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História Entre Clichês e Bonecos de Neve - Clichês natalinos fora de época


Escrita por: zapefron

Notas do Autor


Papai Noel chegou adiantado (ou seria atrasado?) esse ano. Na verdade, essa história era para ser o especial de Natal de 2022, mas o bloqueio criativo não deixou que eu escrevesse muito. Mas as cenas estavam tão fofas na minha cabeça que eu não podia deixar de lado, então cá estamos nós comemorando um Natal atrasado. Por que não deixar pro Natal desse ano? Porque também estou comemorando o aniversário da minha amiga Ember, e vários elementos e referências dessa história foram baseados nas nossas conversas. Então feliz aniversáriooo, meu lírio do campo ♡♡♡
A música tema é Somewhere Only We Know da banda Keane. Por algum motivo, eu passei anos achando que era uma música natalina, só que quando fui ver o clipe há um tempo atrás descobri que nunca foi???? Mas é maravilhosa e é isso que importa q
Enfim, tenham uma boa leitura!

Capítulo 1 - Clichês natalinos fora de época


Fanfic / Fanfiction Entre Clichês e Bonecos de Neve - Clichês natalinos fora de época

Os flocos de neve batiam suavemente contra a janela do quarto, acumulando-se na beirada e formando uma camada branca e fofa. Apesar de o sol ainda estar presente, lentamente fazendo sua descida pelo horizonte e tingindo o céu de tons de laranja e rosa, os pisca-piscas que circundavam o telhado já estavam ligados, refletindo alegremente as cores do Natal, apesar de a época de celebração já ter terminado há cerca de dois meses. Mas o incessante brilho verde e vermelho que atravessava o vidro não incomodava o rapaz do outro lado, concentrado demais para notar qualquer outra coisa.

O quarto era pequeno e confortável. A cama e o guarda-roupa ocupavam a maior parte do lado esquerdo, enquanto o lado direito era tomado pela escrivaninha e por uma estante que ia até o teto, cheia de cadernos, livros, porta-retratos e outros objetos pessoais. A maior parte visível das paredes era coberta por pôsteres de bandas e séries, exceto pela parede em frente à escrivaninha, onde havia um pequeno varal de polaroids e um quadro branco que, no momento, mostrava uma enorme equação matemática com mais letras e números do que uma pessoa poderia contar com os dedos das mãos.

A maioria dos jovens (e adultos) fugiria de um cálculo de álgebra desse nível como o diabo foge da cruz, mas não Kim Yonghee. Talvez fosse seu fascínio natural por números; ou, quem sabe, sua personalidade pragmática; ou, ainda, o fato de que seu pai era professor de matemática e o incentivava desde criança a fazer a tabuada enquanto as outras crianças estavam ocupadas pintando fora das linhas dos desenhos de livros de colorir. Muito provavelmente era uma combinação de tudo isso.

Mas ele gostava disso, da satisfação de resolver algo que parecia impossível – e, às vezes, que se parecia com uma linguagem alienígena – com lógica e precisão, tanto que estava cursando Matemática no Instituto Avançado de Ciência e Tecnologia da Coreia, uma das melhores universidades do país. Todos os seus amigos o achavam meio ‘biluteteia das ideias’ por ser fissurado em matemática, mas, como já dizia o ditado, cada maluco com sua mania.

O som de uma notificação veio de seu computador, desviando sua atenção do livro que estava lendo. Levantando-se de sua cama, Yonghee foi até a escrivaninha, sentando-se na cadeira e abrindo o aplicativo do Discord.

@hyunsxk: acabei de passar pela sua casa de carro

@hyunsxk: as decorações vão ficar até o natal desse ano?

@why-so-cereal: nah, vamos tirar quando parar de nevar

@why-so-cereal: é quase um ritual pro meu pai a esse ponto

@hyunsxk: mais um mês inteiro, então

@hyunsxk: a conta de luz vai tá como

@hyunsxk: enfim, tá livre mais tarde pra jogar?

