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História Deixados pelo sol - Segundo


Escrita por: Blue_Black

Capítulo 2 - Segundo


Era finalmente dia de Natal. Aquela ilustre árvore enfeitada e brilhante continha diversos penduricalhos em seus galhos, e não parava de receber a atenção de um Malfoy desanimado na mesa da Sonserina. Ele era o único no Salão Principal e há horas estava sentado ali, encarando a árvore. Os embrulhos dos dois presentes que ganhou dos pais estavam amassados em cima da mesa. Tinha ficado relativamente animado ao saber que recebera uma encomenda, mas era como se o livro fictício de poções dado por sua mãe e o anel caríssimo por seu pai fossem um lembrete da missão que recebera. Perguntou-se como seu pai conseguira lhe mandar alguma coisa estando em Azkaban e lhe ocorreu que sua mãe provavelmente apenas colocara o nome de Lúcio no pacote, mas comprara os dois. Era típico de Narcisa. Ele sorriu com o pensamento. Não importava o quanto as coisas estivessem ruins, ela tentava agradar Draco e manter os três unidos. Talvez fosse por isso que ela fingia não ver quando o pai o tratava tão mal.

Pensar na mãe o lembrou da vez em que ele levara uma acompanhante para passar o Natal anterior em sua mansão. Narcisa estava certa de que era ela quem lhe daria netos um dia. Era perfeito. Não era extravagante como Pansy, nem era pobre, nem vinha de uma família suja. Tirando isso, pré-requisitos, Draco tentava entender o que mais a mãe via nela. Mas talvez ela não visse nada. Talvez o simples fato de não deixa-la envergonhada fosse o bastante.

Malfoy apoiou sua cabeça nos braços, tomando o cuidado para não desfazer seu penteado fixo por gel de cabelo. Ele fechou os olhos e visualizou Harry no dia anterior, abismado com a relação dele e a Weasley. Quem sabe, numa realidade remota, a frustração de Harry fosse por causa de Malfoy. Não porque ele fosse alguém que não merecia Gina. Mas porque ele devesse estar com o grifinório, em vez dela. Os dois tinham muitos impasses, era verdade. E o mundo inteiro de Malfoy o odiaria se o visse amigavelmente com Harry. Contudo, não era o mesmo com muitas meninas? Se esse era o problema, não havia nada de errado com Potter.

Malfoy ergueu sua cabeça subitamente. Havia tudo de errado com Potter, ele pensou numa repreensão a si mesmo. Harry Potter era o inimigo declarado do bruxo que mandava na vida de Draco e sua família. Jamais poderia haver um laço meramente amigável entre os dois. Era contra as leis do universo. Nunca faria sentido. Nunca faria nenhum bem a ninguém. Ele apoiou sua bochecha numa mão, sentindo um nó na garganta enquanto fitava o embrulho colorido. Tentou engolir a tristeza. Aquilo era ridículo. Por que estava tão preocupado com uma atração sexual? Poderia resolver isso sem cerimônias. E daí que gostava de imaginar Harry em momentos solitários, íntimos, dentro de seu quarto? Não havia razão para drama, isso não era nada demais.

Malfoy odiava o seio onde tinha nascido. Apesar da bela capacidade que possuía de esquecer atrações impossíveis, era como se as regras de como deveria viver e pensar tivessem sido ditadas antes mesmo de vir ao mundo e sua impotência sufocava. Nunca alcançaria felicidade enquanto estivesse agindo como alguém que não era.

Uma ideia cruzou sua mente e o fez levantar decidido da mesa. Malfoy saiu do Salão Principal em direção às masmorras, não para entrar em sua sala comunal e sim na sala de Poções. Foi preciso apenas um simples Alohomora para entrar. Tirou das prateleiras vidrinhos que já conhecia, um caldeirão e os colocou na mesa. Estava na metade do processo da poção quando conseguiu se fazer parar. Sabia o preparo correto de cor e salteado. Depois que seu pai foi para a prisão, muita coisa perdeu o sentido. A sensação de vazio, de não sentir nada era horrível, a pior coisa que tinha provado, mas até mesmo se preocupar com isso não tinha sentido. Por isso aprendeu a fazer a poção. Podia se envenenar, até fingir que tinha sido envenenado, fingir um acidente para não magoar muito sua mãe. Tudo o que queria era engolir aquilo. Quando percebeu o quão fácil era trazer uma solução para tudo aquilo, sentiu-se ainda mais motivado, e isso o assustou. Como o assustava agora.

Era bem mais difícil fazer aquilo agora. O que Voldemort faria se não pudesse mais contar com Draco para matar Dumbledore? Qual o preço que seus pais iriam pagar?

Ele se apoiou na mesa para respirar fundo e tentar encontrar alguma outra solução.

Aquele era o pior Natal de todos.

