Naquela tarde, consegui algumas coisas peculiares.
Primeiramente: consegui ralar meu joelho. Coisa que, mesmo tendo tendência a desastres, não me acontecia desde, sei lá, os doze anos. E não foi só uma vez; caí três vezes em minha corrida desenfreada até o hospital em que minha mãe estava.
Depois: praticamente atravessei a cidade, quase inteiramente correndo. O prédio da empresa da minha mãe ficava no polo empresarial, que por sua vez era no lado oposto ao polo comercial, onde Jin trabalhava.
Os trens sempre pontuais de Seul me pareceram meio lentos naquele dia.
Ok, eles foram bastante utilizados por mim, que teria demorado dois séculos e pontinho para atravessar Seul inteira. Mas em meio ao meu desespero afobado no momento, senti como se tivesse corrido quilômetros.
Em terceiro lugar, passei por uma, duas, três batalhas de rap de rua. Não parei em nenhuma. Sequer prestei atenção no que falavam.
Isso eu realmente nunca havia feito na vida.
Quase fui atropelado pelo menos cinco vezes naquele dia. Não que nunca acontecesse, por eu estar sempre com os fones de ouvido e meio desligado do mundo, mas aquele foi sem dúvida um recorde. E sem fone de ouvido.
A quinta coisa foi uma das mais brisadas, e que com certeza eu lembraria com gosto mais tarde: mano, quando eu entrei no hospital, suando, morrendo, com a perna doendo pra caralho, eu dei uma derrapada master naquela porra de piso lisinho, e fui derrapando até a recepção.
Eu sei, parece idiotice, mas mano, imagina a emoção.
Sabe quando você sente que perdeu o equilíbrio do próprio corpo e meio que desencana, tipo “ah, vai se foder, eu vou cair mesmo”, mas acaba não caindo? Pois é, e eu ainda consegui chegar num segundo na recepção que teria demorado uns seis ou sete pra chegar.
É.
Alguém me mata.
Enfim, depois de ter gritado um pouco porque a balconista engomada estava com uma puta cara de cu pro meu esforço de pantera pra chegar até ali, consegui o número do quarto que minha mãe estava.
E acho que a mulher ficou com um pouco de medo de mim.
O quarto ficava no segundo andar, então óbvio que eu tive que subir escada. Nesse meio tempo e esforço com o joelho ardendo, comecei a voltar a pensar direito. Ter corrido feito um louco até ali me deu adrenalina o suficiente para que eu não raciocinasse com clareza. Engoli em seco, pensando em o que poderia estar me esperando.
Sem permissão, memórias que eu achei ter soterrado com minha força de vontade, voltaram a rodear minha mente. Tubos de respiração, agulhas por todos os lugares em seus braços e corpo, seu cabelo negro sempre brilhante, ressecado e sem vida, os olhos cheios de olheiras fechados e parecendo nunca mais querer abrir-se.
E os medos do garotinho que eu era voltaram ao meu coração como uma chicotada sem piedade. Senti-me temeroso, e naquele momento tudo o que eu queria era que ela, que nós, não tivéssemos que passar por algo como aquilo de novo.
Nunca mais.
Respirei fundo, andando com calma fria pelo corredor. Por dentro eu estava a mil por hora, sentindo cada vaso sanguíneo enlouquecido pela velocidade que meu coração batia. A adrenalina estava baixando, e eu sentia frio, mas meus olhos tempestuosos mostravam o quanto eu estava verdadeiramente agitado com aquilo.
Contei em sussurros os quartos passando nos corredores frios. Não gostava de hospitais. Não tinha boas memórias daqueles lugares.
Mirei meus pés. Não costumava fazer isso, era uma posição estranha para a cabeça que normalmente mirava o horizonte, mas eu não tinha confiança em conseguir olhar para a frente naquele corredor interminavelmente branco. Brancos de forma aplastadora, quase insuportável. Me senti menor do que realmente era, lembrando da quantidade de vezes que andei por corredores como aqueles com a pesada consciência de morte que minha cabeça infantil teve que aguentar.
As memórias eram como lapsos, cortes passando rápido por minha mente, alguns verídicos, outros que minha cabeça havia inventado para amenizar o trauma. Senti todas as emoções que havia sentido como se observasse um estranho, mas soubesse exatamente como ele se sentia.
Medo, frustração, dor.
Raiva.
- Podem entrar, senhora. – Ouvi superficialmente a voz calma da enfermeira do outro lado da porta. Não me importei muito. Estava com os olhos fixos no corpo pequeno de minha mãe, segurava sua mão desde que chegara ali. Estava fria.
A porta se abriu num clique baixo, e eu elevei a cabeça, olhando para as pessoas que entraram.
Os rostos que vi ali não me eram conhecidos. Ao menos a primeira vista.
O garoto que aparentava ter mais ou menos minha idade me olhou, com pouca expressão legível no rosto. Senti que já o havia visto, mas estava há muito tempo com a mente nublada e perdida em meus pensamentos vagos e temerosos, então meu cérebro não fez a ligação.
O menino ao seu lado era mais baixo que si, e tinha o olhar bastante mais brilhante, mesmo que de preocupação. Sua boca parecia feita para sorrir. Seu rosto era redondo e delicado, como porcelana. Não sabia se já o havia visto, mas ele certamente me conhecia.
- NamJoon ah. – O mais baixo se manifestou, sua voz era aguda, mas tinha uma certa rouquidão escondida ali.Olhei para ele com uma ponta minúscula de interesse infantil. Não sabia quem eram, e a presença de pessoas ali além de enfermeiras era de certa forma renovadora, mesmo que meio incômoda. – Viemos ver se você estava bem.
Franzi o cenho. Ele falara de forma esperançosa, como se esperasse que eu gritasse consigo e rezasse para que eu não o fizesse. O garoto atrás de si soltou a respiração longamente, adiantando-se um passo e ficando ao lado do menor.
- Óbvio que ele não está bem, TaeHyung idiota. E acho que ele nem sabe quem a gente é. Não tem por que ficar falando isso. – Sua voz era arrastada e preguiçosa como sua expressão, notei que a língua era ligeiramente presa. Tombei ligeiramente a cabeça, olhando-os novamente. Agora era certeza, já os vira, só tinha que lembrar de onde.
- Quem são vocês? – Perguntei o que considerei importante. Os garotos eram estranhos, e eu tentava entender por que estavam ali. Minha voz saiu com certa dificuldade após tanto tempo sem pronunciar uma palavra, mas consegui me fazer entender.
- Eu sou Tae! Kim TaeHyung! – O que provavelmente era o mais novo falou, abrindo um sorriso grande que deixava seus lábios com o formato retangular. – Esse aqui é o YoonGi. Min YoonGi. – Segurou o braço do outro, com igual animação. “YoonGi” não reagiu à felicidade do amigo, apenas me mirou com a expressão vazia.
Acenei com a cabeça, meio hesitante. Era estranho. Eu normalmente não falava com pessoas da minha idade. Só conversava com minha mãe e os professores da escola, além de ler muito. Não tinha muita experiência com pessoas com idade inferior a 20 anos.
Fez-se um silêncio meio estranho, e o sorriso de TaeHyung foi diminuindo até que ele notasse que teria que falar algo. O que estavam fazendo ali? Ele tinha dito “para ver se eu estava bem”, mas isso não fazia sentido se não me conheciam, certo?
- Nós somos seus vizinhos. – Ele sorriu, meio sem graça, soltando o braço de YoonGi. – Sempre te chamávamos para brincar quando se mudou, lembra? – Arregalei os olhos, lembrando. Havia me mudado para aquela casa com quatro anos, e agora, com seis, os garotos da rua já haviam desistido de se enturmar após tantos “não” aos seus pedidos de participar das brincadeiras. – Ouvimos que sua mãe estava doente. – Sua voz amansou, como se estivesse tomando mais cuidado com o que dizia. Para uma criança daquela idade, TaeHyung tinha bastante tato.
- Ah. – Abri um pouco a boca, e tentei lembrar de forçar um sorriso. Não teve como, então deixei pra lá. – Ela vai ficar bem. – Falei, baixo, olhando para a mão que eu segurava tão maior que a minha na época, e então mirando seu rosto coberto pela máscara de oxigênio. – Ela vai ficar bem...
Minha voz foi um sussurro, e eu não repulsei o meio abraço que TaeHyung me ofereceu no momento seguinte.
Elevei o rosto, vendo à frente o quarto que me indicaram como sendo o que minha mãe estava.
Respirei fundo, sem parar de andar, e toquei a maçaneta, hesitando por uma fração de segundo. Mirei minha mão segurando o metal frio com profundidade filosófica, e fechei os olhos, apertando os lábios secos.
A verdade era que eu estava apavorado. Não necessariamente com a situação presente, mas com como ela estava me despertando coisas nada agradáveis que eu gostaria de ter guardado bem fundo em minha cabeça.
Abri a porta.
O quarto era parecido com o de minhas memórias; inteiramente branco, cortinas claras paradas pela ausência de vento pela janela fechada. A cama no canto esquerdo era branca, assim como a máquina que apitava baixinho ao lado da mesma.
Suspirei, em leve alívio. Só havia uma agulha, na dobra de seu cotovelo. Nada de máscara, nada de soros por todo o seu corpo.
Andei a passos lentos até o pé da cama. Mirei seu rosto sereno. Sua respiração estava compassada, seus olhos fechados de forma serena, seu rosto estava corado. Parecia apenas estar dormindo.
Andei até a janela, abrindo-a, e imediatamente refrescando o quarto abafado. As cortinas leves bruxulearam ao meu lado, e eu me dirigi de novo à cama.
Na cadeira ao lado da cama, encontrei um pequeno papel dobrado ao meio. Abaixei o corpo e peguei o objeto. Meus movimentos pareciam forçadamente calmos, mas eu de certa forma estava sereno.
E ao mesmo tempo estava completamente eufórico.
“Olá, NamJoon.
Está tudo bem, aparentemente foi apenas um susto. O médico pode lhe explicar melhor quais cuidados terão que ser tomados para que não se repita.
Tive que sair antes que chegasse, porque ainda estou em expediente de trabalho.
Lee JinKi.”
Franzi ligeiramente o cenho. Era um bilhete breve e nada satisfatório, mas imaginei que deveria estar grato ao cara. Minha mãe tinha o péssimo – herdado por mim, devo admitir – hábito de não aceitar que cuidassem dela, e poderia ser teimosa como uma mula quanto ao seu estado, em especial de saúde.
Dobrei o papel novamente, e guardei no bolso traseiro do uniforme. Sentei-me, com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos juntas de forma desleixada entre minhas duas pernas dobradas.
Olhei para minha mãe, me perguntando o que exatamente havia acontecido. Na recepção não haviam me dito nada sobre seu estado, e imaginei que seria porque este já havia sido relatado ao “JinKi” anteriormente. Listei procurar o médico responsável, mas me vi de certa forma hipnotizado pela situação.
Eu estava sentado ali, do lado direito de minha mãe desacordada, sozinho e silencioso como o garotinho temeroso que eu fora uma vez.
Eu estava mais calmo, e em grande parte nem era pelo bilhete que lera (que deixava muito a desejar em exatidão. Se havia uma coisa que eu tinha descoberto na vida era que nunca devemos acreditar nos “está tudo bem” ou nos “foi só um susto”. Esse susto tem que ter vindo de algum lugar).
A verdade era que no momento em que pisara naquele quarto, eu notara que não estava acontecendo de novo. Ela não estava sem vitalidade como estaria; seus olhos estavam tremendo como se sonhasse em sono leve; o quarto não parecia opressor e deprimente como era em minhas lembranças.
Arrastei a cadeira para um pouco mais perto da cama, estendendo a mão e pegando a dela, tombada levemente sobre o lençol fino. Fechei os olhos.
Olhei com certo interesse (que provavelmente não transpareceu em minha expressão) para YoonGi, que me acordara ao colocar uma manta sobre mim e Tae, que dormíramos com as cabeças apoiadas no leito de minha mãe.
Ele devolveu o olhar, com intensidade estranha.
Eu viria a notar que todos os olhares dele eram assim: apesar de todo o desinteresse e tédio que ele pudesse passar, estava sempre atento e analítico. Seus olhos escuros e sonolentos eram impassíveis, mas passavam por tudo e todos, com a precisão de uma lâmina.
Sua cabeça pequena tombou ligeiramente, e ele deu de ombros, recuando um pouco e sentando na cadeira que antes fora minha única companheira naquele quarto frio. Antes, porque Tae e YoonGi haviam oficialmente se adotado pela minha mãe desacordada, e praticamente moravam no hospital desde então. Não sei bem como eles decidiram isso, ou por que faziam tanto por mim, mas sei que desde então já não me via bem sem eles me flanqueando sempre.
- Está frio. – Falou, sua língua ligeiramente presa fazendo combo com seu sotaque engraçado. – Tae se resfria facilmente, e você também tem que tomar cuidado, destruição. – Com os braços infantis cruzados, proferiu o apelido pelo qual me chamou restritamente por pelo menos uns três anos.
Destruição. O garoto que ele, em menos de uma semana “cuidando” já vira quebrar três cadeiras e cinco pratos, além do game boy que Tae levara para passar o tempo e as cortinas, que foram ao chão quando tentei abri-las uma manhã.
Sorri fraco, e ergui o cobertor acima de meus ombros, abrindo-o como se convidasse YoonGi para entrar também.
- Você também pode ficar resfriado.
Soprei a franja que caíra sobre meu rosto, e olhei para minha mãe outra vez. Era meio surreal tê-la ali, mas eu me sentia melhor por não ser mais a criança assustada que fora, sozinho no hospital, sem sequer ninguém para me levar para casa e me aliviar daquela atmosfera pesada de hospital, desviar a atenção da grande dor.
O celular fez um som estranho ao vibrar contra meu bolso e a cadeira, e eu capturei o aparelho com certa velocidade.
Franzi o cenho ligeiramente. Engraçado, eu geralmente recebia uma ligação por mês (mensagens de texto eram mais baratas e mais confortáveis), e agora era a segunda vez que me ligavam num dia.
Mas não foi isso que me surpreendeu mais. Foi o fato de ele ter gasto créditos comigo aparentemente sem necessidade.
- Que foi? – Atendi, mirando a parede oposta.
- HEY MON! – Afastei a orelha do aparelho ligeiramente quando a voz aguda soou.
- Quem é? – Perguntei, franzindo o cenho.
- Nossa, me senti amada. – Ela riu. – Sou a rainha do reino cor de rosa das lésbicas amiguinhas de viados que não cumprem promessas e vão ficar sem sorvete para TODO O SEMPRE.
- Ah. – Falei, desinteressado. – Oi Jia.
- “Oi Jia”? – Sua voz se alterou. Ela estava fazendo cena, porque ela sempre fazia cena, mas ainda assim, ela conseguia assustar (principalmente o JiMin). – “OI JIA”?? COMO VOCÊ SE ATREVE A ME TRATAR COM ESSE DESCASO, KIM NAMJOANA?
- NamJoana? – Perguntei, franzindo o cenho, ainda sem demonstrar interesse. Até porque eu realmente não estava interessado. – O Suga sabe que você tá gastando os créditos dele? – Perguntei, preferindo não descobrir a historia por traz do apelido.
- Isso não te interessa. – Quase pude ver ela erguendo a mão e assumindo aquele arzinho superior de quem não está nem aí. – Quê? Não, claro que não. – Falou, e eu senti que não era comigo. – É o celular da minha avó, ela me emprestou. – Pude ouvir uma risada de escárnio ao lado dela, e então o som de corrida. A respiração de Jia ofegou um pouco antes de ela gritar. – VOCÊ TEM CREDITOS ATÉ 2070, CUSTA DIVIDIR?
Não ouvi o que Suga disse, mas ele provavelmente estava se perguntando se ia atrás de Jia para pegar o telefone ou se matava ela com alguma coisa de longe mesmo e pegava o telefone depois.
Depois de conversas não muito bem ouvidas por mim, notei que Fei provavelmente obrigou Jia a devolver a merda do telefone para YoonGi. A verdade era que eu poderia ter desligado e ela nem notaria, mas ouvir Jia gritando feito uma doente mental e choramingando para que Fei a ajudasse a fugir do Satanás que era Suga com raiva, me dava um pouco de animo e graça que eu definitivamente não conseguiria sozinho naquele quarto deprimentemente branco.
- ...Mon? Ainda tá aí, viado? – A voz arrastada de Suga soou ao meu ouvido, e eu sobressaltei levemente em meu estado de observador que brisou um pouco e esqueceu que estava ouvindo uma conversa de telefone e não vendo os amigos pulando feito macaco de circo na sua frente. – SAI DEMÔNIO. FEIFEI, TIRA ELA DAQUI, QUE NOJO.
Ouvi o choramingo de Jia no outro lado da linha, e sorri levemente.
- Oi hyung. – Falei, decretando meu estado de vida para o branquelo mau humorado.
- “Oi hyung”? – Ele repetiu. Quase pude ver sua sobrancelha se erguendo. – Cê bebeu? O SeokJin te deu um fora? Cê tá bem? SAI JIA, CARALHO.
Ouvi um “aaaah, mas eu que queria falar com o Mon!” do outro lado, seguindo de varias outras reclamações que eu não entendi de Jia.
- O Jin não me deu um fora. – Falei, inflando ligeiramente o peito, indignado. Mas que porra? Eles achavam que todos os meus problemas giravam ao redor de Jin agora?
Não estavam muito errados, mas aquele era um caso à parte.
- Que Deus seja louvado. – YoonGi falou, a voz naturalmente debochada deixava claro que ele provavelmente revirara os olhos. – Eu que não ia ficar te aguentando de mimimi de novo. Já bastassem o Tae e o Hope.
- Falando nisso, você soube deles? – Perguntei, apenas para manter assunto. Eu não queria ficar ‘sozinho’ antes de minha mãe acordar. E queria ver quanto crédito do Suga eu podia gastar sem ser morto.
- Ué, o Tae disse que ia pra sua casa. – Suga falou, e seu tom ficou um pouquinho mais sério. – Onde você tá?
Hesitei por um momento, pensando se contar para ele. Provavelmente não era nada grave, então não valeria o estardalhaço (porque sim, ele viria como um furacão, e traria todo o bonde junto), mas Suga já havia passado por aquilo comigo, e eu provavelmente ia apanhar se ele ficasse sabendo depois.
