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História Do crepúsculo ao amanhecer - Aquele sobre o exílio


Escrita por: holyserquel

Notas do Autor


olá amorinhas, chegamos ao fim da viagem e, consequentemente, da primeira fase de "do crepúsculo ao amanhecer".
quero agradecer imensamente a todas as leitoras que chegaram até aqui, deixaram um comentário, fav e etc. se eu, literalmente cheguei até aqui foi por vocês, todas as pessoas que participaram, me incentivaram e contribuíram de alguma forma! então, de todo o coração, muito obrigada ♡

preciso deixar claro que NÃO tenho previsão alguma de retorno, nos próximos meses preciso me dedicar a faculdade. espero que entendam!

dedico esse capítulo gigantesco às queridas dindas do santi, e as minhas leitoras beta. um beijo enorme pra vocês, amo cada uma!

boa leitura, espero que gostem!
desejo à todxs um feliz natal, um feliz ano novo e até quando Deus quiser ♡

obs: ainda irei revisa-lo com mais atenção então qualquer erro, por favor me perdoem!

Capítulo 17 - Aquele sobre o exílio


Fanfic / Fanfiction Do crepúsculo ao amanhecer - Aquele sobre o exílio

E ele a mim: Todos tiveram a mente tão ofuscada pelo amor às riquezas na vida terrena, que não despenderam nada com equilíbrio. – Dante Alighieri

 

 

 

(carinhoso - elis regina)

Dante Alighieri sempre foi um dos meus poetas favoritos. Vita Nuova, Le Rime, Detto d'Amore. Sou incapaz de escolher apenas uma obra.

Contudo, naquela manhã com Raquel em meus braços acabei me recordando de uma parte específica num dos versos de La Divine Commedie, no momento em que Dante sai do purgatório e sobe em direção ao paraíso terrestre e se depara com Beatriz. Uma alma especial, envolta numa aura de luz e muito mais bonita do que ele se recordava.

Fato curioso na história é que Dante só a viu passar pela rua quando tinha 9 anos de idade, e apesar de jamais terem trocado uma só palavra, ele nunca se recuperou do acontecimento. Ainda que platônico, foi amor à primeira vista, da maneira mais literal que se pode imaginar.

Embora Dante tenha se casado com outra mulher por questões de interesse e aliança firmada entre as famílias, seu amor imensurável por Beatriz nunca foi superado. Há quem diga que a existência de Beatriz é um mistério, e não se sabe ao certo se ela realmente existiu ou era apenas uma alucinação da cabeça do pobre garoto.

Ocorre que sua devoção o levou a escrever sobre ela o que ninguém jamais havia sido redigido sobre mulher alguma até então.

No entanto, apesar de tanta sabedoria e entrega, acredito fielmente que Dante jamais havia a amado genuinamente. Pois, de acordo com suas próprias palavras: muito pouco ama quem com palavras pode expressar quanto muito ama.

Naquela manhã, eu era Dante. E ela, minha Beatriz.

Conforme deslizava a ponta dos dedos pelas costas nuas, cheguei à conclusão de que estava profundamente fodido. Não que eu já não desconfiasse, mas agora tenho absoluta certeza. Durante cinco dias, fui invadido por uma felicidade esmagadora, e voltar a Madrid para agir como se nada nunca tivesse acontecido seria meu pior castigo… Passar por sua mesa e me contentar com um “bom dia” seria como uma única gota de água à quem esteve meses preso no deserto.

Não me lembro uma única ocasião em que tenha feito amor com uma mulher. Não sexo. Amor. Aquele genuíno que começa como faísca, e sem que perceba queimou como pólvora e incendiou o peito.

Eu  não conseguia colocar em palavras, mas tinha a sensação de que todas as vezes que meu corpo entrava em contato com o dela, cada vez que minha mão tocava sua pele, era como se eu estivesse desesperadamente tentando demonstrar o quanto eu a amava. Sem a necessidade de verbalizar o sentimento para não assusta-la.

Apesar da euforia e realização por finalmente me sentir completo, estava ciente de que meus sentimentos por Raquel, apesar de recíprocos jamais seriam admitidos.

A maneira como nos entreolhamos, como ela chamava pelo meu nome num timbre arrastado e manhoso. Como ela sorria. Como ela perdia o fôlego e deixava os lábios entreabertos quando estava próxima ao ápice. O alinhar do corpo contra o meu.

Por mais que Raquel tentasse se esquivar ou fugir, na madrugada descobri que não precisava de sua convicção proferida da boca pra fora, uma vez que seus olhos gritavam e via meu amor correspondido e refletido em suas pupilas dilatadas.

Ela parecia ter um pouco de pavor do assunto, e por mais que a realidade fosse algo evidente, Raquel negaria nosso amor até o fim. Ainda que me rasgasse a alma, precisava ser realista e admitir que não havia um futuro para nós.

Enquanto ela não tivesse uma atitude a respeito, uma relação a longo prazo seria uma ideia meramente ilusória.

 

Ah se tu soubesses como sou tão carinhoso

E o muito, muito que te quero

E como é sincero o meu amor

Eu sei que tu não fugirias mais de mim

 

No mundo ideal, seu rosto seria minha última visão ao deitar para dormir, a primeira ao acordar. Iríamos juntos para o trabalho, e eu ensinaria Santiago a diferença entre vogais e consoantes, número pares e ímpares. Tomaríamos um chá pela noite, e de muito bom grado eu secaria seus cabelos molhados quando estivesse com preguiça.

Contudo, era algo utópico, fantasioso demais. E eu precisava urgentemente aprender a conviver com essa realidade.

Tudo estava calmo. Um silêncio quase ensurdecedor. O vento soprava tranquilamente, fazendo com que a cortina dançasse pelo ar, trazendo consigo o cheiro salgado da maresia. O sol da manhã invadia o cômodo preguiçosamente, deixando uma atmosfera leve e aconchegante.

Não dormimos quase nada, foi apenas um pequeno cochilo. A ansiedade de saber que dentro de algumas horas nos separaremos me impedia de repousar em paz.

Até que, por fim, Raquel acordou.

O profundo suspiro veio acompanhado de um leve remexer de pernas, a medida em que o aperto em minha cintura se intensificava e ela grudava em meu corpo.

“Alguém acordou.” Sussurrei, tamborilando os dedos em suas costas.

“Impressão sua, ainda estou sonhando.” A voz sonolenta estava extremamente rouca e sexy depois de ter baixado alguns decibéis. Após um gostoso espreguiçar e um longo bocejo, Raquel puxou o lençol até cobrir os seios antes de se erguer, apoiando o peso sobre o cotovelo, e alinhar os olhos com os meus. “Bom dia.”

O cabelo loiro estava desalinhado, o rosto um pouco inchado, e os olhinhos sonolentos e perdidos. Contudo, havia um lindo sorriso terno pintado nos lábios. O bronzeado lhe caiu perfeitamente bem, e acabei descobrindo que o colo cheio de pintinhas havia se tornado uma das minhas partes favoritas de seu corpo.

Não pude deixar de notar que o alto do peito estava avermelhado, e apesar de me sentir um pouco culpado não pude evitar sorrir pela lembrança. Incapaz de conter meus anseios, levei a mão até sua nuca a fim de puxá-la para mim, entretanto, Raquel me impediu.

“Não faça isso! Sérgio, eu acabei de acordar e não escovei os dentes.” Ela tinha o nariz enrugado, enquanto uma graciosa e engraçadinha careta estampava sua face. Cerrando os olhos em sua direção, desisti da ideia de puxá-la e simplesmente comecei a me aproximar de forma despretensiosa.

 

Vem, vem, vem, vem

Vem sentir o calor dos lábios meus a procura dos teus

Vem matar essa paixão que me devora o coração

E só assim então serei feliz

Bem feliz

 

(io che amo solo te - chiara civello feat. chico buarque)

“Olha só, eu também.” Proferi, erguendo meu corpo sobre ela, forçando-a a se deitar novamente. Raquel tentou se fazer de difícil, mas não resistiu e começou a rir. Foi então que uma ideia cruzou minha mente e comecei a apertar alguns pontos específicos em sua barriga, provocando cócegas, assim como há duas manhãs.

“Sérgio, pára!” Implorou de maneira nada persuasiva.

A verdade é que eu amava o timbre de sua voz. Aquela gargalhada gostosa, coisa que só ela tinha. E faria qualquer coisa que estivesse ao meu alcance para sempre vê-la radiante.

Enquanto Raquel se remexia, tentando se esquivar de meu toque, fui contagiado pelo sorriso genuíno e me vi, mais uma vez, inundado por uma paz imensurável. Proporcionada apenas por ela, pela presença dela.

Quando terminei minhas cócegas e pairei sobre seu corpo, por alguns segundos me vi perdido nas linhas de seu rosto. Os traços de felicidade genuína realmente combinavam com ela.

Por fim, Raquel mesma me puxou para si, colando os lábios nos meus num beijo preguiçoso e cheio de amor.

“Agora sim, bom dia.” Transbordando felicidade, a cumprimentei devidamente após distribuir vários beijos ao redor de seu rosto, sentindo-a se esquivar, toda dengosa. Para lhe dar um pouco mais de espaço, com o intuito de não sufocá-la, tombei o corpo pro lado, me apoiando sobre o cotovelo dobrado enquanto ela sorria largada sobre o travesseiro. “Como se sente?”

“Hm....” Tombando a cabeça para o lado e franzindo o nariz graciosamente, Raquel fechou um olhinho e fingiu pensar. O cabelo dourado estava todo espalhado pelo travesseiro, e parecia uma bonita moldura para o lindo rosto. “Minha cintura tá um pouco dolorida, mas eu estou bem. Obrigada.” Concluiu, com um sorriso travesso nos lábios.

“A cintura?”

“Sim, se procurar pode acabar encontrando sua digital tatuada na minha pele.” Prensando os lábios numa linha fina, na falha tentativa de conter o riso, Raquel me encarava com certo divertimento nos olhos e de maneira automática me senti um tanto culpado por novamente, não ter sido cauteloso e acabar apertando seu corpo com tanta força. Sentia-me momentaneamente apavorado pela ideia de machucá-la.

“M-m-e perdoa, Raquel.” Comecei, gaguejando de nervoso. “E-u, eu acabei perdendo a noção e-“ Minhas palavras morreram quando Raquel carinhosamente pousou os dedos sobre meus lábios. Ela realmente havia gostado disso, pois raras foram as vezes que consegui proferir meu monólogo de desculpas até o fim.

“Shihhhh… Estou brincando, está tudo bem, não se preocupe. Mas é que... é engraçado te ver preocupado.” Concluiu, puxando meu rosto para si antes de salpicar um rápido beijo em meus lábios.

“Você é engraçadinha.” Quando nos separamos, encarei-a um tanto ultrajado. Raquel se segurava para não rir, e antes que pudesse perceber já me encurvava em sua direção novamente.

“Eu sou, e você gosta.” Provocou, sorrindo travessa.

“Ah, eu gosto?”

“Sim, você gos- AH!” As palavras morreram em seus lábios ao tempo que soltou leve gritinho quando afundei o rosto em seu pescoço, provocando mais uma onda de cócegas ao arranhar minha barba em sua pele, alternando entre leves mordidas. A harmonia daquela gargalhada me transmitia uma sensação reconfortante, como se pudéssemos passar a vida inteira ali, nos braços um do outro.

 

Tem pessoas que tiveram mil coisas

Tudo de bom, todo o mal do mundo

Eu só tinha você

E eu não vou te deixar, eu não vou te perder

Para procurar novas aventuras

Ao nos afastarmos, notei que Raquel tinha os olhinhos cintilando alegria enquanto as bochechas assumiram uma leve tonalidade avermelhada. Prendendo o lábio inferior entre os dentes com o intuito de conter o sorriso que insistia em aparecer, Raquel se aconchegou no travesseiro e pensei ser a minha deixa para sair de cima e deixá-la mais confortável.

“Não, não sai.” Raquel pareceu notar a expressão de confusão em meu rosto, o que a fez passear levemente com a ponta dos dedos sobre meu cenho franzido. “Eu…” Hesitante, ela desviou os olhos para um ponto qualquer atrás de mim, reunindo coragem, parecendo pensar, e quando nos entreolhamos novamente continuou: “Gostei.”

“Do que?”

“Te sentir… assim.” Sussurrou, correndo a ponta dos dedos pela extensão do meu ombro, trilhando um caminho de ida e volta ao bíceps. Sem que eu pudesse perceber ou me conter, um sorriso acabou surgindo em meu rosto ao notar sua delicadeza e sensibilidade, o que não passou despercebido por ela. “Não sorria, seu prepotente.” Ralhou, rindo falsamente, antes de tapear-me no ombro.

“Você não pode me dizer para não sorrir quando o seu rosto é a única coisa que vejo.”

“Para.” Tampando o rosto com as mãos enquanto as bochechas coravam.

“Não seja tímida, Raquel. Você sabe que é a mulher mais bonita do mundo.” Assegurei, convicto. Retirando a mão de sua face, ela me encarou por sobre os cílios com uma expressão de desconfiança, como se não acreditasse no que eu estava dizendo. “Bom, pelo menos do meu… Mas não deixe que Tokio escute, ela pode ser um pouco ciumenta.” Brinquei, deixando um beijo rápido e estalado no biquinho gracioso que surgira em seus lábios.

Após o gesto, Raquel sorriu timidamente, e levou as duas mãos à minha nuca antes de iniciar uma leve carícia nos fios de cabelo presentes ali.

“É que eu…”

“Você?” Incentivei, alinhando meu corpo sobre o seu, separados apenas pelo fino lençol me impedia de sentir o calor de sua pele.

Sequer tinha ideia do que ela tinha a dizer, mas sem que pudesse me dar conta, as batidas de meu coração foram acelerando pouco a pouco até que se convertesse num bonito carnaval. Quando nos entreolhamos, percebi que havia algo de diferente nas íris âmbar. Numa pequena fração de segundos, tive a estranha sensação de entrar numa outra sintonia com Raquel. Talvez fosse pela aura serena que pairava sobre nós, ou até mesmo pelo desejo irrefreável de que pudéssemos construir algo juntos, mas ali naquela cama éramos apenas nós. De repente, o mundo externo junto a toda responsabilidade que o acompanhavam pareceram sumir num estalo de dedos. E aparentemente, Raquel e eu estávamos mergulhados na mesma hipnose.

“O que está acontecendo?” Murmurei, o pensamento saindo mais alto do que deveria. Por deus, sinto que poderia facilmente jogar tudo pro ar e viver ali com ela.

“Nada, eu só...” Um pouco confusa, sem saber o que fazer, Raquel fechou os olhos e respirou fundo. Como se estivesse se controlando. 

Ao levantar as pálpebras novamente e alinhar a mirada com a minha, Raquel pousou ambas as mãos em minhas bochechas, movimentando o polegar num carinhoso afago.

“Só?”

“Eu me sinto… Segura… Perto de você.” Se meu coração já havia se tornado um carnaval, agora ele estava a ponto de explodir de regozijo e alegria. Eu estava tão compenetrado com a energia daquele momento, que por um momento esqueci meu próprio nome. “E… Você é lindo.” Acabei sorrindo envergonhado com o comentário, e o gesto logo foi espelhado por ela. O fato de Raquel verbalizar um pensamento em alto e bom tom era realmente um motivo para se comemorar. “Me deixa… te memorizar, só por um instante.” Havia tanta ternura e amor em seus olhos que eu definitivamente seria capaz de fazer qualquer coisa que ela me pedisse naquele momento. “Eu não quero esquecer essa sensação.”

E com toda gentileza do mundo, usando a pontinha dos dedos, Raquel parecia disposta a desenhar em meu rosto, como se cada toque fosse uma pincelada sobre a tela. Ela delineou cada mínimo traço e elevação. Inicialmente, serpenteou pela barba, arranhando os dedos por entre o pêlo áspero. Depois subiu em direção a testa, para em seguida contornar ao redor de meus olhos. Eu me encontrava no mais absoluto estado de êxtase, e me via cada vez mais rendido ao meu amor por aquela mulher. Quando terminou o passeio, ao redor dos lábios Raquel se levantou apenas para depositar um inocente beijo na pontinha de meu nariz, da maneira mais delicada do mundo. Um confortável silêncio carregado de palavras não ditas havia sido instalado entre nós, aquilo tudo foi tão íntimo e espontâneo de sua parte, que me roubou o fôlego. Era bom estar ali. Em nossa pequena bolha, um infinito particular.