Olhou para o caldeirão fumegante e só conseguiu ver uma ameaça à sua família. Já bastava de perigo em sua vida. Ele empurrou o caldeirão para longe, fazendo-o voar para o outro lado da sala e quebrar amostras de outras poções antes de cair no chão e derramar seu conteúdo. Malfoy suspirou com o trabalho que teria para repor tudo e limpar aquilo. Resolveu sentar e pensar. Usou a varinha para trazer os vidrinhos para perto e ler os rótulos, e quase não pôde acreditar no que tinha destruído. Dois deles levariam meses para serem repostos. Snape daria falta deles até lá. Pensou em admitir sua culpa ao professor, quem sabe até contar o que tinha ido fazer lá e pedir ajuda.

Ele sacudiu a cabeça com a idiotice daquele pensamento. Era patético. Onde estava o garoto que resolvia qualquer coisa, a qualquer custo? Poderia criar réplicas e deixar na sala de Poções até que as verdadeiras estivessem prontas. Satisfeito com essa ideia, Malfoy pegou livros das estantes que o ajudariam no preparo, e permaneceu ali, lendo, contente que aquilo podia distraí-lo.


Escondido debaixo da escada do hall de entrada, Harry também estava satisfeito com sua leitura. Encontrara a mochila e os presentes de Malfoy largados no Salão Principal, sem qualquer sinal dele. O grifinório não hesitara em abrir a mochila e procurar qualquer coisa dentro que ajudasse Dumbledore. No meio de cadernos de estudos havia um caderno menor, selado por apenas um cordão, cheio de poemas e mais poemas extremamente confusos e abstratos. Harry não tinha a melhor interpretação para aquelas coisas, uma das razões para se dar tão mal com meninas, mas um verso ou outro ele conseguia entender ou imaginar a que se referia. O contexto era muitas vezes frio, sem nenhuma emoção que Harry conseguisse alcançar ou entender. Tudo de certa maneira voltado para a sua missão, a vida que ostentava em casa, as ambições que tinha. Aquilo poderia ser de ajuda para Dumbledore, depois que convencesse o diretor que a invasão de privacidade valia a pena.

Perto dos últimos pergaminhos, os poemas eram menores, com no máximo três versos, e um deles era simples o bastante para Harry:

Querendo ou não

Quando o sol se vai

Coloca as razões na sua mochila

Por um momento, achou ter entendido o que o sonserino queria dizer, quando se deu conta de que era possível que os dois se sentissem da mesma forma a respeito de tudo sobre suas vidas por causa de uma única coisa que tinham em comum. A falta de escolha.

Harry piscou algumas vezes para analisar a veracidade disso. Era estranho admitir tal coisa. O abismo entre os dois crescia cada vez mais desde que Harry teve certeza de que o Malfoy era uma má pessoa, lá no primeiro ano em Hogwarts. Era possível que estivessem sendo assombrados pela mesma coisa em mundos diferentes?

Ele arremessou o pequeno caderno na mochila e a carregou pela alça para procurar o loiro. Talvez fosse melhor deixar tudo como encontrou, em vez de devolver. Quem sabe entregar a mochila fosse a última coisa que faria na vida? Mas Harry não voltou para o Salão Principal mesmo assim. Não queria. Confrontar Malfoy sobre o caderno era mil vezes mais vantajoso, ele só não tinha certeza ainda de como.


Malfoy ergueu a cabeça dos livros em seu colo quando um cheiro ácido e pútrido alcançou suas narinas. Ele ergueu a cabeça e viu uma camada espessa de musgo e cipós negros se erguendo pela parede onde o caldeirão quebrou os vidros. Ele xingou baixinho por não ter pensado que a mistura de poções totalmente diferentes poderia acarretar um desastre. Desceu do banquinho onde estava sentado e apontou a varinha para a planta estranha, disparando vários feitiços de encolhimento e retardamento. O feitiço Incendio cambaleou na beirada de seus lábios quando ele teve ciência do estrago que aquilo faria. Ele continuou tentando outros feitiços que aprendera para destruir, mas nenhum ajudou. Procurou nos livros alguma poção para fazer aquilo parar e percebeu que não tinha tempo para aquilo. Os cipós cresciam rapidamente pela parede como se procurassem a saída. O coração de Draco acelerou como um alerta de que era hora de chamar o professor Snape para lidar com aquilo. Ele não lhe daria uma punição assim tão ruim, no fim das contas.

Malfoy saiu para o corredor rapidamente, mas estacou ainda no segundo passo ao ver Potter descendo as escadas, como se tivesse vindo da sala comunal da Sonserina. Ele xingou outra vez. A pior coisa que poderia lhe acontecer agora era se deixar ser visto tão apavorado como parecia depois de ter mostrado ao grifinório o quão capaz era. Malfoy voltou para a sala de Poções e bateu a porta, decidido a resolver sozinho.