@hyunsxk: se você falar que vai estar ocupado estudando, eu juro que peço pra minha mãe dar meia volta no carro só pra ir aí na sua casa jogar uma bola de neve na sua cara

@why-so-cereal: [meme do macaco vermelho olhando de canto]

@hyunsxk: ah não

@hyunsxk: ESTAMOS DE FÉRIAS, CARA

@why-so-cereal: é brincadeira, besta

@hyunsxk: graças a deus

@hyunsxk: mas eu não duvido de nada vindo de você, seu maníaco dos números

Yonghee riu do apelido. Sua amizade com o garoto começou há cerca de um ano da forma mais atrapalhada possível: no primeiro dia da faculdade, Hyunsuk trombou acidentalmente em Yonghee e derrubou o café que ele tinha acabado de comprar. Felizmente, o líquido quente não caiu em ninguém, mas Hyunsuk ficou tão desesperado que comprou um novo café e vários salgadinhos e praticamente passou quase o dia inteiro seguindo Yonghee e pedindo desculpas profusamente. Até o fim do dia, os dois se tornaram amigos e já estavam trocando os contatos um com o outro para poderem conversar mais e se conhecerem melhor.

Yonghee estava digitando uma resposta para confirmar sua presença mais tarde na sessão de jogatina quando um novo som de notificação soou. As batidas do seu coração pareceram perder o ritmo por alguns segundos quando ele notou que a nova mensagem vinha de outro usuário, um muito conhecido.

@bx_gon: por favor, diga que você tá em casa

@why-so-cereal: o símbolo verde de ‘online’ não foi o suficiente para te dizer isso?

@bx_gon: ah, vai que você tá usando o app no celular

@bx_gon: ou você saiu e esqueceu de desligar o computador

@bx_gon: tenho que avaliar todas as opções possíveis

@why-so-cereal: mas por que a pergunta?

@bx_gon: [meme da caveira com a frase “meia noite eu te conto”]

@why-so-cereal: ah, vai catar coquinho vai

@bx_gon: como foi seu dia?

@why-so-cereal: não teve nada de interessante, se é o que você quer saber

@why-so-cereal: passei a tarde assistindo série e lendo, mais tarde vou jogar algo com o hyunsuk

@bx_gon: hm

@why-so-cereal: e o seu?

@why-so-cereal: como tá o projeto?

@bx_gon: indo por caminhos que me dão medo

@bx_gon: jinyoung acha que uma construção abandonada é um ótimo cenário pra gravar um videoclipe, e o seunghun concorda

@why-so-cereal: bem, se não estiver muito destruída...

@bx_gon: ah não

@bx_gon: você também não!!

@bx_gon: primeiro, a gente teria que literalmente invadir o lugar

@bx_gon: e caso não tenha percebido isso é crime

@bx_gon: e segundo e mais importante

@bx_gon: eu tenho cara de quem sabe pular muros?

@bx_gon: não sou o fofão não, tá doido

@why-so-cereal: eu ainda acho que você seria um integrante perfeito pra carreta furacão

Yonghee não pode evitar de sorrir ao imaginar seu melhor amigo fazendo um parkour na tentativa de subir um muro. Realmente, era mais provável que ele ficasse pendurado com uma mão pela beirada sem saber se subia ou se soltava – ou, mais provável ainda, ele cairia no chão no primeiro pulo e nem sequer alcançaria o topo.

Como quando eles se conheceram.

Durante o fundamental, Yonghee se tornou o alvo de um grupo de valentões. Eles sempre conseguiam o encurralar em um canto e pegar o dinheiro da merenda – e quando ele não tinha, pegavam o lanche carinhosamente embrulhado pela sua mãe. Ele nunca contava para seus pais por medo, vergonha e mais uma mistura de emoções. Isso durou por quase um mês inteiro quando sua salvação veio na forma de um garoto de 11 anos que caiu feito um saco de batatas ao seu lado de uma forma nem tão heroica assim.

Na parte de trás do pátio da escola havia uma área escondida e cheia de mato que, na maioria das vezes, estava completamente deserta.  Três garotos mais velho – em apenas dois ou três anos, mas bem maiores que ele – encurralam Yonghee contra o muro da escola, sorrindo maliciosamente enquanto esperavam o garoto trêmulo tirar as poucas notas de papel que tinha do bolso.

— Ah, droga!