Tombando a cabeça para frente, com os olhos grudados no dela, colei minha testa na sua antes de emoldurar seu rosto em minhas mãos e correr com meus polegares em suas bochechas. Respirar havia se tornado uma atividade difícil, sentia meu peito arfar. Não sabia formular o que era aquilo, mas doía. Doía muito.

Há pessoas que amam mil coisas

E se perde nas ruas do mundo

Eu amo só você

Eu vou parar e te dar de presente

O que resta da minha juventude

(paper hearts - tori kelly)

“Sérgio?”

“Fala.”

“O que teria acontecido se… eu e você tivéssemos nos conhecido… antes… Se eu não fosse sua secretária.” Eu não suportaria ouvir de seus lábios o que poderíamos ter sido, seria ainda pior.

“Raquel, se eu estivesse andando na calçada e você atravessasse a rua, eu ainda assim me encantaria por você.” Confessei, me afastando para observar seu rosto com um acanhado sorriso. Os olhinhos brilhavam, pareciam lacrimejados. “Mas, não, é errado pensar assim.” De repente, o sorriso desapareceu, dando lugar a uma expressão de mágoa, fazendo com que o lindo beicinho surgisse em seus lábios. A princípio me senti péssimo apenas pela remota ideia de havê-la entristecido, mas ela logo entenderia. Nos últimos dias peguei-me pensando frequentemente a respeito, e só encontrei uma maneira de confortar meu coração.

“Por quê?”

“Pelo Santiago.” Ao ouvir minhas palavras, Raquel pareceu oscilar. “Seu filho é um menino incrível, Raquel. Qualquer plano que não o inclua não faz o mínimo sentido.” Ela definitivamente não esperava aquele tipo de resposta, mas era a única verdade existente em meu coração. Apesar do início não muito confortável, eu não imaginava uma vida onde Tokio não estivesse presente, minha filha era a melhor parte de mim. Ela me apresentou o real sentido do amor, em sua forma mais pura e plena. E Raquel com certeza se sentia da mesma maneira em relação à Santiago. Apesar de apenas cinco dias de convivência, era difícil até para eu mesmo idealizar um mundo onde aquele garoto não existisse. “É lógico que eu queria ter te conhecido há muitos anos, mas talvez não tivéssemos dado certo… Então, a vida acontece quando deve ser.” Completei  num murmúrio, descendo e subindo o dedo pela extensão de seu braço, sentindo a maciez de sua pele. “Por mais que às vezes pareça demorar, uma hora ou outras as duas linhas se cruzam. E...” Tombando a cabeça até roçar meu nariz contra o seu, inalando seu cheirinho de baunilha tão característico de sua pele, fechei os olhos antes de concluir: “Nossas linhas demoraram um pouco. Mas depois de cinco anos… aqui estamos.” Quando me afastei novamente, notei uma lágrima fujona escapar de seus olhos. “Apesar da demora, fico feliz da vida me trazer até você.”

“Bom… Eu também.”

Encaixando meus lábios nos seus, depositei em Raquel quiçá o beijo mais doce de toda minha vida. Sentia-me irradiante, ao mesmo tempo em que tudo era novo, parecia extremamente trivial. O toque, o cheiro, a textura, o beijo. A intimidade. Não é como se ela fosse uma mera estranha ou conhecida. Estar com Raquel era sinônimo de aconchego.

Sempre subestimei a ideia de que lar nunca se tratou de um lugar, senão alguém. Mas agora, aquela ideia fazia total sentido.

Quando nos separamos, me movi novamente um pouco para baixo, encaixando meu corpo no seu antes de deitar a cabeça em seu peito, sentindo as batidas aceleradas de seu coração. Não demorou muito até que ela retribuísse o carinho em forma de um gostoso cafuné e uma lenta carícia em minhas costas, deslizando os dedos em círculos. E mais uma vez, aquele confortável e gostoso silêncio se instalou entre nós, e após um longo suspiro cerrei os olhos para aproveitar o momento em sua real plenitude.

Eu não queria que aquela manhã chegasse ao fim.

I hate this part, paper hearts

And I’ll hold a piece of yours

Don’t think I would just forget about it

Hoping that you won’t forget about it

 “Isso nunca vai dar certo.” E de um momento para o outro, não falávamos mais sobre o passado.

A real incógnita era: O que seriamos de nós dois ao pisarmos na Espanha?

“A convicção na sua voz quase me magoa.” Por que você resiste, meu amor? O que há de errado? “Você é muito racional, pensa demais.”

“E você é um romântico incurável.” Naquela posição, eu era incapaz de ter uma visão de seu rosto, mas aposto que havia um sorriso triste ali.

“O que seria um romântico incurável?”

“Você acredita em destino. Como se para cada pessoa existisse outra complementar e que de alguma maneira elas irão se encontrar e ficarão juntas para sempre. Como o Akai ito.”

“Akai ito?” Erguendo o rosto para encará-la diretamente nos olhos, franzi o cenho para demonstrar minha confusão. De que infernos ela estava falando?

“Como você não sabe disso? É um clássico clichê!” Um tanto ultrajada, Raquel arregalou os olhos como se aquilo fosse um absurdo e não pude evitar sorrir com o jeitinho.

“Talvez eu não seja tão romântico como você pensa.” Respondi, dando de ombros.

“Akai ito é uma lenda oriental. Ela se baseia na ideia de que duas pessoas que são almas-gêmeas estão atadas por um fio vermelho invisível.” Conforme explicava, Raquel se distraiu ao puxar minha mão para si, entrelaçando nossos dedos, e nos mantendo juntos. “São duas pessoas que estão predestinadas a ficarem juntas. Esse fio pode embolar, esticar e emaranhar de todas as maneiras, mas nunca irá se partir.”

Naquele momento, eu já estava por cima de Raquel novamente, admirando cada mínimo detalhe de seu rosto, atento a cada uma de suas palavras. Ainda que de maneira implícita, tive a estranha sensação de que Raquel não simplesmente discorria sobre o conto, mas se referia a nós dois. Era de uma imensa familiaridade.

Será que depois de tudo o que vivemos, ela finalmente estava pronta para admitir?

E como forma de telepatia, Raquel desviou a atenção do enlace de nossas mãos para alinhar os olhos com os meus. As pupilas estavam dilatadas, os lábios entreabertos em expectativa, e de repente fui invadido por aquele conhecido sentimento de paz e serenidade. Tudo o que eu queria e precisava estava ali. Meu coração pertencia a Raquel, e eu queria que ela soubesse.

“Raquel-"

“Independente do tempo, lugar ou circunstância. Um sempre encontra o caminho que leva até o outro.”

Como eu encontrei o meu até você.

Desfazendo o laço, Raquel emoldurou meu rosto em suas mãos novamente e foi levemente me puxando para si. Quando ficamos a centímetros de distância, nossas respirações se misturaram, e aquela ansiedade aguda voltou a arder em meu peito. Minha garganta estava seca, e tudo piorou quando Raquel umedeceu os lábios por uma fração de segundos, como se estivesse se preparando. Seu peito arfava, subindo e descendo de maneira acelerada, ela estava tão nervosa quanto eu.

“Raquel.” Com a voz rouca e a respiração descompassada, tentei dar o primeiro passo, mas ela me impediu.

“Sérgio, eu-”

“MAMAAAAAAAAAIN!”

But you'll be good without me

And if I could just give it some time

I'll be alright

 

 

✰✰✰✰✰✰✰✰✰✰

 

(stay with me – sam smith)

À quem deseja, a maternidade pode ser um presente. Principalmente quando seu filho acaba te livrando de situações caracterizadas por um alto teor de constrangimento e um potencial arrependimento posterior.

O mais novo passatempo de Santiago havia se tornado a interrupção de momentos cruciais entre Sérgio e eu. Na maioria delas, estávamos em chamas, a ponto de transarmos, o que resultava numa enorme frustração de minha parte.

Entretanto, naquela situação específica, quando me vi sozinha com Santiago o enchi de beijos e agradeci silenciosamente por me trazer de volta a realidade.

O tópico Akai Ito havia me deixado sensível e vulnerável, a ponto de quase verbalizar as palavrinhas mágicas à Sérgio. Não me entenda mal, não estou dizendo que não o amo. Sim, eu amo meu chefe e estava começando a trabalhar na aceitação desse fato, mas existe um abismo entre o sentimento e o fato dele saber.

Quer dizer, por que raios eu diria isso à ele? Seria idiotice demais.

Quando a voz de Santiago ressoou pelo cômodo num grito estrondoso tive uma sensação ruim, como aquela de levar um soco no estômago. Mais uma vez eu estava me entregando de bandeja, e para piorar… ele não era um homem qualquer. Era meu chefe.

No fim de um relacionamento, é bem normal que cada um vá para um lado e são poucas as chances de se encontrarem. Mas o que acontece quando, após findar o romance, o homem que você ama continua passando pela sua mesa todos os dias?

Aquilo era insano. E eu, uma mulher emocionada. Obrigada, filho.

É bem óbvio que Sérgio ficou frustrado quando Santiago acordou. O que era uma surpresa, levando em consideração que entre nós ele sempre foi o mais compreensível quando se tratava das interrupções do neném. Contudo, algo me diz que Sérgio sabia exatamente o que eu pretendia dizer, talvez pelo calor do momento ou pela atmosfera sensível e carregada de sentimentos.

Eu o amo, mas me sinto melhor e mais segura guardando esse segredo apenas pra mim.

Porém, apesar de tudo, eu não queria que ele fosse embora.

Eu não queria terminar. Eu não queria abandonar na Grécia o que havíamos construído até aqui. Poderíamos continuar escondidos, certo? Me sentia bem ao lado dele. Estar dentro de seus braços me transmitia uma gostosa sensação de segurança e conforto.

Estou ciente do quanto aquilo era potencialmente problemático, mas o que era uma gota de água para quem estava dançando na chuva?

Todavia, a prática é muito mais assustadora do que a teoria.

O que eu poderia dizer?

“Esqueça tudo o que eu disse, podemos ficar juntos?”

Ocorre que tudo saiu do meu controle. Nada daquilo foi planejado. Durante a madrugada depois de chorar durante o sexo e ter, provavelmente, o melhor orgasmo da minha vida, me dei conta que não queria me afastar de Sérgio. A remota ideia de nos separarmos estava me sufocando, era insuportável. Não me entenda mal, não é como se minha felicidade dependesse dele, mas… Por Deus, eu estava irrevogavelmente apaixonada.

Consumida por uma esmagadora onda de ansiedade, quase abri um buraco no chão de tanto andar de um lado para outro. Encarei o relógio pousado na pequena mesa no centro da sala percebendo que em poucos minutos partiríamos em direção a Atenas, o tempo estava acabando.

Sérgio terminava de se arrumar no quarto enquanto Santiago brincava distraído com um chocalho colorido no chão, completamente alheio ao que acontecia ao seu redor. Por um instante, me peguei sorrindo levemente ao notar o quanto sua vida era leve, onde a única preocupação era manter o buchinho cheio e as fraldas limpas.

“Filho, olha pra mamãe.” Chamando a atenção de Santiago, caminhei em sua direção e agachei até estarmos frente-a-frente. “Preciso que responda uma coisa.” Questionei, como se uma criança de um ano e seis meses realmente pudesse resolver minha situação caótica. “Você acha que a mamãe deve falar com o tio Sérgio?”

“Xéjo?” Resmungou, tombando a cabecinha pro lado ao ouvir o nome de Sérgio.

“Isso, o Sérgio.”

“Xéjo!” Como se estivesse celebrando, Santiago balançou o chocalho com força antes de levá-lo para boca e tentar morder. Apertando sua bochecha com certa força, dei-lhe um beijo estalado antes de me levantar e rumar em direção ao quarto.

Caminhei em silêncio, sem me dar conta que um sorriso largo estampava meu rosto. Era um misto de sentimentos. Receio, nervosismo, euforia. Sentia meu coração bater descompassado contra o peito, e uma gostosa corrente elétrica de excitação serpentear por todo meu corpo.

Oh, won't you stay with me?

'Cause you're all I need

Sequer sabia o que dizer. Não tinha nenhuma frase pronta. Eu só queria olhar em seus olhos e dizer o que desse na telha.

Sérgio me amava, eu sabia que amava. Era isso que ele queria me dizer ontem de madrugada, e me apeguei àquele fato como um bote salva-vidas, uma âncora. No final, tudo ficaria bem. Nós daríamos um jeito, e encontraríamos uma forma de fazer aquilo dar certo.

(im not the only one - sam smith)

Apesar de levar o pensamento positivo em mente, senti toda a confiança que construí até chegar ali evaporar no exato segundo em que coloquei a mão na fechadura.

“Não, não tem problema.”

“Sim, voltaremos hoje. Amanhã estarei da editora, preciso resolver algumas pendências.”

“Por que quer saber disso?”

“Com todo o respeito que me cabe, Carolina, isso não é assunto seu.”

Meu sangue gelou ao ouvir o referido nome, ao tempo em que a insegurança tamborilava dentro do peito. Enquanto conversávamos ontem eu honestamente não me importei com Carolina e seu romance tórrido com Sérgio, era coisa do passado. Contudo, não pude conter a careta de decepção ao notar que os dois ainda continuavam em contato, ainda que de maneira profissional. Nunca me considerei uma mulher ciumenta, para falar a verdade nunca tive o costume de ligar para esse tipo de coisa... Entretanto, sempre há uma primeira vez para tudo. Senti minhas pernas já vacilarem, e já não tinha tanta certeza se deveria continuar com aquilo. Por um segundo, me esqueci que tudo o que é ruim sempre pode piorar.

I can't believe you let me down

But the proof is in the way, it hurts

“Não, Carolina. Não existe nada entre Raquel e eu.”

“Sim, eu sei que parecíamos um casal apaixonado, mas as aparências enganam e não é nada disso.”

“Ela foi minha acompanhante, mas nós dois trabalhamos juntos. Nada além disso.”

Nada além disso.

Não existe nada entre Raquel e eu.

As palavras ecoaram em meu cérebro de maneira ensurdecedora. A sensação foi a de um tapa na cara, aquele que arde e te faz perder o rumo por uma fração de segundos. Foi como se um buraco tivesse sido aberto no meu coração, tudo pareceu sumir e me vi momentaneamente numa espécie de abismo. Meu corpo inteiro enrijeceu, enquanto um zumbido feito apito gritava em meu ouvido e minha visão ficava cada vez mais turva.

Não percebi se a conversa continuou, mas de maneira automática, sentindo minhas pernas fraquejarem, me vi obrigada a sumir dali. Após soltar a maçaneta, sentindo o nós dos meus dedos brancos pela tamanha força que segurava, comecei a me afastar, tateando a parede numa falha tentativa de recuperar minhas forças.

Eu estava desnorteada. O grito preso na garganta, o gosto amargo das lágrimas. Parte de mim queria reclamar, invadir aquele quarto e tirar minhas satisfações com Sérgio. Contudo, a outra faceta realista e pragmática sabia que ele estava certo.

Sérgio tinha razão.

Não existia absolutamente nada entre nós dois. Eu era sua secretária, ele era meu chefe. E só. Eu mesma desenhei limites e criei barreiras para aquilo que, em tese, havíamos construído durante cinco dias.

Naquela noite, eu passei pela porta do seu quarto e disse “o que acontece em Santorini, fica em Santorini”. Tive inúmeras oportunidades de esclarecer meus reais sentimentos, e dizer que também o amava enquanto ele estava acordado e pudesse ouvir. Mas terminei por corroborar ainda mais com a ideia de que aquilo não tinha futuro. Eu não tinha direito algum sobre ele, muito menos exigir algo, mas por que sinto como se alguém tivesse rasgado meu coração em milhões de pedaços? Por que ouvi-lo, de certa forma, banalizar o que criamos me atingiu tanto?

Talvez eu estivesse errada, e a ideia provinda de uma suposta certeza de que aquele homem me amava não passava de uma alucinação criada pela minha própria mente. Eu já estava sensível pela intensidade da atmosfera, por Deus… ele tentou me dizer enquanto olhava no fundo dos meus olhos como se estivesse despindo a própria alma.