Estava apontando a varinha para o trinco para trancá-lo quando um dos cipós desceu do teto e cercou o pescoço dele, trazendo-o para cima com facilidade. O garoto entrou num desespero tão grande que podia morrer de ataque cardíaco antes de asfixia. A planta parecia saber exatamente o que estava fazendo, comprimindo sua garganta sem dó e esvaindo a vida dele bem rápido. As pernas do Malfoy balançavam agonizantemente. Já havia marcas na pele tão clara debaixo do cipó negro. O sonserino estava mais vermelho do que qualquer sol poderia deixa-lo em tão pouco tempo. Apesar disso, enfiou sua varinha no bolso. Era agonizante morrer daquela forma, mas não queria lutar.

Harry chegou a tempo de ver os braços de Malfoy soltarem a planta, ficando sem forças. Harry ergueu a varinha e gritou Relaxo impulsivamente, e o corpo do loiro caiu dolorosamente em cima de uma mesa. Um feitiço imobilizador bastou para impedir que ele também fosse enforcado. A mochila foi deixada no chão enquanto ele se aproximava do Malfoy, que puxava o ar pela garganta com sons chiados e agudos. Ele se sentou, voltando à cor normal, sentindo lágrimas de terror nos olhos. Olhou para Harry e imediatamente piscou com rapidez e vergonha para secá-los.

 — O que está fazendo aqui? – foi a primeira coisa que conseguiu pensar para dizer.

O grifinório continuou a encará-lo, intrigado por ver tamanha fraqueza no loiro. Ele recuou até encostar as costas na porta, pensativo. Uma vontade ardente de fazer perguntas muito diretas para entendê-lo, mas que certamente o afastariam, quase o fez perguntar se Malfoy era feliz. Uma pergunta estúpida para se fazer a alguém que o odiava.

 — Como está seu pai, Malfoy? – foi o melhor em que pôde pensar.

O loiro o olhou com desprezo.

 — Você é mais estranho do que eu pensei, Potter. Não sabia que a sua carência por pais era tão grande para perguntar sobre o meu.

 — Imagine o tamanho da sua carência se precisa escrever poemas para descarrega-la.

Harry pegou a mochila e jogou-a no colo de Malfoy. O sonserino ficou paralisado por um momento, sentindo seu coração martelar seu peito. Ele deixou a mochila cair do chão, desceu da mesa e andou até Harry para colocar a ponta de sua varinha debaixo do queixo dele.

 — Qual é o maldito problema com você? – Malfoy indagou. Era estranho que de repente Potter estivesse atrás dele daquela forma, aparecendo de súbito toda hora. No mês de dezembro já havia acontecido quase dez vezes, mas só então o sonserino imaginou que fosse de propósito. Não podia negar que gostava daquele tipo de atenção, principalmente quando requeriam duelos. Não achava que fosse gostar de um garoto atrás de si tanto quanto gostava quando as garotas o faziam. Mas ele poderia estar tramando alguma coisa, querendo pegá-lo no flagra de uma Maldição Imperdoável e estragar os planos de Voldemort, e Draco não podia deixar.

 — Como está seu pai? – Harry repetiu, tentando ignorar seu coração acelerado. Agradeceria muito se Malfoy se afastasse, mas tentou fingir que estava indiferente.

 — Preso, graças a você.

 — E ele concordou com a missão que Voldemort te deu?

 — Não diga o nome dele! – Draco trocou a varinha pela própria mão e apertou o queixo de Harry entre os dedos. — Não com essa sua boca suja.

 — Seu pai não pode estar feliz com isso. Nem sua mãe. Você sabe que não vai conseguir.

 — Está duvidando?

 — Você não vai. Você não é um assassino, Malfoy. Não conseguiu matar Katia.

 — Ele me mata se eu não conseguir, Potter. Então pode ter certeza de que estou empenhado.

Draco já achava que tinha falado demais, então se virou, pegou sua bolsa e seguiu para a porta novamente. Como Harry não se moveu, ele agarrou sua capa para afastá-lo. Mas o grifinório reagiu e fez o mesmo, puxando-o para longe da porta e empurrando-o contra uma mesa. Draco era alto demais e acabou sentado de frente para Harry, que tinha o braço cruzado pelo peito do loiro para continuar segurando sua capa. Draco sentia aquela pulsação no baixo ventre de novo e isso o irritou. Não podia acreditar que Potter estava realmente deixando-o assim. Pôde sentir o cheiro simples que vinha do grifinório, algo parecido com amêndoa. A inocência vinda de alguém que não tinha a menor intenção de se produzir para outra pessoa excitou Malfoy.

Naquele momento, não pareceu ter sentido se privar tanto do que queria. Estavam cercados por uma planta assassina nascida de pura espontaneidade. E o círculo social de Draco se achava no direito de dizer com quem ele podia ou não podia ficar. Isso era ridículo.

Quando se deu conta, Harry afastava seus lábios com um empurrão. Malfoy olhou-o por apenas um segundo antes de pegar sua mochila e sair da sala.



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