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História Detroit: Origens - Entrevista de emprego


Escrita por: AlphaVox

Notas do Autor


E finalmente a história começa! Espero que gostem desse capítulo!

Capítulo 2 - Entrevista de emprego


Centro de Detenção de Detroit, 23 de junho de 2026, 20:37

Antes dos policiais entrarem com tudo na sua cela, Sam Wright estava relativamente feliz. Conseguir hackear todas as câmeras e portas do departamento da sua cela tinha sido suficientemente complicado, mas nada demais comparado aos sistemas que já tinha entrado. “Tolos”, ele pensou, em deixá-lo em um simples centro de detenção da cidade enquanto esperavam sua transferência ao centro de prisão federal: os policiais nem tinham lido direito sua ficha para saberem com quem estavam lidando. Sam achava que o fato de ele ter quase escapado deve ter dado uma acordada naqueles caras com cérebro de minhoca.

Uma pena que tinha sido pego no finalzinho. Eram aqueles momentos que apenas um bom policial fazia toda a diferença.

Mas ele escaparia. Como fizera em todas as últimas sete prisões onde ficara.

- Você foi pego – Sam ouviu uma voz grossa atrás dele.

O brutamontes, seu companheiro de cela, estava sentado com os cotovelos apoiados nos dois joelhos, na cama de cima do beliche que ocupava a parede oposta do ambiente. Seu cabelo ruivo ia até os ombros, oleosos e sujos por meses sem banho. As roupas laranjas de prisioneiro estavam rasgadas, e as correntes nos pulsos e nos pés indicavam que era altamente perigoso.

E Sam nem fazia questão de perguntar seu nome. Uma das primeiras lições que aprendera no mundo do crime é que ninguém ligava para seu nome, ou sua idade, se fizesse um trabalho bem feito.

Não era uma cela totalmente desagradável: eles tinham colchão, uma pia (suja, mas era uma pia) e uma privada (o que poupava os dois de ter que mijar naquele penico nojento e cheio de besouros). Porém, no verão, o lugar ficava tão quente e abafado que era difícil de suportar, então Sam tinha ficado com a testa encostada nas barras deliciosamente frias da cela. Ao ouvir o comentário óbvio do seu companheiro (apesar de Sam ter passado somente uma semana naquela prisão), Sam deu de ombros:

- Pois é.

- Não parece se importar por ter sido pego.

Já estivera em situações piores, e o que tinha acabado de fazer tinha lhe rendido umas boas risadas.

- Vou escapar de novo, na próxima.

- Sabe – disse o outro, deitando as costas no colchão do beliche. As correntes que seguravam a plataforma metálica na parede gemeram com o peso do brutamontes, que ergueu os pés contra o teto cinza do cômodo com um olhar entediado – muitos dos idiotas daqui se matariam para ter a chance que você teve hoje. Rumores dizem que chegou bem perto. Mas foi capturado pela famosa dupla Fowler e Anderson.

Tecnicamente, era verdade. Mas Sam queria ouvir outra coisa.

- Exatamente – ele disse – como você bem falou, não passam de idiotas. E outra – ele acrescentou – porque ninguém está falando da melhor parte do momento? Vocês devem ter ouvido o estrago.

- Ah, todo mundo agora admira você – o ruivo riu, uma gargalhada tão áspera e rouca que Sam se perguntou por quanto tempo não era usada – hackear o departamento baseado no software da própria câmera de cela foi incrível. E o sistema de som... também, se quer saber minha opinião. Todo mundo ouviu quando você colocou “All Star” para tocar na prisão em último volume.

Agora sim. Era isso que ele queria ouvir.

- Se não for para sair com uma boa despedida, então eu nem começo.

O brutamontes riu de novo.

- Gosto do seu espírito, garoto. Te desejo sorte na próxima prisão.

- Valeu.

Aquela tinha sido a primeira conversa relativamente sã que tinha ouvido em meses (se é que pudesse chamar aquela vida de sã, mas quando se tinha uma vida como a dele, seus padrões de companhia se abaixavam muito), e Sam decidiu guardá-la na memória um pouco mais, aproveitar enquanto não se trancava de novo em um quarto escuro cheio de computadores e hackeava as inúmeras contas de banco. A soma de dólares resultante de suas operações era tão imensa que praticamente todos os grupos criminais da caótica cidade de Detroit imploravam para tê-lo por perto, para um ou dois favores.

E só porque lidava melhor com máquinas, isso não significava que gostasse de ter uma boa conversa de vez em quando. Sam se considerava o lado inteligente da organização criminal: não aquelas baratas tontas de guarda-costas que não faziam nada a não ser seguir ordens, bater e exibir músculos, que no final, não levavam a nada mais do que uma bela apresentação de circo. Não, Sam era bem melhor do que isso.

Ele se surpreendeu quando um bando de três policiais abriu a porta da cela com o cartão-chave, o algemaram, e o pegaram pelos braços e o jogaram no corredor.

Sua transferência estava marcada para dali a três horas. Porque já estava indo?