Me sentia um poço de confusão e incerteza, não sabia o que pensar. Naquele momento, só havia uma certeza: eu nunca, jamais, em hipótese alguma deveria ter depositado meu amor no único homem que não deveria.

 

 When you call me “baby”

I know I'm not the only one

 

✰✰✰✰✰✰✰✰✰✰

 

(bloodsport - raleigh ritchie)

Insuportável.

Carolina era insuportável.

Não me leve a mal, não tenho o costume de me queixar sobre minhas ex-amantes. Isso é extremamente deselegante e infantil, mas no caso dela era impossível.

Enquanto terminava de me arrumar, minha sócia ligou de maneira nada despretensiosa para saber de meus planos, se ainda estava na Grécia e quando estaria de volta em Madrid. De acordo com ela, existiam alguns documentos urgentes sobre uma remessa de tecidos pendentes na alfândega, e que dependiam de minha aprovação para a entrada no país.

Obviamente havia coisa por trás de repentino interesse, e minhas suspeitas logo foram confirmadas quando ela trouxe o nome de Raquel para o diálogo. Acho cômico a maneira em que durante anos minha secretária sempre passou despercebida por todos, mas agora, até mesmo seu sobrenome era conhecido.

Carolina aproveitou a oportunidade para destilar seu precioso veneno e cutucar minha secretária. Ela foi extremamente cínica e maldosa ao se referir a Raquel, e aquilo foi o fim do meu autocontrole e educação. Depois de discutirmos minutos a fio, desliguei o telefone para tentar me acalmar. Eu não queria perder o resto do meu tempo me irritando com aquela mulher.

Por mais que eu quisesse assumir e dizer que nada adiantaria suas crises de um comportamento infantil, Raquel estávamos juntos e eu estava apaixonado por ela. Aliás, esse é o tipo de coisa que não teria problema algum em proferir aos quatro ventos para que todos soubessem. Chegava a ser libertador aceitar a realidade e assumir os fatos de que após anos juntos, sim, eu era apaixonado por aquela mulher.

Contudo, na atual conjuntura, meu amor era um segredo a ser mantido em discrição. Até mesmo pelas questões de autopreservação de Raquel. Eu sabia que qualquer mínimo indício de envolvimento ela poderia ser apedrejada com nomenclaturas horríveis e de baixo calão. Eu a amava demais para jogá-la na boca dos lobos dessa maneira.

Ao chegar na sala, encontrei Santiago e Raquel entretidos com um pequeno chocalho. O menino risonho soltava uma gostosa gargalhada quando a mãe mexia no brinquedinho até bater levemente em seu nariz.

Ela estava linda como sempre, usando um conjunto rosé com cropped e uma saia midi de linho, enquanto os pés estavam cobertos por um bonito e delicado tênis branco. O neném usava um macacão azul marinho extremamente fofo, com vários barquinhos brancos estampados, e um boné azul marinho sobre os fios loirinhos.

Acabei sorrindo de maneira involuntária. Daria qualquer coisa para eternizar aquela paisagem e fazer morada dentro dela. Constantemente preciso lidar com meus próprios problemas, ansiedades e preocupações, mas Raquel e Santiago trouxeram à tona uma sensação de nirvana que eu sequer me recordava.

Há anos eu a amava à distância sem saber ainda o que era aquele sentimento, e agora que descobri não sabia se estava pronto para deixá-la ir embora.

O grito infantil de Santiago me trouxe de volta a realidade. Ao vê-lo estendendo os bracinhos e se jogando em minha direção, não vi outra alternativa senão me deslocar até onde os dois estavam. Sem nenhum tipo de protesto, o peguei em meu colo antes de jogá-lo para cima, vendo-o gargalhar. Apesar de interromper momentos cruciais, eu era incapaz de guardar algum tipo de rancor, e o simples sorrir com os poucos dentinhos era capaz de me desmanchar por inteiro.

Depois brincar com o neném por alguns segundos, o aconcheguei em meus braços e busquei por Raquel. Ela ainda continuava sentada no sofá, com as pernas cruzadas, porém com um olhar distante e um sorriso um tanto triste estampado em sua face. Chamei-a uma, duas, três vezes. Ela me ignorou. Na quarta, Raquel piscou algumas vezes antes de devolver a mirada.

“Raquel?”

“Sim?” Respondeu num murmúrio. De um minuto para o outro, o corpo ficou rígido, os ombros tensionados, e o sorriso desapareceu.

“Tudo bem?” Indaguei, desconfiado.

“Claro, por que não estaria?” Havia um tom de cinismo em sua voz, e aquilo de certa forma me incomodou. Senti um arrepio percorrer minha espinha quando ela me encarou com tamanha impessoalidade, parecia até frio.

Although you love me, sometimes we're mean

Things can get ugly, but, we're still a team

“Não, não está tudo bem.” Desviando o olhar para um outro canto, Raquel tombou a cabeça para frente antes de massagear as têmporas, nitidamente incomodada. “Olha pra mim.” Após um longo suspiro, Raquel por fim alinhou o globo ocular com o meu. Havia algo estranho ali. Não era a mesma mulher que fez amor comigo pela madrugada, muito menos a Raquel sorridente pela manhã. “O que aconteceu?”

“Ué, nada.” Ela não conseguia nem disfarçar.

“Eu te conheço, Raquel.”

“Não aconteceu nada, Sérgio.” Sua resposta veio carregada com certa raiva, o que só me deixou ainda mais apreensivo. O que raios aconteceu enquanto eu me arrumava? “Não é nada, Sérgio. Eu só estou cansada, quero ir logo pra casa.”

Raquel soou tão convicta e firme, que se não a conhecesse o suficiente me convenceria. Contudo, se ela realmente estivesse apenas cansada, estaria no mínimo manhosa e um pouco mole. O problema definitivamente não era Santiago, até porque ele parecia bem. O que me levava a última alternativa: ela havia se irritado com algo que eu havia feito.

Não posso negar que ao ouvir suas palavras me senti um tanto magoado. Eu seria capaz de qualquer coisa para adiar nossa volta a Madrid e ficar mais alguns dias com os dois ali, mas de uma maneira muito estranha Raquel pareceu ligar uma chavinha da racionalidade, e de um segundo pro outro foi como se tivéssemos voltado à estaca zero.

O pior é que eu sequer tinha ideia do que havia feito. Cuidei de Santiago enquanto ela se arrumava, ela sorriu, nos beijamos, mas ali ela estava irreconhecível. Minha vontade era de me sentar com calma para resolvermos o que quer que fosse, teríamos muito tempo a sós pela frente. Por hora, me contive em apenas tratá-la cordialmente sem forçar qualquer proximidade.

“Certo, vamos embora.” Afirmei, ainda um pouco desnorteado com a rispidez. “Estão prontos?”

“Sim, vamos.”

“Já andaram de helicóptero?” E pela primeira vez naquele curto intervalo, Raquel me encarou de maneira espontânea. Os olhinhos arregalados, uma certa feição de choque em sua face, parecia até um pouco horrorizada com a pergunta.

“Por que está me perguntando isso?!”

“Porque vamos de helicóptero até Atenas.” Dei de ombros, antes de pegar o celular e discar o número de James, um de nossos caseiros.

Se estivesse sozinho, certamente andaria até o heliporto no outro lado da ilha, mas jamais colocaria Raquel e Santiago para caminharem sob o sol escaldante, logo, necessitaria do jeep.

“Espera um segundo. Onde está esse helicóptero? E você tem algum piloto aqui?”

“Está olhando pra ele.” Incapaz de me conter, acabei sorrindo com a expressão de espanto que surgiu no rostinho de Raquel ao ouvir minhas palavras.

Oh, meu amor, o que aconteceu para que tenha se magoado comigo?

 

I'll protect you til the day I meet my maker

So don't fight me now coz you might need me later

Loving you's a bloodsport.

 

✰✰✰✰✰✰✰✰✰✰

 

(make you feel my love – sleeping at last)

Certa vez ouvi um ditado que você pode enganar poucas pessoas por pouco tempo, porém, jamais enganará muitos por muito tempo. Mas o que acontece quando a mentira é para si próprio? Qual é a solução? Por quanto tempo conseguimos nos enganar?

A cada avanço e tentativa de aproximação da parte de Sérgio, eu dava três passos para trás. Quanto mais cedo aquela fantasia terminasse seria melhor para os dois. Eu não podia querer ou desejar, todavia meu corpo gritava o contrário. Sempre que estava em meu campo de visão, minha vontade era de correr em sua direção e o abraçá-lo com força.

Eu o estava evitando, fugindo, olhando para lado coisa a fim de escapar. Por mais que ele tentasse devolver meu comportamento indiferente na mesma moeda, se nos encarássemos por muito tempo, os olhos castanhos por trás das lentes de grau assumiam o costumeiro tom de melancolia e ternura. Sei por experiência própria o quão ruim é a sensação de estar no escuro sem saber o que está acontecendo, mas naquela situação eu era simplesmente incapaz de ser transparente com ele. Pelo menos não naquele momento.

When the evening shadows and the stars appear

And there is no one there to dry your tears

I could hold you for a million years

To make you feel my love

Sentia-me confusa, e não queria externar aquele sentimento. Sem contar com o fato de que se eu compartilhasse minha frustração, literalmente, me meteria onde não fui chamada já que acabei ouvindo por acidente sua ligação pessoal com Carolina. Porém, esperto como era, desde quando estávamos na casa de Mykonos ele pareceu notar uma certa resistência de minha parte e optou por tentar respeitar meu espaço pessoal.

Ah, sim. Sim, ele é piloto. Uma verdadeira caixinha de surpresa.

Santiago se divertiu à beça enquanto voávamos pelo oceano em direção a Atenas, enquanto eu me resumia em apenas segurar o neném e admirar a paisagem. Foi tudo muito leve e tranquilo, meu filho serviu como uma espécie de alívio cômico para toda a situação. Sérgio e eu parecíamos um casal divorciado que se submete a determinados eventos em nome do filho em comum.

Após tanto me esquivar, Sérgio começou a se aproximar apenas para mexer com Santiago, e mal nos entreolhavamos. Não queria ficar sentida com seu comportamento, mas foi inevitável. Aquilo estava sendo um pesadelo, e tudo o que eu queria era apenas ficar agarradinha a ele, encaixar a cabeça na curvatura de seu pescoço e me inebriar com aquele gostoso aroma amadeirado que só seu perfume tinha.

Agíamos como dois estranhos, cada um em seu próprio mundo.

Durante o almoço em Atenas, fui surpreendida com a notícia de que ele havia alugado um avião particular para voltarmos a Madrid. Quando perguntei o motivo, Sérgio se limitou a dizer que seria mais confortável para Santiago, já que no dia anterior ele sentiu dor, então um voo privado seria melhor para cuidá-lo. Preciso confessar que naquele momento segurei o impulso que surgiu do âmago para não o encher de beijos. Perdidamente tentada a correr e pular em seus braços, tentei agir como se aquilo não tivesse sido muita coisa, como se qualquer outra pessoa em seu lugar poderia fazer o mesmo. Contudo, era muita autossabotagem de minha parte. Por Deus, a quem eu estava enganando? Ninguém jamais faria isso, nem por mim, muito menos por Santiago.

Depois da decolagem e cerca de 40 minutos no ar, Santiago se cansou de tanto chorar e acabou dormindo. Tentei me juntar a ele, mas apesar do sono acumulado o caos instalado em minha mente me impedia de repousar em paz.

Cansada de fantasiar melancolias e lamentações, levantei-me da poltrona no canto do quarto e saí em direção a cozinha improvisada que havia no corredor. Varri os olhos pelo ambiente à procura de Sérgio, porém não havia nenhum sinal dele. O que era de se esperar. Ele havia deixado claro que passaria a viagem na cabine com o piloto.

Nossa maturidade chegou num nível louvável.

Ao elevar meus olhos em direção ao relógio do microondas, notei que passava um pouco mais das três da tarde… Ainda tínhamos duas horas e meia de viagem pela frente.

Sérgio deixou claro que se precisasse de algo, ou a fome por acaso batesse às portas, eu poderia com toda liberdade do mundo procurar algo para comer. E foi exatamente o que fiz. Abri o armário com o intuito de encontrar algum doce, mas quase caí para trás quando encontrei o que menos esperava.

Flashback, 2 anos antes.

“Você está atrasado.” Murmurei divertida, vendo-o passar às pressas.

“Eu sei, já deveria ter descido.” Nitidamente sem fôlego, Sérgio gritou do corredor.

“Você esqueceu do contrato.” Recordei, notando que ele havia passado sem a pasta azul que eu mesma havia organizado naquela manhã.

Sérgio praguejou algum xingamento inaudível, e segundos mais tarde, passou correndo pela minha mesa em direção a sua sala. Eu não sabia se ria de sua desatenção, o que era algo raro, ou da maneira um tanto desajeitada que ele corria. Entre um e outro, me contive em morder mais um pedaço de chocolate.

“Pronto, esqueci mais alguma coisa?” Arqueando as sobrancelhas dramaticamente, o inspecionei dos pés à cabeça. Ok, dessa vez está tudo certo.

“Não encontrei nenhuma falha, pode ir.” Dispensei, vendo-o acenar levemente e retomar o caminho. Contudo, quando Sérgio estava no meio do corredor, algo me ocorreu. “Ei!” Ao ouvir meu chamado, ele se deteve e me encarou novamente. “Quer um pedaço de chocolate?” Ofereci, dando de ombros. “Pode dar sorte.”

Sérgio pensou por um instante, encarando o relógio pousado no pulso. Hesitante, tombou a cabeça em direção ao elevador para se certificar de que a caixa metálica ainda não havia chego e quando percebeu que ainda tinha alguns segundos, Sérgio deu uma leve corrida até minha mesa como um menino travesso.

“O que você tem aí?” Ainda rindo de seu jeito, entreguei a barra em suas mãos.

“É um Lindt, chocolate suíço. Meio amargo e com pimenta chilli.” Informei, observando atentamente cada gesto seu. Quebrando uma fileira pequena, Sérgio mordeu um pedaço bem discreto, parecendo testar. “Então?” Em expectativa, encarei-o sorrindo, esperançosa de que gostasse.

“Um pouco rústico, eu diria.” Ralhou, mordendo mais um pedaço. Foi impossível não rir. “Mas é uma delícia, vou te demitir por não ter me oferecido antes.”

“Eu amo, é o meu favorito.”

“Sempre soube que tinha bom gosto.” Aquela frase era extremamente inocente e sem dupla interpretação, mas de alguma forma senti minhas bochechas esquentarem, assumindo um tom avermelhado. “Muito obrigada, Raquel! Tenho certeza que trará sorte.”

“Ah, para! Pode levar pra você.”

“Não, lógico que não.” Negou, já colocando o resto da barra sobre minha mesa. “Era só um pedaço, me sinto menos estressado pra reunião.”

“Sérgio, eu estou grávida. Não quero engordar ainda mais, se gostou por favor leve.” Insisti, devolvendo a barra em suas mãos. Um pouco hesitante, Sérgio a aceitou.

“Tem certeza?”

“Uhum.” Afirmei, com um aceno positivo, e um sorriso tímido nos lábios. “Agora vai, chefe. Estão te esperando.”

 Fim do flashback, dias atuais.

Eu estava, em poucas palavras, incrédula. Me recusava a acreditar que ele se lembrava daquela informação extremamente banal. Aquilo só podia ser coincidência, não seria possível que...

Erguendo o calcanhar para tentar enxergar um pouco mais no fundo do armário, percebi que não havia mais nenhuma variação. Nenhum ao leite, sem lactose, branco, recheado.

Apenas cinco barras enfileiradas de Lindt, meio amargo com pimenta chilli, e um pacote colorido de M&M. Santiago.

Não sabia se estava mais chocada com o fato dele se lembrar daquela informação, ou com o cuidado que Sérgio teve de escolher apenas meu chocolate favorito.

Quando me dei conta, meus olhos já começaram a arder ao tempo em que um choro amargo despontava na garganta. Mas que infernos, eu não podia simplesmente odiá-lo em paz que a cada esquina surgia um novo motivo para morrer de amores com alguns gestos. Ele não podia ter feito aquilo apenas para me agradar...