- No hospital. – Falei, por fim. Veria como ele responderia, e então em como falaria, se o fizesse.
- No hospital? Como assim? – Seu tom estava normal, apenas um tiquinho mais interessado do que normalmente soaria. – O SeokJin te socou? Nunca te falaram que você tem que pedir permissão pra tentar avançar mais, Mon?
Fiquei dividido entre rir da cara dele ou massagear as têmporas com o tipo de coisa que se passava por aquela cabeça, mas acabei apenas respondendo-o:
- Não, porra. – Estalei a língua. – Jin não tem nada a ver com isso. Ele nem tá aqui.
- Ok, pera. O SeokJin não tá com você? Mas que porra? Que bom que cê tá no hospital, que eu acho que cê pirou. – Suga falou como se estivesse falando de qualquer coisa, mas sua crença absurda de que eu grudava em Jin feito carrapato me deixou desconfortável. – Mano, na moral, que porra cê tá fazendo aí?
Hesitei outra vez. É, porra, vou ter que falar. Mordi de leve a língua.
- Vim visitar a mãe. – Falei, e Suga ficou em silêncio. Por um momento achei que ele tinha desligado, mas podia ouvir sua respiração leve do outro lado da linha.
- Qual é o endereço daí? – Falou, sem expressão na voz, que não tinha o tom preguiçoso de sempre. Estava mais dura, mesmo que provavelmente não se pudesse saber muito sobre o que ele estava pensando mesmo que eu estivesse cara a cara com ele. Ditei o lugar para ele, meio apreensivo. Suga estava sempre sério, mas nunca ficava sério (não faz sentido, mas é a verdade). Era estranho vê-lo daquela forma. – Ok.
E desligou o telefone, sem mais nem menos. Eu o chamaria de desalmado, mas estava numa indecisão do caralho entre acreditar que ele só viria e visitaria mamãe como uma pessoa normal ou se sairia inventando historia pro TaeHyung arrastar toda a população gay de Seul fazer rito e manifestação com direito a bandeira anarquista e paródia de Baile de Favela na frente do hospital.
Porque toda manifestação tem paródia de Baile de Favela, e Kim TaeHyung não aceita menor que o melhor para suas macumbas enfeitadas pra acabar com os héteros do mundo.
Meus amigos não se encaixavam muito na descrição de pessoas normais, então eu podia me preparar para, no mínimo, um TaeHyung fazendo escândalo na frente do hospital.
Suspirei, segurando meu telefone entre as pernas meio abertas no banco da cadeira. Um ventinho meio seco entrava pela janela, balançando as cortinas de forma leve e chegando até mim com dificuldade. Olhei para minha mãe, e me assustei um pouco quando a porta abriu.
O homem alto de no máximo trinta anos que entrou em seguida não pareceu me notar num primeiro momento, seguindo até o lado oposto da cama em que eu estava sentado, sempre consultando a prancheta que levava em mãos.
Apenas quando elevou os olhos para observar minha mãe desacordada ali, que viu, dando um pequeno sobressalto e arregalando os olhos.
Curvei levemente a cabeça num cumprimento, e sorri, meio sem jeito, apesar de que seu susto foi um pouco engraçado.
Ele acenou em resposta, meio distraído, e checou novamente a prancheta.
- Você é... – Falou, enquanto procurava entre seus papeis o feitiço mágico que o faria adivinhar meu nome.
- Kim NamJoon. – Falei, prontamente. O homem tinha um jeito meio desengonçado, mas eu não estava ali para rir dele. – Sou filho dela.
Ele ergueu a cabeça, me mirando por um momento, e então acenou.
- Sim, sim. JinKi hyung disse que viria. – Falou, quase como se estivesse repreendendo-se. Segurei um sorriso, e apenas acenei com a cabeça. – A propósito, eu sou MinHo. Choi MinHo.
- Prazer, MinHo ssi. – Acenei com a cabeça, ainda sentindo vontade de rir dele. Normalmente eu estaria irritado pela falta de jeito e lentidão do homem, mas eu me sentia estranhamente leve. – Mas então, sobre ela... – Apontei para minha mãe, meio hesitante. MinHo olhou para ela, parecendo notar que podia ter passado um vexame grande se fosse com outra pessoa (ou até com um NamJoon mais impaciente e crítico. Um NamJoon pré SeokJin, talvez).
- Ah... – Olhou para sua prancheta, franzindo o cenho. – Ela chegou aqui em alerta de emergência, mas foi logo retirada da sala de prioridades emergenciais por não apresentar sintomas críticos. – Ele falava sem olhar para mim, olhando para a prancheta e para minha mãe de vez em quando. – Analisamos seus sistemas nervoso, circulatório e respiratório, buscando a causa do desmaio, e encontramos, a princípio, sintomas altos de anemia e má circulação, que provavelmente são resultado de má alimentação e falta de descanso. – Nisso, ele parou, me olhando com os olhos baixos.
Acenei com a cabeça.
- Ela realmente não tem se cuidado. – Falei, pensando em como cortar a absurda quantidade de açúcar de minha mãe antes que ela virasse diabética ou tivesse uma parada cardíaca sem fazê-la surtar.
MinHo acenou com a cabeça, e mirou a prancheta de novo.
- Bom, encontramos outros probleminhas, mas eu preciso de algumas informações antes de lhe dar um pré-diagnóstico. – Me olhou, como se pedisse permissão para perguntar, e eu acenei com a cabeça. – Seus pulmões e garganta estão danificados, o que pode vir a criar um problema maior no futuro. Ela fuma?
Neguei com a cabeça, mas suspirei.
- Não mais. – Falei, e MinHo pareceu entender.
- Bom, isso irá precisar de um estudo mais a fundo, mas creio que não há nada imediatamente preocupante. – Ele me mirou, como se esperasse uma reação. Não fiz mais que confirmar que estava entendendo, e ele voltou a mirar a ficha de minha mãe. – Claro que ela vai precisar tomar algumas medicações, em especial suplementos de ferro, e-
- Espere. – Interrompi, e MinHo imediatamente me olhou. Seus olhos eram grandes de um jeito engraçado, e muito separados no rosto. Mas suponho que fosse um homem no mínimo atraente. Não sei, avaliar beleza masculina nunca foi minha praia. Claro que lembrei de Seok naquele momento, mas continuei, afinal, tinha interrompido o homem: – Se não há nada muito sério, por que ela ainda não acordou?
- Ah, isso... – Ele olhou para a mulher que ressonava na cama alva. – É que ela acordou no meio dos exames e...se assustou um pouco. Tivemos que sedá-la.
Com isso, não segurei uma risada. MinHo me olhou em estranhamento, parecendo decidir entre rir comigo ou chamar reforços porque aquela família inteira era problemática.
Eu não o culparia. Ele que esperasse pra Tae aparecer ali, alegando ser filho de minha mãe também.
- Alguém saiu ferido? – Perguntei, com naturalidade, ainda sorrindo. Minha mãe surtava quando tocavam nela sem “permissão” (sim, puxei isso também), imagine o que havia feito quando acordou e tinha um grupo de desconhecidos enfiando agulhas e colocando máquinas em cima de si.
- Ah... – Ele pareceu pensar em falar, e me olhou. – Eu levei um soco leve. Dois enfermeiros estão com inchaços onde foram chutados, mas nada grave.
Ri de novo, mais discreto dessa vez, por respeito.
- Sinto por isso.
- Ah não. – Ele negou com a cabeça. – Mas sinto que não vamos mais nos arriscar a analisá-la quando estiver consciente.
Acenei com a cabeça, sentindo meu celular vibrar em minha mão.
- Mesmo que será muito difícil de sedá-la de novo, entendo seu ponto. – Sorri de canto, e me levantei. – Um minuto?
MinHo acenou, e eu atendi sem olhar para a tela.
- Al-
- VEM AQUI EM BAIXO QUE NÃO TÃO ME DEIXANDO SUBIR. – Afastei o ouvido do telefone, fazendo uma careta. MinHo sobressaltou, e me perguntei como TaeHyung conseguia gritar tanto.
- Diz que é filho da Kim SoHee. – Falei.
- QUEM É ESSA? – Revirei os olhos, afastando a orelha do aparelho outra vez. Conhecia casos de crianças pequenas que não sabiam o nome da mãe por só chamá-la de “mãe”, mas TaeHyung tinha dezesseis anos bem vividos.
- Minha mãe, Tae. Kim SoHee, sabe? – Falei, irônico.
- Ah. –Tae falou, um pouco mais baixo, e se dirigiu a quem o atendia. – Eu sou filho da Kim SoHee. Preciso ver ela. – Me surpreendi com sua voz mais controlada, e agradeci por ele não estar mais gritando na entrada do hospital. A mulher pareceu respondê-lo, e ele voltou a falar comigo: – EU DISSE. – Afastei o ouvido de novo. Eu e minha maldita ilusão de que Kim TaeHyung iria agir normalmente. – ELES DISSERAM QUE O FILHO DELA JÁ SUBIU E QUE EU TENHO QUE ME RETIRAR POR ESTAR INCOMODANDO A PAZ DO AMBIENTE E NÃO ME MANDE FALAR MAIS BAIXO SUA BRUXA MALIGNA! –Imaginei que o final era para a pobre recepcionista ao seu lado, e apenas suspirei, franzindo um pouco o cenho.
- Tá, então espera um pouco. – Falei, e desliguei, me virando para MinHo, que olhava para mim com os olhos saltados ainda mais arregalados. – Desculpe por isso. Meu...irmão mais novo está lá em baixo e não o deixam subir. – Falei, e o médico emitiu um “ah” silencioso. Hesitei um pouco, escolhendo as palavras. – Bom, ele é uma versão infantil da minha mãe, então eu acho melhor ir lá antes que o saguão pegue fogo.
Os olhos do jovem adulto se arregalaram de novo, e ele prontamente se levantou. Eu não estava chamando-o para ir comigo, mas imaginei que tê-lo ali ao lado ajudaria a não termos mais problemas na recepção, que poderiam levar ao terceiro dos Kim – no caso eu – surtar também.
Suspirei, pensando em como Jin resolveria aquilo com apenas um pedido, mas vamos fazer o quê? Quem não tem cão, caça com gato.
Desci as escadas com o joelho doendo e MinHo me seguindo. Suas passadas eram leves e graciosas, como um modelo desfilando. Isso me fez lembrar do passo de cegonha desengonçada de Park ChanYeol. Havia definitivamente um contraste grande.
- ME SOLTA HOSEOK. – Ouvi Tae antes de vê-lo. Estranhei Hobi estar ali, mas logo fez sentido: Tae havia me ligado como, se fazia jus à posição de “filho de Kim SoHee” e nunca tinha créditos? Ainda assim, me perguntei por que eles estavam juntos ali, e me vi um pouco esperançoso de que tivessem se resolvido. Deixei de lado por um momento, tinha uma criança para domar agora. – EU VOU SUBIR, E VOCÊ NÃO VAI ME IMPEDIR SUA LOIRA FALSA IRRITANTE.
Contive a vontade de gritar “você também é loiro falso”, mas não o fiz. Apenas porque seria cansativo e porque, bom, eu também era um loiro falso. Surgi no corredor, sendo imediatamente notado por Tae, e por Hope, que segurava o menino pelos braços.
- MON! – Tae deu um grito alguns mil de tons acima do que seria considerado saudável. Para ele e para a comunidade tradicional coreana que ali se encontrava. – BATE NESSA TIA! ELA ME CHAMOU DE MENTIROSO. – E apontou para a pobre enfermeira que cuidava da recepção, que tinha cara pálida e parecia querer se enfiar em algum lugar para fugir do surto de Tae.
Eu não a culpava.
Contive o impulso de minha língua afiada de falar que ele tinha, sim, mentido ao dizer ser filho de minha mãe, mas apenas fui até eles, olhando para os dois antes de mirar a mulher de uns trinta e poucos anos, que me encarou como se pedisse ajuda.
Olhei para Hope, que ainda segurava Tae com um olhar de urgência. Mas o loiro estava mais calmo ao me ver ali. Conseguira chamar atenção: a birra já podia aliviar um pouco.
- Desculpe pelo meu irmão, ele apenas ficou preocupado ao saber da minha mãe. – Falei, mirando a mulher, que abriu um pouco a boca, acenando quase imperceptivelmente com a cabeça. Vire-me par Tae. – E você, peça desculpas pelo escândalo e por ter chamado ela de “tia”. Não te deram educação não?
Tae armou o famoso bico, e se soltou de HoSeok, cruzando os braços.
- Você que educou!
- Eu não. Ser sua babá não quer dizer que eu tenha te ensinado a sair xingando por aí. – Soltei, com um riso nasal.
- Na verdade, sim. – HoSeok se manifestou.
- Cala a boca. – Eu e Tae falamos ao mesmo tempo.
Tae me encarou com garra, e eu sustentei o olhar sem pestanejar.
- Peça desculpas. – Falei, por fim, outra vez.
- EU NÃO FIZ NADA! – Teimou.
- Peça. – Tae descruzou os braços, me olhando, meio descrente.
- Você tá parecendo o SeokJin hyung. – Falou. – Você não é minha mãe!
- Ótimo, quer que eu chame Seok aqui? É isso o que você quer? – Apelei. Por dentro estava achando engraçado a associação de SeokJin com “mãe”, mas não era como se eu mesmo já não tivesse feito isso algumas vezes.
Tae hesitou, mas então fechou a boca num estalo, e, sem mais nada falar, andou até o balcão da recepção. A enfermeira recuou um pouco quando o garoto se apoiou sobre os cotovelos na superfície limpa. Ele encarou-a de forma que eu chamaria de meio ameaçadora se não conhecesse a peça, o que fez com que a pobre mulher se encolhesse mais.
- Desculpa. Você não é uma tia e não é loira falsa, apenar de ser. – Falou, simples, e se virou, decidido, voltando ao lado de HoSeok, que parecia segurar uma risada. Olhou para mim, e então para a recepcionista. – Eu vou subir para visitar minha mãe agora.
A mulher acenou com a cabeça de forma rápida, e Tae andou até mim.
- Cadê a omma? – Perguntou, meio manhoso.
- Lá em cima. – Falei.
- E quem é esse? – Tae indicou MinHo com a cabeça. Virei para o homem, havia quase esquecido que ele estava ali. Abri a boca para responder, mas HoSeok foi mais rápido:
- MinHo hyung! – Exclamou, plantando um sorriso no rosto. – O que está fazendo aqui?
- Olá HoSeok. – MinHo acenou com a cabeça, cordial, mas relaxado. – Eu trabalho aqui.
- De onde vocês se conhecem? – Tae se manifestou, olhando de um para o outro, antes que Hope pudesse reagir à fala de MinHo.
- Ele é namorado de um amigo. – Hope respondeu, sem hesitar.
- Que amigo? – Tae perguntou de novo. Senti um peso ali, e me perguntei se, afinal, aqueles dois haviam se resolvido ou não.
- Você não conhece. – Hope falou, mirando Tae com os ombros meio encolhidos.
Tae abriu a boca, provavelmente para agir como o mal educado que era, mas eu não permiti que o fizesse. Havia capturado uma visão no mínimo alarmante. E ela entrava com duas guarda costas altas e barraqueiras, inspirando pré-potência.
- Eita porra. – Falei. – O Suga não transa há quanto tempo? – Não olhei para Tae e Hobi ao falar, mas senti que eles olhavam para onde eu olhava. Ele parecia muito mais mal humorado que o normal.
- E eu sei lá? Não tenho obrigação de saber dessas coisas. – Tae respondeu, ainda de mau humor.
- Não tem, mas normalmente sabe. – Respondi, dando um passo à frente, temendo pela pobre recepcionista, que poderia ser atacada de novo.
YoonGi andou com uma velocidade que ele normalmente não teria pela simples preguiça de combater a pressão do ar contra seu corpo em movimento, e apoiou as mãos no balcão, não fazendo cerimônias:
- Vim ver Kim SoHee. – Falou, tombando levemente a cabeça para o lado, e sorrindo de forma que seria meio ameaçadora se eu não conhecesse a criatura bem demais para me assustar com algo vindo daquele saco de preguiça e sarcasmo. – Acho que meus irmãos já estão aqui.
A mulher arregalou os olhos de forma absurda, e acenou com a cabeça repetidas vezes, assustada. Murmurou algo, e YoonGi desapoiou do balcão, começando a andar em direção às escadas.
Ao nos ver, franziu o cenho.
- Vocês ameaçaram puxar o pé da mulher de noite ou algo assim? – Apontou levemente para trás, onde a recepcionista espiava o trio se juntar a nós, discretamente.
- TaeHyung deu um de seus surtos de diva. – Falei, após negar com a cabeça. YoonGi acenou com a cabeça, não perguntando mais.
- Se eu soubesse disso, nem precisaria ter mentido sobre ter o mesmo sangue que vocês. Eca. – Torceu o nariz, e eu elevei a sobrancelha, pronto para responder à altura, mas ele se virou para Tae. – Como você chegou antes que eu, demônio? – Franziu o cenho, notando HoSeok ali, no flanco de Tae, apenas naquele momento. – O que você tá fazendo aqui?
O tom de YoonGi foi, no mínimo, indelicado. Eu entendia, claro. Também havia estranhado que ele estivesse ali, sendo que meio que havia nos evitado bastante como grupo ultimamente. Mas isso não impediu que Hope fizesse uma expressão ferida e meio ofendida.
Foi Tae, porém, que respondeu por ele:
- E qual o problema de ele estar aqui? – Perguntou. Olhei para ele um pouco surpreso, ato que foi refletido por HoSeok. Tae não tomava a defensiva por Hope fazia um tempo já, me surpreendi.
Olhei para YoonGi, que me mirou com o mesmo estranhamento que eu, terminando por dar de ombros, como se não considerasse frutífero tentar entender aqueles dois.
Eu tinha que concordar com ele, apesar de que, no fim, eu sempre tentaria entender como funcionavam aquelas cabeças estranhas.
- Foda-se. Não vamos ver a unnie? – Jia interrompeu, sempre delicada. Olhei para ela, basicamente ignorando sua presença e olhando para a chinesa alta que a acompanhava. Acenei a cabeça para Fei, que sorriu pequeno.