- Ei – ele protestou contra os seis braços musculosos que o pegaram com força pelos antebraços, rasgando o macacão laranja berrante que usava – estava gostando daqui. Já estamos indo embora?

- Calado, garoto idiota – respondeu um deles. Sam já estava acostumado a ser chamado de garoto. Apesar de ter vinte e um anos, sua aparência indicava uns dezessete ou dezoito: ele era magrelo, estatura média, o rosto com o queixo fino e as bochechas quase inexistentes, somando com a falta de comida. Seus olhos eram verde acastanhados, com um cabelo preto rebelde que apontava para todos os lados, lhe dando um olhar infantil.

Um grupo até o tinha apelidado de “Ninho de Rato”.

Quando os policias não deram sinal que iam ligar para suas palavras mais do que ligavam para uma lata de lixo, Sam ficou quieto e deixou os três arrastarem seus pés pelo corredor iluminado pelas luzes neon embutidas no teto. Ali estava bem gelado comparado ao lado de dentro da cela, graças a brisa fria que vinha do enorme ar-condicionado no fim do corredor, rosnando baixinho com um tom tão baixo que fazia a pele de Sam vibrar. Ele aproveitou para respirar de alívio sem tanto sufoco. Os policiais o apertaram com mais força.

- Ei, podem me soltar – Sam falou – não vou a lugar algum.

Era mentira. Só de analisar a posição das câmeras, a tubulação do ar condicionado e o sistema de celas, Sam já tinha arquitetado em poucos segundos três planos de escape, cada um envolvendo versões A, B e C caso algo desse errado.

E uma coleção de memes fresquinha para fazer uma saída triunfal e deixar os policias com cara de besta.

Os policias não o soltaram, mas aliviaram a pressão. Bom, pelo menos era alguma coisa. Sam imaginou se conseguiria puxar uma briga e ganhar: talvez com dois deles, mas lutar contra três policiais de uma vez seria suicídio. Era bom de briga, mas não o suficiente.

Mas enquanto Sam se contemplava com as possibilidades, ocupando o seu cérebro inquieto, ele foi arrastado na direção de um corredor secundário bem mais apertado. Ali não era a transferência.

Ali era a sala de visitas. 

Aquilo o surpreendeu. E não uma surpresa boa. Um calafrio percorreu sua espinha, atravessando cada nervo e cada poro de sua pele: por meio segundo, suas pernas até tremeram um pouco e ele hesitou antes de falar. Pela primeira vez, ele controlou a língua afiada e deixou a voz morrer na própria garganta seca.

- O que...?

Antes mesmo de terminar a frase, o policial da direita tirou do bolso novamente o cartão-chave branco e passou pela porta espelhada com o aviso vermelho que indicava a sala de visitas.

Era uma sala pequena, úmida, e escura, tudo combinando com o resto do prédio com exceção da temperatura (Sam tinha que admitir, um frescor naquele verão o agradava. O estado de Michigan nunca tinha sido tão quente). A parede da direita estava toda ocupada por um espelho que refletia a mesa de centro metálica, as quatro cadeiras dispostas nas quatro bordas, e as manchas da outra parede úmida. Era um típico lugar de filme, todo velho e desgastado, nada parecido com a maravilhosa tecnologia que Detroit tinha desenvolvido ao longo dos anos: parecia uma verdadeira máquina no tempo. E Sam duvidava que alguém gostaria de ser faxineiro em uma prisão: ele só achava que um cemitério seria pior.

Então foi a primeira vez em meses que a boca de Sam caiu de surpresa. Sem ser por causa de um bom prato de comida.

Elijah Kamski estava sentado do outro lado da mesa.

O criador dos androides, chefe da CyberLife, rico, milionário, e mais uma quantia de outros adjetivos e títulos que Sam não conseguia lembrar na hora, estava sentado em uma mini prisão de Detroit.

Encarando Sam como se ele fosse um peixinho no meio dos tubarões.

A voz voltou a Sam. E a língua afiada que não foi capaz de conter.

- Que... merda... é essa?

Um silêncio sepulcral encheu a sala. Na verdade, foi um silêncio constrangedor, mas Sam estava surpreso demais para ligar para a própria boca.

Um estalo de língua veio de uma mulher alta que estava de pé atrás de Kamski, tão imóvel que mesmo os olhos treinados de Sam não a tinham percebido à primeira vista. Tinha os cabelos pretos como breu amarrados em um coque apertado com várias tranças, e por cima, um turbante de seda colorido (algo como aquilo deveria ter custado uma fortuna!). O vestido, também de seda, caía em cascatas pelo chão em um espetáculo de cores vibrantes que não condiziam com a seriedade de seu rosto.

- Ele tem ousadia, não? – diz ela, com um olhar reprovador. Os olhos castanhos amendoados o encararam de alto a baixo, o analisando.

- Ele tem, Amanda. Já sabíamos disso. – Foi a vez de Kamski retrucar, sorrindo de orelha a orelha. O homem também o analisava, com uma expressão divertida, assim como uma criança via um prato de batatas fritas com carinhas.