I could make you happy, make your dreams come true

Nothing that I wouldn't do

Go to the ends of the Earth for you

To make you feel my love

Sem perder tempo, abri o pacote com todo o cuidado e saboreei pedaço por pedaço como se fosse minha última refeição, me deliciando como alguém que estava há tempos no deserto e necessitava urgentemente de água. Pode parecer besteira, mas encontrar aquela barra específica realmente havia me deixado feliz, principalmente depois dos últimos acontecimentos.

Quando a barra estava no final, ouvi uma movimentação vindo da cabine e não tardou muito para a imagem de Sergio surgir em meu campo de visão. Nos entreolhamos por uma fração de segundos, uma pequena atmosfera de coisas não ditas pairava entre nós. E pela primeira vez desde Mykonos, fui incapaz de me manter indiferente.

“Como?” Perguntei, ainda indignada. “Por que esse chocolate?”

“Depois daquele dia, ele também se tornou o meu favorito.” Ele deu de ombros, sorrindo envergonhado.

Inferno. Por que ele era assim? Por que ele tinha que complicar e tornar tudo mais difícil?

“Obrigada.” Me resumi a um sorriso fraco, dando de ombros e voltando a encarar o chocolate sobre a embalagem de alumínio.

(love in the dark - adele)

Eu era incapaz de encará-lo diretamente, por muito tempo. Minha sensibilidade começou a dar as caras, e sentia que cedo ou tarde terminaria por chorar.

O corredor era um cubículo, eu mal cabia ali, mas Sérgio deu um jeito e conseguiu se encaixar atrás do meu corpo sem sequer me tocar. Continuei agindo como se ele não estivesse lá, porque é claro, é muito mais fácil agir como se nada estivesse acontecendo e fugir do que enfrentar os problemas.

Tinha plena convicção que poderíamos acabar discutindo se aquele tópico viesse à tona, era bem provável que ele pudesse jogar na minha cara que deixar as coisas na Grécia havia sido uma escolha minha. E aquilo certamente iria me machucar.

É óbvio que não voltaríamos a Madrid casados ou namorando, mas o que poderia acontecer se eu nunca tivesse aberto minha boca?

“Raquel.” A maneira como meu nome saía por entre seus lábios era quase erótica, principalmente quando ele estava um pouco impaciente e ela diminuía alguns decibéis, deixando-o um tanto rouco. “Pode olhar pra mim, por favor?” Engoli em seco, torcendo para que se algum ser celestial realmente existir que suma com esse homem da minha frente agora.

“Estou um pouco ocupada.”

“Precisamos conversar.” Não consigo sequer dimensionar o quanto odeio essas duas palavrinhas juntas numa mesma frase.

Please, stay where you are

Don't come any closer

Don't try to change my mind

I'm being cruel to be kind

“Estou ouvindo.”

“Ainda não chegamos em Madrid, ainda temos um par de horas antes de pousarmos.” Meus ombros automaticamente tencionaram ao entender o que aquilo significava. “Raquel-“

 “Por favor, fique onde você está. Não se aproxime. Eu preciso...” Sem que eu tivesse o mínimo controle, minha voz falhou. O choro embargado na garganta havia voltado com força total, e meu peito queimava gradativamente. “Eu preciso que você fique longe, e não tente me fazer mudar de ideia.”

Com apenas um passo, Sérgio me alcançou sem muita dificuldade, colando o peito em minhas costas. Seus dedos vagaram pela minha nuca, penteando meus cabelos paro lado antes de se agachar e distribuir alguns beijos em minha pele. Por um minuto, eu quase gemi em satisfação, e não era pelo chocolate.

“Raquel, o que aconteceu? Eu quero você, me preocupo com você.” Senti meu coração acelerar e bater freneticamente contra o peito, por que ele insistia em dificultar as coisas? “Eu só quero que me diga o que aconteceu, onde foi que eu errei?”

Quando me convidou para viajar com você. E meu maior erro, foi ter aceitado.

 “Sérgio.” Tentei afastá-lo, mas a maneira arrastada que seu nome foi proferido soou mais como um gemido do que qualquer coisa. Respondendo ao seu estímulo, minha cabeça tombou para o lado, dando-lhe mais espaço enquanto ele enlaçava minha cintura e prensava meu corpo contra o armário.

“Por que você está fazendo isso? Por que está me afastando?” O toque de tristeza que sua voz carregava era perceptível.

“Isso não vai nos levar a lugar algum.” Admiti com pesar.

Sem muita dificuldade, Sérgio me virou entre seus braços e eu sequer perdi tempo em oferecer resistência. Mesmo assim, ainda me recusei a encará-lo diretamente. Tocando meu queixo com ternura e delicadeza, com a ponta dos dedos ele ergueu meu rosto cabisbaixo até alinhar meu olhar com o seu.

“Me diga, por favor, o que aconteceu?” Eu não conseguiria mentir, não com ele me encarando com tanta mágoa que chegava a pesar na alma.

Sérgio havia me magoado sem saber o motivo, e eu, inconscientemente, estava devolvendo na mesma moeda.

“Nada, eu não quero falar sobre isso.” Engoli em seco, cada vez mais nervosa e apreensiva.

“Independente do que seja, Raquel, vai ficar tudo bem! Nós vamos ficar bem.” Havia tanta firmeza e confiança em sua voz que realmente cheguei a acreditar que no final do dia estaríamos juntos.

I can't love you in the dark

It feels like we're oceans apart

There is so much space between us

Maybe we're already defeated

“Não vai, Sérgio.” Aquilo estava ficando impossível. Precisava me manter firme, mas acabei cerrando os olhos ao sentir uma pequena pontada na cabeça. Ela parecia querer explodir! “Eu quero que você pare de agir como se existisse alguma solução pra isso.” Afirmei exaltada, num pico de nervoso que me deixava sem ar. Minhas mãos suavam de ansiedade, e eu só queria que tudo aquilo terminasse de uma vez por todas. “Isso aqui, eu e você.” Indiquei, gesticulando euforicamente. “Isso não tem futuro, Sérgio. Nós não temos um relacionamento, nós não temos absolutamente nada! Então pare!”

Sentindo o ar faltar em meus pulmões, após um longo suspiro, notei que meu rosto estava completamente forrado pelas lágrimas. Eu não sabia ao certo se chorava pela dor do que aconteceu, ou pela solidão que me aguardava. Quando chegarmos em Madrid, seremos eu, Santiago e mamãe. Eu estava sozinha. Não fazia ideia de como arrancar Sérgio do peito, e me doía na alma saber que ele estava impregnado como uma tatuagem. Nunca mais seríamos os mesmos e me odiava por permitir que aquele pequeno capricho tivesse tomado aquela proporção astronômica.

“Raquel, nós estamos aqui agora.” Num pequeno impulso, Sérgio tombou para frente e colou a testa na minha, emoldurando meu rosto em suas mãos. “Por favor, pare de me afastar. Eu quero você! Independentemente do que aconteça, Raquel. Não importa o lugar, seja na Grécia ou em Madrid.”

“Para, por favor.” Implorei, já me sentindo fraca psicologicamente.

“Olha pra mim.”

“Sérgio, eu estou cansada. Eu só quero voltar pra minha casa! Quanto menos insistirmos nisso vai ser melhor.”

“Não precisa ser assim, Raquel. Nós podemos dar um jeito!” Fugindo de seu toque, maneei a cabeça em negação antes de tentar me afastar, mas ele acabou me segurando no lugar com um sutil toque em meu braço.

“Me solta.” Ordenei, um pouco grogue e com a voz embargada de choro.

Eu me sentia uma tola chorando, principalmente na frente dele, mas a verdade é que doía. Doía demais.

Pegando meu rosto em suas mãos, Sérgio novamente colou sua testa na minha. Sem forças para continuar naquela guerra inútil, resolvi fechar os olhos e me entregar à exaustão.

“Me fala o que fazer, e eu faço.”

“Me deixa ir embora.” Respondi, num fio de voz.

We're not the only ones

I don't regret a thing

Every word I've said, you know I'll always mean

It is the world to me that you are in my life

But I want to live and not just survive

Sentindo minhas pernas fraquejarem, abri os olhos e vi refletido em suas íris castanhas toda a minha dor. Chorávamos em silêncio, ambos feridos por um sentimento que não havia esperança ou futuro, e quanto mais cedo aceitássemos os fatos seria mais fácil de seguir em frente. Com todo carinho do mundo, Sérgio pousou a mão em minha bochecha e depositou um terno afago ali, secando minhas lágrimas com o polegar antes de se afastar.

“Você realmente deve me odiar...”

“Pelo o que?”

“Por eu ter me apaixonado por você.”

Uma pequena corrente elétrica percorreu minha espinha, eriçando todos os pelinhos de meu braço. Arregalei os olhos, incrédula, e cravei as unhas em minha própria carne para tentar controlar a nova onda de nervosismo que me consumiu. Respirar se tornou uma atividade extremamente difícil, como se eu estivesse em meio a uma maratona. Minha cabeça latejava sem parar, e sentia que a qualquer momento voltaria a chorar não só pela tristeza da alma, mas pela dor física. Eu não deveria me importar com o fato de Sérgio assumir verbalmente que estava apaixonado por mim.

Era aterrorizante, e parecia um pesadelo.

Ele já havia acidentalmente me chamado de “amor” algumas vezes, e pareceu sequer se dar conta do que tinha dito.

Ali, o cenário era outro. À luz do dia ele tinha total ciência do que havia dito. O pior é que apesar de toda a confusão eu sentia que ele realmente estava sendo sincero, chegava ser palpável, e isso era o que mais me assustava.

(chasing cars – sleeping at last)

O resquício da menina romântica e sonhadora que havia sobrado em mim estava em festa, pulando de euforia. Não me lembrava da satisfatória sensação de amar e descobrir que o sentimento é recíproco.

No entanto, o lado racional do meu cérebro havia acionado o alerta vermelho de perigo iminente. Por mais tentadora que fosse a ideia, eu não poderia, não era o certo. Eu estava machucada demais para lidar com o peso daquele sentimentalismo, não era mais uma adolescente inconsequente de 15 anos para me envolver numa entrega total e sem reservas.

Para Sérgio, era tão simples. Ele tinha facilidade com as palavras, enquanto elas soavam como um poema instintivo e singelo, as minhas ficavam presas na garganta e preferiam se manifestar quando mais ninguém estivesse ouvindo. Meu amor era silencioso e covarde, enquanto o dele era corajoso e valente.

Tombando a cabeça em minha direção, Sérgio depositou um casto beijo na pontinha de meu nariz, me fazendo franzi-lo e soltar um sorriso fraco.

Ele estava apaixonado por mim! O homem que eu amo, é apaixonado por mim!

“Vem, vamos descansar, amor.”

Amor.

Amor.

Amor.

Como direi “não” a um pedido desses?

Não há controvérsias. E não adiantava fugir.

Infelizmente, temos a péssima mania de sofrer de maneira antecipada pelo futuro e acabamos negligenciando o presente. Não sabia o que seria de nossas vidas ao descermos do avião, não sabia se tinha conserto para aquela armadilha que eu mesma havia criado. A única coisa que eu sabia era que meu peito transbordava de amor por aquele homem, e se algumas horas é tudo aquilo que nos resta, eu irei parar de resistir e aproveitá-las. Nem que seja dormindo.

Enlaçando nossos dedos, Sérgio colou sua mão na minha e guiou-me em direção ao quarto no fundo do avião.

Santiago continuava dormindo de um lado, agarradinho com a girafa de pelúcia que Sérgio havia lhe presenteado no primeiro dia em que ficaram juntos.

No momento em que me sentei na cama para retirar o par de tênis branco, Sérgio se adiantou e agachou em minha frente, desfazendo cada laço e liberando meus pés. Quando terminou, engatinhei pelo colchão até repousar a cabeça sobre o travesseiro, sentindo meu corpo relaxar por completo quando finalmente me vi na horizontal. Preciso de alguns dias dormindo para recuperar o sono perdido e as noites acordadas.

Senti o colchão ao meu lado se afundar, e antes que eu pudesse perceber, Sérgio já estava ali novamente. Enlaçando minha cintura, ele foi vagarosamente se aproximando, colando o peito em minhas costas e alinhando o corpo ao meu, até estarmos deitados de conchinha.

If I lay here

If I just lay here

Would you lie with me and just forget the world?

Forget what we're told before we get too old

Show me a garden that's bursting into life

Havia algo sobre o calor de seus braços...

Talvez fosse pelo toque de sua mão sobre a minha. A maneira que ele empurrava meu cabelo para o lado e afundava o rosto em meu pescoço.

Mal tínhamos nos separado e eu já sentia sua falta.

“Eu amo o seu cheiro.”                                                   

E eu amo você.

✰✰✰✰✰✰✰✰✰✰

Após estacionar em frente ao portão, desliguei o carro e soltei uma lufada de ar. Ao meu lado, Raquel parecia tão desanimada quanto eu.

Apesar de superado, o evento fatídico no avião ainda estava fresco, muito recente. Aquela tensão criada pareceu desaparecer, dando espaço a um silêncio confortável e uma grande sensação de vazio. Nos deitamos e dormimos juntos, nossa soneca durou cerca de duas horas, até o momento em que Santiago acordou e decidiu brincar.

Passamos os últimos minutos deitados os três na cama, Raquel encostada em meu peito enquanto o neném estava sentadinho ao seu lado, tentando encaixar cada peça colorida dentro de um caminhãozinho cheio de formas geométricas.

Raquel havia parado de me repelir, e passou a aproveitar o tempo que nos restou. Em determinado momento, ela virou em minha direção antes de rodear os braços ao redor de minha cintura e me abraçar com força.

Enquanto nos aconchegamos um no outro, sentindo o calor emanado de nossos corpos, me peguei pensando o quanto sentiria falta. Da maciez de sua pele, do seu cheiro, o cabelo sedoso. A maneira como ela gargalhava ao receber uma série de cócegas, como ela erguia o corpo sobre o calcanhar para tentar alcançar meu rosto, o cuidado com Santiago, a voz rouca pela manhã. Sua espontaneidade. A leveza que predominava no ambiente quando ela estava presente, sua luz.

Ali no carro, o peso da realidade começou a se fazer presente. Era o fim.

(not a bad thing – justin timberlake)

Raquel e eu nos entreolhamos por uma fração de segundos. Com um sorriso fraco e os olhos inchados, ela realmente parecia cansada, e me senti o pior dos homens por fazê-la chorar. Ela não me contou nada sobre o que aconteceu, sobre sua mudança de comportamento, então preferi ignorar e parar de insistir no assunto.

Pousando a mão em sua bochecha, corri o polegar por sua pele, depositando um terno afago. Raquel apenas tombou a cabeça pro lado e fechou os olhos, aproveitando o carinho. Apesar da melancolia fui inundado por uma momentânea sensação de felicidade e por um instante me vi sorrindo. Ela parecia um filme, daqueles que te faz sorrir com a simples menção ao título, que te conforta, que te faz decorar as falas, e você não se importa em assistir 80 vezes porque é o seu favorito. Ela era a minha favorita.

“Chegamos.” Sussurrou num fio de voz. 

“Sim, chegamos.”

Ao levantar as pálpebras e alinhar a mirada com a minha, Raquel sorriu com os olhos. Parecia um pouco triste, mas apesar da dor ela me presenteou com um sorriso tão acolhedor que eu poderia pedir pedi-la em casamento ali mesmo. Quem se importa?

“Promete que não vai me esquecer.” Havia uma certa hesitação em sua voz, como se ela realmente tivesse dúvidas.

So don't act like it's a bad thing

To fall in love with me

“Eu não vou me lembrar de outra coisa.” Afirmei convicto, me encurvando em sua direção até colar minha boca na sua. Raquel não ofereceu resistência, e terminou por encaixar nossos lábios num beijo lento e gostoso. Ela era extremamente macia, e eu não fazia ideia de como seguir adiante sem o nosso “nós”.

Estava tudo indo bem, nossas línguas numa harmoniosa junção de maneira natural, já tão conhecidas e familiarizadas. Quando prendi o lábio inferior entre meus dentes, mordiscando-a antes de sugar levemente, apenas para provocá-la, Raquel suspirou antes que eu voltasse a invadir sua boca com uma gentileza comedida.

Não estávamos sozinhos, e a companhia fez questão de nos lembrar que estava ali.

“Xéjo!!!” O gritinho de Sérgio fez com que o nosso contato fosse quebrado, mas não nos afastamos.

“Alguém quer atenção.” Raquel sorriu contra meus lábios, enquanto eu roçava meu nariz no seu.