- Bem lembrado. – Suga bateu as mãos, e seus olhos pequenos focaram MinHo, como se apenas o tivesse visto naquele momento. – Você. Médico. Podemos todos entrar lá?
MinHo pareceu meio sem reação por ser o foco de todos, mas respondeu:
- Normalmente só podem entrar quatro visitas de uma vez...
- Mas você vai deixar que entremos todos, não? – Suga tombou levemente o rosto, dando aquele sorriso de novo. Aquele que dizia “concorde ou eu esfaqueio sua mãe, viu como eu sou gentil?”. – Você já viu TaeTae ao vivo, não vai querer eu e o Mon irritados também, vai? – Apertou um pouco os olhos, e MinHo engoliu em seco de forma discreta. – Ah, e JiMin deve estar chegando daqui a pouco. Ele pode parecer inofensivo, mas sabe machucar.
Eu riria da forma que MinHo estava reagindo, como se aquele grupo de adolescentes realmente estivesse intimidando-o, mas tinha que manter a compostura. Suga era só papo. Ele mesmo não movia um dedo para machucar, mas sabia causar discórdia, e, bom, contava comigo e os outros para fazer o trabalho sujo.
O Choi conduziu nosso grupo pelas escadas. Jia estava xingando YoonGi por ele ter apagado todos os episódios de ‘Orange is the New Black’ que ela tinha baixado no notebook do Min, e ele apenas respondia que seriezinhas inocentes como aquela não iam ficar pesando em seu disco rígido, que tinha muito mais coisas “interessantes” para guardar.
Fei brigou com Jia por estar discutindo sobre aquilo num hospital, e apenas recebeu um “e eu vou discutir onde?” mal humorado da rosada. Responder aquilo dignamente e deixar Jia sem resposta seria fácil, mas FeiFei, pacífica como sempre, apenas suspirou sem mais nada dizer.
Quando chegamos ao quarto, minha mãe ainda estava sobre o efeito dos sedativos, que MinHo informou que duraria por mais uns trinta ou quarenta minutos, dependendo da “força” que ela tivesse.
Tae chorou um pouco, mesmo sabendo que não era nada muito grave. Não contei sobre os pulmões e os “prováveis problemas futuros”. O garoto com certeza havia lembrado daquela época também, e eu não achei necessário preocupá-lo mais.
Uns cinco minutos depois de subirmos, o quarto recebeu mais dois ocupantes.
- Gente, vocês colocaram uma faca no pescoço daquela tia ou o quê? – Foi a primeira coisa que JiMin perguntou, apontando para a porta como se a secretária estivesse ali. Sua outra mão estava entrelaçada com a de JungKook, que pousara o olhar em minha mãe desde que chegara, e ainda a mirava de forma meio aérea, como se não acreditasse que aquela mulher sempre tão cheia de energia estivesse naquela situação.
- Quem precisa de faca quando se tem Kim TaeHyung dando pití? – Suga respondeu, causando uma risada baixa de JiMin. Tae olhou indignado para YoonGi, e em seguida para mim, me olhando como quem diz “você não vai fazer nada?”.
- Quando ele chama ela de tia você não fala nada, né? – Apontou para JiMin, quase gritando, como se realmente estivesse se sentindo muito injustiçado.
Olhei para Tae com a expressão desinteressada, e então revirei os olhos ao ver o bico e os olhos prestes a chorar dele.
- JiMin, não se chama as pessoas de ‘tia’, seja mais educado na próxima vez. – Falei, sem olhar para o Park, apenas para que Tae não desse mais um showzinho desnecessário. Sabia que ele estava desequilibrado e sentimental, então não valia muito a pena fazer algo diferente do que lhe dar o que queria.
- Desculpe hyung. – JiMin, para meu gosto, não revidou ou questionou aquilo, e apenas ofereceu um sorriso fraco para mim e para Tae.
YoonGi havia se sentado na cadeira ao lado da cama, e por um momento ele me pareceu preocupado e sereno, como se minha mãe desacordada fosse o único que importasse no quarto.
Claro que esse clima durou um minuto e três quartos, antes que Jia começasse a reclamar por querer sentar também, e, ao ser ignorada por ele, sentou no colo do Min sem mais nem menos.
Aquela menina não tinha nem o menor dos tatos.
- Wang FeiFei. – YoonGi chamou, parecendo considerar cansativo gritar ou se direcionar diretamente à Jia. Fei olhou para ele, com o lábio aflitamente preso entre os dentes por ver a amiga agindo daquele jeito. – Tira essa coisa de cima de mim antes que eu jogue ela pela janela.
- Ji... – Fei chamou a rosada após mirá-la meio preocupadamente. Jia parou de fingir analisar as unhas e a mirou. – Você não acha que já chega? Está sendo muito desrespeitosa, sabe disso.
A voz da morena foi calma e balanceada, e conseguiu a atenção da amiga. Sinceramente, eu admirava muito, muito, Fei por conseguir lidar com Jia daquele jeito. Qualquer outra pessoa teria mandado ela se foder milhões de vezes em tantos anos de amizade.
Jia suspirou, e então olhou para a chinesa e para o restante das pessoas de forma desafiadora, mas serena, como se não tivesse preocupação nenhuma, pois sabia estar certa.
- Eu só estou agindo como corresponde. – Falou, e eu franzi um pouco o cenho. Corresponde a quê? – Fala sério, vocês acham que a unnie ia gostar desse clima de enterro? Ela não morreu gente. E vai acordar a qualquer hora, rir da cara de vocês e chamar todo mundo de maricas.
Todos ali refletiram por um momento, e eu senti um sorriso pequeno brotar em meus lábios, assim como havia brotado nos de JiMin, Hope, JungKook e TaeHyung.
- Agora a questão é: maricas é ofensa ou elogio pra nonna? – Hope falou, divertido.
- Ela já usou a palavra ‘maricas’ alguma vez na vida? – JiMin entrou na brincadeira, rindo baixinho com sua risada aguda.
- Quem usa essa palavra? – Suga perguntou, segurando um sorriso pequeno. Jia saíra de seu colo, e sorria, apoiada na parede. Fei se encostara ao lado dela, mas não a tocava. Me perguntei se elas estavam com um clima meio estranho ou se era apenas meu cérebro pensando demais outra vez.
- Na moral, acho que se ela acordar ela vai sair matando todo mundo, e depois vai xingar a gente por ter ficado fazendo mimimi. – JungKook se manifestou pela primeira vez. Sua observação era sensata, e ocasionou mais uma rodada de risadas.
Observei-os continuar a falar besteiras, todos em volta da cama de minha mãe, como se ela estivesse apenas dormindo no sofá e logo fosse participar da conversa. Senti uma leveza boa, e suspirei profundamente, apoiado no arco da porta com os braços cruzados.
- NamJoon ah...? – Fui tirado de meu estado de contemplação pela voz de MinHo. Virei-me para ele, que olhou para o grupo barulhento meio aflito. Tae havia pulado no pescoço de JungKook e não queria soltar. JiMin ria com gosto e Hope o acompanhava, enquanto o pobre Jeon pedia para o loiro parar de enforcá-lo. – Então, sobre aqueles exames que eu havia lhe dito...pode assinar aqui? – Apontou para uma linha num documento sobre a prancheta. Li o requerimento e assinei. – Alguns deles podem ser feitos agora, antes que os sedativos deixem de fazer efeito...
Falou e me olhou, como se esperasse minha opinião. Acenei com a cabeça.
- Acho que é uma boa ideia. – Falei, e adivinhei o que viria a seguir. – Quer que eu tire o pessoal daqui?
- Seria o mais adequado. – Falou, acenando com a cabeça. – Tem como fazer isso...pacificamente?
Ri curto de como ele me olhou ao falar. Que ótima impressão passávamos, não é mesmo?
- Claro. – Falei,e então virei para os sete adolescentes fazendo baderna e rindo que ali se encontravam. – EI! VAZANDO, A MÃE VAI FAZER UNS EXAMES E NÃO PRECISAMOS DE UM BANDO DE GALINHAS CACAREJANDO AQUI. CIRCULANDO. – Bati as mãos uma vez. Não gostava de sair berrando, isso não me fazia muito diferente de TaeHyung ou de minha mãe, mas sabia que daquele jeito era mais rápido.
- Tá todo mundo me xingando hoje. – Tae foi, surpreendentemente pra mim, o primeiro que me deu bola. Andou até mim com um bico fino. – Quero carona. – Ergueu os braços, como se achasse mesmo que eu fosse carregá-lo.
- Tá pirado na batata moleque? Você tem quase o meu tamanho, não vou ficar te carregando por aí. – Falei, dispensando seus braços compridos estendidos em minha direção.
- O SeokJin hyung você carrega! Ele é mais alto que eu! – Tae não baixou os braços, agora forçando o bico e os olhos brilhantes.
- Jin é uma história completamente diferente. – Falei, simples.
- É. Jin hyung dá uns beijo nele. Você não. – JiMin bateu no ombro de Tae fraternalmente ao passar por nós para mostrar ser um bom menino e ser o primeiro a me obedecer realmente.
Olhei feio para o Park, que deu uma risadinha. JungKook seguiu o mais baixo para fora também.
- Mas você sempre me carregou! – Tae apelou mais um pouquinho. Respire. Deus dai-me paciência.
- Te carregava quando você tinha sete anos, TaeHyung. – Falei, dando um peteleco em sua testa. – Se manca.
- Você carregou ele mês passado. – YoonGi se intrometeu, só pra acabar com a minha paz já inexistente pela birra de TaeHyung. Fiz meu melhor olhar de “vai se fuder” pra Suga, que sorriu de um jeitinho bem filho da puta antes de sair pela porta, seguido por Fei e Jia.
- Viu? Hyung! – O rosto de Tae se iluminou, e eu fiz uma expressão dolorida, suspirando.
- Não tenho costas pra te aguentar, Taehyung.
- Mas-
- Tae, deixa. – Hope, o único que havia sobrado ali, colocou a mão sobre o ombro do mais novo, logo soltando, como se não soubesse se podia tocar Tae assim. – O Mon já disse que não.
Aquilo me fez ter como uma ficha caindo de como eles estavam diferentes de antes. Havia desconforto ali, como se tivessem medo de dizer algo errado.
Entenda: Kim TaeHyung e Jung HoSeok nunca tiveram medo de falar a primeira merda que vinha à cabeça.
Sem contar que, se eles estivessem normais, HoSeok teria jogado Tae nas costas na primeira oportunidade e saído correndo pelo corredor cantando “WE’RE ARE YOOOUNG, WILD AND FREE! I KNOW WE’RE BETTER TOGETHER”.
Eles sempre tiveram tanta química que aquele clima pesado parecia quase forçado. Como se eles estivessem se esforçando para não se resolver entre si de uma vez.
- Viu que quem chora consegue? – Suga falou, assim que viu, depois de uns cinco minutos que me deram mais dor de cabeça que ônibus lotado em dia de chuva, eu descer as escadas com Kim TaeHyung brincando de coala em meu pescoço.
Hope nos acompanhava por trás, cuidando caso, sei lá, Tae desse um grito e eu o jogasse pra trás, vai saber. O importante é que ele manteve a mão nas costas do mais novo por todo o trajeto.
- Se você souber chorar como TaeHyung, sim. – Falei, fazendo uma careta ao chegar onde todos estavam. Eles haviam ocupado completamente uma das fileiras de cadeiras da sala de espera, isso que JiMin estava no colo de JungKook.
- Eu não chorei! – Tae revidou, fazendo um bico. Recuei um pouco a cabeça para longe de sua boca, amaldiçoando-o internamente pelo grito. – Eu só pedi com jeitinho.
Soltei uma risada soprada por seu jeito. Conseguia imagina-lo fazendo aquela expressão de criança inocente, mas não me dei o trabalho de contestar.
- Tá. Agora sai. – Falei, e sem mais aviso, soltei as cochas de Tae, que escorregou para o chão, chegando rápido ao mesmo, afinal, aquelas pernas eram compridas pra caralho, e ele tinha pouco menos que cinco centímetros a menos que eu.
- Hyung bruto. – Ele reclamou, mas apenas se dirigiu até o banco que Suga estava sentado, mirando-o com as mãos na cintura. – Suga hyung, eu quero sentar.
- Hm? Ah. Legal. – Suga apenas olhou para Tae sem interesse e voltou a mexer no celular. JiMin soltou uma risadinha baixa, acompanhado por Jia e Fei.
Tae respondeu mais, causando risadas de todos, mas minha mente nublou quando foquei, sem querer, a visão atrás das cadeiras em que eles estavam.
Senti minha audição vaga, assim como toda a percepção das coisas ao meu redor por um momento. Meu coração bateu mais forte, eu quase conseguia ouvi-lo. Me perguntei como eu conseguia ser, sem querer e odiando isso, tão clichê. Sempre critiquei aquela cenas de filmes, em que tudo se nubla e o que se vê é o foco do protagonista andando em câmera lenta, mas lá estava eu, fazendo exatamente a mesma coisa.
Meu torpor durou uns dois segundos, e quando eu pisquei uma vez para voltar a mim, ele já havia nos visto.
Se eu dissesse que sentia como se não o visse há meses, eu seria louco?
Sim, completamente retardado.
Que se foda.
Contornei as cadeiras, andando até Jin ao mesmo tempo em que ele ia até mim. Ambos tínhamos certa urgência no olhar e forma de agir, mas por motivos diferentes.
- NamJoon! – Ele disse, quando me abraçou forte. Não tínhamos bem um motivo para aquilo, ou tínhamos pensado bem em fazê-lo, mas quando estivemos próximos o bastante para tocarnos, havíamos nos envolvido no abraço imediatamente. – Ela está bem? O que aconteceu? Meu deus, por que você não me avisou?
As perguntas saíram sem o luxo de respiração entre si. Seu rosto estava corado, provavelmente tinha corrido da estação até ali.
Sorri pequeno, e selei seus cabelos, sem pensar muito sobre onde estávamos ou quem nos observava.
- Calma. – Falei, e olhei em seus olhos um pouco arregalados pela afobação. Ele parecia uma criança daquele jeito. – Ela está bem. Estão fazendo uns exames agora, ela vai ficar bem. – Jin pareceu soltar uma respiração que eu não sabia que estava prendendo. Ele até pareceu mais leve em meus braços. – E eu saí correndo assim que soube, não pensei em te avisar, desculpe.
Ele acenou com a cabeça, franzindo um pouco o cenho, como se pensasse em algo.
- Não se preocupe com isso. Você não tinha que me avisar mas...eu fiquei preocupado. – Seu rosto estava um pouco baixo. Conhecia aquela cara, era a que fazia quando estava se repreendendo internamente.
- Do que está falando, Jin? – Soltei uma risada baixa. Ele me olhou. – Claro que eu tinha que ter te avisado. A culpa foi minha, pode me bater mais tarde, mas mudando o assunto: como foi tudo lá?
Ele negou uma vez com a cabeça, como se pedisse para que eu deixasse para lá, e me mirou.
- Mais importante que isso: como você está? – Seus olhos fitaram os meus, como se esperasse que eu mentisse ou omitisse algo. Sorri fracamente. Ele estava sério de um jeito fofo. A luz alaranjada do sol se pondo atrás da cidade que entrava pelo saguão deixava seus cabelos cor de fogo. – Você correu feito um louco pra chegar aqui, não? Eu não devo ter saído muito depois de você, e só cheguei agora.
Seu olhar ficou mais manso, compreensivo, e ele levou a mão inconscientemente para meu rosto, como se quisesse se certificar de que eu estava mesmo bem.
Senti que as famosas e malditas borboletas não estavam nem mais no estômago; borboleteavam por todas as partes, aquecendo meu coração que palpitava forte contra o dele. Seu toque singelo, ali, num lugar onde todos podiam ver mas nunca entenderiam o real significado que o gesto carregava...aquilo não tinha preço.
- Eu não vim correndo. – Dei de ombros, virando um pouco o rosto, mas não o suficiente para fazer com que Jin tirasse seus dedos de minha face.
- Não finja que não se importa. – Jin me olhou, severo, e desceu a mão de meu rosto, cuja peguei antes que pudesse terminar seu trajeto até meu ombro, segurando-a. – Eu e você sabemos que se importa demais, então não faça teatrinho de adolescente rebelde. Não pra cima de mim, Kim NamJoon.
Sorri divertido, apertando sua mão e levando-a à boca. Selei sua palma, e Jin recuou um pouco a postura firme, olhando ao redor com as bochechas coradas.
- Calma. – Ri curto. Ele havia realmente falado sério. – Ok, você venceu. Eu corri mais que diabo fugindo da cruz. – Sorri para ele, meio sem graça, recebendo um aceno de cabeça seu e um leve bico nos lábios. Abaixei a cabeça levemente, tombando-a em seu ombro, e segredei: – Eu realmente me assustei.
Jin não falou nada, apenas apertou o abraço que havia se afrouxado, seus braços me prendendo num aconchego que eu não encontraria em nenhum outro lugar.
Apesar de querer ficar ali para sempre, eu sabia que não podia. Ergui a cabeça de seu ombro, analisando seu rosto num gesto rotineiro, e selei sua bochecha, quase em sua boca. Não precisávamos dar um show para as pessoas ali presentes. O abraço dele me dera a segurança que eu precisava, e nem se ele escrevesse um livro, diria mais do que aquele gesto havia dito. O mesmo podia ser dito sobre meu pequeno selar.
- Ora ora, se não é o cara hétero, Rap Monster. – Ouvi uma voz conhecida soar, e ergui o olhar, pela primeira vez desde que Jin chegara, prestando atenção em outra coisa além dele.
- Ora ora, se não é o cara que tem um dono, Jackson pega todos. – Alfinetei de volta para meu amigo, que entrara no hospital com o braço forte ao redor a cintura de um garoto um pouco mais alto que ele. Jin se soltou parcialmente do abraço, sorrindo com um aceno de cabeça para Jack. Minha mão esquerda ainda estava em sua cintura.
- Eu tenho um dono. – O chinês me respondeu. – Essa coisa gorda aqui. – Disse, indicando com o nariz o garoto que o acompanhava. Atrás deles, outro rapaz, mais ou menos da altura de Jack, olhava para mim e para Jin com um sorriso bonito. Não prestei muita atenção em si no momento, e ri do comentário de Jackson, afinal, ‘gordo’ não era exatamente a palavra que descrevia aquele garoto.