Sua mão paralisou no ar e, ao mesmo tempo, ele e os três garotos se viraram a tempo de ver um vulto cair de cima do muro que demarcava os limites da escola. A pessoa soltou um gritinho e uma sequência de “droga, droga, droga!” e saiu rolando pelo chão, parando a cerca de dois metros deles. Ele se sentou, e os olhos escuros que iam de um lado para o outro pareciam atordoados. Mas, assim que seu olhar focou na cena à sua frente, a confusão sumiu quase que imediatamente.

— Vocês estão fazendo bullying com esse menino? Cara, que babacas.

Yonghee sentiu seu queixo cair. Claro, era uma boa sensação ter alguém que se compadecia de sua situação, mas aquele garoto não tinha noção do perigo? Seriam três contra dois, e os dois em questão eram garotinhos pequenos e magricelas que provavelmente não aguentariam um soco sequer.

— O que você disse, nanico? — O maior dos valentões deu alguns passos em sua direção, fechando as mãos em punho.

O garoto deu alguns tapinhas em suas calças na tentativa de limpá-las e se levantou com um sorriso. Os cabelos pretos estavam emaranhados com alguns gravetos e folhas e seus joelhos estavam ralados, mas ele não parecia se importar.

— Tá surdo? Quer que eu repita? Ba-ba-cas. — E mostrou a língua de forma infantil.

O rosto do valentão ficou vermelho de raiva. Ele deu mais alguns passos e seus comparsas também foram na direção do garoto, aparentemente se esquecendo da existência de Yonghee.

— Será que duas pessoas e uma câmera de segurança são o suficiente para garantir a expulsão de vocês? — O garoto perguntou, tirando uma folha presa em sua camisa de forma casual.

Os três pararam de andar.

— Câmera...? — Um deles arregalou os olhos e começou a olhar ao redor, nervoso.

— Ali, ó. — O garoto apontou para cima, na direção do muro, com uma expressão que parecia dizer “sério-que-vocês-não-perceberam?”. E, realmente, lá estava ela, escondida por trás de algumas folhas da árvore que crescia do outro lado do muro e que estendia seus ramos para dentro da propriedade. — Vocês nunca viram ela ali? Puts, espero que essa seja a primeira vez que vocês estão fazendo isso, por que senão...

Ele não precisou dizer mais nada. O trio lançou um último olhar ameaçador para ele e saíram correndo.

Yonghee ainda estava em choque, e deu um pulo de susto quando o garoto de repente se curvou, apoiando as mãos nos próprios joelhos – apenas para soltar um palavrão ao passar as mãos pela pele machucada.

— Você tá bem? — Yonghee foi até ele, preocupado.

— Eu que devia te perguntar isso. — O garoto levantou a cabeça para olhar para ele. — Eles não bateram em você, bateram?

— Não, tá tudo bem. Mas... — Ele não conseguiu segurar a curiosidade e perguntou: — O que você tava fazendo ali em cima?

— Ontem um menino chutou a bola pro telhado, e o professor de educação física disse que não íamos mais jogar futebol enquanto a bola estivesse presa lá. — Ele deu de ombros, passando a mão pelos cabelos e derrubando algumas folhas. — Eu acho que consigo subir no telhado pelo muro antes da aula.

Yonghee ficou em silêncio por alguns segundos, olhando para ele com uma cara estranha.

— Você não tá sabendo que pegaram a bola ontem mesmo, antes de acabar a escola?

O garoto arregalou os olhos.

— Você tá me zoando! Ah, cara, me ralei todo no chão pra nada!

Ele pareceu tão ofendido que Yonghee não aguentou e começou a rir. O garoto inflou as bochechas, irritado, e cruzou os braços.

— Não tem graça.

— Desculpa, desculpa! — Yonghee respirou fundo, tentando controlar o riso. — É que sua cara tava muito engraçada! E não foi pra nada. Você me ajudou muito. Obrigado.

O garoto olhou para os próprios pés, sem graça.

— De nada. — Ele voltou a erguer o rosto e sorriu. — Me chamo Lee Byounggon. E você?

— Kim Yonghee.

Desde então, os valentões nunca mais foram atrás deles e Yonghee e Byounggon se tornaram inseparáveis. Isso é, até o fim do ensino médio. A vida adulta, que se aproximava tão silenciosamente quanto um fantasma, bateu na porta e os puxou para fora da comodidade da infância e direto para o vasto e desconhecido mundo das escolhas que moldariam seus futuros, quer eles estivessem preparados ou não. Byounggon estava, e foi perseguir seu sonho em Seul, estudando Música na Universidade Nacional de Artes da Coreia. Yonghee, que já não tinha tanta certeza sobre as coisas, decidiu trilhar os passos do pai, permanecendo em Daejeon.