“Você deveria saber que ele não é muito fã em dividir a mãe.” Devolvi, deixando um selinho estalado em seus lábios.

Me afastei de Raquel para pousar os olhos em Santiago, que estava escondido atrás do encosto de seu banco. É lógico que eu não a beijaria na frente do garoto.

“Olá, neném.”

“Xéjo!! Mamain!!” Chamou todo dengoso, abrindo os bracinhos pedindo colo.

“Claro, é sempre a mamãe.” Inclinando meu corpo em sua direção, abri o cinto que prendia o corpo na cadeirinha e o puxei para mim. 

Depois de empurrar o banco para trás, o acomodei devidamente em meu colo deixando os pézinhos sobre o câmbio.

“O que foi, neném?” Perguntou Raquel, deixando um carinho na bochecha rechonchuda de Santiago. Em resposta, o menino apenas tombou o corpo para o meu lado,  escondendo o sorriso da mãe, olhando-a de soslaio como se estivessem brincando. “Ah, você quer brincar? Vem aqui com a mamãe, bichinho meu.” Santiago ficou agitado, tentando fugir e se esconder em meu colo, porém Raquel foi mais rápida e o pegou.

Preciso confessar que me senti momentaneamente chateado pelo imediato vazio deixado por ele, eu morreria de saudades daquele neném e aquilo era fato incontroverso.

Enquanto Raquel cutucava a barriga de Santiago e provocava gargalhadas no garoto, o sorriso dele se espelhava no dela, a felicidade transbordando por todos os lados e iluminando o ambiente. Quando ela o puxou para um abraço, o menino rodeou o pescoço da mãe com certa dificuldade e fechou os olhinhos, sentindo todo amor e devoção que ela lhe entregava imensuravelmente.

E com os olhos fixos naquela imagem, acabei me dando conta que não havia me apaixonado apenas por Raquel, mas pela ideia de criar uma família com ela.

O problema é que o nosso amor não tinha esperança. E apesar de estar cercado por todo aquele amor, senti meus músculos tensionarem ao me recordar que não éramos jovens imaturos e inexperientes, sabíamos com exatidão qual era o final daquela história.

É bem provável que minha aflição tenha transparecido em meu rosto, pois quando Raquel aconchegou Santiago em seu colo, nos entreolhamos por uma fração de segundos, e o sorriso que ela levava automaticamente desapareceu. Numa espécie de telepatia, como se de alguma forma ela sabia o que eu estava pensando, Raquel endireitou a postura e respirou fundo, desviando o olhar para frente.

Se não fosse pelos gritinhos animados de Santiago, estaríamos mergulhados num silêncio ensurdecedor, nenhum dos dois se atreveu a verbalizar qualquer coisa. Parecia um pecado. Ficamos cerca de cinco minutos submersos naquele clima quase constrangedor até que, após juntar toda coragem, ela finalmente começou:

“Sérgio, eu-” Hesitou, encarando um ponto qualquer ao lado de fora. Vamos, Raquel. Diga. “Eu-”

“Sim?” Incentivei, sentindo-me momentaneamente ansioso. Eu só precisava de uma palavra.

“É, eu...” Raquel e eu nos entreolhamos enquanto Santiago brincava com as mãos dela. Quando estufou o peito para responder, parecia tão decidida que por um momento pensei que aquele suplício chegaria ao fim, mas as palavras morreram em seus lábios, e após um maneio negativo, como se estivesse organizando as ideias, ela praticamente sussurrou:  “Pode me ajudar com a mala?”

Ah.

“Claro.”

Nada seria capaz de dimensionar minha frustração naquele momento.

Calma, Sérgio.

Tenha paciência, você ama essa mulher.

Eu só precisava que ela acabasse com aquela ideia imbecil de deixar na Grécia o que vivemos. Respeitei suas palavras, sua escolha, e apesar de todos os indícios de que ela desejava que nosso relacionamento funcionasse tanto quanto eu, em algum determinado momento comecei a me perguntar se, apesar de querer, ela realmente estava pronta para se comprometer de livre e espontânea vontade.

Isso não significa que eu colocaria um anel em seu dedo, ou que chegaríamos de mãos dadas na editora. Ainda tenho amor a mim e a mulher ao meu lado, sabia muito bem das fofocas maldosas que poderiam surgir caso alguém nos flagrasse em alguma situação não muito profissional, então faria o possível e o impossível para protegê-la de qualquer mau julgamento. Poderíamos perfeitamente levar aquilo adiante, ainda que de maneira discreta, até quando ela se sentisse bem o suficiente para algo maior. Até porque nepotismo nunca foi um problema para a FR.

O ponto crucial era ela querer e se entregar, coisa que eu duvidava muito que acontecesse.

“Vocês chegaram!”

E aí está ela.

A mulher a qual eu devia todo meu agradecimento e devoção.

Raquel comentou que ao receber o convite para irmos a Grécia, ficou receosa e se encontrou num estado de negação. Entretanto, Mariví com certa manha conseguiu convencê-la em aceitar. Sem aquela senhora, nada daquilo teria sido possível.

“Olá, mamãe.” Conforme Santiago e Raquel se aproximavam de Marivi, o menino ficava cada vez mais eufórico ao ter a avó em seu campo de visão.

Senti meu coração se aquecer ao notar que aquela família era puro amor. Os três se abraçaram com nítida saudade, como se a última vez que se viram foi há um ano. Eu queria aquilo, queria ter uma família. E por uma fração de segundos, peguei-me triste ao me dar conta que apesar de todo o dinheiro em minha conta bancária eu jamais seria capaz de comprar o amor ou afeto de alguém. Naquela noite, ao chegar na cobertura, ninguém estaria me esperando e eu voltaria a ficar sozinho.

“Sérgio!” A estridente voz de Marivi invadiu-me os pensamentos, tirando-me da bolha de distração que havia entrado.

Tudo aconteceu muito rápido, e antes que eu pudesse me dar conta, a mãe de Raquel já estava me abraçando.

“Mãe!” Repreendeu Raquel, com as bochechas avermelhadas e os olhinhos carregando um singelo pedido de desculpas. Não me importei com o abraço, inclusive agradeço. Mariví tinha um cheirinho de vó, um abraço aconchegante de mãe, e eu sentia falta daquilo. Mais do que pudesse colocar em palavras.

“Me perdoe a ousadia, Sérgio!” Ralhou divertida, desfazendo nosso abraço e pousando os olhos em meu rosto. “Foi um abraço de agradecimento, por trazer minha filha e meu neto sãos e salvos pra casa.”

“Não há o que agradecer.” Oh, Dona Mariví… Se soubesse o que eu seria capaz de fazer pela sua filha.

“Agora venham, entrem, vamos tomar um chá!”

Após Santiago e Raquel passarem pela porta, com um sutil toque em minhas costas, Marivi me empurrou para dentro da casa, e não me preocupei em oferecer resistência.

“Com licença.”

“Ah, fique à vontade!”

Eu já imaginava que a casa de Raquel fosse grande, mas jamais pensei que fosse tão linda por dentro. A sala era espaçosa, as paredes brancas alternando com um tom de bege bem clarinho, e uma específica com um lindo papel de parede. Havia uma escada bem alta, a qual imaginei que daria acesso aos quartos na parte de cima. Era tudo muito limpo e cheiroso, um ambiente extremamente convidativo e acolhedor.

Depois de correr os olhos pelo espaço, me vi perdido nos milhares de porta-retratos espalhados. Na parede, na mesa central entre os dois sofás, e nos aparadores.

Decidido a olhar mais de perto, após pousar as malas no chão, me aproximei com cautela do aparador branco ao lado da porta. Havia um porta-retrato com uma foto de Santiago vestido com uma roupinha social, camisetinha branca, suspensório e calça preta. Algo naquela foto me fez sorrir ao me lembrar de seu aniversário de um ano. Raquel estava linda naquele dia, assim como todos os outros, mas havia algo em seu caminhar, a maneira como ela se movia de um lado para o outro como uma mãe preocupada com os mínimos detalhes para que a festa fosse perfeita.

Incapaz de me limitar à observação, peguei em minhas mãos um outro porta-retrato em que havia uma foto dela com Santiago sentadinho em seu colo, brincando de puxar os fios soltos dos cabelos da mãe. Ele usava apenas uma fralda, com a barriguinha de fora, enquanto os lábios se curvavam num sorriso banguelo. O vínculo entre os dois era tão lindo e palpável, que parecia um elo desde outras vidas.

“Sérgio, querido, posso te pedir um favor?” Trazendo minha atenção para si, elevei os olhos à figura de Marivi antes de devolver o porta-retrato no lugar. Percebi que Raquel havia sumido e automaticamente me vi em estado de alerta. “Se não for abuso de minha parte, se importaria de subir com essas malas?”

“Mas é claro que não.” Respondi sem hesitar, já pegando as malas em mãos e me aproximando do primeiro degrau.

“Muito obrigada, filho, é só subir as escadas! Raquel está lá em cima, ela disse que iria trocar a fralda de Santiago.” Informou, atenciosa. E enquanto subia as escadas, minha caminhada foi brevemente interrompida. “Sérgio?”

“Sim?”

“O quarto de Santiago é o último do lado esquerdo do corredor, pode ficar à vontade.” E concluindo a insinuação implícita com um leve piscar de olhos, a mãe de Raquel me presenteou com um sorriso cheio de cumplicidade antes de sumir pelo corredor em direção a cozinha.

 

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(cinnamon girl – lana del rey)

“Chegamos em casa, neném.”

Era engraçado conversar com Santiago. No início me sentia um pouco tonta, mas hoje acabou virando uma questão de costume e necessidade. Precisava incentivar a fala do meu neném, e ele estava indo muito bem!

“Abrrrrrr...” Soltando o ar pela boca e fazendo um engraçado barulho de carrinho, Santiago segurava meu celular distraído enquanto eu me ocupava de passar o talco em seu bumbum.

“Abrrrrrr...” Devolvendo a brincadeira, comecei a fazer cócegas em sua barriguinha. Ele tentou se remexer e fugir, mas consegui endireitá-lo para grudar o adesivo na fralda e deixá-lo novinho em folha.

Santiago soltava uma gostosa gargalhada ao tempo em que o rostinho assumia uma tonalidade avermelhada após tanto esforço para rir. Por um minuto acabei esquecendo que havia abandonado meu chefe no andar de baixo, estava sendo uma verdadeira montanha-russa lidar com ele nas últimas horas.

Foi então que em meio a uma crise de riso, algumas batidas na porta do quarto ressoaram pelo cômodo.

“Posso?” Sérgio tinha os lábios prensados numa linha fina, enquanto segurava a pequena malinha de Santiago, em expectativa, atento ao meu comando.

“Vem, Xéjo. Vem!” Abrindo e fechando a mãozinha repetidamente, meu filho o chamou para dentro sem me dar a mínima chance de rebater. Sérgio e eu nos entreolhamos por um segundo e acabamos por rir do jeitinho de Santiago. Meu neném realmente havia se tornado uma espécie de alívio cômico.

“Santiago disse que sim, o quarto é dele.”

Sérgio foi vagarosamente entrando no quarto de Santi, correndo os olhos pelo cômodo como se estivesse analisando. Ele era detalhista e sistemático ao extremo, e me peguei rindo ao imaginar como seria sua própria casa.

“Sua mãe me pediu pra subir com as malas. Imagino que essa seja dele.”

“Sim, obrigada. Pode me trazer? Depois vou separar as roupinhas para lavar.” Informei, endireitando minha postura. Quando me entregou a mala e seus dedos roçaram nos meus despretensiosamente, senti uma pequena corrente elétrica serpentear por todas as minhas células. Não importava o quanto eu tentasse negar com palavras, ou até mesmo atitudes, meu coração insistia em bater mais forte com sua mera aproximação, e meu corpo se tornava meu maior traidor. “Pode olhá-lo por um segundo? Vou jogar a fraldinha suja fora.”

“Claro!”

Pegando meu lugar em frente ao trocador colado no berço, Sérgio se debruçou sobre Santiago antes de começar a fazer algumas gracinhas com ele. Ele pegou os pés gorduchos e levou até a barba, fazendo com que o neném soltasse mais uma gostosa gargalhada pelas cócegas causadas pelo atrito da pele suave e o pêlo áspero. 

Pensei em ficar e observar de longe, tentada a me agarrar naquele fio de felicidade plena até o último momento, mas ao invés disso chacoalhei a cabeça por um instante, recolocando as ideias no lugar, e descobri que seria mais prudente evitar os pequenos gestos e lamentações. Então, após um longo suspiro, segui meu caminho até o cestinho de lixo em uma das extremidades do cômodo.

Quando virei sobre meus pés para voltar, ouvi um grito agudo de Santiago que poderia facilmente estourar meus tímpanos. Conforme me aproximava um sorriso foi se formando em meus lábios ao notar que dessa vez Sérgio apertava as coxas rechonchudas de Santi, e logo em seguida passava a barba levemente pelo local.

Meu filho gargalhava, com os olhinhos fechados e a boquinha aberta num riso contagiante. De maneira automática, me coloquei ao lado de Sérgio e me contive em observar a interação dos dois.

“Como ele está?” Indagou interessado, me encarando por sobre os ombros. Senti minhas bochechas corarem de vergonha ao, provavelmente, ter sido flagrada com uma cara de boba apaixonada.

“Bom… acho que está bem, não teve febre desde ontem.” Dei de ombros, pousando os olhos em Santiago para pentear os fios dourados com os dedos. Eu era incapaz de simplesmente encará-lo e ainda por cima usava meu filho para fugir.

Como eu sou… patética.

“Qualquer coisa você me liga.” De repente, seu rosto assumiu um tom de seriedade ao se dirigir a mim e todo o divertimento anterior pareceu evaporar pelo ar.

“Não precisa se incomodar, Sérgio, ele está bem.” Assegurei convicta, pegando a roupinha de Santiago no berço para vesti-lo.

“Raquel, eu estou falando sério. Por favor!” Cerrando os olhos em sua direção, não pude evitar sorrir ao notar seu jeitinho. Ora carrancudo, ora dengoso pedindo com jeitinho. “Eu fico preocupado com ele... Com vocês dois.”

“Ok, tudo bem.” Respondi, franzindo o nariz ao notá-lo perder a compostura de durão e sorrir agradecido. É óbvio que eu não ligaria para ele, depois de passar do portão da minha casa ele voltaria a ser apenas meu chefe. Nada além disso. O pensamento fez com que uma súbita sensação de tristeza me invadisse o coração. Engolindo em seco, desviei o olhar em direção a Santiago, já sentindo o choro amargo despontar na garganta. “Filho, ei, vamos colocar uma roupinha.”

Sérgio deu um passo para trás, me dando o espaço em frente ao neném para vesti-lo com uma roupinha de frio. A temperatura em Madrid havia caído, e apesar de estarmos aquecidos dentro de casa, não queria deixá-lo exposto.

Enquanto arrumava o body de Santiago, eu conseguia sentir o peso de seu olhar sobre mim. Queimava na pele.

“Raquel.”

“O quê?”

“Raquel, olha pra mim.” Após soltar uma lufada de ar, reuni minhas forças para encará-lo novamente. Não queria que ele percebesse o quanto eu ainda estava magoada, mas seria inevitável.

“O que foi?” Nos entreolhamos apenas por uma fração de segundos, mas fora o necessário para que eu encontrasse minha dor espelhada em suas íris castanhas. As pupilas de Sérgio pareciam dilatadas, enquanto a feição estava distorcida numa expressão de angústia. Aquilo tinha saído do nosso domínio.

Um pouco distraído, desceu os olhos até encarar fixamente meus lábios entreabertos, antes que eu pudesse esconder o inferior entre os dentes para ludibriar minha vergonha. Pensei que ele faria algum comentário, ou até mesmo me pedisse por um beijinho - internamente eu rezava para que fosse isso - mas a única coisa que fez foi prender atrás da orelha uma mecha de cabelo que insistia em cair em meu rosto.

“Obrigado por me deixar ficar com ele.”

“Eu que agradeço por cuidar dele.” Respondi num fio de voz, com um sorriso afável, pisquei carinhosamente em sua direção antes de voltar a encarar o neném porém ele continuou.