- Prazer, eu sou Kunpimook Bhuwakul. – O garoto disse, sorrindo. Seu sorriso era arteiro, como se ele estivesse pronto para te pregar uma peça a qualquer momento.
- É o quê? – Perguntei, franzindo o cenho.
- Baby, eu já disse: ninguém consegue falar esse nome. – Jack fez um bico, olhando para o menino como quem olha para uma criança teimosa. – Este é BamBam. – Concluiu meu amigo, olhando para nós.
- BamBam? – Jin se manifestou.
- Sim. – Jack acenou com a cabeça. – BamBam, Bambi, Baby. Mas num geral, BamBam.
- Por que BamBam? – Perguntou Seok para o garoto magro, tombando AC abeca, curioso. Realmente, aquele apelido não fazia muito sentido.
Antes que o Kumpi-não-sei-o-quê pudesse falar, Jackson respondeu por ele:
- Porque aparentemente nem os próprios tailandeses conseguem falar esses nomes estranhos que eles dão pros filhos, então todo mundo tem um apelido que usa mais que o próprio nome. – Ri, assim como BamBam, Jin e o garoto desconhecido, que tinha os cabelos cor de mel.
- EI JACK! – HoSeok gritou, atrás de nós. Ele havia conseguido uma cadeira para si, e agora JiMin e JungKook estavam de pé. – VAI FICAR SÓ AÍ OU VAI EXPLICAR POR QUE TÁ ME PERSEGUINDO?
O tom dele foi brincadeira, mas me perguntei se aquilo tinha a ver com a vinda de Jack até aquele lugar, cujo motivo eu desconhecia.
- EU VIM PELA NONNA! NÃO FIQUE TÃO METIDO! – Jack respondeu, com humor. Os dois gritando feito uns doentes no saguão de entrada de um hospital. Eu só consigo amigo sem noção.
- MENTIRA! VOCÊ VEIO POR MIM, QUE EU SEI. – JiMin berrou também, entrando na brincadeira de “vamos ignorar o anuncio gigante que diz ‘mantenha a voz baixa’ ali na parede!”.
- DROGA, ME DESCOBRIRAM! EU MORRO DE AMORES POR VOCÊ. CASA COMIGO, PARK JIMIN? – Jack fez uma pose exagerada, e eu vi com o canto do olho, Jin colocar a mão no rosto, como se não acreditasse na existência daquelas criaturas, e quisesse se esconder em algum lugar.
- AI. MEU. DEUS. JACKSON WANG ME PEDIU EM CASAMENTO! CHUPEM ESSA, GAROTINHAS. – JiMin fez teatro também, rindo alto, e tendo companhia nisso. JungKook não estava muito sorridente, e Tae também não. Não entendi os motivos do último.
- Gente, que tal vocês conversarem como gente normal? – O garoto cujo nome eu ainda não sabia cutucou Jackson, parecendo meio envergonhado, mas ao mesmo tempo firme. Seu rosto era parecido com o de alguém que eu conhecia, apensar de eu não ter conseguido fazer a ligação rapidamente. Suas feições eram delicadas, e o sorriso parecia estar sempre em sua expressão, como uma sombra pronta para se consolidar.
Jack riu alto, e foi até o grupo sem cerimônias. BamBam foi atrás dele, e eu e Jin os acompanhamos mais lentamente. Soltei a cintura de Seok, mas prendi sua mão na minha antes que pudéssemos nos distanciar mais.
Claro que me arrependi por fazer isso depois, na frente daquelas coisas irritantes, mas o toque de Jin era simplesmente bom demais, e tinha tudo o que eu precisava.
Claro, que quando cheguei no alcance de um metro das araras fofoqueiras que eu chamava de amigos, não tive nem tempo de respirar antes da zoação começar:
- “Eu não sou gay. Eu nunca vou ficar com o SeokJin.” – JiMin me “imitou”, afinando a voz, e mirando nossas mãos entrelaçadas com um sorriso que não cabia em seu rosto.
- Amigo, eu acho que você não precisa afinar a voz não. Meu ouvido não é supersônico. – Suga bateu amigavelmente no ombro do Park, pedindo que ele parasse. Todos riram, exceto eu, e Jin, claro, que estava com a cabeça quase enterrada no pescoço. – É assim que se faz: “eu não sou gay, ai meu deus como ele é lindo, eu não posso, oh!” – Imitou, fazendo gestos dramáticos e alterando o tom para um mais “feminino”.
Todos ali explodiram em gargalhadas. Nem mesmo JungKook conseguia segurar suas risadas enquanto olhava para nós dois.
- Eu nunca disse isso. – Resmunguei, aproximando discretamente Jin um pouco mais de mim, colando nossos corpos lateralmente, escondendo nossas mãos juntas entre os dois flancos. Posso ter pensado coisas parecidas, mas nunca disse em voz alta.
- Você não sabia? Eu leio mentes. – Suga disse, num tom divertido. Eu o olhei meio surpreso, mesmo sem demonstrá-lo. Parecia que ele lera minha mente naquele segundo também, mas obviamente era besteira.
Besteira, aliás, é a especialidade das crias da senhora Kim, se ainda não notaram.
- Que seja. – Resmunguei, apertando levemente a mão de Jin. – Quando vocês vão parar de encher o saco com isso?
- Ai que criança ingênua. – YoonGi olhou para mim com falsa pena. – Ele acha que vamos parar.
Todos riram, com a exceção de Tae, que por algum motivo mirava Jackson e BamBam com estranha crítica. Estranhei aquilo, mas ao ver quem estava ao lado do Kim de TPM, franzi o cenho ainda mais.
- Desde quando você está aqui? – Perguntei para Suzy. Ela parou de rir com os outros, olhando para mim, ainda meio divertida.
- Eu vim junto com o SeokJin ah. – Falou, sorrindo. – Mas claro que você não notou isso. – Sua fala causou mais risadas, e eu não desfiz minha expressão séria, tentado lembrar de tê-la visto quando fui até Jin. Não fazia ideia.
- Você pode explodir um ônibus do lado do Mon. Se ele estiver com o Jin hyung, ele não vai notar. – JiMin comentou, rindo.
- Explodir um ônibus? – Jia olhou para JiMin com divertido estranhamento.
- Foi só um exemplo. – JiMin deu de ombros.
- Mas se você colocar o Tae pra pedir atenção, aposto que consegue atrair os dois. – Suga comentou.
- Ei! – Tae reclamou, não demorando muito para voltar a mirar o casal de estrangeiros à sua frente. Ninguém havia notado além de mim, mas estava realmente me preocupando.
- Sim, mas isso seria porque o SeokJin hyung ia ir acudir ele, não por escolha do Mon hyung. – JungKook analisou, com voz suave, ignorando o protesto do Kim.
- Verdade. – JiMin falou, sorrindo pequeno para o namorado. – Mas vocês viram como a ajumma é popular? Devemos ser o maior grupo de visitantes da história do hospital.
- O mais barulhento também. – Comentei, olhando distraidamente todos os rostos reunidos, até parar no único que eu não sabia nomear. – Quem é você, a propósito?
O garoto pareceu demorar para entender que era com ele, e olhou algumas vezes ao redor antes de responder.
- Ah...eu sou TaeMin. Lee TaeMin. – Se curvou curtamente, num gesto abrangente para todos ali. – Eu sempre venho pra cá depois do treino, então resolvi acompanhar o Jackson hyung, que precisava vir.
- Sempre vem- – A provável pergunta de Jia não foi completa, e todos olhamos para as escadas, de onde viera o barulho alto que interrompera todas as conversas e ações no saguão.
- Senhora! Por favor mantenha a calma! – Ouvi vozes suplicarem, e no mesmo instante uma figura pequena e magra pousou no pé da escada, como se tivesse saltado dela uns quatro degraus antes do fim. Eu só conhecia duas pessoas que faziam isso de propósito. E uma delas estava bem ao meu lado, olhando para onde eu olhava de forma embasbacada.
Puta que pariu.
Sedativos, vocês poderiam funcionar melhor.
- QUE CALMA O CARALHO! – Ela berrou, se recompondo do pouso para sair correndo de novo. – E NÃO ME CHAME DE SENHORA! EU NÃO SOU MUITO MAIS VELHA QUE VOCÊ, INFELIZ!
Tenho quase certeza de que a pobre da recepcionista soube o nome da mulher que chegara no mesmo instante, porque olhava para ela da mesma horrorizada forma que olhara para Tae e YoonGi antes.
- Senhora! Nós não terminamos os seus exames ainda! – Outra voz pediu, e eu vi os dois enfermeiros, seguidos por MinHo, descerem a escada como pessoas normais, e por isso chegar ali alguns segundos depois de minha mãe.
- SENHORA? CÊ TÁ MESMO QUERENDO MORRER, NÉ? – Minha mãe respondeu aos berros. Ela ainda estava vestido aquela espécie de camisola que colocam nos internos, e realmente parecia uma doida fugindo do hospício. Respirei fundo. – VEJAM SE CONSEGUEM ACOMPANHAR A SENHORA ENTÃO, PASPALHOS!
E com isso, desatou a correr de novo. Não sei como fiz, mas consegui soltar a mão de Jin e correr na velocidade da luz até o corredor, interceptando o caminho de minha mãe instantaneamente.
- Ok senhora Kim, relaxe. – Falei, prendendo ela numa espécie de abraço que na realidade era para evitar que ela fugisse de mim também.
Ela vacilou um pouco – por um décimo de segundo, mais ou menos – ao ver quem eu era, mas então voltou a surtar.
- Que senhora o quê? Cê tá me estranhando? Ou tá querendo morrer também? Eles fizeram lavagem cerebral em você? – Reclamou. – Agora me solta, que eu to no meio de uma fuga desses enfermeiros pervertidos invasores da privacidade alheia.
- Eles só estavam fazendo exames, mãe. – Falei, observando enquanto MinHo e os dois enfermeiros se aproximavam de forma cautelosa. – E acho bom baixar esse fogo, porque eles tem que terminar.
A careta que ela fez a seguir foi idêntica à de Tae quando estava descontente com algo e estivesse com vontade de te dar um soco no meio da cara. Me certifiquei de segurar bem seus braços.
- Eu não preciso disso. Eu estou bem. – Teimou, tentando se soltar de mim.
- Não. Não está. – Rebati. – Mãe. Para. – Disse, quando ela tentou se soltar de novo.
- Nonna, por favor. – A voz doce de Jin soou, e eu, como minha mãe, olhei para o garoto que se aproximara de nós dois. – É pelo seu bem. Pode só deixar que eles terminem com isso? Vamos pra casa em seguida e pronto.
Não sei qual é o poder mágico que a voz de Jin tem, mas minha mãe pareceu relaxar um pouco, olhando-o como se analisasse a proposta.
- Jinnie? O que está fazendo aqui? – Perguntou, a voz morrendo um pouco ao ver toda a gangue que se aglomerara um pouco mais atrás do ruivo. Sua boca caiu um pouco, e ela logo franziu o cenho. – Mas o que é esse monte de gente? Minha avó tá aqui também? Vocês esconderam ela embaixo do tapete?
Jin riu baixinho de sua fala, parecendo relaxar ainda mais a coisa explosiva que eu chamo de mãe.
- Todos vieram porque estavam preocupados com você, nonna. – Jin falou, sorrindo gentil ao apoiar a mão em meu braço, que abraçava minha mãe pelos ombros.
- Mãe. – Chamei, e ela me olhou, desfazendo a expressão meio tocada que assumira com a fala de Jin. Era incrível como ele conseguia amansar todos os gênios ruins. Suga, Tae, JungKook, minha mãe...eu não era uma exceção a regra. – Você pode deixar eles terminarem os exames? – Perguntei ao ver MinHo e os dois assistentes pararem a uns dois metros de nós.
Ela me analisou por um momento, logo olhando para Jin, que tombou a cabeça com um pequeno bico, num apelo. Por fim, olhou para todos, que se aproximavam, ansiosos, e suspirou.
- Tá bem. – Resmungou, ranzinza, e Jin sorriu. – MAS VOCÊS NÃO VÃO ME DROGAR DE NOVO...ME SOLTA NAMJOON! – Ela havia tentado se virar para ameaçar na cara de MinHo, e foi impedida por meu aperto, o que explica por que ela me xingou tanto depois disso.
Soltei-a, mas só depois que ela prometeu ser uma boa garota e se comportar.
- Sen- SoHee ssi. – MinHo chamou. Logo olhando para o batalhão que havia se amontoado atrás de nós e se detendo ao fixar o olhar no amigo de Jackson. – Tae...
- QUE É? – TaeHyung resmungou, mal humorado, atraindo a atenção de todos.
- Oi hyung. – TaeMin ignorou a gafe de TaeHyung, sorrindo para o mais alto. – Consegui carona hoje.
MinHo acenou com a cabeça, sorrindo para TaeMin. Por um momento ele me pareceu uma pessoa diferente do médico meio desastrado e sem jeito que eu havia conhecido mais cedo. Pareceu confiante e completo. Lembrei de Hope dizer que MinHo era namorado de um amigo seu. Talvez acontecesse com todos os que encontrassem alguém? Encontravam sua metade e ficavam melhores?
Minha mãe subiu para fazer os exames que restavam. Jia e Tae choramingaram para acompanhá-la, e ela, cansada do mimimi em seu ouvido e sabendo que todos nós, com a exceção de mim, estávamos convidados a nos retirar do prédio por estar perturbando a paz do ambiente, prometeu que quem fosse para nossa casa mais tarde naquela noite, teria o convite para ficar lá até o dia seguinte e dormir depois da meia noite.
Depois de prometer doces e maratona de filmes, as crianças a deixaram ir. Assim que todos se foram, falando animadamente sobre uns dez assuntos diferentes, o hospital inteiro pareceu suspirar em alívio.
Eu também o fiz, e olhei preguiçosamente para Jin, que eu conseguira manter ali dentro por pedido de MinHo. Ele desviou o olhar da escada onde minha mãe e o médico alto haviam sumido há pouco, e me mirou com certa interrogação no olhar, como se me perguntasse o que eu queria.
Sorri pequeno, e, com as mãos nos bolsos, me dirigi às cadeiras do saguão. Sentei numa das mais atrás, ao lado do bebedouro e da janela que deixava que o resto da luz solar alaranjada daquele dia entrasse preguiçosamente no ambiente claro.
Jin me seguiu com calma serena, se sentando ao meu lado assim que o fiz.
- Quem te avisou que estávamos todos aqui? – Perguntei o que deveria ter me ocorrido antes, mas não havia considerado uma prioridade. Agora, ali, apenas esperando e sem mais a afobação do “não saber” o que estava acontecendo, me permiti tentar conversar mais relaxadamente.
- Tae. – Jin falou, simples. – Eu já tinha me assustado com o telefone tocando, imagina quando ele me contou aos berros que a nonna estava no hospital? – Me olhou com o cenho ligeiramente franzido, parecendo chateado de lembrar. Ri soprado.
- Você se assustou com o telefone? – Perguntei, divertido. Jin me mirou, inflando a bochecha direita.
- Eu tinha esquecido da existência dele e aí do além começa a tocar “turururulu” no meu bolso? – Ele fez um bico e moveu os dedos tortos como se eles estivessem se movendo ao vento. Ri de sua imitação do toque do toque de telefone. – Quero ver se você não ia se assustar também. – Cruzou os braços.
Ri de novo, mais solto, e dessa vez ele acabou me acompanhando depois de alguns segundos mantendo a careta emburrada.
- Vem cá. – Falei, batendo em minhas coxas. Jin olhou para minhas mãos, e então para o restante do saguão, onde haviam umas seis pessoas sentadas à nossa frente, alternadamente pelas cadeiras, e a recepcionista mais a frente.
Balançou a cabeça, negando.
- Não. – Falou, me fazendo relaxar os ombros de forma irritada e cansada. – Aqui não, agora não.
- Por quê? – Perguntei, mesmo que não achasse que ia convencê-lo.
- Por que você está de castigo. – Jin falou, simples, e, após alguns segundos ignorando minha expressão descrente, olhou para mim, travesso.
- Por quê?? – Seu sorriso era bonitinho, mas aquela não era a questão no momento.
- Porque sim. – Falou, e mostrou a língua, com os braços cruzados.
- Essa língua é pra mim, é? – Perguntei, entrando mais no clima de brincadeira. – Mostra ela de novo e eu te mostro o que faço com ela.
Jin me olhou, boquiaberto. Sua indignação era forçada, e eu via seu sorriso sendo forçado a não se mostrar, mas até eu me assustei com aquela.
- Pervertido! – Falou, se afastando o máximo no banco para longe de mim. Ri, ele ainda me olhava, encolhido do outro lado do banco. E então a criatura mostrou a língua de novo, sorrindo travesso.
- Não me provoque, princesa. – Falei, vendo-o torcer o nariz pelo apelido, mas não parecer arrependido de seu joguinho.
- Por que não? O que você vai fazer? – Perguntou, parecendo bastante confiante em sua base. – Não pode fazer nada aqui.
- E posso saber por que não? – Perguntei, me inclinando sobre o apoia braço de meu banco, me aproximando mais de Jin de novo.
- Porque eu vou gritar se fizer isso. – Explicou, num sorriso sapeca. Pow, se fudeu filho da puta. Ergui as sobrancelhas, achando graça, mas também estranhando. Jin não era de agir assim. Ou melhor, talvez fosse, porque apesar de assustar, seus momentos mais soltos não eram tão incomuns assim. Ao menos não comigo.
De qualquer forma, joguei esse pensamento para o fundo de minha cabeça por um momento.
- Fala sério. – Reclamei, e ele riu. Não tapou a boca ao fazê-lo, como seria normal. Apreciei a visão, por um momento esquecendo que deveria aparentar zanga.
- Estou falando sério. – Falou, sorrindo. – E você devia parar de me secar assim, NamJoon, é muito descarado.
Revirei os olhos.
- Deixa eu adivinhar. – Falei, preguiçosamente. Estava me questionando se devia ou não puxar ele até o banheiro do hospital, mas me mantive sentado. – JungKook disse isso antes de você.
Jin parou de rir um pouco, mesmo que seus olhos ainda brilhassem, divertidos.
- Como soube? – Perguntou, me olhando como se eu fosse estranho.
- Você gosta que eu te encare, então não faria sentido você falar algo assim. – Falei, dando de ombros. Jin franziu o cenho.