“Se é assim que batatinhas de carinha se sentem” – Sam pensou – “jamais quero ser uma.”

- Eu imaginava alguém mais... velho – diz Amanda –, e consequentemente mais maduro.

- Por favor – diz Kamski à Sam, ignorando a mulher e apontando a cadeira de metal iluminada pela luz – sente-se, Wright.

Sam obedeceu, a surpresa de antes dando lugar à curiosidade. O choque inicial se esvaiu como uma onda, e Sam sentiu as perguntas rodarem pela cabeça. O que alguém como Kamski e Amanda estavam fazendo em um lugar como aquele? O que queriam?

- Gosta de tecnologia, Wright?

Sam sustentou o olhar daqueles olhos verdes perturbadores.

- Gosto.

- Do que gosta mais?

- Programação – bom, era verdade.

- Mais especificamente...? – Kamski sorriu entre dentes, erguendo o queixo para o prisioneiro. Sam nem tinha se lembrado dos três policiais que ainda guardavam suas costas até um deles se adiantar e recomeçar a colocar algemas nos seus pulsos.

Kamski apenas levantou a mão, calmamente. O policial se virou para o milionário com um olhar surpreso, como se Kamski tivesse lançado um feitiço e seu corpo estivesse congelado.

- Isso não será necessário – ele apenas falou – Duvido que nosso Sam esteja com planos de fazer alguma coisa que não seja nos ouvir. Seria uma pena se ele tivesse, pelo menos. Por favor – diz o milionário de novo, voltando os olhos para Sam – responda minha pergunta.

Sam contemplou a opção de mentir, e decidiu que não valia a pena. Aquele cara parecia saber bastante sobre ele: aquelas perguntas eram para ver se Sam mentiria ou não.

- Gosto da parte de hacking.

Kamski pareceu satisfeito com a resposta. Ele ergueu as pernas e colocou os pés em cima da mesa de prisão, se acomodando na cadeira. Amanda, atrás dele, soltou um som de reprovação.

- De quantas prisões escapou?

- Sete.

- Precisou lutar?

- Não muito.

- Apenas as suas habilidades de “programação”.

- É.

- E como foi?

Uma pausa. Sam sorriu e deu de ombros.

- Foi fácil.

Kamski não parecia surpreso nem impressionado. Apenas satisfeito.

- Estou aqui para te oferecer uma chance, Wright. – Kamski se sentou direito, com as costas retas na cadeira (Amanda pareceu aliviada) – temos uma vaga para um programador de androides na CyberLife: uma das posições mais concorridas. Suas habilidades como programador não só impressionaram aqueles policiais – ele deu de ombros – mas a mim também.

Ok, aquilo era inesperado.

- Não sabia que uma empresa de almofadinhas estava interessada em um criminal. Vocês devem estar MESMO desesperados.

- Não confia em suas próprias habilidades, garoto? – o milionário disse ironicamente. Kamski era apenas alguns anos mais velho do que ele – Ou se acha bom demais?

Sam absorveu as palavras. Diferentemente de muitos outros, Sam não tinha nenhuma atitude violenta com androides. Pelo contrário, os admirava com sendo máquinas maravilhosas, com programas difíceis de manusear e interações fascinantes. Ele conhecera muitas pessoas que não tiveram escolha ao entrar na vida “fora da lei” por causa da enorme perda de emprego: mas ele acabara parando ali desde criança. Nunca teve a oportunidade de TER um emprego.

- Bom, achei que alguém como você veria os benefícios de minha oferta – Kamski continuou – e ver as enormes coisas que poderia fazer como programador de uma empresa crescente como a CyberLife. Veja bem – ele apoiou os cotovelos na mesa, aproximando o rosto de Sam o suficiente para que ele conseguisse ver o próprio reflexo em sua pupila – eu andei ouvindo algumas coisinhas do Fowler e do Anderson. Sua transferência não vai ser para uma simples prisão federal. Vai ser para uma prisão de alta segurança no Alasca.

Mesmo não querendo mostrar medo, Sam engoliu em seco.

- Pode ser bom, Wright, mas não é imbatível.

Sam não estava em posição de negar.

- Bom papo, Wright – Kamski se levantou, andando na direção da porta. Os policiais abriram passagem, como se o milionário fosse um rei saudando seus súditos. Amanda caminhou atrás dele, arrastando o lindo vestido pelo chão, lançando um último olhar de desgosto para Sam.

- Espera! – lógico que ele aceitaria. Seria idiota de não aceitar, e Kamski sabia. Ele só queria que Sam o parasse para fazer parecer que estava implorando.

- Hm? – ele virou a cabeça, esperando o óbvio veredicto.

- Que horas a gente sai? Estou ficando com fome.


Notas Finais


Bom, espero que tenham gostado. Eu sei, as coisas vão demorar um pouco para esquentar, mas espero que esteja ficando interessante, hehe.


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