“E-eu posso colocar a roupinha nele?” Encarei-o estupefata, cerrando os olhos em desconfiança. Não sei explicar o motivo ao certo, mas o pedido soou, minimamente, cômico. “Não faço isso há muito tempo, queria saber se ainda sei… sabe? Vestir um bebê.” De longe aquela era a desculpa mais esfarrapada que eu já ouvi na vida, ele só queria se aproximar de Santiago novamente.

“Claro, fique a vontade."

E ao me afastar novamente, Sérgio pegou meu lugar frente ao trocador e começou a vesti-lo. Ao notar o jeito um pouco atrapalhado, me ofereci para ajudá-lo, mas orgulhoso como era acabou dispensando e disse que estava tudo sob controle.

Embora tivesse um pouco de dificuldade, ele passou a manga em cada bracinho antes de roçar a barba na barriga do neném e arrancar uma nova crise de riso. Colocou a calça do moletom azul pelo lado contrário, e precisou fazer o serviço duas vezes. Por fim, colocou nos pézinhos o par de meias estampadas com dinossaurinhos, antes de pegá-lo no colo e jogá-lo para cima, fazendo Santiago rir ainda mais.

Tudo parecia acontecer em câmera lenta. A euforia de Santiago, o sorriso largo e sincero de Sérgio. Quando ele aconchegou o neném em seu colo e encaixou a chupeta em sua boquinha, Santiago tombou a cabeça no ombro dele, se aconchegando ali.

Desejei que o relógio simplesmente congelasse.

Por um instante voltei a cogitar a ideia de dizer a Sérgio que queria continuar o que tivemos. No entanto, eu era covarde demais para isso. Não tinha bravura o suficiente para me jogar e decidir seguir em frente, não tinha peito para encará-lo, jogar as cartas na mesa e tirar a limpo a história de Carolina. Pelo menos não naquela ocasião. Eu precisava de tempo e espaço para pensar.

Não se tratava unicamente sobre de mim e minhas vontades. Nunca foi apenas sobre nós dois, mas um conjunto de fatores que pesavam e sempre estariam presentes entre nós. Tratava-se de escolher o que era melhor para mim, para Santiago. Se tratava do meu emprego, da minha honra e dignidade.

Se eu me envolvesse com Sérgio, o que seria do meu serviço? O quão sem ética eu poderia ser por dormir com o meu chefe? Eu teria culhões para lidar com as fofocas? E se algum dia ele acordar e dizer que não me quer mais?

Eu não estava disposta a me entregar de corpo e alma. Contudo, não fazia ideia de como tirá-lo da cabeça. Precisava aceitar que, talvez, as melhores coisas da vida não foram feitas com o intuito de durarem para sempre.

Por mais que me machuque… tudo bem. Alguns amores não foram feitos para serem eternos. Às vezes, eles podem durar alguns meses, semanas.

 E infelizmente, o meu durou apenas cinco dias.

There's things I wanna say to you, but I'll just let you leave

Like if you hold me without hurting me

You'll be the first who ever did

There's things I wanna talk about, but better not to keep

 

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(exile – taylor swift feat. bon iver)

 “Sérgio, não vá embora. Ainda está cedo.”

Depois de um breve chá preparado por Mariví, recebi uma mensagem de Tokio me convidando para jantar em sua casa. Pensei em recusar e dizer à minha filha que estava cansado, mas eu também sabia que não queria voltar para a solidão do meu apartamento. Não naquela noite, não depois de passar alguns dias na constante companhia de Raquel e Santiago.

Ao olhar para o rostinho abatido de Raquel sentada no outro lado da mesa percebi que talvez minha presença não estivesse deixando-a confortável. Suas respostas eram curtas, mal conseguia me encarar diretamente nos olhos, e confesso que me rasgava o coração vê-la naquele estado.

Por outro lado, sua mãe foi super atenciosa, exalando simpatia. Conversamos sobre o evento, Santorini, Santiago... É claro que precisei esconder o fato de termos dormido juntos, ou até mesmo o fato de eu ter me apaixonado por sua filha em cinco dias. Contudo, tinha a estranha sensação de que Mariví percebeu o que estava acontecendo, ou pelo menos imaginava. Apesar do clima agradável entre nós dois, havia uma atmosfera de ansiedade no ar, a tensão pesava, e Raquel parecia cada vez mais inquieta.

“Muito obrigado pelo convite, Mariví, mas me perdoe, realmente preciso ir agora. Tenho um compromisso com a minha filha.” Expliquei, conforme caminhávamos até a sala. Santiago estava brincando dentro de um pequeno cercadinho, distraído com alguns de seus brinquedos barulhentos e coloridos. Por Deus, como seriam meus dias sem aquela dose de inocência e ternura?

“Então, vá ao encontro de Tokio, e mande um beijo por mim! Na próxima vez, traga a menina com você, a presença dela é muito agradável.”

“Claro, ficarei encantado em voltar.” Assegurei, com um aceno positivo e um sorriso sincero nos lábios. Eu realmente conseguia sentir o afeto de Mariví.

Enquanto Raquel se afastava com o intuito de colocar algum desenho na televisão para entretenimento de Santiago, Mariví me puxou para um forte abraço que foi prontamente correspondido.

“Muito obrigada por cuidar da Raquel e do meu neto!” Sussurrou num fio de voz.

“Obrigado por me ajudar a convencê-la.” Devolvi, sentindo-me, mais uma vez, genuinamente grato por tudo aquilo que vivemos.

“Dê tempo a ela, vai ficar tudo bem.” Bingo! Minhas suspeitas foram confirmadas, e Mariví realmente sabia a respeito do meu envolvimento com Raquel. A intuição materna nunca erra.

Quando nos desvencilhamos, a senhora de cabelos brancos e olhos esverdeados me presenteou com um terno sorriso. Numa pequena troca de cumplicidade implícita, Mariví e eu piscamos um para o outro, e automaticamente me vi sorrindo ao notar que havia conquistado uma aliada.

“Mãe, pode cuidar de Santiago por um segundo? Vou levá-lo até a porta.” Cruzando os braços frente ao peito, como se estivesse se protegendo contra o frio, Raquel, envolta num casaco bege de crochê que parecia um pouco maior do que a numeração dela, se dirigiu a Marivi com certa urgência, já caminhando em direção a porta como se estivesse com pressa.

“Claro, filha! Eu vou levá-lo para cima.”

“Posso me despedir dele?” Raquel hesitou por um instante ao ouvir minhas palavras, e buscou apoio em Mariví através do contato visual, como se estivesse silenciosamente pedindo por ajuda. Por mais difícil que fosse, eu era incapaz de ir embora sem me despedir do neném. E Raquel sabia disso.

“Só não diga tchau, ele pode se magoar e não te deixar ir embora.” Autorizou Mariví, num sorriso reconfortante. Quando olhei na direção de Raquel, ela havia apoiado as mãos na cintura e virado de costas para não ver.

Caminhando vagarosamente até o cercadinho de Santiago, me agachei até estar a sua altura. Quando o menino notou minha presença, tirou o brinquedo da boca e desgrudou os olhos da televisão por apenas um segundo.

“Ó, Xéjo.” Ele estava com o rostinho todo molhado de saliva, mas o babador impedia de molhar seu casaco de dinossaurinhos.

“Sim, estou vendo!” Com todo carinho e cuidado do mundo, pousei a mão em seus cabelinhos e depositei ali um terno afago. “Você gosta desse desenho?”

Eu havia me apegado a ele mais do que imaginava e deveria. Antes de Santorini eu havia me esquecido por completo de como era uma vida com a presença amena de uma criança. O brilho nos olhos de alguém que ainda tinha o mundo inteiro a desbravar.

Ocorre que Santiago não era simplesmente uma criança como qualquer outra. Ele é doce, amoroso, carinhoso, obediente, lindo por dentro e por fora. Ele é o filho da mulher que eu amo! E era impossível não estender esse sentimento a ele.

Com o coração apertado no peito, uma sensação de dor e saudade, curvei-me sobre Santiago e depositei um suave beijo no alto de sua cabeça. Eu queria protegê-lo, queria cuidá-lo. O neném sequer percebia o cenário caótico que o rodeava, continuava com os olhos estalados na tela da televisão, e talvez seja essa alienação do mundo real o mais bonito na inocência das crianças. Elas conseguem transmitem paz e alento nos tempos mais difíceis, e nos inspiram a fazer o que é certo. Naquele momento, tive a sensação de que seria capaz de fazer qualquer coisa para manter aquele sorriso no rosto dele.

A ideia de ficarmos distantes deixava meu coração em pedaços, e de repente meu maior medo se tornou a minha figura cair no esquecimento, e ele nunca mais se lembrar de quem eu sou.

“Eu te amo, Santiago.” Sussurrei de maneira inaudível, como se estivesse confessando um segredo. “Vou sentir sua falta, rapazinho. Algum dia eu volto, prometo.”

E talvez, aquelas foram uma das minhas palavras mais sinceras já proferidas.

Ao lado de fora, o clima parecia um pouco melancólico, e pelo céu carregado percebi que não tardaria chover. A brisa estava um pouco fria e, apesar de Raquel ter colocado uma calça, um casaco e uma bota ugg, fiz uma nota mental de que ela não poderia ficar exposta ao vento gelado por muito tempo, então nossa despedida seria mais rápida do que eu desejava. O pôr do sol estava de tirar o fôlego, mas daquele ponto de vista tudo pareceu perder um pouco da beleza.

Quando Raquel fechou a porta atrás de si, ela instintivamente alinhou os olhos com os meus antes de um sorriso triste despontar em seus lábios. Por dentro eu estava doido para envolvê-la em meus braços, enchê-la de beijos e dizer que eu estava ali por ela. Que eu estava apaixonado, e que tudo ficaria bem. No entanto, existia uma pequena barreira entre nós, ainda que invisível. Me doía por dentro não saber como fazê-la se abrir e ser sincera.

“Então é isso...” Comecei, após soltar uma lufada de ar. Um dos dois precisava dar o primeiro passo.

“É.” Ela manteve os braços envolta de si, se abraçando e mantendo a postura na defensiva. Raquel parecia tão perdida quanto eu.

Como, supostamente, deveríamos agir? O que eu deveria dizer à mulher na minha frente que eu não queria ir embora? Existe alguma maneira de dizer “eu te amo” sem usar essas palavras?

“Muito obrigada.”

“Não há o que agradecer, Raquel.”

“Por favor, me deixe continuar...” Insistiu, com as mãos levantadas em protesto. Respeitando sua vontade, apenas com um aceno positivo deixei que prosseguisse. “Obrigada por ter organizado essa viagem, e principalmente por me convidar. O evento foi incrível, surreal, e independente do resultado, eu-eu estou muito orgulhosa de você. Eu sou muito orgulhosa de você! O-obrigada por ter sido tão paciente comigo, por todo o cuidado com Santiago… E, e e-eu.” Sua linguagem corporal era de partir o coração.

“Raquel.” Tentei impedi-la de continuar. Eu não queria ouvir nada daquilo, não era esforço algum.

“Não, Sérgio, deixe- me terminar! Eu só… Preciso de um minuto.” Colocando as mãos frente ao rosto escondendo sua face, Raquel respirou fundo como se estivesse se controlando. 

I think I've seen this film before

And I didn't like the ending

You're not my homeland anymore

So what am I defending now?

You were my town, now I'm in exile, seein' you out

“Raquel, olha pra mim, por favor.” Com o timbre da voz suave, tentando deixá-la tranquila, chamei-lhe a atenção, mas aparentemente não surtiu efeito algum pois ela continuava tampando o rosto. “Amor, olha pra mim.”

Tirando as mãos de sua face, me revelando uma expressão triste, com os olhinhos brilhantes e os lábios num bico extremamente fofo, Raquel franziu o cenho graciosamente.

“Você joga muito sujo!”

“Me deixe falar, sim?” Ainda com a carinha triste, Raquel acenou positivamente antes de tombar a cabeça para o lado, me observando com atenção. Ela era tão linda, eu sequer tinha ido embora e a já sentia o vazio deixado pela falta dela. “Entre nós, a única pessoa que precisa agradecer, sou eu. Esses foram os melhores dias da minha vida, não previ ou calculei o que pudesse suceder naquela ilha, mas a realidade é que eu jamais poderia imaginar a magnitude do que aconteceu e do quanto você me faria feliz.” Comecei, encaixando minha mão em sua mandíbula. Raquel cerrou as pálpebras e suspirou ao sentir a carícia de meu polegar em sua pele, quando abriu os olhos novamente, ela sorriu de um jeito tão terno que aqueceu meu coração. “Não só você, claro. O Santiago também.” Corrigi, me consertando depressa. Raquel franziu o narizinho, exatamente como o neném. “Eu entendo suas preocupações, seus receios, e jamais te forçaria a nada. Que isso fique muito claro! Mas eu preciso de você comigo, preciso que não me abandone na editora.” Esclareci, tentando ser direto o mais carinhosamente possível. Não sei o que poderia ser da minha vida caso Raquel pedisse demissão para nos separarmos. A convivência seria quase impossível, mas apenas a ideia de perdê-la fazia com que um arrepio percorresse minha espinha. “Eu faço qualquer coisa, aceito qualquer condição. Mas, por favor, não me deixe sozinho.”

“Eu preciso...” Livrando-se de meu toque e endireitando a postura, Raquel pousou a mão sobre o colar por uma fração de segundo, parecendo pensar. “Preciso te devolver isso.” Eu não aguentaria.

“Não.” Antes que ela pudesse levar a mão ao fecho, segurei delicadamente em seu braço, impedindo. “Não faz isso.” Implorei, escorregando o toque até entrelaçar nossos dedos. Levando ambas as mãos até meus lábios, depositei um beijo casto no dorso de cada uma, cada gesto sob o olhar atento de Raquel. Eu a conhecia, ela estava se segurando e eu não sabia quanto tempo iria aguentar. A sensação era como se eu estivesse sendo rasgado por dentro.

You never gave a warning sign (all this time)

(So many signs) I never learned to read your mind

(So many signs) I couldn't turn things around

Soltando uma de suas mãos, pousei a outra sobre meu coração. Ao sentir as batidas descompassadas, Raquel arfou o peito, tombando o corpo para frente levemente. Os olhos dela estavam lacrimejados, e por um instante engoli em seco, sentindo o sangue correr mais rápido em minhas veias diante daquele olhar triste e apaixonado.

(besamé - camila)

“Me perdoa por só descobrir em cinco dias o que eu já sentia há cinco anos.” O peito de Raquel subia e descia num ritmo acelerado, queimando em ansiedade. Naquela altura do campeonato, havia esquecido até mesmo do meu nome e só tinha uma certeza. “Eu sou completamente, irrevogavelmente e imensuravelmente apaixonado por você, Raquel. E eu nunca tive tanta convicção de algo em toda a minha vida. Você não precisa me amar, você não precisa ficar comigo. Mas se você continuar usando esse colar, mesmo se me odiar, nós vamos ficar bem. Eu- sei que você ainda estará comigo. Eu… só quero que você seja feliz.” Afirmei com pesar, triste pela momentânea ideia de vê-la se apaixonar por um outro alguém.

Em resposta, Raquel retirou a mão pousada sobre meu peito e segurou em meu rosto, me puxando para si. Com os olhos fechados, compartilhando a dor um do outro, ela colou a testa na minha enquanto eu envolvia meus braços ao redor de sua cintura, apavorado pelo futuro onde sequer nos tocávamos.

“Eu nunca poderia odiar você.” Murmurou, beijando a pontinha do meu nariz, enquanto os dedos corriam vagarosamente pela minha barba numa carícia preguiçosa.

Quando nos afastamos, Raquel deu um passo para trás, fazendo com que meu enlace em sua cintura fosse desfeito. Foi então que tudo ficou claro como a água cristalina, era o fim. Não havia mais escapatória, era o meu momento de ir embora e vê-la escapar por entre os vãos dos meus dedos. Eu só precisava de uma última coisa:

“Só fica aqui comigo, por um minuto.” Pedi com a voz suave, quase num tom de súplica. “Fica aqui comigo. Eu não sou o Sérgio, você não é a Raquel. Somos apenas… nós.” Com certa relutância, Raquel respirou fundo e sorriu triste antes de se aproximar novamente. Não nos tocamos, estávamos separados por alguns poucos centímetros que mais se pareciam como um abismo. E dali pra frente, aquela seria a nossa distância politicamente correta.

“Um minuto.” Concordou, alinhando o olhar com o meu.