- Quem disse que eu gosto? – Sorri.
- Não precisa dizer. – Falei, amansando um pouco a voz. – Além do mais, você também fica me secando.
- Que criança convencida. – Jin reclamou, virando o rosto, mas não negou. Sorri de novo, queria abraçá-lo e apertá-lo até cansar, mas não daria certo com ele fazendo cu doce. Não demorou um minuto até ele virar a cabeça discretamente, provavelmente para ver o que eu estava fazendo, considerando minha falta de resposta.
Sorri de canto, de forma que eu sabia que iria atiçá-lo.
- Viu? Você não consegue ficar sem olhar pra mim. – Falei, e a boca de Jin caiu. Ri, e ele armou a careta incomodada, que estava carregada de diversão escondida.
Ele parecia estar mais relaxado do que quando chegara ali, e isso me fez sentir qualquer peso sair de minhas costas, ao menos naquele momento. Gostava de conversar assim com ele, sem vergonha de falar a merda que viesse à cabeça. Estávamos apenas aproveitando da companhia, e isso bastava, mesmo que só falássemos coisas sem importância.
- Eu só peguei esse costume quando notei que você me encarava sempre. – Jin falou, parecendo meio envergonhado. – Sério, a principio incomodava, mas depois...
- Depois o quê? – Perguntei, com um meio sorriso. Senti por ter sido “incômodo”, mas era de se esperar. Eu mesmo teria achado meio assustador de da noite para o dia alguém começasse a me comer com os olhos todos os dias, o tempo todo.
Jin corou, mas me olhou, parecendo decidido a teimar:
- Depois continuou sendo incômodo! Ai caramba NamJoon, qual a sua fissura com me deixar sem resposta? – Respondeu, logo baixando um pouco o rosto, parecendo realmente um pouco frustrado e chateado.
- Ainda é incômodo? – Perguntei, com voz calma. Sabia que não seria de utilidade nenhuma me alterar. Jin estava um pouco estranho, parecia mais sensível às provocações, apesar de ele mesmo estar entrando nelas. Apesar de tudo, ele parecia adorável, e eu apenas continuaria respondendo o que me viesse à cabeça até cansar de brincar. – Hm, que pena. Vou parar de te olhar então, hyung.
Com isso, me joguei contra o encosto do banco, mirando a frente, como se nunca tivéssemos nos falado. Alguns segundos silenciosos se passaram, e finalmente pude ver, com o canto do olho, Jin se movendo cautelosamente. Sabia que ele estava me analisando, e me segurei para não sorrir, ou mirá-lo.
Ele se moveu de novo, sentando corretamente no banco, ocasionando a aproximação de nossos corpos outra vez. Mantive meu olhar preguiçosamente fixo em lugar nenhum, e acabei por sentir, após alguns segundos, Jin cutucar meu flanco timidamente. Não ofereci reação, e Jin tentou chamar minha atenção de novo.
Vendo que eu não responderia ao seu estímulo, Jin suspirou pesadamente, e pouco depois, levantou do banco, ficando à minha frente e se ajoelhando ali, levando meu rosto em suas mãos até que eu o mirasse, olhando para baixo.
- Ok, você pode olhar pra mim. – Falou, e eu ergui uma sobrancelha. – ...Por favor? Não é ruim.
Sorri, sem mostrar os dentes, calmo. Sabia que não demoraria, mas ainda assim, Jin era tão bonito...
- Vem cá. – Falei, tirando minhas mãos de meu colo e segurando as suas, retirando-as de meu rosto e o puxando para cima. Dessa vez ele aceitou sentar em minhas pernas, com as suas juntas de lado em minhas coxas e ele torcendo um pouco o tronco para que pudesse me olhar. Ele demorou um pouco para me mirar, e eu esperei que o fizesse, não me importando em quem olhava torto para aquele gesto singelo. O olhar de Jin era suficiente. – Não tem como não olhar pra você Jin.
Ele arregalou um pouco os olhos, e os desviou. Sorri, queria beijá-lo, mas sabia que ele não aprovaria. Não ali.
- E dizem que você não é de falar essas coisas... – Ele comentou, olhando para qualquer lugar que não fosse meu rosto.
- Eu não sou. – Falei, achando graça, mesmo que tivesse me incomodado um pouco. Eu sabia, claro que sabia, que não estava em meu juízo perfeito, mas sinceramente? Estava pouco me fodendo.
Não falei mais nada, deixando que ele pensasse na conclusão daquilo sozinho. Quem sabe ele chegasse a uma, porque eu não sabia de nada. Estava mais perdido em minha própria cabeça que não sei o quê. É suposto que consigamos entender a nós mesmos, mas eu realmente não estava entendendo nada.
E novamente: estava pouco me fodendo.
Ficamos em silêncio por um tempo. Jin parecia se esforçar para organizar uma fala, e eu apenas esperava que ele o fizesse, com uma sombra de sorriso no rosto. Meus braços estavam ao redor de si de forma relaxada, mas firme, confortavelmente. Jin tinha as mãos em meus ombros, e os olhares que eram dirigidos aqui e ali a nós dois não eram levados em conta pela minha pessoa.
- Ahm. – Jin abriu a boca para falar pela décima vez, parecendo pensar melhor pela décima vez. Desviou o olhar para baixo, fazendo o começo de um bico inconsciente. Parecia meio apreensivo.
- Hm? – Perguntei, incentivando-o a falar. Minha cabeça estava meio que flutuando em pensamentos não muito concretos, e uma sensação de moleza vinha junto com o estado relaxado em que eu me encontrava. Mesmo assim, eu sempre teria ouvidos para Jin. E sabia disso.
- Nada. – Jin respondeu, prontamente, quase com pressa. Ri por isso, e ele me olhou, parecendo meio assustado e confuso. Sua expressão tinha esse ar assustado com frequência, o que era engraçado, mas bonitinho.
Você é tão gay, Kim NamJoon.
- Jin, você- – Fui interrompido pelo telefone de Jin, que tocou absurdamente alto. Ele deu um pulo em meu colo, se bagunçando todo ao tentar pegar o aparelho do bolso. Ri com gosto. – Seria uma boa abaixar o volume desse toque.
- Eu nem gosto desse toque. – Ele fez um bico, e levou o telefone à orelha, as mãos meio trêmulas enquanto atendia. – A-alô? N-não, a nonna ainda tá lá em cima. PARA DE RIR NAMJOON! – Exclamou, me dando um tapa superficial. – Quê? Não, eu não to ‘brincando de casado ao invés de cuidar da nonna’, ela simplesmente ainda não desceu. – Ri de novo, mais alto, ao imaginar que merda estariam falando do outro lado da linha. – Uhum. Tá, eu aviso qualquer coisa. Para NamJoon. – Acenou com a cabeça. Eu ainda ria, silenciosamente subindo e descendo o peito, com a mão no rosto. – O quê? Não sei onde...tá, tá, eu falo com ele. Tchau. Uhum, tchau.
Assim que desligou, olhou com cara de YoonGi pra meu ataque de risos aparentemente sem motivo. Eu realmente só estava rindo porque sim, e não conseguia parar. Era estranha a frequência que Jin me fazia rir sem mais nem menos, e eu apenas convivia com isso.
Jin esperou que eu parasse de rir e destapasse o rosto com os braços cruzados e olhar desfocado. Assim que baixei minha mão, posicionando-a novamente em cima de suas coxas, ele me olhou.
- Sobreviveu? Francamente, NamJoon, eu não sou palhaço pra você ficar rindo de mim assim. – Sua expressão chateada me deu vontade de rir mais, e eu segurei o impulso como quem segura um soluço.
O problema é: você já tentou segurar soluço?
- EI! Jin! Espera. – Segurei seu corpo com força quando ele tentou levantar após mais risadas minhas. Ele não me olhou, e eu afundei o rosto em seu braço, apertando-o mais firme, deixando claro que não o deixaria sair. – Desculpa tá? Eu não sei o que me dá, mas você me dá vontade de rir.
Jin me olhou como se dissesse “você não devia ter dito isso”, e tentou levantar de novo.
- Hyung! – Chamei, segurando-o de novo. Ele estalou a língua.
- Fala sério NamJoon, não vou ficar aqui pra você ficar rindo da minha cara.
- Não estou rindo da sua cara.
- Ah não? E tá rindo do que então? – Seu tom foi irônico, e eu mordi o interior da bochecha.
- Eu...eu sei lá. Eu só fico feliz assim, Jin. Eu rio porque estou feliz, e só isso. – Porque ao seu lado é impossível não ficar feliz. Sabia que Jin entenderia o que eu queria dizer, mais cedo ou mais tarde.
Olhei para ele, que tinha corado como um pimentão, e me olhava com a boca semiaberta.
Quem sabe mais cedo do que mais tarde.
Senti que o interior de minha bochecha sangrara pela mordida agora desferida ali, e me perguntei de onde viera aquilo. Nunca tinha pensado em por que Jin sempre me rendia risadas fáceis e incontroláveis.
Nós rimos quando estamos felizes. Eu estou feliz.
Você está feliz, hyung?
Jin me encarou, o rubor sumindo de suas bochechas aos poucos. E então ele riu.
Sua risada era engraçada, e ele sempre tapava a boca ao rir, como estava fazendo naquele momento, sentado em cima de minhas pernas. Observei-o sem reação por um momento, apenas focado em olhá-lo de forma embasbacada. Eu realmente estava me tornando um trouxa completo, não?
E então sorri, fracamente, sem interrompê-lo. Minha mão se moveu um pouco para evitar escorregar de sua cintura, e ele me mirou, parando de rir aos poucos. Ele não havia rido tanto ou na mesma intensidade que eu, mas seus olhos brilhavam.
- Você não faz o menor sentido, NamJoon. – Estranhei sua fala, mas era obrigado a concordar. Não, nada disso faz sentido, mas novamente: estou pouco me fodendo.
- Como assim? – Elevei a sobrancelha.
- Eu não sei! – Ele exclamou, rindo de novo, e eu acompanhei-o dessa vez.
- Mas o quê... Depois sou eu que não faço sentido. – Falei, divertido em observá-lo rir. Encaixei o queixo em seu ombro, abraçando-o de verdade, com ele de lado em meu colo.
- E não faz! – Jin riu de novo, e eu segurei uma risada, observando-o com certo estranhamento, mas achando graça. – Sua falta de sentido contagia, sei lá!
- Jin, respira, você tá muito vermelho. – Falei, e ao vê-lo tentar respirar fundo, suspirei também, quase inconscientemente. Jin se interrompeu no mesmo momento, voltando a rir. Soprei uma risada em seu pescoço, achando graça. – Vem cá.
Levantei, fazendo com que ele tivesse que fazê-lo também, e me dirigi para fora do hospital, sentindo o vento fresco da noite me golpear com leveza.
Inspirei e olhei para cima, para o céu escuro, sentindo Jin sair logo atrás de mim. Ele parou ao meu lado, olhando para cima também. A proximidade de seu corpo fazia minha pele aquecer, mas não me movi, apenas me mantive ali, observando o céu noturno de Seul em silêncio.
- É uma pena que não dê pra ver elas. – Jin disse, após alguns minutos de contemplação ao meu lado. Mirei as estrelas, como ele fazia, e avistei apenas alguns poucos pontos brilhantes se perdendo no céu negro alaranjado de Seul.
- É mesmo. – Falei, acenando com a cabeça, e então o mirei. Ele não copiou meu gesto, apenas se manteve olhando para cima. Tive apenas um curto instante de reflexão antes de voltar a falar: – Algum dia vamos a um lugar em que dê pra ver elas. – Não foi uma pergunta, e Jin tardou apenas alguns instantes antes de desviar, distraidamente, sua atenção do céu para me mirar.
Sorriu, fraco, me fazendo sentir um coiso estranho na área do peito.
- Perto do mar?
- Perto do mar. – Acenei com a cabeça. E ali havia mais uma promessa que levaria pelo resto da vida, ligada à uma que já havia feito. Porque eu prometeria qualquer coisa se fosse para vê-lo feliz e sereno como estava.
Porque eu faria qualquer coisa por SeokJin.
Por volta das nove da noite, eu, Jin e uma senhora Kim muito revoltada e eufórica pela falta de açúcar no sangue, descemos na estação de metrô perto da escola – e consequentemente perto de minha casa.
- Eu ainda não acredito que você me privou daquela cena. – Minha mãe reclamou, com os braços elevados, se espreguiçando molengamente na rua vazia em que caminhávamos, Jin alguns centímetros para trás de nós.
Revirei os olhos.
- Tinham três assentos. Por que a gente dividiria o mesmo?
- Pra me mostrar uma cena fofinha de casal fofinho no metrô, ué. – Minha mãe respondeu, ainda se fazendo de sentida. – E você não me engana, NamJoon. Eu sei que você queria carregar ele também.
Abri a boca para responder em toda a minha indignação para aquela pigmeia descarada, mas fui interrompido pela risadinha fraca de Jin. Olhei para ele, assim como minha mãe, que tinha a mão sobre a boca.
- Ela tem razão, sabe. – Falou. Seu sorriso estava escondido pela mão, mas era possível ver seu divertimento em toda a sua expressão.
- Até você, Jin? – Perguntei, ao passo que minha mãe soltou uma gargalhada vitoriosa. Ele deu de ombros.
- Não seria a primeira vez.
- Jin!
- HÁ! – A louca exclamou, assustando um cachorro da casa que passávamos na frente, fazendo-o latir adoidado. – EU SABIA. EU SABIA LÁLÁLÁ.
- Mãe, para de correr, você não come nada desde manhã. – Tentei, inutilmente, fazê-la parar de dar pulinhos pela rua, tomando à frente na caminhada e deixando eu e Jin uns cinco ou seis passos atrás de si. Olhei para Jin, que cortara os poucos centímetros que o faziam ficar mais atrás de mim na rua, e observava minha mãe com um sorriso meio preocupado, sem nada dizer. – Tinha que fazer isso? Ela não vai nos deixar em paz nunca mais, sabe disso.
Seus ombros foram encolhidos, e ele respondeu, sereno, sempre prestando atenção na festa de minha mãe à nossa frente.
- Acho que não dá pra parar com as fantasias da sua mãe. E qual o problema? É engraçado.
- Não dá pra parar, mas confirmar elas não é a ideia mais inteligente. – Falei, tranquilo, olhando-a com receio. Ela estava provocando outro cachorro,que latia feito louco do outro lado da cerca para ela. As vezes me pergunto se eu sou seu verdadeiro filho de sangue, e não TaeHyung.
Jin não respondeu, apenas encolheu os ombros de novo, rindo divertido. Eu realmente estava, naquele dia, com mais dificuldade que nunca para entender o que se passava por aquela cabeça complicada, mas me contentei em observar seu sorriso.
- Nonna! – Ele gritou, meio de repente. Pisquei, parando de apenas mirá-lo e olhando para minha mãe. – Tome cuidado, não ande no meio da rua!
- Não passa nem alma de carro por aqui, Jinnie. – Ela respondeu, ignorando-o em seu aviso. – E não me tratem como uma criança de cinco anos, vocês dois.
- Então pare de agir como uma. – Falei, cansado, apressando um pouco o passo para alcançá-la, e tirá-la do meio da rua nada movimentada. – As calçadas existem por uma razão. – Soltei seu braço, ignorando a careta que ela fez.
- Volte com seu namorado e me deixa viver, por favor.
- Ele não é- – Mas ela já estava lá na frente de novo, dessa vez, pelo menos, na calçada. – Aish, francamente.
- Relaxa. – A voz macia de Jin soou, e senti sua mão tocar meu braço, num gesto tranquilizante. – Foi um dia difícil pra ela.
- Pra nós também. – Falei, porém, concordando mentalmente com sua fala. – Aquela idiota realmente não se importa com nada alem do próprio nariz?
- Boatos que isso é uma característica sua. – Jin comentou, com um projeto de sorriso sapeca no canto da boca.
- Francamente, o que essas crianças andam falando de mim? – Franzi o cenho, e Jin me mirou.
- Ah, nada demais. – Seu sorrisinho poderia ser considerado irritante, mas eu realmente não conseguia me chatear com aquele ser vivo com tanta facilidade. – Só que você não se importa com ninguém, está sempre de mau humor e não gosta de gente muito perto de você. – Fez uma pausa curta, apenas sorrindo de canto novamente e olhando para a frente. – Eu fiquei me perguntando se estávamos falando da mesma pessoa, porque o NamJoon que eu conheço dá até seu conforto pra ajudar as pessoas, está sempre brincando e é um pervertido completo que não me larga.
Olhou para mim de novo. Não conseguia ler tudo o que havia em sua expressão no momento; graça, carinho, estranhamento, ironia e mais um monte de coisas que compunham seu sorriso travesso. Terminou, me dando uma vontade aleatória de abraçá-lo.
- Você tem um irmão gêmeo maligno ou simplesmente endoidou?
Pensei por um momento, não me deixando afetar por ele estar claramente achando aquilo tudo muito engraçado. Olhei para o alto, as mãos nos bolsos, e suspirei pesadamente.
- Quem sabe...talvez eu tenha endoidado mesmo. – Falei, logo mirando-o e lhe oferecendo um meio sorriso de “vamos fazer o quê”.
Jin sorriu de lábios colados, claramente se esforçando para não mostrar os dentes, fazendo seus olhos se apertarem em seu rosto. Havia uma faísca em seus olhos, aquela mesma que sempre aparecia em seu olhar quando nos beijávamos. Senti aquilo me passar uma onda inconsciente de calor.
- Ô as duas lesmas aí! – Ambos cortamos abruptamente o contato visual, olhando para JiMin, que se encontrava pendurado na janela da sala de minha casa, acenando sorridente. – Venham de uma vez!
- Você é realmente uma anta. – Jia falou, ao lado de JungKook, que segurava a cintura do Park, este que já teria se esborrachado para fora da janela se não pela segurança do outro. O Jeon revirou os olhos, claramente fazendo esforço, e a rosada se debruçou na janela, sorrindo grande. – Desculpa atrapalhar o momento, pombinhos! É que a nonna disse que só vai liberar o assalto à cozinha quando estiverem todos dentro de casa.
- Desde quando você se importa de atrapalhar momentos? – Perguntei, descasado, andando até o portão, com Jin me seguindo. Me perguntei se algum dia ia colocar na minha cabeça de uma vez que aguentar aquelas pestes fora escolha minha. Teoricamente.