Apesar da distância e de não poderem se ver pessoalmente tanto quanto gostariam, eles mantiveram contato. Conversavam quase todos os dias, mesmo que às vezes fossem apenas conversas monótonas e de poucas palavras, contando o que aconteceu em seus dias, como eram seus novos amigos, como estavam os estudos, o que comeram no almoço.

As visitas eram raras, mas sempre eram aproveitadas ao máximo. Byounggon havia planejado visitá-lo no último Natal, mas complicações de última hora acabaram impedindo sua viagem. Agora faziam seis meses desde a última vez que se viram cara a cara.

O som de uma nova mensagem tirou Yonghee de seus devaneios.

@bx_gon: haha, engraçadinho

@bx_gon: seu pai decorou a casa na árvore esse ano?

@why-so-cereal: sim, ele não ia perder a oportunidade de colocar aquela rena inflável lá em cima

@bx_gon: que bom, se não ia atrapalhar meus planos

Yonghee franziu as sobrancelhas. O que ele quis dizer com isso? Ele mandou alguns pontos de interrogação, mas não obteve resposta. O ícone de Byounggon mostrava que ele estava offline agora. Estranho.

Se espreguiçando, ele ergueu o rosto e contemplou o teto por alguns segundos, lentamente descendo o olhar até o varal de polaroids. Algumas fotos eram com seus pais, outras com Hyunsuk... e a maioria, com Byounggon.

Céus, como Yonghee sentia falta dele.

O som de uma nova mensagem tomou o quarto.

@bx_gon: vai na janela

Os dedos de Yonghee paralisaram no teclado. Que diabos? Como ele deveria responder a isso? Extremamente confuso, ele decidiu obedecer às palavras dele. Levantou-se da cadeira e foi até a janela ao lado da cama, destrancando-a e abrindo o vidro.

O vento frio e alguns flocos de neve acertaram seu rosto. A primeira coisa que ele notou foi um boneco de neve bem em frente à sua janela. Não parecia muito firme e claramente havia sido feito às pressas, com dois gravetos irregulares como braços e um rostinho desenhado com o dedo. O único problema era que, bem, esse camarada gelado não estava ali há uma hora atrás, quando Yonghee olhou pela janela para ver seus pais saindo para o mercado. E também não ajudava o fato de que o livro que ele estava lendo naquela tarde era Boneco de Neve, onde um serial killer montava um boneco de neve perto das casas de suas vítimas antes de matá-las.

Opção número um, ele estava prestes a ser assassinado por um maníaco. Opção número dois, seu melhor amigo, que, no momento, estava à 140 quilômetros de distância em outra cidade, havia feito aquele boneco de neve.

Yonghee estava refletindo que a opção um era a mais provável quando uma voz muito conhecida veio diretamente do lado esquerdo da janela.

— Eu sei que não é meu melhor trabalho, mas não precisa fazer cara feia para o boneco, poxa.

Se seu coração havia perdido o ritmo por um momento quando recebeu as mensagens mais cedo, agora ele estava fazendo polichinelos no ritmo de um dos raps do Eminem. Os cabelos pretos pontilhados de branco por conta dos flocos de neve, o sorriso que quase fazia seus olhos se fecharem completamente e a voz grave que às vezes dizia as coisas mais absurdas – tudo, tudo o que Yonghee sentia falta estava bem ali, na sua frente, no garoto que se inclinava sobre a beirada da janela e sorria em sua direção.

Agora, é preciso dizer que, se o lado pragmático de Yonghee era apaixonado por números, o lado oposto era completamente apaixonado por clichês. Para ele, havia algo incrível em clichês: apesar da ideia central que se repetia, era possível criar diferentes vertentes para cada história. Ele adorava essa sensação de saber o que iria acontecer e, ao mesmo tempo, saber que havia inúmeros rumos e reviravoltas para os quais a narrativa poderia seguir. O único tema que ele tentava evitar ao máximo era o clichê de friends to lovers.