E como numa espécie de curta metragem, imagens aleatórias foram surgindo em minha mente como um estalo. A primeira vez que ela abriu a porta do quarto com um robe, quando sentou no meu colo depois do jantar, a tensão no quarto antes da premiação, quando me puxou para dançarmos Abba, o beijo no bar, o sorriso dela ao receber cócegas, a face retorcida numa expressão de puro prazer ao chegar no ápice, quando andamos de jet-ski, quando estava amamentando Santiago…

Cinco dias passaram naquele minuto que mais pareceu uma eternidade. Raquel e eu nos entreolhamos num misto de gratidão e saudade. O olhar carregado de amor e devoção. Eu não sabia o que esperar, o futuro me transmitia uma incômoda sensação de incerteza, mas independentemente do que nos esperava eu tinha total convicção de que aquela mulher, com aqueles olhos castanhos, marcantes, lacrimejados, brilhantes e cheios de sonhos, era a mulher da minha vida. Meu amor por Raquel não tinha limites. Nunca houve.

Rezei silenciosamente para que ela me pedisse pra ficar, e não me deixasse ir embora. Porém, tudo o que Raquel fez foi suspirar e limpar o cantinho dos olhos, enxugando uma lágrima que estava a ponto de escapar.

Emoldurando seu rosto em minhas mãos, depositei um beijo casto em sua testa antes de roçar meu nariz contra o seu. Abrir mão de Raquel estava sendo a coisa mais difícil que já fiz na vida, porém deixá-la livre era o maior ato de amor que eu poderia expressar.

Aquela despedida era o atestado final.

“Adeus, Marquina.” Franzindo o cenho, me afastei antes de encará-la com um ar de desconfiança. Raquel sorriu acanhada, como uma menina travessa, enquanto as bochechas coravam de maneira graciosa.

“Até amanhã, Murillo.” Após um leve piscar, numa implícita promessa de que ainda estaríamos juntos, direcionei a Raquel um último olhar antes de descer os dois degraus e dar-lhe as costas, caminhando em direção ao carro.

Quando estava no meio do jardim, ela me chamou num grito quase desesperador, me obrigando a interromper o passo e olhar preocupado em sua direção.

“Hey!”

Num estalo, Raquel começou a correr em minha direção até romper a distância num pulo. Segurando-a pela coxa, sustentando seu corpo, ela envolveu as pernas em minha cintura antes de agarrar meu rosto e puxar para si.

Raquel cobriu minha boca com a sua antes de enfiar as mãos em meus cabelos com força. Com um gemido suave, nos encaixamos num ângulo perfeito e retribuí o beijo com toda a paixão que existia em meu peito, acariciando minha língua com a sua na esperança de que todos os nossos problemas pudessem se esvair com aquele contato. Eu não suportava a ideia de estar separado dela, e tentei demonstrar naquele gesto apaixonado, uma última vez, que sempre estaria ali.

O beijo foi se tornando cada vez mais profundo, como se o mundo estivesse prestes a acabar. Eu abraçava seu corpo esguio com força, mantendo-a colada junto a mim enquanto éramos atingidos sem piedade pela rajada do vento frio.

Quando nos separamos para recuperar o fôlego, senti meu coração ainda acelerado. Raquel respirou fundo e me presenteou com um lindo sorriso genuíno contra meus lábios antes de me apertar com força.

A verdade é que, talvez, não tenhamos sido feitos um para o outro. Tal qual Dante e Beatriz.

Mas eu sabia que por mais que minha alma estivesse chorando naquele momento, uma hora tudo ficaria bem.

A saudade que ela deixou em meu peito, foi a continuação da nossa história. E apesar de naquela tarde nos separarmos, na verdade, eu nunca fui embora.

Bésame así, sin compasión

Quédate en mí, sin condición

Dame tan sólo un motivo

Y me quedo yo

 

 

✰✰✰✰✰✰✰✰✰✰

 

 

 

 

 

“E então?” Prieto nem se dignou a encarar o homem que parou em frente a sua mesa. “Tem alguma coisa que me interesse?”

“Parece um conto de fadas.” Respondeu cínico, jogando o envelope pardo sobre a mesa. E só então Prieto desviou os olhos do jornal para encará-lo por sobre a lente dos óculos de grau. Ainda um tanto indiferente, o mais velho abriu o envelope e retirou de dentro cinco fotografias. Um sorriso quase maligno surgiu em seu rosto, a ponto de fazer o amigo de Sérgio sentir calafrios. “E o que fazemos agora, chefe?”

“Vamos ficar de olho na secretária, ela é o ponto fraco dele.”

“Só isso?” E por alguns minutos, Prieto pareceu pensar sobre o que fazer. Até que algo lhe ocorreu.

“Procure o ex-marido, vamos ver o que Raquel Murillo tem a esconder.”

“Mais alguma coisa?”

“Sim, ligue pra ruiva. Avise que Sérgio Marquina está de volta.”

 

 

 

✰✰✰✰✰✰✰✰✰✰

 

 

 

Flashback, algumas horas antes.

Mykonos, 04:57

(secretly – jennifer lopez)

Era impossível não sorrir. Senão pelo pedido terno de Raquel, ou pela maneira em que ela prendia a respiração em expectativa.

Ao encurvar sobre seu corpo esguio, parei a alguns centímetros de distância de seus lábios brilhantes e convidativos. Apesar do delicioso formigamento que me consumia e a ansiedade absurda de me perder naquela mulher até o amanhecer, tinha a sensação de que precisava aproveitar cada momento como se fosse o último. Até porque, lá no fundo, eu bem sabia que era o fim.

Portanto, precisava de todo autocontrole para não ser afobado e estender até onde pudesse.

Após um longo suspiro, depositei um beijo em sua bochecha, sentindo a pele macia e quente sob meus lábios. Segui meu caminho pelo maxilar, até chegar do outro lado do rosto e depositar um outro beijo casto. Levando a mão em sua nuca para mantê-la no lugar, fui descendo preguiçosamente pela mandíbula até chegar no pescoço exposto. Inebriando-me com seu único e tão característico aroma, fechei os olhos enquanto arranhava minha barba em sua pele exposta, e notava sua respiração perder o compasso, se tornando cada vez mais sôfrega.

Umedecendo os lábios, arrastei minha língua pela sua pele antes de começar a espalhar uma trilha de beijos molhados. Com uma das mãos em sua cintura, tentei abrir o robe para tocar sua pele, eu precisava do calor de seu corpo contra do meu, mas minha tentativa acabou sendo frustrada.

De repente, Raquel fincou a unha em minha carne, apertando meu braço com força para buscar apoio, eu estava praticamente curvado sobre ela e é bem provável que cedo ou tarde perderíamos o equilíbrio. Um gemido escapou por entre seus lábios quando intensifiquei o aperto em sua nuca, puxando seus cabelos com uma força comedida.

A fim de provocá-la ainda mais, movi sua cabeça até que tombasse de um lado, deixando o espaço livre. Levando os lábios até sua orelha, mordi o lóbulo antes de dizer num murmúrio algumas das palavras que estavam aprisionadas em meu coração.

“Me deixa te amar.”

“Eu quero que você me ame.” Devolveu, num sussurro. E só naquele momento percebi o quanto estava fodido. Ela me tinha por completo.

Disposto a encerrar aquela tortura, colei meus lábios nos seus sem cerimônia alguma, ao tempo em que Raquel levou as mãos até minha nuca, me agarrando com necessidade. Durante o percurso, sua língua se encontrou com a minha num perfeito enlaço, resultando num beijo cheio de volúpia e paixão. A sensação era enlouquecedora, e eu tinha certeza que poderia passar o resto dos meus dias apenas emaranhado nela.

Minhas mãos vagavam pelo corpo esguio, apertando-a com ímpeto, como se minha vida dependesse daquele toque. De uma maneira muito estranha, estávamos envolvidos por uma atmosfera melancólica, mas aquilo não foi um empecilho para nos deleitarmos nos braços um do outro. Minha boca dominava a dela com dificuldade, como se estivéssemos brigando pelo controle. Quando o ar se fez preciso, Raquel e eu nos afastamos brevemente.

“Me leva pra cama.” Pediu com dificuldade. Sua respiração vinha de maneira fracionada, pesada, assim como a minha. “Me tira daqui, Sérgio. Eu quero te sentir.”

Sem hesitar, e com certa facilidade, agarrei sua bunda e a puxei para cima, encaixando-a em meu colo e a obrigando a rodear as pernas em minha cintura. Uma forte rajada de vento nos atingiu de maneira impetuosa, mas sequer tive tempo de sentir frio.

Enquanto caminhava pela areia, Raquel mergulhava os dedos em meus cabelos. Ela distribuía uma série de beijos em meu pescoço, e não me largava por um segundo sequer.

Ao chegarmos no quarto, Raquel percebeu que não corríamos mais risco de queda e sem perder tempo voltou a colar os lábios nos meus, dessa vez de uma maneira mais calma e preguiçosa.

Eu amava os beijos dela, a entrega e toda devoção num simples gesto. Era o momento em que Raquel se despia por completo, ficava vulnerável, tentando demonstrar sua paixão e desejo. A maneira em que ela encontrava de expressar seus sentimentos. Sua linguagem favorita do amor.

Ao invés de pousá-la no chão, caminhei até a cama e fui inclinando pouco a pouco até que estivéssemos deitados. Distraídos num universo paralelo e só nosso, sentia meu sangue ferver conforme suas mãos corriam pela extensão das minhas costas nuas, arrastando as unhas para cima e para baixo, me puxando cada vez mais para si.

Após um grunhido manhoso de Raquel em protesto, ergui meu corpo sobre ela apenas o suficiente para que eu tivesse uma visão nítida de seu rosto.

Passei cinco anos silenciosamente encantado pela Raquel Murillo de saltos, maquiada e arrumada. Entretanto, nada se comparava ao amor que ardia em meu peito com a Raquel Murillo que vivi os últimos cinco dias.

O cabelo estava um pouco bagunçado, espalhados ao redor do travesseiro, o rosto limpo e os lábios levemente inchados. Um excitante silêncio se instalou entre nós, como aquela brisa que chega anunciando a tempestade. Raquel me encarava com um misto de luxúria e receio, mas quando umedeceu o lábio inferior antes de prendê-los entre os dentes de maneira sedutora ficou bem evidente que, apesar de tudo, a lascívia a dominava.

Sem dizer uma palavra, com os olhos fixos nos dela, levei minhas mãos ao nó do robe, e quando desfeito, empurrei o tecido para o lado, abrindo o tecido e expondo cada centímetro da pele lúcida, revelando o corpo inteiro despido. Raquel Murillo nua deveria ser considerada uma das muitas maravilhas do mundo. Ela era imensuravelmente linda de uma maneira que eu jamais seria capaz de colocar em palavras. O colar que havia lhe presenteado era a única peça em seu corpo, e de repente ao constatar aquele detalhe meu coração acelerou ainda mais.

Me afastei mais um pouco, aturdido com aquela proximidade. A devorei pelos olhos sem pudor algum, meu membro latejando de tanta dor, implorando por alívio. Raquel não se escondeu ou ofereceu resistência, muito pelo contrário, parecia bem confortável com tudo aquilo.

Com uma calmaria de outro mundo, ela retirou os braços do robe antes de tocar em meu peito, arrastando a mão espalmada sobre toda a extensão da minha pele. Eu daria qualquer coisa para saber o que se passava em sua mente.

“Vem, faz amor comigo.” O pedido saiu arrastado e manhoso, de uma maneira tão sensual que me vi obrigado a respirar fundo para recobrar a consciência.

Quando me agachei para beijá-la, comecei a serpentear minha mão ao redor de seu corpo e pensei que poderia facilmente ir ao delírio com a sensação do seu peito roçando contra o meu.

“Você é tão linda.” Murmurei, passando a língua em seu lábio inferior antes de chupar lentamente. “Eu gosto de te ver assim.” Continuei, seguindo o caminho, apertando a cintura com certa força, vendo-a arfar.

“Sérgio.” Gemeu suplicante, num sussurro erótico que havia se tornado melodia para meus ouvidos.

“Eu amo o seu corpo.” Afirmei, descendo em direção a sua intimidade. “Amo a maneira como ele responde ao meu.” Apenas pelo leve sondar, minhas expectativas foram confirmadas. Raquel estava encharcada. Eu queria desesperadamente senti-la por dentro, mas o prazer dela era a única coisa que me importava naquele momento. Quando toquei o clitóris sensível e já inchado, Raquel soltou uma lufada de ar antes de fincar as unhas em meus ombros. “Você é tão gostosa, Raquel.” Continuei, iniciando movimentos circulares e precisos naquele pequeno ponto, com a pressão necessária eu a estimulava cada vez mais e me deliciava com a expressão de seu rosto retorcido de prazer, mordendo o lábio inferior tentando conter o gemido, os olhos cerrados. Os quadris remexiam ao toque de maneira quase involuntária, enquanto Raquel continuava gemendo dentro da minha boca, acendendo todo meu corpo.

Ficamos naquela mesma posição por um tempo, entre gemidos e beijos apaixonados. Até que resolvi seguir em frente, e usando o polegar para continuar masturbando-a pelo clitóris, me aproximava cada vez mais da entrada. Foi quando, lentamente, deslizei dois dedos pra dentro dela.

“Sérgio.” Gemeu arrastada, arqueando as costas. O movimento me deu a oportunidade para ir ainda mais fundo. Raquel tinha o corpo em chamas, e provavelmente minhas costas estavam cheias de vergão pela arte de suas unhas, mas não me importei. “Continua.” Implorou, remexendo os quadris cada vez mais. Quando introduzi o terceiro, Raquel escondeu a cabeça em meu pescoço para abafar o grito.

“Sérgio-” Com a respiração sôfrega, Raquel me arranhava cada vez mais. Flexionando os dedos, comecei a entrar e sair vagarosamente. “Eu vou-” E antes que pudesse concluir, cessei meus movimentos e retirei minhas mãos de sua intimidade.

“Não, você não vai.” Dito isso, levei minhas mãos à boca. Sob o olhar atento de uma Raquel ofegante, chupei meus próprios dedos, sentindo seu gosto e vibrando em expectativa. “Não ainda, Raquel. Fica tranquila.”

Quando encaixei meu corpo sobre o seu, me agachei até capturar seus lábios e beijá-la com ímpeto. Nossas línguas dançaram brevemente em conjunto, Raquel suspirava e gemia de maneira arrastada entre os beijos, e eu jurava que ela fazia de propósito por saber o efeito que causa em mim.

Mas antes que pudéssemos avançar a ponto de arrancar minha calça e me afundar ali mesmo, abandonei seus lábios contra minha vontade e fui descendo em direção onde eu queria. Ao passar pela clavícula, me vi obrigado a depositar um beijo no colar, como uma lembrança de todas as minhas palavras na noite em que a presenteei. Ela precisava entender o quanto eu a amava, sem eu necessariamente verbalizar. Em resposta ao meu gesto, Raquel se ergueu por uma fração de segundos apenas para depositar um beijo casto e quase imperceptível em minha testa.

(all to you – sabrina claudio)

Ao chegar na altura do peito, tinha ciência do quanto precisava ser cauteloso. Raquel havia manifestado seu receio desde a primeira vez que dormimos juntos, então me contentei em admirá-la pela última vez. Contudo, surpreendente como era, Raquel de maneira delicada pegou em meus pulsos e levou minhas mãos até pousá-las sobre os próprios seios. Encarei-a atordoado, enquanto um sorriso terno brilhava em seus lábios.

Naquela circunstância estávamos envoltos numa atmosfera completamente distinta desde a primeira vez que dormimos juntos. Muita coisa aconteceu desde então, e de uma maneira muito agradável, aquele sutil e silencioso sinal verde foi o suficiente para que meu coração batesse acelerado contra o peito. Havíamos evoluído, mudado. Independente da realidade que nos esperava na manhã seguinte, naquele momento Raquel Murillo era apenas minha, e eu me empenharia em fazer aquela madrugada perdurar para sempre.

Ela notou o quanto aquele gesto havia mexido comigo. Para Raquel, naquela situação, parecia algo tão íntimo, e meu consciente tinha dificuldade para processar tamanha sensibilidade. Ela era tão linda.

