História Estrela sem Memória - O que eu sou para você?

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Taehyung

Kookie e o diretor olhavam o monitor onde o tema da coreografia era repassado e uma maquiadora estava ao seu lado, arrumando algo desnecessário em seu rosto que eu particularmente achava perfeito. Não penso que ele precisa de maquiagem, não existe nada a esconder e as luzes de qualquer forma estariam púrpuras ou azuis no cenário que havia sido escolhido.

-Tae, você ficou sem fôlego nesse trecho... Precisamos repetir ou cortar na hora da montagem. -Comentou ele, pela primeira vez tirando os olhos da tela e encarando os meus com um sorriso divertido.

-Ora ora, maninho, mal gravou seu clipe de estreia e agora quer palpitar no comeback especial? -Respondi, aproximando-me rápido e sentindo o vento do leque em meu rosto, Dan Hoo era autora do "ventilador improvisado".

-Ele tem razão, infelizmente a câmera captou seu cansaço justo na nuance da coreografia. -Jung Heen, nosso professor coreógrafo, confessou com certa preocupação. -Podemos modificar este passo se ele te impedir de cantar nos palcos ao vivo... Ainda dá tempo, o teaser 2 não saiu.

Desviei o olhar e encarei Dan Hoo, com aquelas lentes violeta e um sorriso de aparelho recém tirado. A franja teimava em lhe esconder o olho direito e os ombros encolhidos davam aparência frágil, uma versão feminina doce e meiga do meu irmão. Lá estavam outra vez aquelas pessoas me dizendo que poderiam facilitar minha vida para que nada desse errado nos palcos. Como se eu não fosse capaz, como se eu precisasse dessa super proteção. Será que é tão difícil eles acreditarem que eu posso ser melhor sem precisar de uma "ajudinha"?

-Minha voz pode falhar um pouco, mas não quer dizer que vá ficar tão ruim. Podemos adicionar o vocal do Jeon, não é? O que acha maninho? -Tentei desviar do assunto.

Kookie cruzou os braços, balançou a cabeça de um lado para o outro e eu fiquei um pouco envergonhado, obviamente todos me observavam neste momento. Eu sempre soube que minhas coreografias de solista eram fáceis para dar mais atenção ao vocal, só que depois nosso debut como um dueto a visão da empresa tinha se modificado e eu deveria me acostumar com performances complicadas, já que o ponto forte a ser explorado em meu irmão era a dança.

Eu adorei a ideia de mudança e não me assusto tão facilmente com ela, já que meu primeiro álbum foi totalmente direcionado para doramas e filmes, resultado do projeto de colaborações da empresa entre eu e os principais artistas naquela época. Somente no segundo álbum eu me tornei uma personalidade única e diferente, numa vertente menos R&B e até arriscando um pouco nos raps.

-Jung Heen, eu já sei o que podemos fazer. -Kookie levantou e arrumou a gola da jaqueta, caminhando com nosso coreógrafo para o centro do cenário e indicando as posições onde nós ficaríamos durante o vídeo. -O Tae precisa dar um salto para esquerda e seu pé de apoio vai parar ao lado do meu, aí nós nos inclinamos para trás ao mesmo tempo e depois giramos para a esquerda e assim ficamos de costas um para o outro, certo?

-Sim. -Ele respondeu.

-E se ao invés de inclinar para trás, nós dois fazermos esse movimento pra frente?

-Parece uma boa ideia Jeon, assim Taehyung consegue respirar sem esforço no palco. -Jung Heen sorriu e observou Kookie fazer a sequência de passos. -Só vamos ter que aumentar a distância entre vocês, por que como estarão de frente um para o outro nessa parte da dança, jogar o corpo para frente irá aproximar demais e vocês podem acabar batendo as cabeças sem querer.

-... Hum, é verdade! Eu não tinha pensado nisso. -Kookie sorriu, um pouco sem graça.