Porque ele já sabia há um bom tempo que estava apaixonado pelo seu melhor amigo.

Se alguém lhe perguntasse quando, como ou onde, ele não saberia responder.

Apenas aconteceu. Tão fácil quanto respirar.

Mas, como em qualquer friends to lovers que se preze, é claro que Yonghee era assolado pelas preocupações de sempre: e se ele não correspondesse? E se a amizade deles ficasse estranha e acabasse porque ele se declarou? E se eles se envolvessem, não desse certo e todo o relacionamento que construíram desde os 11 anos acabasse em um piscar de olhos?

Todos esses pensamentos passaram pela sua cabeça em um segundo e sumiram quase que na mesma velocidade quando Byounggon inclinou a cabeça para o lado levemente.

— Seu cabelo ainda tá rosa! Pensei que você já tinha voltado para o castanho.

O fato de que o seu melhor amigo barra crush inalcançável que ele não via a meses estava parado na sua frente e respirando o mesmo ar que ele fez Yonghee finalmente voltar aos seus sentidos.

— Mas que m...? — Ele começou a perguntar, arregalando os olhos, mas não terminou a exclamação de surpresa e começou a fazer perguntas sem parar: — O que diabos você tá fazendo aqui?! Quando você chegou?! Seu babaca, por que não me avisou?!

E sem dar tempo para ele responder, Yonghee jogou os braços ao redor do pescoço dele, abraçando-o com força pela janela. Byounggon prontamente retribuiu, rindo. Não era uma posição muito confortável, já que ele ainda estava do lado de fora, mas isso não importava.

— É bom te ver também, cara. E te respondendo, cheguei faz uns vinte minutos. As outras duas perguntas eu respondo depois que você pegar um casaco.

Eles se separaram e Yonghee o encarou, confuso.

— Um casaco?

O sorriso de Byounggon aumentou.

— Tenho uma coisa pra te mostrar. Anda logo!

Não tinha como dizer não para aquele sorriso. Yonghee pegou seu casaco, colocou os tênis e luvas e, antes de sair da casa, deixou um bilhetinho na mesa da cozinha dizendo que tinha saído com Byounggon, caso seus pais chegassem enquanto estivesse fora.

Ele estava o esperando do lado do boneco de neve, segurando uma mochila preta grande pela alça. Assim que Yonghee se aproximou, ele a colocou nos ombros e começou a andar na direção do jardim dos fundos.

— Tá, agora me responde, palhaço. — Yonghee deu um soquinho leve no ombro do amigo. — E se você disser algo como “meia noite eu te conto”, eu juro que te afogo na neve.

— E como você vai fazer isso? — Byounggon olhou para ele com as sobrancelhas erguidas.

— E neve não é água não, idiota?

— Mesmo assim, eu tenho quase certeza que não é assim que funciona. — Ele resmungou e Yonghee apenas mostrou a língua.

Byounggon parou de andar, erguendo o olhar para a casa na árvore. O pai de Yonghee construiu aquele lugar para eles. Aquele era o lugar especial deles, que guardava tantas memórias que não seria uma mentira tão grande dizer que eles passaram metade de suas vidas ali. Estava enfeitada com pisca-piscas e um boneco inflável da rena Rudolph no telhado, se destacando contra o céu agora escuro.

— Você ainda vai lá? — Byounggon perguntou com a voz suave.

— Não tanto quanto eu gostaria. — Yonghee abriu um sorriso melancólico. — Já não somos tão pequenos para caber lá dentro com o monte de bagunça que deixamos. Tem caixas para todos os lados. E meu parceiro de esconderijo não está mais aqui pra me fazer companhia.

O moreno suspirou. Tirou a mochila das costas e a colocou no chão, encostada contra o tronco da árvore. Yonghee esperava pacientemente ao seu lado.

— E então? — Perguntou quando o outro se virou para encará-lo.

— O quê? — Ele devolveu com uma expressão inocente.

— Por que raios você apareceu do nada sem me avisar? Não que eu esteja reclamando, mas...

— Mas isso parece muito com uma reclamação. — Byounggon riu, se agachando e brincando distraidamente com a neve. — Bem, eu acabei não conseguindo vir no fim do ano, você já sabe. Mas eu não posso deixar o nosso Natal passar batido. A gente sempre comemorou juntos, e eu espero que continue assim por muito, muito tempo, porque é algo especial para nós dois.