- Oxi. Eu tô aqui te protegendo e você vem com essas filha da putagem? Tá bom então. – Ergueu os braços, se fazendo de ofendida, e se afastou da janela, gritando uma última coisa: – VOU FICAR TE ENCHENDO O SACO COM SEUS JUROS O RESTO DA NOITE, SEU GROSSO.
- COMO VOCÊ SABE QUE ELE É GROSSO? – O grito de Jackson, seguido por sua risada e uma bastante escandalosa que eu concluí ser a de BamBam, provavelmente foi ouvido em toda a vizinhança. O mesmo vale para o palavrão de Jia e as risadas dos restantes.
Ri também, subindo a escada, e Jin me deu um tapa.
- O que foi? – Perguntei, ainda sorrindo de canto, parando no meio da ação de abrir a porta, e mirando-o de cima. Ele apenas torceu a boca, descontente, ocasionando uma risada minha. – Relax, princess. – Disse, bagunçando seu cabelo ao repetir o que ele me dissera várias vezes.
- Tava demorando... – Me olhou com o nariz torcido na careta enquanto tentava arrumar os fios que eu deixara em total desordem. E vendo minha expressão interrogativa, se explicou: – Fazia tempo que você não me vinha com essa mania de me dar carinho como se eu fosse um cachorrinho ou algo assim.
Mirei-o por um momento, que ainda tinhas as mãos sobre a cabeça. Segurei uma risada soprada.
- Hey. – Chamei, fazendo-o me olhar carrancudo, parando de focar em seu penteado por um momento. Puxei sua cabeça, selando o canto de sua boca. – Eu não gosto muito de cachorros. Não faço esse tipo de coisa com eles.
- I-i-idiota. – Jin tinha os olhos arregalados quando me afastei, sorrindo pequeno de sua reação, que eu realmente nunca conseguia prever. – Você é realmente impossível... – Resmungou, olhando para o lado, cm um pequeno bico chateado.
- Você não viu nada. – Falei, divertido, abrindo a porta por completo finalmente. – Senhorita... – Me curvei, oferecendo a passagem para ele, que me olhou feio.
- Pare com isso. Eu sou um garoto, sabe. – Mas entrou, sendo seguido por mim, que fechei a porta atrás de mim com um sorriso pequeno nos lábios.
- É...você é um garoto. – Falei, passando por ele enquanto deixava mais um carinho bagunçador de cabelos em sua cabeça. Ignorei seu “yah!” com uma risadinha, e me virei para ele, ainda sorrindo. – Venha garoto, os outros vão assaltar minha geladeira, e precisam de nós pra isso.
Jin hesitou por um momento antes de sorrir, pegando a mão que ofereci a ele. Mão que foi solta pouco depois, antes de entrarmos no campo de visão dos seres vivos abundantes em fogo no cu que se encontravam até o teto da minha humilde residência.
Jin não demonstrou, como eu, mas sentimos quando tivemos que nos soltar. Porque ele era um garoto, e eu também, mas dentro de cada um, se desenvolvia um sentimento que não se importava com cor, gênero ou nacionalidade.
Porque era algo tão antigo e profundo de cada um, que as ridículas regras e padrões humanos não tinham vez nem voz para ir contra.
E talvez ir contra as regras não fosse tão ruim assim.
- VERDADE OU DESAFIO! – Me senti revirar os olhos e bufar sem paciência antes que Jia sequer conseguisse completar sua ideia genial sobre o que fazer agora que o filme que víamos havia acabado.
- Boa! – JiMin bateu palmas, rindo gostoso.
- Nossa, que brincadeira de criança da oitava série. – Jackson riu alto, com o braço sobre o ombro de BamBam.
- Nunca brinquei. – JungKook falou. – E não tenho vontade de brincar.
- Ah, deixa de ser chato, bofe. – Jia ria, abraçando Fei pelas costas. – Se o problema é tascarem uns beijinhos no JiMin, tranca ele no quarto e deixa a gente ser feliz.
Jeon a olhou com quase desprezo, e JiMin reclamou alto sobre estar sendo colocado de fora de algo que ele queria desde o início.
- Vocês estão realmente falando sério sobre querer brincar disso? – Perguntei . Estava sentado no sofá desde que o filme começara, e continuara ali, com Jin ao meu lado, até o presente momento. – Sua seca está tão forte assim, Jia?
A garota nem se deu o trabalho de me olhar, apenas me mandou o dedo do meio enquanto mirava os outros garotos ali.
- V e Hope vão querer brincar né? – Perguntou, chamando a atenção dos dois que estavam sentados em lados opostos do grande tapete no chão, cada um em seu próprio mundinho.
HoSeok apenas encolheu os ombros, ao passo que TaeHyung acenou com a cabeça enquanto dava de ombros em descaso. Aquela criança estava mais estranha que qualquer coisa, mas eu realmente não sabia se abordá-lo com um “o que você tem?” era a melhor forma de resolver aquilo.
- BamBam ah, já brincou disso? Existe verdade ou desafio de onde você veio? – Tae perguntou, com uma ponta de...desprezo? Na voz.
- Na verdade eu moro na Coréia desde os dez anos. – O garoto não pareceu notar o tom de Tae. Ou apenas ignorou, visto que tinha sido tratado assim por ele durante todo o dia, pelo que eu sabia. – Conheço a brincadeira, mas nunca brinquei.
- Não se deixe levar por esses safados, Bambi. – Jackson forçou um bico, apoiando a cabeça na do namorado. – Eles só querem se aproveitar de você nesse jogo do capeta.
- Se aproveitar mais do que você já fez? – O tailandês soltou uma risada aguda divertida, como se realmente achasse muito engraçado o Wang estar “protegendo-o” daquele jeito. – Acho bem difícil. E não coloque o capeta no meio dessa história, porque o Mark hyung já disse que você sempre gostou de brincar disso pra se aproveitar da situação e sair pegando todo mundo.
A gargalhada foi geral quando o garoto de sorriso infantil, mas ladino, terminou de falar. Jack se fez de indignado, abrindo a boca em descrença.
- Desde quando o YiEn e você falam sobre a minha vida pelas minhas costas?
- Desde que você deu meu número para o hyung e ele me liga todas as noites pra saber se você não me deixou sozinho de novo, KaYee. – BamBam respondeu com certa malícia. Me perguntei do que eles estavam falando. – De qualquer forma, não é uma boa brincadeira com tantos casais aqui, não?
- Ai quanta frescura. – Jia resmungou. – Ninguém vai sair transando por aí por uma brincadeira dessas. E outra: temos eu, FeiFei, Suga, Suzy ah, Mon e SeokJin que estão solteiros.
- Eles também estão solteiros. – YoonGi falou, apontando para Tae e Hope. Me surpreendi que ele estivesse prestando atenção naquela baboseira, e senti vontade de lhe dar um cala-boca por sempre falar as coisas sem pensar.
Tae fingiu não ligar para o que Suga dissera, mas vi a mudança em sua expressão chateada desde aquele momento no hospital. HoSeok apenas se moveu desconfortavelmente, e olhou para o Kim, receoso, sem receber um olhar de volta.
- Não sei não. Acho que o Mon hyung não ia gostar muito de vocês tratando o Jin hyung como alguém sem compromisso. Cabeças vão rolar. – JiMin falou, sorrindo travesso. Desviando a atenção de todos do clima pesado do ex casal. Segurei um “ainda bem que sabe” e apenas me mantive impassível. Minha mão descansava na coxa de Jin sem ser notada verdadeiramente por ninguém, e eu sequer tinha vontade de me mover.
- Eu não vou brincar disso, que qualquer forma. – Falei, dando de ombros levemente.
- Eu também não. – JungKook se pronunciou. JiMin olhou-o com um sorriso cúmplice quase imperceptível, e deixou um selo em seu queixo.
- Acho que realmente não é uma boa ideia. – O Park disse, encolhendo os ombros. – Mas brinquem vocês.
- Afe mano, se os beijos incomodam tanto vocês, vamos brincar sem ‘desafio’ então. –Jia não cansava de querer enfiar todo mundo naquela merda, e sua fala pareceu atiçar a atenção de alguns ali.
- Que tal “sem envolver pessoas comprometidas nos amassos”? – Jackson sugeriu. BamBam agora estava sentado em suas coxas.
- Pra que complicar tanto? Simplesmente deixa sem desafio. – Fei opinou, sentada em silencio até aquele momento, ao lado de uma Suzy meio envergonhada pela conversa que corria solta pela sala.
- Só ‘verdade’? É sem graça. – YoonGi se manifestou, com cara de peixe morto. – A ideia do Jack é boa. Deixa os namoradinhos pros namoradinhos e rola solto a pegação dos solteiros.
- Só fala isso porque tá com fogo no cu também né? – Alfinetou HoSeok. – Se pega com a Jia e apaguem o fogo os dois. Pronto.
- Eca. – Os dois falaram ao mesmo tempo, fazendo caretas um para o outro. Sabia que Jia provavelmente era uma das poucas pessoas que Suga nunca tentaria pegar. Além da garota ser mais lésbica que a maior lésbica do mundo, eles eram amigos desde não sei quando, e tinham uma relação amigável demais para passar disso.
- Deixa só verdade mesmo. – JiMin disse, apoiando a ideia de Jia.
- Mas qual a graça? Todo mundo aqui se conhece desde sempre. Sabemos até quantas vezes cada um transou aqui. – Jia falou de novo, parecendo mudar de ideia em dois tempos.
- Você sabe? Tá me stalkeando filha da puta? – YoonGi perguntou, elevando a sobrancelha para a rosada de forma desconfiada.
- Elementar, meu caro. – Ela ergueu as mãos, entrando na brincadeira. – É só contar três transas para cada dia, na média, e se sabe quantas vezes você abriu o piroco pros outros.
- Como se abre o piroco? – JiMin perguntou, rindo fino. BamBam e Jackson riam.
- Cê tá me chamando de puta? É isso mesmo? – YoonGi faliu, desafiadoramente, pra a Meng.
- Entenda como quiser, amor. – Jia mandou um beijo para o loiro, causando risadas de todos ali. Sorri pequeno, olhando para Jin, que ria baixinho, observando os outros com calma divertida.
- Enfim, a gente vai brincar ou não? – Jackson perguntou, interrompendo as provocações que rolavam soltas por aí. Jia e Suga, JiMin e Jia, JiMin e HoSeok, JungKook e Jia, Fei e Suga, BamBam e Jia, Jackson e JungKook, BamBam e JiMin, Tae e Suga; todos trocando farpas amigáveis sem parar.
- Olha quem quer dar uns beijo logo. – Jia caçoou. – Lembra que você está incluído na regra do “casal não participa” né?
- Vocês são ridículos. – Jackson revirou os olhos, mas logo riu junto dos outros.
- Gente, a vizinha me ligou e mandou eu calar a boca das minhas galinhas de estimação. – Minha mãe, que sumira mais cedo para tomar banho, disse, ao descer da escada. Parecia calma, mas ela nunca estava calma. Não verdadeiramente. – Façam o favor, que eu não quero a polícia na minha porta em plena madrugada.
- Desculpa nonna. – Foi coletivo. Agora quase todos seguravam com muito esforço risadas que sequer sabiam por que estavam querendo sair mais.
- Tá. Vamos ter que parar de gritar. E agora? – JiMin perguntou, sussurrando alto. Sua risada estava querendo sair também, mas ele foi o primeiro a se atrever falar depois que minha mãe sumiu cozinha adentro.
- Agora nada. A gente brinca ué. – Jia falou, olhando para o Park como se ele fosse retardado.
- E se brincarmos sem desafio? Não vamos gritar tanto, certeza. – HoSeok sugeriu.
A maioria acenou com a cabeça, concordando.
- Tudo isso pra no fim ficar sem desafio mesmo? – YoonGi reclamou. – Perdi o interesse, boa noite. – E se jogou no sofá em que estivera sentado, o que ficava ao lado do que eu estava com Jin, Jackson e BamBam.
Olhei para YoonGi, achando graça. Tinha o costume de apenas observar esse tipo de besteira de longe, jogando lenha aqui e ali quando tinha vontade. Com Jin ali ao meu lado, eu estava num estado de espírito onde as besteiras dos amiguinhos pervertidos idiotas não despertavam verdadeiramente meu interesse.
- Bom, vamos começar então? – JiMin perguntou, tomando a iniciativa de sair do sofá em que estava sentado (ao lado do Suga recém apagado).
- Pensando bem, não seria melhor assistirmos outro filme? – Fei falou, sentada ao lado do sofá. Suzy acenou com a cabeça, parecendo meio acuada pela ideia da brincadeira.
- Que porra de filme o quê. – Jia estalou a língua. – Depois a gente assiste alguma coisa. Agora vamos aproveitar o clima e brincar.
- Você tá parecendo uma menininha de treze anos desesperada pra perder o BV. – Tae comentou. Ele estava falando tão pouco que até me surpreendeu. Seus braços estavam cruzados, e ele já sentara ao lado de JiMin no centro da sala, para formar a roda.
- Faz tanto tempo que eu não beijo que meu BV já chegou pra ficar, meu filho. – Jia respondeu ao tonzinho mal educado de TaeHyung.
- Hã? Mas não faz nem um mês desde que você terminou com a Min. – Jackson franziu o cenho.
- Então ué! Eu to morrendo aqui. – A de cabelo tingido olhou para ele, tentando demonstrar seu desespero. Não me contive um revirar de olhos.
- Me diz como alguém feito você vai conseguir manter um namoro. – Comentei, me manifestando pela primeira vez desde o começo daquela merda.
- Olha quem fala. E eu quero namorar exatamente pra ter alguém pra beijar sempre. – Ela carregou na ironia do tom. – A propósito, estou contado juros, senhor.
- Vai pastar.
Jia gargalhou alto, ressoando em toda a sala, e se sentou no circulo imaginário que seria a roda da brincadeira. JungKook fez uma careta que passou despercebida por todos antes de se sentar ao lado de JiMin no chão. O casal ao meu lado se sentou pouco depois, seguidos por uma Fei contrariada e uma Suzy tímida. HoSeok hesitou, mas ocupou um lugar na roda também, bem em frente a JiMin.
- Vocês não vão jogar? – O Park perguntou, se dirigindo à mim e Jin.
Dei de ombros, sem a menor vontade de entrar naquela. Senti Jin me mirar, e o olhei. Ele desviou o olhar para mirar JiMin, com um sorriso singelo, e negou com a cabeça com calma. Agradeci à iniciativa, e me perguntei por quanto tempo aquela tolice continuaria.
- Fala sério, como vocês são chatos. Se quiserem, a gente adere a regra do casal a vocês. São mais casal que muito casal por aí mesmo... – Jia falou, em descaso fingido.
- Eu prefiro ficar olhando. – Jin sorriu, gentil.
- E eu não quero levantar. – Falei, preguiçosamente. Jia deu de ombros, sem nem nos olhar, se levantando para pegar o controle da TV.
- Você não quer é tirar essa mão boba da perna do hyung, isso sim. – Tae alfinetou. Mais uma vez me surpreendi com ele estar brincando. Não sabia de onde vinha seu mau humor, mas realmente estava me afligindo. A maioria ali riu, mas não movi minha mão. Jin pareceu um pouco envergonhado, mas nada fez tampouco.
- Deixa eles. – Jia falou,e me surpreendi que ela não estivesse tentando tornar minha vida um inferno como normalmente fazia. – Valendo? Vou girar.
Olhei para o objeto que ela fizera rotar no centro da roda. Sério? O controle remoto? Custava pegar uma sandália? Ou uma garrafa? Me perguntei se ameaçá-la quanto à quebra daquilo teria alguma utilidade. Concluí que não, então me privei de uma dor de cabeça, e me mantive quieto.
- JungKook. Verdade ou desafio? – HoSeok perguntou, sorrindo de lado para o mais novo ali.
- Ei, mas ele não era dos que não vale desafio? – JiMin perguntou.
- Não vale pegação. Desafio vale. – Jia sorriu, sacana.
- E tem algo além de pegação pra fazer nos desafios? – JiMin reclamou. Quando era com ele, ficava todo alegrinho, mas no boy ninguém pode tocar né?
Santa mãe, eu estou andando muito com esses viados.
- Fala sério, vocês não brincaram disso quando eram pirralhos? A gente não tinha coragem de se beijar. Claro que tem outros desafios. – Jia olhou para todos como se perguntasse qual era a demência daquelas pessoas.
- Eu nunca brinquei. – BamBam levantou a mãe, imitado por Suzy timidamente.
- Foda-se. – Jia resmungou.
- Ei. – Jackson interveio pela grosseria. A rosada não o olhou com mais caso que daria à um pedaço de sujeira na rua.
- O que importa – Jia continuou. – é que todo mundo vai fazer desafio sim, foda-se vocês, bando de frescos.
- Vem cá, sua TPM não era mais pro final do mês? – HoSeok perguntou, claramente mexendo a língua por dentro da boca, sem motivo. Talvez as manias de cobra de TaeHyung fossem contagiosas.
Jia o olhou feio.
- E daí?
- Sei lá. – O Jung deu de ombros. – Tá toda estressada aí.
- A paciência das pessoas costuma acabar em algum momento, Hope. – Sua expressão era impassível, mas via-se que ela estava fazendo caretas internamente. – Vamos começar essa merda logo. JungKook, escolhe.
- Verdade. – O moreno não hesitou em falar, ignorando os olhares em cima de si.
- Sem graça.
- Se não tem pegação não seria interessante pra você de qualquer jeito, não? – Jeon não olhou para a rosada ao responder em descaso. Ela pareceu inflar o peito para responder, mas se manteve apenas travada com cara de cacatua indignada. – Hyung, não vai perguntar?
- Ah, desculpa. – HoSeok interrompeu o que quer que estivesse dizendo (ou tentando dizer. Talvez até entender, vai saber) para TaeHyung com o olhar. O mais novo, do lado oposto da roda do que Jung estava, apenas apertou um bico chateado, e parou de olhar para o moreno. HoSeok se moveu, desconfortável, antes de olhar para JungKook de novo. – Hm...você é virgem?
- AH NÃO, SÉRIO? – Jackson soltou uma gargalhada do além, junto de quase todos na roda.
