvar a pele de Jeongguk novamente. Precisava lembrar-se de retribuir ou acabaria parecendo que ele dependia do outro para conseguir vencer nas rotas escolhidas, o que não era verdade. “Você—você amava ele?”, o questionamento veio em uma voz tão baixa que poderia ser confundida com um sussurro e tão temerosa que poderia ser apenas uma brisa se, independentemente de sua força, não fosse a causa da destruição de alguns alicerces.

“Você ‘tá de brincadeira”, Jeongguk desconversou, evitando o caminho da resposta direta. Até se esforçou em soltar uma risada cuja mensagem principal era hahah, você realmente me fez rir com essa piada, mas o som estava mais para é aqui que a gente traça alguns limites. Até para seus ouvidos a ideia soava estranha e tão, tão errada.

“Por que eu estaria?”, Taehyung rebateu, e Jeongguk finalmente perdeu a batalha no jogo, vendo a tela assumir tons de cinza com a morte de seu personagem. “Algo me diz que eu não estou longe da verdade, porque—porque você tem me confundido... confundido muito com a forma como me trata desde o início, e isso explicaria, quer dizer, você pode estar projetando o que sente por ele em mim e—e eu... eu—”, engasgou com as palavras, de um jeito que fazia parecer que ele estava lutando contra si mesmo, dois lados da mesma moeda: falar ou não falar o que estava preso em sua garganta.

“Eu não”, Jeongguk soltou o mais rápido que conseguiu, antes que precisasse ouvir mais uma das ideias ridículas dele. “Projetando, eu não estou”, afirmou com tanta convicção que chegava a ser hilário. “Vocês são tão diferentes que chega a ser perturbador”, adicionou, a fim de dar um pouco mais de força para sua afirmação de que não, eu não estava—

“Isso não responde a minha pergunta”, insistiu, para frustração de Jeongguk, que precisou virar o rosto só para ter certeza de que ele estava realmente apertando a mesma tecla quando tudo estava resolvido.

“Eu não—“, Jeongguk começou, pronto para negar toda e qualquer possibilidade de que ele tinha algum sentimento como amor por Hansung. Havia uma lista bem extensa de motivos que reforçavam a negativa. Não era amor, não podia ser. Tudo havia acontecido tão rápido que era difícil acreditar até que era real, como poderia ser algo tão importante quanto aquele sentimento que todos diziam ser especial?

Além disso, de que adiantava saber o que sentia e dar nomes e rótulos quando ele nem podia fazer nada para reverter?! Tirar um personagem de um livro soava como uma brincadeira de criança e apenas isso. Hansung não podia viver naquele mundo.

E quanto mais pensava sobre o assunto, mais a dor de cabeça provocada pela situação ameaçava enlouquecê-lo, de modo que ele sempre acabava impelido a procurar a rota mais fácil – a fuga, a negação. Era mais... seguro. Mantinha-o são.

Não há nada de errado em ter sentimentos, mas sentimentos não passavam de reações químicas que podiam ou não ser alimentadas pela imaginação...

“Eu não gostava dele, não amava... Se é isso o que queria saber, ‘tá aí”, apressou-se em jogar para fora aquela verdade. O que ele sentia era mais adequado se fosse chamado amizade.

Mas a coisa em seu estômago não foi embora, e Jeongguk, mais que nunca, não sentia vontade de comer. Em algum lugar da sua mente, a imagem do Sr. Cinzento surgiu como um fantasma, perguntando se ele tinha certeza da resposta que havia acabado de dar. Por que eu não teria?, viu-se respondendo, também em pensamento, engolindo a sensação de dúvida que sempre surgia quando alguém demandava uma certeza para uma resposta dada.

 

 

 

O problema sobre conversas da madrugada que se estendiam um pouco mais que o devido era que alguma coisa sempre ficava. Uma peça de informação, um questionamento. Era como se uma semente fosse plantada, não importava que a razão fornecesse argumentos para eliminar qualquer dúvida.

Jeongguk sabia que, a partir do momento em que ouviu de Taehyung que poderia estar projetando sentimentos que ele sequer acreditava que existiam, toda e qualquer atitude era pensada pelo dobro de vezes só para garantir que não havia nada demais, que ele faria o mesmo por qualquer um, que amigos agiam daquela forma e ponto. Não tinha que ter um porquê, nem um para quê fundado em sentimentos que não a simples e pura amizade.