-... Ou podemos refazer o arranjo e eles executarem esse trecho do refrão mais devagar, aí teremos um bom trabalho para os fãs. -Pronunciou o diretor, com um ar pensativo. -Nós já fizemos isso na apresentação de fim de ano do V com Hyorin, o fanchant seguiu o refrão completo e fizeram um pink ocean! Lembram-se? Jung Heen vamos ensaiar os meninos dessa forma e gravar a nova sequência no estúdio. O teaser 2 pode ser feito com aquela dança solo do Jeon no medley instrumental do novo álbum, aí lançamos um terceiro teaser com os dois e aproximamos da dimensão da coreografia usando apenas luz e sombra.

-Uau! Do mesmo jeito que fizeram com o novo mix do vídeo dos Bangtan Boys? Aquele em que os dançarinos usaram o tema da teoria de cores e colocaram vendas nos olhos para performar no music show? Tae, lembra-se desse vídeo? -Kookie me perguntou, entusiasmado com a sugestão.

-Eu lembro sim. -Respondi um pouco desatento, mantendo meu olhar sobre o manager. -Como vão ficar os dois shows que ainda temos no teatro Niniland City?

-Eles serão feitos normalmente, sem a adição da performance exclusiva do novo single.

-Entendi.

-Certo pessoal, vamos gravar mais uma cena do refrão e depois estão dispensados, ainda temos que chegar no teatro para repassar o som. -Anunciou o diretor, que logo em seguida parou em minha frente e apoiou a mão direita em meu ombro e falou num tom mais baixo do que o habitual. -Taehyung, nós vasculhamos os noticiários e não existe nada sobre o acidente do Jungkook nos bastidores e todos estão mantendo o sigilo, já entramos em contato com o médico que nos ajudou naquela semana e ele está analisando a proposta de trabalho, ainda não tivemos resposta. Eu quero que saiba que está tudo bem, mas preciso que colabore comigo e faça um bom trabalho nesse álbum, não é a primeira vez que você muda o conceito e todos estão com grandes expectativas de um conteúdo diferente, se o EP com duas músicas já fez sucesso... Logo irão aprovar esse álbum, de 10 formas diferentes.

-Desculpe-me por ser tão exigente, estou um pouco preocupado com a saúde do Kookie desde que saiu do hospital e não consigo entender uma parte das coreografias novas, elas tem mais energia e o som é um pouco forte, porém vou dar o meu melhor para que o álbum completo supere todos trabalhos que fiz até agora.

-Nós somos um time, Taehyung, precisamos de uma dupla e vocês precisam de alguém como nós para mostrar ao mundo o talento, certo?

-Ao mundo? Parece meio audacioso. -Respondi, um pouco pensativo.

-Recebemos uma proposta de concerto solo para a mais nova dupla do cenário musical. -O sorriso do diretor se ampliou e meu coração quase parou de bater. -Se vocês promoverem com sucesso esse novo álbum o contrato vai precisar apenas da assinatura.

-Um concerto exclusivo apenas para Kookie e eu? Sério?

-Não conte aos outros por enquanto, será uma surpresa. -Ele riu e deu um leve empurrão para que eu fosse gravar. -Dê o seu máximo, V.

Corri para o centro da formação dos dançarinos e encarei a câmera, sentindo um peso sair dos meus ombros. A assistente de cena correu para ajeitar meus cabelos e logo se retirou, um apito baixo soou e a introdução do refrão tocou no estúdio, nada poderia ser mais perfeito e eu pensei apenas em dançar impecavelmente. Não para o diretor, não para o vídeo, muito menos para outra pessoa que estivesse atrás das câmeras naquele momento. Eu dancei por ele e para ele, Jeon Jungkook. Nada iria fazê-lo ficar mais feliz do que ter o reconhecimento, aquela chance de conquistar as pessoas com o talento que ele possui.

Se todos puderem ver meu irmão como eu vejo, talvez ele possa entender o que eu sinto. Talvez ele entenda que é importante para mim.

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Autor

-Bom dia Susy! -Cantarolou Namjoon.