Para me certificar de que aquilo era real e não um delírio, numa espécie de permissão, encarei-a por sobre os cílios alternando a mirada entre minhas mãos em seus seios e íris castanhas que tanto amava. Em resposta à silenciosa indagação, Raquel depositou um afago em minha bochecha antes de cerrar as pálpebras e recostar novamente sobre o travesseiro.

“Não seja tímido.”

Eu tinha passe livre.

Ao retirar as mãos, encarei cada um deles com devoção, antes de depositar um beijo casto em cada um. Era um fruto proibido. A visão me causava êxtase, e as curvas suaves encaixavam perfeitamente em minhas mãos. O tamanho adequado.

Sérgio, com calma.

Com todo o cuidado do mundo corri minha língua lentamente pelo vão e ao redor, contornando cada um deles com beijos molhados. Eles já estavam duros, talvez pela carga esmagadora de excitação, e pareceram pesar ainda mais quando, ao me atrever a cruzar a linha, arrastei a língua até o mamilo rosado.

Enquanto usava a língua com um mamilo enrijecido, brincava utilizando os dedos com o outro. Aquilo estimulava Raquel, de uma maneira que não parava de se remexer, com as mãos em meus cabelos, Murillo me empurrava cada vez mais para si, choramingando coisas desconexas. A visão era surreal e deslumbrante.

Antes de continuar até onde pretendia, finquei os dentes próximo ao mamilo esquerdo, e comecei a chupar com força, antes de voltar a brincar com a língua no bico de cada um. Buscando todo o meu autocontrole, agarrei a cintura de Raquel, ao tempo em que ela gemia cada vez mais alto. Ela gostava daquilo, e fiz uma nota mental para não ter muita piedade quando ela estivesse 100% livre.

Quando voltei a seguir em direção ao lugar onde queria, joguei suas pernas em minhas costas e encaixei meu rosto frente a sua intimidade. Depositando beijos molhados na parte interna de sua coxa, tracei um caminho com a língua até chegar ao ponto sensível.

“Sé-Sérgio.” Gemeu manhosa, enquanto eu a chupava com força. Brinquei com a língua no clitóris, e tempos depois introduzi dois dedos em sua entrada, bem devagar, observando-a tremer no processo. Os dedos logo foram acompanhados por mais um, e ao flexioná-los dentro dela, procurei aquele ponto específico que a levava ao ápice. Quando Raquel gritou, sabia que havia encontrado.  “Aí, continua.”

Em movimentos ritmados, entrando e saindo cada vez mais rápido, tirei alguns segundos apenas para observá-la. Os olhos cerrados, a boca semi-aberta, era arrebatador. Ela puxava meu cabelo com força, arqueando a coluna, convulsionando de prazer.

“Isso!” Conforme o clímax se aproximava, Raquel largou meu cabelo e agarrou o lençol procurando alívio.

Eu tinha o controle sobre seu corpo. Quando diminuía o ritmo, ela gemia em protesto, e conforme acelerava ela queria mais e mais. A visão de Raquel se contorcendo de prazer, junto com o gemido pelo meu nome me deixou alucinado, e eu não via a hora de me perder dentro dela.

“Sérgio, eu vou-“

✰✰✰✰✰✰✰✰✰✰

E antes que eu pudesse terminar a frase, o orgasmo consumiu meu corpo de uma maneira tão forte, que por um minuto senti minha alma arrebatada, sem qualquer resquício de racionalidade ou sentido. Era como se um caminhão tivesse passado pelo meu corpo, deixando-me toda quebrada, mas extremamente satisfeita. Senti meu ventre contrair, e minha perna tremer antes de cair pro lado, deixando-me completamente mole e satisfeita.

Ainda com os olhos fechados, percebi Sérgio pairando sobre meu corpo antes de colar a boca na minha, num beijo lento e gostoso. Eu estava obcecada pelos seus lábios macios, a maneira como nos encaixamos, e como ele conseguia ser extremamente carinhoso e viril ao mesmo tempo.

“Oi.” Sussurrou arrastado, tirando alguns fios de cabelo grudados em meu rosto.

“Oi.” Quando abri os olhos, flagrei um sorriso torto e sacana em seus lábios, o que fez minhas bochechas esquentarem de vergonha. “Não me olha assim.” Escondendo o rosto em seu pescoço, o puxei pra mim enquanto Sérgio soltava um riso rouco.

“Agora você tá com vergonha?”

“Para, sai de cima de mim.” Ralhei rindo, enquanto empurrava seu corpo pro lado. Sérgio caiu deitado, com a testa franzida num semblante de confusão. “É a sua vez.”

Me afastei por alguns segundos, apenas para puxar a calça branca para fora, antes de puxar meu cabelo para cima e fazer um coque bagunçado com alguns fios pra fora, tudo sob o olhar atento e faminto de Sérgio. Com as mãos espalmadas em seu peito, subi em seu colo, e encaixei minhas pernas em cada lado de seu corpo.

Inclinando sobre seu corpo, envolvi sua ereção em meus dedos, apertando bem firme, o estimulando enquanto beijava a extensão de seu pescoço, sentindo a veia pulsar e aquele aroma másculo de pura testosterona.

Sérgio tinha o membro latejando, ao tempo em que eu já estava lubrificada o suficiente para recebê-lo. Sua respiração estava cada vez mais pesada, e percebi o quanto amava proporcionar aquele prazer a ele. Circulando minha entrada com a ereção, senti meu ventre formigar em expectativa e me afastei de seu pescoço por um segundo, apenas para perguntar encarando o fundo dos seus olhos.

“O que você quer?” Perguntei um tanto manhosa, enquanto ele encaixava a mão em minha mandíbula, me mantendo junto a si.

“Você é tudo o que eu quero.”

Em resposta, meu único gesto foi flexionar os joelhos antes de abaixar e ser invadida por ele. Sérgio e eu gememos em uníssono, um do lábio do outro, me proporcionando uma sensação arrebatadora de prazer ao ser preenchida por ele.

Jogando o corpo para trás, apoiei a mão em seu peito antes de deslizar algumas vezes pela extensão de seu membro. Pelo comprimento era um pouco difícil abrigá-lo de primeira, mas conforme ia me acostumando, o sangue em minhas veias corria mais rápido, alargando meu interior cada vez mais, até que em um determinado o resquício de dor desapareceu e deu lugar único e exclusivamente ao prazer que eu sentia por ele.

Enquanto rebolava com os quadris, subindo e descendo em câmera lenta, Sérgio agarrou minha cintura buscando apoio, enquanto respirar se tornava uma tarefa cada vez mais difícil.

Quando coloquei as mãos para trás, segurando em sua coxa, ficando totalmente exposta para seu deleite, Sérgio segurou em meus seios com uma delicada firmeza, uma dose comedida de pressão e força, nitidamente controlado para não se exaltar. Um ruído rouco de prazer escapou, ainda que ele estivesse mordendo o lábio inferior para se segurar. Eu estava insuportavelmente excitada, e quanto mais meu corpo roçava no seu, quanto mais fundo ele chegava, mais completa eu me sentia.

Ele começou a investir sem muito cuidado, até que som dos meus gemidos e o choque entre nossos corpos tomasse conta de todo o ambiente. Estávamos em sintonia, um de encontro com o outro.

Sérgio levantou o tronco, sentando-se de uma vez, porém sem parar com as investidas. Tombei a cabeça em seu ombro, sentindo meu sexo contrair ao redor do seu, e quando estava muito próximo de gozar, ele me segurou.

“Não, não goza ainda.” Pediu, ofegante. Eu estava a ponto de gritar!

“Sérgio!”

“Eu quero olhar pra você, quero ver o seu rosto.” E aquilo me quebrou de um jeito que eu sequer conseguia colocar em palavras. Meu coração disparou no peito ao notar o quanto ele estava entregue, que estávamos juntos naquilo. Um pouco ofegante colei minha testa na sua, antes de deixar um selinho em seus lábios. “Pela última vez.” Senti meu peito apertar e uma vontade inexplicável de chorar. Eu não queria que fosse a última vez!

(sinead harnett - if you let me)

Rodeando minha cintura com os braços, Sérgio me levantou antes de inverter nossas posições na cama.

Depois de encostar meu corpo sobre o travesseiro, por um instante, ele parou, roçando o nariz no meu enquanto nossas respirações se misturavam e tornavam uma só. Já sensível pela intensidade do momento, levei as mãos em sua nuca e acariciei os fios negros que havia ali.

“Você foi a melhor coisa que me aconteceu.” Sussurrou num fio trêmulo de voz, fazendo com que meus olhos ardessem cada vez mais. Respirei fundo quando meu mamilo esfregou em seu peito, enviando uma onda gostosa de calor por todas as minhas terminações nervosas, se concentrando no centro das minhas pernas. “Fica comigo.” Suplicou, beijando minha bochecha. “Amor, você está chorando.” E eu sequer havia me dado conta daquele detalhe. Naquela altura do campeonato, eu já não tinha muito controle sobre meu corpo, sobre meus sentimentos e emoções. Era tudo sobre ele. “Eu não vou te machucar.”

“Você promete?” Perguntei, abraçando-o com força enquanto ele se encaixava sobre mim.

“Eu prometo… Só fica comigo.”

“Uhum.” Acenei positivamente, sorrindo contra seus lábios. Genuinamente feliz por tê-lo ali, inteiramente para mim.

Depois de um pouco de pressão em meu clitóris já sensível, Sérgio encaixou seu membro na minha entrada antes de deslizar para dentro com facilidade, me fazendo prender a respiração por um instante.

Choraminguei ao sentir toda sua extensão alargando minhas paredes por dentro mais uma vez, enquanto ele gemia chamando pelo meu nome. Conforme Sérgio começava a se mexer, em movimentos longos, demorados e profundos, escondi o rosto em seu ombro tentando abafar os gemidos de prazer. Finquei minha unha em suas costas, tracejando um caminho até sua bunda, acompanhando os movimentos. Quando prendi a panturrilha em suas pernas, completamente presa nele, ele pareceu encontrar mais espaço, e investia cada vez mais no fundo.

Em um determinado momento, ele atingiu um ponto específico que foi impossível me conter, e acabei gritando. O gesto pareceu despertar um desejo animalesco em Sérgio, que grunhiu meu nome antes de começar a investir com mais força a cada estocada.

Agarrando seus cabelos, o puxei para mim num beijo violento, sentindo o gosto de minhas próprias lágrimas. Eu chorava de amor, desejo, ódio, saudade. De dor. A dor de abrir mão daquilo, de saber que ele nunca poderia ser meu.

“Raquel, olha pra mim.” Ele pediu num fio de voz, diminuindo a velocidade por um instante. Quando nos entreolhamos, percebi que ele também chorava e a sensação foi a de uma adaga sendo enfiada bem no meu peito. “Olha pra mim, quero te ver… Pela última vez.” Suplicou, procurando minha mão antes de entrelaçar nossos dedos. Emoldurando seu rosto molhado em minha mão livre, eu apenas acenei positivamente para que ele continuasse, sem forças para dizer qualquer coisa.

Sérgio voltou a se movimentar, de uma forma mais lenta e precisa, consequentemente mais funda e intensa. Os nós dos meus dedos já estavam brancos pela força exercida, eu estava tonta de tanto prazer, mas não queria simplesmente parar.

“Mais forte.”

Obedecendo ao meu pedido, a velocidade voltou a aumentar, até que meus quadris começaram a se mover involuntariamente, indo de encontro a ele, chocando nossos corpos sem piedade. Estávamos em sincronia, um sob o olhar atento do outro em meio aos gemidos. Nossos lábios estavam um sobre o outro, absorvendo e compartilhando uma respiração ofegante, enquanto pingávamos de suor.

O sol do amanhecer despontava por trás do oceano, fazendo com que os primeiros raios invadissem e iluminassem o quarto. Por conta da luz, notei que os músculos de seu braço se contraíam conforme ele se movimentava e eu duvidava que pudesse existir uma visão tão linda como aquela.

Quando minhas paredes o comprimiram, pude senti-lo latejar em meu interior, e sabia que não tardaria muito.

“Sérgio, eu vou gozar.” Anunciei sentindo minhas pernas tremerem e observando sua mandíbula travar, enquanto Sérgio acelerava gradativamente seus movimentos, deixando-me a beira do precipício. Respirar havia se transformado numa luta, eu me sentia cada vez mais sufocada por aquela sensação inexplicável.

“Vem, amor.” E numa última estocada, Sérgio chegou ao limite do meu corpo. Ele me forçou em seu membro numa investida tão forte, que por um segundo minha mente deu branco, se resumindo única e exclusivamente no prazer transcendente proporcionado por ele. Cheguei ao clímax num grito, completamente trêmula, sentindo meu corpo convulsionar.

Senti o exato momento em que Sérgio chegou ao êxtase e gozou dentro de mim, após um grunhido brutal. O corpo dele estremeceu, antes de se deixar cair sobre mim, afundando o rosto em meu pescoço. Ele era pesado e grande, eu mal conseguia respirar, mas fechei os olhos e o envolvi no abraço mais forte que pude.

Um pequeno pânico se fez presente quando percebi que aquele era o fim, e que nós dois nunca poderíamos ficar juntos, eu tinha medo de perdê-lo, mas a verdade é que ele nunca foi meu.

 Sérgio ergueu o tronco por um segundo, apenas para emoldurar meu rosto em suas mãos e colar minha testa na sua. Ambos estávamos um caos, ofegantes e sem rumo.

“Raquel, eu...” Começou, com dificuldade. “Eu...”

Então, cobrindo seus lábios com a ponta dos dedos, eu o calei. Não queria ouvir porque sabia que era uma realidade que nenhum dos dois teria culhões para lidar. Seriam palavras vazias e ao vento, sem qualquer significado.

“Eu sei.” Respondi, depositando um beijo casto na pontinha de seu nariz.

Minutos mais tarde, me vi deitada sobre o peito de Sérgio enquanto ele dormia de maneira calma e serena. A respiração tranquila e controlada. Seu braço circundava minha cintura com força, como se eu pudesse escapar a qualquer momento. Por um instante, me dei o luxo de me perder em suas linhas e ver o quanto ele era realmente lindo, tanto por dentro quanto por fora.

Com o pensamento em mente, senti meus olhos lacrimejarem mais uma vez, e ao me certificar que ele realmente estava dormindo, depositei um beijo sobre seu coração antes de me alinhar novamente em seu peito.

“Eu te amo muito mais.” Sussurrei num fio de voz, enquanto uma lágrima fujona escorria pelo meu rosto.

 

 

 

✰✰✰✰✰✰✰✰✰✰

 

 

Quatro meses depois:

 

 

O pequeno vaso de porcelana bateu contra a parede, e a força do impacto fez com que os pedaços se espalhassem pelo carpete. Sérgio sequer se preocupou em saber daqueles que caíram sobre sua cabeça, naquele momento, um corte era o menor de seus problemas.

“SEU FILHO DA P*TA!”

“Amor, calma. Você precisa se acalmar.” Ao ouvir as palavras, a mulher tombou a cabeça para trás e riu em deboche.

“Calma? Amor? É sério isso?” Indagou, indignada. Algumas lágrimas escorriam pelo seu rosto, mas ela não sabia distinguir ao certo se era pela tristeza ou raiva. “Você é um filho da p*ta! EU ODEIO VOCÊ, SEU BASTARDO” Gritou trêmula, antes de pegar mais um objeto qualquer e arremessar na direção dele.

“Raquel, pelo amor de Deus. Nós vamos dar um jeito nisso, só me escuta e para de quebrar o meu escritório!”

“Você prometeu, Sérgio! Você prometeu que não iria me machucar, seu imbecil.” A cabeça de Murillo latejava, a visão já estava turva, mas não o suficiente para que ela não pudesse vê-lo se aproximar. “SAI DAQUI! Não se aproxima, fica longe de mim! Eu quero você longe de mim!”

“Raquel, meu amor, não é isso que você-” E assim como as inúmeras vezes que fizera na Grécia, ela o interrompeu. Mas não da maneira em que ele gostaria.

“FODA-SE VOCÊ!” Gritou com fúria. “Foda-se essa editora. Foda-se qualquer coisa que você tenha feito, me tira dessa imundice agora e vá para a p*ta que te pariu.”

“Raquel-”

“Eu me demito.”

 

 

 

 

 

to be continued


Notas Finais


não se esqueça de deixar o feedback, quem sabe eu volto mais cedo......beijinhos, espero que tenham gostado


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