Yonghee respirou fundo. Droga, como ele poderia superar essa paixonite se Byounggon soltava frases como essa nos momentos mais propícios? Ele era simplesmente...

Uma bola de neve acertou em cheio sua cara.

Esqueça tudo que foi dito antes. Byounggon era simplesmente um idiota.

— É sério? — Yonghee esfregou o rosto para tirar o excesso de neve e o fuzilou com o olhar.

— Tradição natalina número um que não pode faltar em nenhum Natal... — Ele ergueu o dedo indicador e fez uma pausa dramática antes de continuar: — Guerra de bola de neve.

— Você vai ver a tradição natalina que eu vou enfiar na sua cara.

O moreno tentou correr ao perceber que Yonghee enchia sua mão de neve, mas escorregou e quase caiu, tendo que se apoiar na árvore. Yonghee se aproveitou dessa brecha e devolveu o ataque, acertando a cabeça dele com a bola de neve. O sorriso de Yonghee mal se formou e imediatamente foi se desfazendo ao ver Byounggon se virar lentamente em sua direção parecendo a menina do Exorcista. Ele arregalou os olhos e começou a correr.

Os minutos seguintes foram uma confusão de gritos, risadas e uma chuva de bolas de neve.

Yonghee já estava sem fôlego, mas inclinou-se para pegar mais munição, sendo interrompido por um Byounggon inesperado que se jogou contra ele, derrubando os dois. Eles rolaram pela neve e pararam, ofegantes, deitados lado a lado.

— Eu... ganhei! — Byounggon ergueu as mãos em comemoração.

— Ganhou nada! — Yonghee cutucou o braço dele. — Você me derrubou, isso é contra as regras.

— Aceita que dói menos. — Ele cantarolou, rindo e se encolhendo para desviar de mais cutucões. — Tá, tá, eu me rendo!

— Bom mesmo.

Byounggon olhou para o amigo.

— Não tava nos meus planos, mas já que estamos deitados aqui...

Yonghee sorriu, sabendo o que ele queria dizer.

— Anjos de neve?

— Bingo!

Sem querer se levantar apenas para deitar novamente, Yonghee rolou pelo chão para dar uma distância entre eles, ouvindo Byounggon rir. Os dois esticaram os braços e começaram a fazer movimentos repetidos, empurrando a neve ao redor deles.

— Falta uma coisa. — Yonghee comentou quando se levantaram para conferir a obra de arte. Ele se agachou ao lado do anjo de neve de Byounggon e, com o dedo, desenhou dois chifrezinhos. — Agora sim parece você.

— Idiota. — Ele revirou os olhos.

Yonghee se levantou, muito satisfeito consigo mesmo.

— Deixa eu adivinhar a próxima coisa que você quer fazer: bonecos de neve.

— Acertou em cheio. — Byounggon foi até sua mochila e tirou um cachecol e uma cartola, que colocou na própria cabeça. — Eu até vim preparado.

— Percebi. Mas estou duvidando um pouco das suas capacidades, porque o boneco de neve que você fez em frente ao meu quarto tava mais torto que a Torre de Pisa.

— Ei, respeite o Joselino! — Ele fez uma expressão ofendida. — Eu tive que fazer ele às pressas, ok? Você podia aparecer na janela a qualquer momento.

— Hm, vou te dar o benefício da dúvida dessa vez. Anda, vem me ajudar.

Juntos, começaram a amontoar o máximo de neve que podiam para fazer uma esfera firme. Levaram cerca de vinte minutos para montar o corpo do boneco. Byounggon quebrou dois galhos de um arbusto e os fincou nas laterais do boneco enquanto Yonghee colocava a cartola e ajeitava o cachecol ao redor do pescoço gelado.

— Ei, as tomadas lá de cima ainda funcionam? — Byounggon perguntou de repente, indo até a base da árvore e pegando uma caixa de música de dentro da mochila.

— Como você acha que os pisca-piscas estão ligados aqui, gênio? — Yonghee perguntou com sarcasmo, fazendo ele bufar.

— Obrigada pela resposta super gentil. Espera aqui.