-Oi babyMon! -Respondeu a garota, deitando-se de costas do sofá e encarando a televisão iniciar os anúncios do dia. -Como está o carregamento maninho querido?

-... Mais ou menos. Eu consegui encontrar novos produtos semelhantes aos que tivemos prejuízo, só que eles estão muito caros e não vamos conseguir repor nosso estoque para o evento daquela empresa que está aí em Niniland. Provavelmente o serviço será terceirizado.

-Sério? -Susy se moveu desconfortavelmente e mudou a expressão. -Mas nós fechamos o contrato semana passada, eles querem um evento que apenas o nosso espaço suporta, em Niniland não existe outro lugar tão grande como o nosso e se eles nos trocarem pela Sister's Club teremos sérios problemas!

-Eu sei, eu sei.

-Namjoon, use o seu cartão, eu posso garantir o pagamento e consigo te devolver o dinheiro até o fim desta semana.

-Tudo bem, porém vou fazer o estoque condicional. Aí o que não for consumido eu posso devolver e não temos prejuízo. -Namjoon suspirou. -Susy, você sabe do Yoongi? Eu tento ligar pra ele, só que ninguém atende no apartamento. Precisamos dele para organizar o staff desse evento, Yoongi é o único em quem gosto de confiar nesses momentos, ele é bom nisso.

-Ah babymon precisamos conversar sobre isso, mas é melhor pessoalmente. Termine nossas compras e retorne o mais rápido possível, o evento é amanhã à noite... Aí acertamos tudo, está bem?

-... Ok, mas quero que o Yoongi apareça nessa reunião. Até logo maninha, se cuida.

-Até.

Susy desligou o aparelho e o jogou para o lado, dando atenção para o anúncio novo e colorido, suspirando com certa preocupação.

"Niniland City está esperando por você nas duas últimas noites do concerto da Music Soul's, com participação especial de artistas como Lee Hyun [...]"

-Ah, não acredito que vou perder capital por causa desse Mark, maldição! -Murmurou a garota, que tornou a prestar atenção ao reconhecer dois rostos na entrevista que acontecia aparentemente ao vivo, seus dedos imediatamente levantaram o volume para ter certeza que não havia se enganado. -Filho da mãe, está mesmo anunciando!

"-Olá! Eu sou o V!

-E eu sou Jungkook!

-Não esqueçam de levarem seus casacos, por que a noite de hoje vai estar um pouco fria. -Prosseguiu Taehyung, arrumando o gorro que o irmão usava. -Nós e todos os artistas faremos uma surpresa na noite final do festival, se quiserem participar ainda temos o último lote de ingressos disponíveis na bilheteria!

-E também vamos dar presentes especiais aos fãs que comparecerem na nossa primeira sessão de autógrafos que acontecerá amanhã, a partir das 14:30! -Completou Jungkook, sorrindo timidamente para a câmera.

-Nos veremos no show logo mais, então precisamos nos preparar, não é mesmo irmãozinho?

-Sim Tae, muito obrigado a todos, vamos trabalhar duro para que não se decepcionem! "

Susy sorria feito boba para a televisão, mesmo que ninguém mais estivesse perto para vê-la. Imediatamente ela buscou o celular que havia jogado, procurou entre os contatos o número que precisava e esperou apenas o segundo toque para ser atendida.

-Mark? ... Pelo visto está desocupado, atendeu rápido. -Ela sussurrou.

-É meio óbvio, não acha? -Retrucou o homem no outro lado da linha. -Você não recebeu nosso parceiro de negócios na sua espelunca e ainda por cima cancelou uma reunião com menos de 24 horas de antecedência. Além do mais, mocinha, seu doméstico invadiu permissões do meu território e teve a coragem de me enfrentar, acha que foi pouco o que eu fiz com ele? Eu devia ter arrebentado aquele verme!

-Não estou ligando pra falar sobre o meu pequeno babyGi.