“Você está fazendo de novo”, Taehyung o acusou enquanto passava pelo espaço que dava para o quarto que ele ocupava, enquanto Jeongguk, bebendo água na cozinha, não tinha a menor ideia do que estava acontecendo quando ele estava simplesmente cuidando dos próprios assuntos.

“O que eu estou fazendo?”, não perdeu tempo em questionar e sentiu a água descendo por um lugar bem perto do errado, escapando por pouco do engasgar. Taehyung parou de frente para a porta, só para estreitar os olhos em sua direção.

“Tá olhando pra mim com cara de gato carente”, rebateu, obstinado. O primeiro instinto de Jeongguk foi de negar, porque claramente ele não era um felino, tampouco se sentia carente. Ele tinha amigos, ele tinha Jimin, apesar de tudo, ele tinha seus jogos, e isso era suficiente para que ele não sentisse necessidades emocionais. “Só admita que amava Hansung de uma vez”, Taehyung insistiu, mesmo que Jeongguk tivesse considerado o assunto como encerrado minutos antes.

E era tão injusto! Por quê?!, pensava, com as palavras ainda enterradas na garganta, lutando para sair. Por que eu tenho que admitir alguma coisa? Por que eu tenho que sentir alguma coisa? Por quê?!

Por quê?!?!

Devia ser culpa da hora. Depois da meia-noite, quando o sono se tornava mais forte e a realidade não passava de um filme sendo exibido diante dos seus olhos sonolentos, algumas barreiras ficavam mais fracas. Alguns medos saíam de baixo da cama para atormentar a vida de crianças teimosas que se recusavam a dormir. Foi assim que Jeongguk se viu dizendo o que havia tanto tempo ele trancara em seu peito, enterrara em um baú tão fundo que circunstâncias normais não seriam capazes de desenterrar ou de destrancar.

“Eu já perdi ele como amigo antes, por que eu tenho que perder uma segunda vez como algo mais?!”, murmurou, sentindo os olhos coçando – deveriam estar vermelhos. Sua visão estava embaçando nos cantos, e era impossível não saber aonde aquele caminho levava. Não deveria ser uma imagem muito agradável para se ver, mas ele estava tão cansado para se importar...

“Oh, então é verdade...”, Taehyung balbuciou, e Jeongguk percebeu que madrugadas tornavam sussurros em gritos, que sua confissão indireta foi ouvida com perfeição e que não havia mais nada que ele pudesse fazer naquele momento além de tentar trancar novamente a verdade em seu peito, mas a cova de onde esta havia saído doía como se ele tivesse levado um soco na boca do estômago.

Taehyung ainda esperou por alguns segundos durante os quais encarou o chão. Jeongguk não sabia o que ele queria ou o que pretendia ainda obter dele, motivo por que ficou parado onde estava, copo de vidro vazio firme em sua mão e um silêncio que revelava muito mais que as palavras que haviam sido ditas entre eles a condensar o ar por todos os lados.

Jeongguk seguiu Taehyung para o quarto, onde ainda jogaram uma última partida – já não mais na mesma configuração em que estiveram, com pernas encostando umas nas outras. O feiticeiro do mais velho não socorreu o lutador na rota de cima uma só vez. Este também não pediu por ajuda, jogando como se fosse um dos jogadores iniciantes de que tanto desgostava. Não trocaram uma só palavra, nem mesmo quando, ao final da partida, que terminou com uma derrota, ambos foram jogados de volta para a página inicial.

Goldenjk971 convidou Taeevee para outra partida, mais por força do hábito e por não sentir nada que se assemelhasse à predisposição para dormir que alguém deveria sentir às três e muito da madrugada, convite que foi aceito em questão de alguns segundos. Mas antes que todos os jogadores fossem reunidos em times, Taehyung deitou-se sobre a cama e fechou os olhos enquanto esperava, respirando cada vez mais devagar, parecendo cada vez mais adormecido.

Quando a partida finalmente surgiu e apenas um dos jogadores deixou o tempo de se juntar ao time passar sem resposta, Jeongguk soube que Taehyung havia dormido. Assim, desligou o computador, recolheu seus pertences e deixou que o outro descansasse, acreditando que a insônia do mais velho era uma doença contagiosa ou que seu sono é que fora roubado, porque não havia como ele dormir tão cedo depois de tudo.

 



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