Ele subiu a escada de corda com cuidado e entrou na casa da árvore. Yonghee podia ouvir seus passos no chão de madeira. Ele voltou sua atenção para o boneco de neve e começou a procurar pedrinhas no chão e ao redor da árvore.

Byounggon colocou a cabeça para fora da janela.

— Que tal umas músicas natalinas? — Perguntou com um sorriso.

— Se você colocar Mariah Carey, eu juro que subo e te jogo daí de cima. — Yonghee revirou os olhos. — Já basta minha mãe ouvindo All I Want For Christmas Is You em loop infinito na véspera de Natal. E no Natal. E no dia seguinte ao Natal. E no Ano Novo também, por algum motivo.

— Essa não era a música que eu tava pensando. — Foi a vez dele de revirar os olhos. — Peraí.

Yonghee colocou as pedrinhas, formando um rosto sorridente em seu boneco. Ainda faltava um nariz, percebeu, e franziu a testa. Quais as chances de Byounggon ter uma cenoura na mochila dele?

Uma música alta começou de repente, vinda da casa da árvore. Yonghee olhou para cima, confuso. Aquela não era uma música natalina, com toda a certeza. Ele voltou seu olhar para o boneco de neve, mas ouviu Byounggon xingando e um barulho alto de coisas caindo no chão.

A voz eletrônica começou a cantar “let’s get down, let’s get down to business” ao mesmo tempo em que Byounggon colocou a cabeça para fora da janela novamente e gritou:

— YONGHEE, SAI DO CHÃO!

Mas hein?

Yonghee olhou para cima apenas para ver a enorme massa branca de neve que desabou bem em cima dele. Ele caiu xingando Deus e o mundo (apesar de a culpa ser apenas de Byounggon), parcialmente soterrado. Quem foi o maldito que inventou de descrever a neve como macia e fofinha nas histórias? Ele ia ter uma boa conversa com essa pessoa.

Ele começou a se arrastar para fora do monte de neve, mas parou ao ver Byounggon descer as escadas feito um louco, prendendo o pé em um dos últimos degraus e capotando de cara na neve. Sem se abalar, ele se levantou imediatamente e correu até Yonghee, agarrando um dos seus braços e o puxando com tudo. Yonghee finalmente conseguiu sair daquela prisão gelada, tremendo e com as bochechas coradas de frio.

— O que acabou de acontecer lá em cima? — Perguntou.

— Talvez, só talvez eu tenha tropeçado em algumas caixas, bati com tudo na parede e fiz cair a neve que estava acumulada no telhado. — Byounggon desviou o olhar. — Mas eu te avisei pra sair de baixo.

Yonghee o olhou indignado.

— Quem que avisa outra pessoa pra sair do caminho com “sai do chão”?! — Byounggon segurou o riso enquanto o outro o xingava silenciosamente. — E, aliás, que raio de música é essa?

— Ah, é! Coloquei por engano. — O garoto pegou seu celular e pausou a batida eletrônica por um momento, até que outra música começou a tocar. — Era essa que eu queria colocar.

A melodia familiar fez a irritação – que não era tanta assim – de Yonghee diminuir. Ele olhou para o amigo e não conseguiu evitar o sorriso.

— Você sabe que essa música não é de Natal, né?

Byounggon deu de ombros, sorrindo de volta conforme as primeiras linhas de Somewhere Only We Know da banda Keane soavam da casa da árvore.

— É uma ótima música, e sei que é uma das suas favoritas. E, além do mais, acho que combina bastante para nossa última atividade natalina.

— Graças a Deus, eu tô congelando! — Yonghee resmungou. — O que é?

Byounggon olhou rapidamente para cima e abriu um sorriso aliviado.

— Não caiu com a avalanche, que bom. Certo, vem aqui.

Ele guiou Yonghee para debaixo da casa da árvore, ao lado da escada e da pilha de neve em que quase foi “afogado”. O boneco de neve olhava para eles com seu sorriso congelado, completamente intocado pela pequena avalanche.

Eles ficaram de frente um para o outro. E, pela primeira vez naquela noite, Yonghee percebeu um toque de preocupação e nervosismo na expressão de Byounggon. Seus cabelos estavam bagunçados e salpicado de branco por rolar na neve. Ele fechava e abria as mãos repetidas vezes, como se para ganhar forças, e respirou fundo várias vezes.