- Que criativo, Hope! – JiMin riu alto e fino, tombando o corpo para a frente. Vi TaeHyung sorrir de canto, mesmo que estivesse tentando esconder de Hope, eu podia ver sem problema algum.
- Dá um tempo. – HoSeok pareceu um pouco acanhado. – Só responde.
- Ele precisa responder? – Jia perguntou, com um quê de ironia divertida na voz. – Cara, ele é namorado do JiMin.
- O que você quer dizer com isso? – JiMin perguntou, e mesmo que fosse repreendendo-a, ele ria com vontade, fazendo seus olhos sumirem em seu rosto.
- Entenda como quiser. – Jia sorriu, maliciosa, sendo copiada pelo Park, o que os fez rir outra vez.
- Não. – JungKook respondeu, com calma invejável. Todos o miraram, e ele ergueu a sobrancelha. – Não sou virgem, ué. Agora continuem o jogo.
Ergui as duas sobrancelhas, e me perguntei se ele ficou impassível durante todo o tempo depois da pergunta original de HoSeok. Imaginei que não, mas ninguém estava prestando atenção mesmo.
Olhei para Jin, que estava um tiquinho corado, mas parecia se divertir com aquela futilidade das crianças.
Sorri inconscientemente, e, tentando ser discreto, coloquei o braço sobre o encosto do sofá, retirando finalmente minha mão de seu descanso na perna de Seok. Jin demorou apenas alguns segundos antes de se mover. Já estávamos com os corpos tão próximos quanto era possível de forma não ousada no sofá da sala cheia de amiguinhos pervertidos, então ele apenas tombou levemente a cabeça, apoiando-a em meu ombro.
Olhei-o com certa surpresa, e ele tardou apenas alguns segundos antes de elevar o rosto para me mirar, e sorrir pequeno.
- Você não precisa dar uma de menino tímido de filme antigo pra me abraçar, sabe disso. – Seu tom foi limpo, simples e carregado de um ar divertido e descontraído, assim como seu sorriso. Sorri de canto, e apenas escorreguei a mão do encosto para seu ombro. Ele baixou o rosto, voltando a mirar a roda, e eu suspirei baixinho.
Deuses, como eu sou clichê.
Como se já não soubesse disso.
Isso importa? Consegui abraçar ele, não foi?
- Ah, fala sério. Nunca vai cair em mim? – Jia reclamou, quando o controle deixou de girar pela milionésima vez, parando em BamBam e Fei.
- Verdade ou desafio? – Fei perguntou, claramente um pouco mais animada com a brincadeira do que antes.
- Desafio. – O garoto demorou um pouco a responder, e foi recebido com gritos animados dos outros, que já estavam completamente alterados pela brincadeira.
- Que menino ousado! – Jia gargalhou, sendo seguida de Jackson e HoSeok, que era um dos mais atiçados pelo ‘joguinho bobo’.
- Deixa ele ué. – Fei interveio. – Se ninguém mais tem corajem de pegar desafio, deixa o menino fazer.
- Mas é sem graça. – Jia reclamou, dando um quê de manha à voz. A amizade das duas era inseparável, e Jia sempre fazia esse tipo de coisa quando tentava convencer ou ao menos não levar bronca da chinesa.
Claro que depois de BamBam ter que ligar para a minha vizinha velha e rabugenta e perguntar se ela não acreditava em amor à primeira vista, ‘desfio’ virou a nova modinha da roda de amiguinhos da madrugada.
JiMin teve que plantar bananeira por três rodadas inteiras. O menino quase desmaiou depois, mas ainda rendeu muitas risadas aos retardados de Jia e Jackson, acompanhados de J Hope. Acho que se Jin não tivesse interferido, o garoto iria ter ficado de ponta cabeça pelo resto do jogo. E JiMin quase beijou Jin ao agradecê-lo por ter livrado-o daquela.
Jia teve que comer sabonete; Tae acordou YoonGi, e recebeu um chute na barriga, além de muitas maldições; HoSeok teve que cantar a abertura de Saylor Moon (que ele sabia até passinho provavelmente por sua convivência com TaeHyung); Jackson quase chorou para não ter que roubar os doces de minha mãe que estavam na cozinha, mas acabou por ir, despertando um capeta pior que o “YoonGi acordou, corre”: o “Senhora Kim foi abusada, saia desse planeta”.
Devo dizer que até Jin riu da cara de Jack depois de voltar do sermão gritado da baixinha que conseguira recuperar seus chocolates.
- Gente, isso tá muito light. – Jia disse a certa altura. Sua voz estava falha pelas risadas constantes, e ela ainda parecia incomodada com o sabor do sabonete, mas ainda assim, sugeriu (ou mandou): – Desafios tem que ser mais tresh de fazer.
- “Tresh” tipo o quê? – Perguntou JiMin com as mãos na cintura, esperando a rosada dar seu veredicto à resposta “desafio” que ele dera ao ser escolhido pelo controle beyblade.
Senti que ele não deveria ter perguntado, ou dado bola para ela. Depois de ter que tirar a camiseta e falar “estou com um puta tesão, vamos ver unicórnios roxos juntos?” para a primeira pessoa que atendesse no omegle , tenho certeza de que JiMin chegou à mesma conclusão que eu.
- Isso é uma afronta ao meu relacionamento! – O Park reclamou, depois de desligar a chamada como um desesperado e ter que aguentar as gargalhadas de si.
- Que afronta o quê. Ele tá rindo também, ué. – Jia disse, entre as gargalhadas, ao apontar par JungKook, que escondera o rosto na mão e tremia enquanto ria silenciosamente.
E seguiu-se assim até o controle apontar, pela primeira vez, Suzy. Ela já havia desafiado outros, mas nunca fora a vítima do jogo.
- Verdade. – A garota falou, claramente com medo de ter que assaltar um banco de sangue vestindo lantejoulas se pedisse ‘desafio’.
- Uh, temos uma inovadora aqui. – Jia caçoou, não por mal, apenas porque era Jia.
Fei sorriu, gesto que não foi percebido pela morena, mas sim pela rosada, que fez uma careta.
- Hm...sei lá. – BamBam soltou uma risadinha pequena. – Você gosta de alguém?
- E a originalidade morreu aqui. – HoSeok brincou.
- Deixa ele mano. – Jackson disse.
- Você me zoou naquela hora! – O Jung apontou para o mais baixo, e ambos riram.
- Enfim. – JiMin interrompeu, e olhou para Suzy. – Qual a resposta?
- Ah... – A menina parecia não esperar voltar a ser a atenção outra vez. Rira bastante como os outros durante o jogo, mas definitivamente fazia mais o tipo que ria no canto e não gostava de ser o foco das piadas. Ela olhou para Tae por uma fração de instante, e então correu o olhar para mim e Jin. Senti seu olhar em mim e nele, ao mesmo tempo, e então ela sorriu. – Não. Não mais.
Os outros olhavam para mim agora também. Franzi um pouco o cenho, espiando a expressão de Jin, que tinha um pingo de chateação em sua serenidade. Quase como se ele a encarasse com olhos de “sério isso, garota?”. Posso estar paranoico, porque ninguém mais pareceu notar isso.
- A propósito, vocês estão quietinhos aí mas estão aproveitando, hã? – Jackson perguntou, sorrindo malicioso e divertido.
- É. Só pelo conforto dos dois assim, já sabemos que eles não podem ficar na regra dos solteiros do jogo. – JiMin alfinetou.
Olhei-os com descaso depreciativo, sentindo a mão de Jin na minha, que sobrepunha seus ombros, dar uma apertada leve, percebida apenas por mim.
- Podem voltar por joguinho de vocês, por favor? – Resmunguei. Jin soltou uma risadinha, e os outros também. JungKook nos mirava com um meio sorriso claramente não muito bem vindo, já que o mais novo parecia se esforçar para desfazê-lo. Tae mostrara seu sorriso bonito pela primeira vez naquela noite. Até Jia parecia mais bem humorada.
- Sim, papai. – JiMin brincou, e, cada um no seu ritmo, todos voltaram a olhar para o centro da roda. Franzi o nariz, descontente, e Jin riu baixinho de novo.
- Opa! Finalmente o controle te quis, né, Jia? – HoSeok brincou. Por algum motivo, olhou para Tae ao dizê-lo (talvez apenas porque estavam trocando aquele olhares estranhos desde o hospital), que teve sua expressão relaxada trocada por uma mais amarga.
- Mas ela já tinha ido antes. – BamBam reclamou. Seu jeito era engraçado; tímido mas abusado, lerdo mas espertinho. Tinha certeza de que isso tinha alguma coisa a ver com seu envolvimento com Jackson.
- Não o suficiente. – Jia parecia satisfeita. – Eu quero desafio. Lembre que eu sou solteira.
- Ahm... – Fei pareceu pensar, olhando para a roda. A observação da rosada deixara claro o que ela queria, e a amiga parecia estar considerando suas possibilidades: fazer Jia beijar um garoto (o que ela definitivamente não gostaria), beijar a si (o que também não seria uma boa, visto que todos ali sabiam dos sentimentos reprimidos desde o inicio da adolescência de Jia. Estes que FeiFei não parecia poder corresponder), ou deixar a responsabilidade nas mãos da pobre Suzy, que parecia sequer notar o perigo que estava correndo. – Por que você tem que ser tão pervertida? O jogo não estava bom sem essas coisas? – Me surpreendi com o tom impaciente da chinesa, e não tinha certeza de que queria descobrir o que ela soltara em mandarim depois daquilo. Jackson riu, mas apenas ele.
- Aish. – A Meng reclamou, após encarar a amiga por um tempo. – Tudo bem, faça o que quiser. – E virou o rosto. Aposto que eu não fui o único a notar o clima meio pesado ali, e JiMin não tardou em interferir:
- Ok, vamos pular essa rodada, que tal? – O baixinho se esforçava para manter um sorriso verdadeiro no rosto, e logo os outros tentaram seguir seu exemplo. O Park girou o controle ao não receber resposta das duas amigas.
O pedaço de plástico girou, se movendo no chão, até parar, apontando para TaeHyung, e BamBam.
Veja bem, eu vira Tae mandar olhares nada amigáveis para o tailandês desde o início da noite, então poderia estar esperando uma bomba explodir naquele exato momento, mas Tae apenas sorriu para o outro, de forma que poderia ser muito bonita, se não fosse pelo quê psicopata ali.
Já falei que ele se parece muito com a minha mãe? Então.
- Verdade ou desafio?
- Ah... – O moreno pareceu pensar. – Verdade, vai.
Ok, eu poderia estar muito paranoico, mas vi o sorriso de Tae aumentar um tiquinho como se tivesse acabado de ter sua isca mordida pelo peixe que ele queria desde o início.
- O que vocês fazem todas as tardes? – Senti que aquela pergunta não era simples como aparentava ser (algo que não necessitaria de um jogo daquelas para se perguntar): os ‘vocês’ eram BamBam e Jackson? Mas Hope estava ali no meio também, não? Por um momento me perguntei o que fizera HoSeok se afastar tanto de nosso grupo. No início apenas pensei que era por seu problema com Tae, mas...ates disso ele já estava afastado, não? Lembrei de JiMin reclamando sobre ele não estar mais saindo com eles depois da escola. Eu não notara isso, mas agora fazia mais sentido.
Me vi ansioso por onde aquilo iria dar. Tae parecia decidido a conseguir algumas respostas, e eu as queria também, não tanto quanto ele, mas minha curiosidade poderia ser tão persistente quanto os motivos sentimentais do loiro que era mais meu irmão que qualquer irmão de sangue que eu poderia ter tido.
BamBam franziu o cenho, tombando um pouco a cabeça. Achei que ele não entendera nem metade da treta ou da importância daquela pergunta, mas apenas respondeu, um pouco confuso:
- Hã...depois da aula eu sempre vou pra empresa treinar. – O garoto pareceu se animar um pouco. – Jackie e Hope ssi sempre vão também.
Senti meu cenho se vincar, como a maioria ali. Fei estava tranquila, assim como Jia. Suzy estava meio perdida, mas o restante das pessoas ali parecia confuso. Todos olharam para Hobi, que por sua vez mirava TaeHyung com confusão analítica.
- Empresa? – JiMin foi o primeiro a se manifestar. – Do que vocês estão falando?
- Sobre o que é isso, Hobi? – Jia perguntou. Apesar de não parecer tão surpresa quanto os outros, estava claramente interessada.
- Você não contou para eles, Hope? – Jackson perguntou, parecendo adotar a indignação que alguns aderiam à sua expressão aos poucos.
HoSeok engoliu em seco, olhando para todos ali, e então para Tae, que o mirava não com a satisfação de tê-lo desmascarado (ou quase isso), mas sim com leve tristeza ressentida. Francamente, o que estava acontecendo?
- Eu... – HoSeok abaixou o rosto, sua voz falhando. Aquilo estava me irritando. Ele olhou de novo para Tae, que passou a língua pelos lábios, ainda encarando o mais velho com intensidade. – Faz mais ou menos um mês, eu recebi um convite para virar trainee...um olheiro da empresa me viu dançando na praça em alguma das vezes...
- O QUÊ? – JiMin deu um grito, assustando um pouco a todos. – VOCÊ VIROU TRAINEE E NÃO CONTOU, SEU BOSTA?
Hope pareceu se encolher mais ao olhar para o Park. JiMin não estava chateado, parecia animado até, mas o olhar pesado de Tae sobre o Jung parecia ser a única coisa importante no momento.
- Eu...é que não era certeza de que eu iria ficar na empresa. Temos o período de duas semanas para nos adaptar e decidir se vamos continuar, e na terceira semana, fazemos o teste para nos tornar um trainee mesmo. – Nunca havia visto a voz de HoSeok daquele jeito. Ela normalmente era energética mesmo quando ele estava sério, mas ali parecia fraca e acuada.
O Jung olhou para Tae de novo, que apertou um pouco os olhos, desviando-os do mais velho em seguida. Aquilo pareceu fazer o resto das bases de Hope desabarem, e ele baixou o olhar para as mãos, sem energia.
- O teste do Hobi ssi é na quarta feira. – BamBam se manifestou, não deixando o silencio reinar muito. Não sei se ele era fraco para sentir climas ou se apenas era um bom ator, mas o garoto parecia realmente não notar que sua animação não era muito coerente no momento. – Vocês vão assistir ele, não vão? – Olhou para todos com olhos brilhantes. Ele havia pronunciado “assistir” errado, mas ninguém havia dado bola para isso, e aos poucos todos acenaram com a cabeça, com uma exceção, é claro. – E você, V ssi? Tenho certeza de que seria ótimo se fosse. Hobi ssi não para de falar de você por um segundo. Tenho certeza de que será bom se você-
O garoto se interrompeu quando Tae o mirou. Seu olhar estava doído, mas ele se esforçou para sorrir, gentil, para o tailandês.
- Todos vocês já vão estar lá. – A franja loira de Tae estava caindo sobre seus olhos. Senti Jin se mover, sua aflição palpável. Parecia querer correr até o garoto naquele momento. Até para mim estava difícil aguentar aquele reflexo dolorido nos orbes do Kim. Me perguntei se ele realmente merecia estar passando por aquilo, por motivos tão bobos. – Tenho certeza de que não vou fazer diferença.
E com isso, Tae se levantou, saindo com leveza da sala, subindo até o segundo andar.
Todos se mantiveram mirando o lugar em que ele sumira, até JiMin baixar a cabeça, mirando Hope com uma ponta de raiva.
- O que você está esperando? Vai lá. – Eu sei que critico isso com frequência, mas as vezes esse modo prático de JiMin ver o mundo e seus problemas é o melhor: você magoou alguém? Apenas peça desculpas, não pode ser tão difícil.
Mas eu sentia que ele ir ali agora não ia ajudar em merda nenhuma, e Jin parecia concordar comigo:
- Não. – Seok se sentou direito, desencostando de meu peito. – Não. As últimas vezes que deixamos eles sozinhos para se resolver eles só conseguiram se magoar mais. – Apoiou as mãos nos joelhos, ficando de pé. Mirou Hope, sério, mas não julgador. Quando o mais novo se encolheu um pouco, Jin sorriu com gentileza. – Eu vou falar com ele, continuem a brincar. Vai ser melhor assim.
E com isso, ele soltou minha mão, bagunçando meus cabelos como eu sempre fazia com ele, e seguindo para a escada, da mesma forma que Tae havia feito mais cedo. Encarei-o fazendo, de forma quase inconsciente. Eu devia estar encarando muito, porque antes que Seok sumisse na escada, JiMin fez o favor de gritar:
- Hyung! O Mon tá encarando sua bunda! – Imediatamente olhei para o Park, que sorria pequeno, mas fazendo seus olhos sumirem em seu rosto.
- Se comportem. – Jin apenas disse, parecendo sorrir.
- Vocês não conseguem ser sérios uma vez na vida? – Perguntei, olhando com tédio para JiMin, que sorri com todos os dentes. Os outros pareciam querer rir também.
- Sérios, igual você? – O Park perguntou, divertido.
- Que fica secando a bunda dos outros em momentos sérios? – Jia completou.
Todos riram, até mesmo Suzy cobriu a boca para esconder suas risadas. Tudo bem, aquilo não era agradável (até porque eu podia estar olhando mesmo), mas ver como todos já haviam recuperado o bom humor me aliviou um pouco. Manter o clima pesado na sala não serviria para nada, e logo todos já estavam conversando de novo.
Todos concordaram quando foi sugerido o fim do jogo, e o controle deixou de ser o indicador da morte para voltar a ser um controle, que virou motivo de briga outra vez quando todos tentavam decidir o que assistir.
Olhei para Hope, que tinha os ombros e braços caídos, deixando suas mãos sem vontade sobre suas pernas cruzadas em lótus, e o olhar morto mirando a parede oposta. Suspirei baixinho, juntando um pouco de vontade e me levantando com outro suspiro.
Andei calmamente e sem ser notado até meu hyung, me abaixando um pouco e batendo de leve em seu ombro. Ele olhou para cima, e lhe ofereci um começo de sorriso compadecido.
- Vem, vamos tomar alguma coisa. – Disse, colocando a mão no bolso e me virando, indo em direção à cozinha. Hope demorou um segundo para me seguir, parecendo um pouco temeroso.