— Yonghee. — Ele chamou baixinho. — Eu queria ter vindo no Natal. Queria mesmo. Principalmente porque eu tinha finalmente reunido coragem pra fazer algo que eu devia ter feito antes de me mudar. Foram Seunghun e Jinyoung que praticamente me forçaram a vir pra cá, na verdade, porque eles não aguentavam mais me ouvir reclamando, e também porque eles tão torcendo pra que tudo dê certo e eu fique devendo uma pra eles, e com certeza eles vão usar isso pra me chantagear pra invadirmos o prédio abandonado e...

— Byounggon, se concentra. — Yonghee interrompeu, sorrindo um pouco. O nervosismo dele estava o deixando nervoso também.

— Certo. — Ele respirou fundo. — Tem muita coisa que eu quero te falar. E pra quem estuda e trabalha em compor música, eu meio que devia ser bom com palavras e em formular frases que façam sentido e que demonstrem o que eu sinto e penso. Mas eu não consigo fazer isso. Não quando se trata de você, pelo menos.

Yonghee sentiu seu coração acelerar e imediatamente lutou para estourar a bolhinha de esperança que começou a se encher em seu peito enquanto seu cérebro gritava: muita calma nessa hora, ele pode querer dizer uma coisa totalmente diferente!

Os olhos de Byounggon estavam fixos nos seus. Havia algo brilhando lá, uma emoção forte e desconhecida.

Yonghee engoliu em seco.

— O que você quer dizer...? — Sua voz saiu em um sussurro.

— Se você quiser se afastar, eu entendo. Dê dois passos pra trás e eu finjo que nada disso nunca sequer aconteceu, e continuamos do jeito que sempre fomos. Mas se lá no fundo, você também sentir algo...

Seu cérebro agora havia jogado a lógica pela janela: ai, meu Deus, ai, meu Deus, ai, meu Deus! Yonghee tinha certeza de que estava prestes a entrar em colapso com as próximas palavras dele.

— Olha pra cima.

Epa, não era isso que ele estava esperando. Confuso, olhou para cima, apenas para ver um visco adornado pendurado nos galhos acima de suas cabeças.

O que Byounggon havia dito mais cedo mesmo? Tradições natalinas.

Eles estavam debaixo de um visco.

Yonghee respirou fundo.

— Você acabou de juntar três coisas que eu gosto muito em um único momento: Natal, clichês e você, Lee Byounggon.

Foi preciso apenas um passo. Yonghee juntou seus lábios nos dele em um simples selinho, afastando o rosto em seguida para observar sua reação – ato que foi desnecessário, pois Byounggon imediatamente colocou suas mãos frias sobre as bochechas coradas dele e o puxou para si mais uma vez, beijando-o com todo o afeto que guardava no peito havia anos, ao qual Yonghee retribuiu da mesma forma.

Eles se separaram e Byounggon encostou a testa contra a de Yonghee, suas bochechas coradas e um sorriso genuíno em seu rosto.

— É melhor entrarmos. — Yonghee sussurrou.

— Ok. — Byounggon concordou, mas não fez questão de se mover.

— Você vai ficar em Daejeon até quando?

— O planejado é duas semanas.

— Então temos bastante tempo.

Yonghee precisou de muita força de vontade para soltá-lo. Byounggon pegou sua mochila e eles voltaram juntos para a casa, sem falar nada, mas trocando olhares e sorrisos que significavam milhares de palavras.

Quando Yonghee abriu a porta, um cheiro agradável chegou até eles.

— Meninos! — A mãe de Yonghee abriu um enorme sorriso ao vê-los. — Venham, eu fiz chocolate quente. Byounggon, querido, como é bom te ver!

— Senhora Kim, que saudades! — O moreno a abraçou com carinho.

Yonghee e Byounggon se sentaram lado a lado no sofá, bebendo o chocolate quente e se esquentando diante da lareira elétrica, com uma coberta felpuda sobre suas pernas. Debaixo da coberta, a mão livre de Byounggon alcançou a de Yonghee, entrelaçando seus dedos em um aperto carinhoso.

Mesmo atrasado em três meses, aquele era, com certeza, o melhor Natal da sua vida.


Notas Finais


Obrigada por ler e espero que tenham gostado!
- efron


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