Entrei na cozinha, vendo minha mãe jogada na cadeira com os fones no último volume. Isso explicava por que ela não aparecera na sala com a gritaria. Me dirigi à geladeira, abrindo-a e pegando a garrafa de suco de laranja na porta. Servi um copo para mim, e outro para Hope, que entrou em seguida.
Ele fez uma careta quando lhe ofereci o copo, com o meu em minha boca.
- Quando quer dar conforto par as pessoas você oferece suco? – Seu tom não deixava parecer que ele estava realmente incomodado, no entanto. Parecia meio nas nuvens. Hope se apoiou ao meu lado no balcão da pia, suspirando.
- Hm? Você quer água então? – Perguntei, olhando-o de lado enquanto virava o conteúdo de meu copo garganta adentro. Sabia do que ele estava falando, mas eu que não ia ficar dando álcool pra ele por causa daquilo. Sequer tínhamos algo alcoólico em casa no momento (a não ser que minha mãe tivesse levado tudo para seu esconderijo secreto anti-Suga). Hope sorriu, negando,e eu refleti sua ação, pousando meu copo no mármore novamente. – O que vai fazer?
Sabia que não precisava me explicar. Apostava que tudo o que ele estava pensando no momento era naquilo, então mesmo que eu estivesse perguntando sobre o que comeria no dia seguinte, ele me responderia sobre Tae.
Ele mirou o outro lado da cozinha por um momento, como se não tivesse sequer me escutado, mas terminou por soltar um suspiro pesado.
- Eu realmente não sei. – Falou. – Estou tentando...eu tento chegar a alguma conclusão com Tae faz tempo, mas até ontem ele nem sequer estava falando comigo. – Outro suspiro. Cabeça baixa, olhos fechados. – A verdade é que é muito estranho não ter ele ao meu lado todas as manhãs, não ouvi-lo rir a cada segundo, eu...eu não sei se consigo simplesmente deixá-lo ir.
Não vou falar que aquele era o papo mais interessante para mim, nunca fora, mas eu sentia que aqueles dois precisavam de ajuda; no mínimo, de alguém para ouvi-los. Em especial Hope, que desde o inicio foi visto apenas como o vilão, e nunca teve vez nem voz, comigo e com qualquer outro dos garotos – com exceção, talvez, de YoonGi, mas YoonGi parecia uma porta no assunto “sentimentalismo”.
HoSeok respirou fundo, parecia se esforçar para não começar a choramingar pra cima de mim. Agradeci mentalmente por isso. Se ele começasse com “nhé-nhé-nhé”, ia ganhar um tapa na cara.
- Então não deixe. – Falei, olhando para cima, pensativo. Me perguntei como Jin estava se saindo lá em cima com Tae. Hope me mirou, mas não lhe devolvi o olhar. – Tae não quer isso, e você também não. A conclusão óbvia é que vocês tem que ficar juntos, não?
Olhei para ele, sorrindo de canto, meio sem graça, e logo ficando coma expressão lisa novamente. Hope me mirou por um momento, e então desviou o olhar, mirando chão como se não conseguisse olhar para outro lugar. Senti seus olhos desfocando, seu cérebro focado apenas em desesperadamente considerar minhas palavras.
- É mas... – Sua voz começou extremamente falha, de tão baixa. Ele limpou a garganta, discreto. – Não é tão fácil assim. – E me olhou, como se esperasse que eu lhe contradissesse e lhe desse a receita da felicidade em casal.
Infelizmente, eu não tinha isso. E (in?)felizmente, já se passara a época em que eu considerava esses problemas do coração besteira que se resolvia com um estalar de dedos.
Era pra ser fácil, mas...parecia tão difícil.
Mordi meu lábio levemente, pensativo, e soltei um pequeno suspiro, olhando para a mesa, onde minha mãe ainda ouvia música, completamente alheia ao mundo ao seu redor.
- Não. – Falei, por fim. – Mas ninguém disse que ia ser fácil. E existem momentos em que temos que fazer o que é certo, e não o que é fácil.
- Desde quando você é tão profundo? – Hope brincou. Sua expressão ainda estava abatida, mas ele deixou um começo de sorriso fraco surgir em seus lábios.
- Desde quando você é tão sério e inseguro? – Não liguei para sua fala, e me diverti ao olhá-lo e encontrar sua boca meio aberta, sem resposta. Sorri pequeno, travesso. – O HoSeok que eu conheço não ficaria se lamentando nos cantos. Ele iria lá em cima e abraçaria Tae com todas as forças que tem, sem se importar com qualquer que fosse o drama. – Hope ainda me mirava, com uma ponta de assombração no olhar. – Todos já cansaram desse clima entre vocês, tenho certeza de que todos sentem falta do casal mais animado que já conheci... – Mirei-o, que tinha nos olhos o começo de uma expressão nostálgica. – E sei que vocês também.
Hope tardou um pouco em sorris, mas o fez, com os olhos mais amenos, como se eu tivesse lhe tirado um pedaço do peso que carregava nos ombros.
- Você sempre tem razão, não é, filho da puta? – Sorriu pequeno, e eu peguei meu copo de novo, bebendo com um pequeno sorriso também.
- Na verdade não. Eu normalmente estou errado, na realidade. – Falei, pousando o copo vazio no balcão de novo. – Você vai beber isso? – Perguntei, apontando para o outro copo, intocado. Hope negou, e eu o peguei. – Mas claro que se for pra comparar com vocês, eu vou sempre estar um pouco à frente.
- Me lembre de não te elogiar nunca. – Ele resmungou, e eu soltei uma risadinha. Hope sorriu, sorriso este que morreu quase instantaneamente quando olhou para a porta da cozinha.
- Jin. – Chamei, e ele andou até, nós, desenhando um sorriso meio cansado, mas gentil, no rosto. – Como foi? – Perguntei, assim que ele chegou onde estávamos, ficando de frente para mim e pegando o copo de minha mão, tomando um gole e sorrindo com naturalidade. Devolvi-lhe o gesto, e ele se apoiou ao meu lado no balcão.
- Falei um pouco com ele. – Jin falou, com a voz sempre controlada. – Agora ele está dormindo lá em cima. – Se inclinou um pouco para poder ver Hope, que o mirava com preocupação. Mordeu a bochecha internamente, e arrumou a postura de novo, chegando perto de meu ouvido e sussurrando: – Cansou de tanto chorar. Tenho que falar com você depois.
Acenei com a cabeça. Sua voz fora um fio de som, que até mesmo eu não teria ouvido se não estivesse tão perto – e se meu cérebro tivesse tanto favoritismo por Jin e por tudo o que ele fazia. Sentia que se me concentrasse, conseguiria ouvir sua respiração na sala mais barulhenta.
Não olhei para Hope, apesar de sentir que ele me mirava. Elevei o olhar, mirando minha mãe na mesa da cozinha.
- Mãe. – Chamei. Nada. Ela continuava balançando a cabeça enquanto movia a boca, murmurando uma musica qualquer. – Mãe! MÃE! – De novo nada. Peguei o copo de Jin e dei um gole, ouvindo-o soltar uma risadinha. Com um suspiro, desencostei do balcão e de Jin, e segui até minha mãe. – Mãe! – Chamei, ao seu lado. Sendo ignorado de novo, bufei, e puxei um dos fones de sua orelha.
- Ai desgraça! O que você quer?! – A reclamação foi instantânea. Ela olhou para mim como se eu fosse uma barata gigante que havia pousado em sua cozinha.
- TaeHyung vai dormir com você hoje, ok? – Falei, vendo-a franzir o cenho.
- Claro que não. – Falou, como se fosse óbvio e eu fosse um retardado. – As garotas vão dormir comigo. Você e Jinnie vão dividir a cama com Tae.
- Eu acho que vou dormir no chão de novo. – Resmunguei, observando Jin arrumar Tae no centro da cama de casal que havia em meu quarto.
O garoto olhou para mim, como em aviso. Já havíamos discutido aquilo, e ele deixara bem claro que não me deixaria dormir no duro, mas porra, era melhor que dormir com TaeHyung.
- Não vai não. – Jin falou. Suspirei, cansado, e ele arrumou a postura, deixando de se recurvar sobre a cama, e me mirando. Andou até mim, que estava sentado na cadeira da escrivaninha. – Já falamos sobre isso, NamJoon. Tae precisa de companhia, e além do mais, na ultima vez que dormiu no chão, você ficou reclamando de dor nas costas.
- Melhor dor nas costas do que no corpo todo pelos chutes desse capeta. – Reclamei. Jin tinha as mãos na cintura, e suspirou, revirando os olhos. – E ele não vai dormir sozinho. Você vai estar lá também.
- Tem certeza disso? – Jin comentou, e seu sorriso me avisou prematuramente que aquilo não daria em nada bom. – Vai mesmo me deixar dormir sozinho com outro? Na sua cama?
Fiz uma careta. Jin claramente estava se divertindo, mas sua expressão se mantinha de acordo com o teatro.
- É o Tae. – Resmunguei.
- E daí? É um garoto bonito, solteiro e adorável. – Jin falou, dessa vez não mais conseguindo esconder sua vontade de rir da minha cara. – Vai mesmo permitir isso, Kim NamJoon?
Torci a boca, completamente descontente, mas acabei por entrar no joguinho, apenas para não sair com o único chato da história.
- Eu não tenho que permitir nada. Você faz o que quiser. – Comecei, e Jin sorriu em estranhamento. Sorri. – Mas não, não vou. Você é uma pestinha controladora, sabe disso, não é? – Perguntei, puxando sua mão para que ele sentasse em meu colo, com as duas pernas de um lado das minhas.
- Fazemos o que podemos. – Sorriu, nossos rostos estavam próximos, mas não o suficiente. – Eu vou tomar banho. – Disse, se levantando antes que eu pudesse matar a saudade.
Choraminguei quando ele se afastou, e ele riu baixinho, não parando seu caminho até o banheiro.
Assim que a porta se fechou, suspirei, olhando para minha cama, onde Tae resmungava algo baixinho em seus sonhos. Soltei outro suspiro, me perguntando sobre a conversa dele e de Jin mais cedo. Olhei para o banheiro e novo, e me levantei.
Andei até a cama, não olhando de novo para Tae antes de me deitar. Assim que o fiz, assinei meu cotrato de ursinho de pelúcia/saco de pancada oficial de Tae, que grudou e meu braço em questão de segundos.
Suspirei, sabendo que não sairia dali, apenas porque Jin pedira para que não o fizesse.
Estava cansado, não tinha sequer vontade de tomar banho também. Olhei para meu teto, vendo os adesivos fosforescentes brilhares fracamente pela presença da luz da rua e do corredor, onde ainda se ouvia a movimentação dos outros.
E sabendo que Jin logo sairia do banheiro e entraria naquela cama que mal suportava três adolescentes como nós, fechei os olhos.
Só dormi verdadeiramente quando ouvi a porta do banheiro se abrir. Uma risadinha de Jin, e então seu peso no colchão, do outro lado de Tae. Tateei minha mão por cima do mais novo, de forma mais grogue impossível, e senti Jin segurá-la em seguida.
Sorri, finalmente adormecendo o restinho de consciência que tinha.
Acordei, e ainda era noite. Olhei para o lado, sentindo uma – duas – ausência grande.
Me sentei, um pouco desorientado, e olhei para a porta, que estava aberta.
Coloquei os pés no chão em silêncio, andando até a entrada do quarto, e encontrando o corredor vazio. Desci as escadas, tentando não tropeçar em nada nem fazer muito barulho. Andei até a cozinha, passando pela sala, onde os garotos dormiam, no chão e nos sofás.
Assim que entrei no cômodo em que queria chegar, vi a luz fraca da lua e do posta da rua iluminarem a abertura da janela. Ali, olhando para fora desta, estava Jin, olhando para cima.
Andei para ele, que apenas me notou quando me posicionei atrás de si, abraçando-o pelas costas.
- O que está fazendo? – Perguntei, sentindo um estranho nervosismo junto do bom sentimento que vinha quando o abraçava. Apoiei meu queixo m seu ombro, e Jin segurou minhas mãos em sua barriga.
- Não estava conseguindo dormir. – Falou, num sopro de voz. – E quando Tae saiu da cama, eu acabei saindo também.
- Onde ele está? – Perguntei, após acenar com a cabeça.
- Ele foi ao banheiro aqui em baixo. – Falou, olhando para fora da janela de novo. – Mas não voltou até agora. Achei ter ouvido a voz de HoSeok ah, mas não tenho certeza.
Ele suspirou, parecendo cansado.
Olhei para onde ele olhava. A luz laranja do poste destruía qualquer resto de possibilidade de se ver o céu noturno em sua aparência original. Suspirei.
- Bom, sem você lá eu não consigo dormir também . – Falei. Jin me olhou, um pouco surpreso. Engraçado, para mim aquilo era uma verdade tão intocável que esquecia que o garoto não tinha nem um terço de noção do efeito que tinha sobre mim. – Quer ver uma coisa legal? – Perguntei, sorrindo pequeno.
Jin se moveu um pouco, e eu retirei minha cabeça de seu ombro, olhando-o quando ele se virou para me olhar de frente.
- Seu esconderijo alto da sua casa? – Perguntou, com uma ponta de sapecagem no sorriso.
- Sim e não. – Falei, encolhendo os ombros. – O alto é no teto, mas o verdadeiro esconderijo é no chão mesmo.
- Uh, no chão. – Jin fez um pequeno bico, fingindo surpresa. – Que raridade. – Retribuí ao seu sorriso.
- Não debocha. – Falei, dando um peteleco leve em sua testa. – Vem. – Chamei, subindo no balcão à nossa frente e em seguida na janela enquanto ele reclamava.
- Por que está subindo aí, seu maluco?
- Vem logo. – Falei, sentado na janela, já com as pernas para fora desta. Ele torceu o nariz numa careta, mas aceitou minha mão para subir ali.
- Por que não usamos a porta como pessoas normais? – Ri baixinho de sua reclamação mal humorada enquanto pegava em sua cintura para ajudá-lo a descer no jardim da frente, como eu havia feito antes.
- Qual seria a graça da vida sem um pouquinho de anormalidade?
Jin revirou os olhos, mas riu baixinho. Sorri, observando-o, e me sentei ali mesmo, apoiado na parede da casa. Entre nós e a escada da frente havia apenar um arbusto grande, o mesmo que nos deixava completamente invisíveis quando nos sentávamos como eu estava sentado.
Seok apenas me mirou, sem me imitar, até que eu batesse a mão na grama ao meu lado, convidando-o.
- Deixa eu adivinhar. – Falou, se sentando. – Esse era seu cantinho pra fugir dos meninos nas brincadeiras.
- Também. – Dei de ombros, sorrindo de canto. – E pra fugir dos castigos da minha mãe também.
- Você é impossível. – Jin negou com a cabeça, rindo baixinho. – Mas o quê? É só isso? Isso não é do seu feitio, NamJoon. Você nunca escolhe um lugar porque sim.
- Na verdade. – Falei, sorrindo internamente. Nunca tinha pensado concretamente naquilo, mas Jin tinha razão, e me alegrava que ele tivesse se dado o trabalho de notar. – Esse aqui foi só porque era um ponto cego mesmo. – Falei, causando outra risadinha dele. – Mas... – Ele me olhou. Seus olhos escuros brilhavam em laranja refletido do poste. – Olhe.
Apontei para a grama do pequeno jardim. Onde os galhos da planta grande e bonita – que dava flores vermelhas durante toda a primavera e o verão – tinhas sua sombra fortemente marcada pela luz de contraste do poste atrás de si.
- Nunca gostei desse poste. Porque ele não me deixava ver as estrelas. – Falei, ainda apontando para as imagens bonitas que se formavam na grama. – Mas acho que esse é só mais um dos exemplos de que nem tudo é inteiramente ruim, ou inteiramente bom.
Senti Jin me mirar, e lhe devolvi o olhar.
Nunca mostrara aquilo para ninguém, até porque com certeza não entenderiam o que eu via em um amontoado de sombras num jardim minúsculo.
Mas Jin sorriu, e seus olhos ficaram ainda mais brandos em sua gentileza refletida. Ele olhou para as sombras, e eu me mantive olhando-o.
- E tudo está ali por algum motivo. Até mesmo eu e você. – Completou meu pensamento, movendo a mão sobre a grama, a sombra desta ficando fortemente marcada ali também. Observei-o, sentindo meu nível de trouxisse aumentar uns dez pontos.
Por mil SoHee’s, esse garoto.
Olhei para a grama novamente, para onde ele olhava, e naquele momento uma brisa daquelas de verão, fortes e rápidas, passou assobiando entre os galhos das árvores, movendo os mesmos, e consequentemente suas sombras, causando um rebuliço emaranhado nas sombras sobre o gramado.
O vento nos atingiu também, e observei os cabelos de Jin dançando sobre sua testa. Ele se mantinha olhando para as sombras, e soltou uma risada, baixa, mas gostosa, enquanto observava os galhos dirigirem sua própria onda de movimentos, ali, no meio e Seul, sob a luz alaranjada de um poste de rua.
Tive minha atenção desviada de seu rosto sorridente ao ouvir o clique da porta sendo aberta. Olhei para lá, vendo TaeHyung sair por ali, fechar a porta e se sentar no degrau da porta. Era difícil ver bem por entre os galhos da planta, mas foi possível ver ele colocar algo entre os lábios.
Franzi o cenho ao ouvir um barulho familiar, e então ver a chama do isqueiro se acender.
A essa altura, Jin também estava olhando para lá, e segurou meu braço quando eu, impulsivamente, tentei levantar para tirar aquela merda da boca de Tae.
- Calma. – Falou, ao lado de meu ouvido. – Olhe. – Apontou com o queixo para a porta, que se abriu, não causando susto aparente no garoto que já estava ali fora.
- Desde quando você fuma? – HoSeok perguntou com estranha calma. Mirou a rua vazia, assim como o garoto ao seu lado.
- Desde nunca. – Tae respondeu, junto de uma tossida. – Peguei da Jia. Isso é horrível.
Hope soprou uma risadinha pequena, e, se abaixando, pegou o cigarro da mão de Tae, se sentando ao seu lado.
Apagou a chama do tubo esfregando-a no concreto da escada, e guardou-o apagado no bolso.
- Por que está aqui? – Demorou para que Tae falasse novamente. Ambos estavam olhando para a rua à frente, sem se mirar.
- Porque eu estava preocupado com você, não é óbvio?
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