-Mas eu quero falar sobre ele, Susy! -Mark parecia irritado e a garota se calou rapidamente, colocando o aparelho no viva voz. -Quando ele irá sair do hospital? Já tem uma previsão? ... Precisamos executar algumas tarefas importantes para a irmandade e os Donos da Noite querem o baixinho pra isso. Por causa daquele lance pirotécnico que ele controla, sabe como é.

-Argh, não sei. -Susy encostou a cabeça em uma almofada e fechou os olhos, cruzando os braços. -Quando fui lá o médico esquisito tagarela disse que visitas estavam restritas e até fiquei menos preocupada por saber que as despesas já tinham sido pagas e Jimin realmente saiu de perto dele, suas ameaças surtiram algum efeito. O problema é que estou em fase de testes, não posso simplesmente passar esse tipo de ordem para o meu Doméstico, ele é temperamental e muito mais pensante que os seus.

-Não o ensine a questionar, apenas diga o que deve ser feito ou caso contrário sofrerá consequências. Não é tão difícil... E não temos muitas opções para esse tipo de serviço em grande escala. Susy, eu já vi o Yoongi fazer aquele tipo de coisa antes e ele se controla muito bem. Não precisa testar nada.

-O problema não é nem esse Mark, estou um pouco cansada e nesse tipo de favor para a irmandade exige mais do que manter controle do doméstico.

-Entendo. Então por que você não me deixa adotá-lo para me servir temporariamente?

-Não mesmo! -Susy o interrompeu com uma gargalhada cheia de sarcasmo. -Se você fizer um risco na pele dele eu mesma irei te matar. Yoongi é meu e não vou permitir que outra pessoa conheça os pensamentos dele.

Por breves instantes a linha ficou silenciosa, uma tensão tomou conta do corpo da garota que rapidamente forçou uma tosse e voltou a se ajeitar corretamente no sofá, tomando uma postura ereta e contida.

-Posso castigá-lo e como forma de repreensão por ter invadido seu território ele pode participar não ativamente dos planos da irmandade, o que inclui também as lutas de arena. Nada mais do que isso, Mark, estamos conversados e farei acordo apenas com estas condições.

-Em cima do muro, como sempre. -Resmungou o homem, no outro lado da linha. -Sobre o que você pretendia me falar no começo?

-Sobre o garoto que te contei, o tal artista novato chamado Jeon Jungkook.

-Hum... Você citou esse nome na última reunião.

-Citei, por que tenho um certo interesse nele. -Susy levantou e esticou os braços, como se estivesse alongando. -Nas câmeras e holofotes ele não é muito detectado, porém consegui ter a oportunidade de vê-lo bem de perto quando estava hospedado no mesmo hotel em que eu moro... A íris dele estava iluminada e a coloração predominante era laranja, não lhe parece familiar?

-... Doméstico?

-Exatamente! Achei que não veria outro igual a Yoongi por anos! Ele deve estar despertando, senão eu jamais teria conseguido captar o sinal.

-Muito bem, Susy! Mas o garoto é famoso, como você irá tirar as pessoas ao redor dele?

-Não precisamos tirá-lo desse meio, podemos usar sua influência de algum modo para nos favorecer financeiramente. Precisamos de alguém como ele para poder nos apoiar, entende? Será um ótimo negócio, o evento de amanhã a noite já está marcado com a empresa que Jungkook trabalha. Vou aproveitar o momento de celebração e me aproximar, quero entender que tipo de talento ele realmente pode desenvolver e também criar algum laço afetivo com os outros que o rodeiam, assim ficará mais fácil ter acesso ao garoto mesmo que ele escape pelos dedos inicialmente.

-Certo, não vou pressionar suas decisões, apenas me avise se precisar de algum apoio então. Se você realmente encontrou um novo doméstico com potencial de desenvolvimento quem sabe nossa parceria possa se fortalecer e a irmandade nos reconheça ainda mais. -Mark riu e um ruído ao fundo indicou que alguém estava falando com ele. -Eu preciso desligar, mas você pode me passar por mensagem o quanto você precisa de dinheiro nisso, aí  nós vamos bancar.

-Obrigada por me ouvir, Mark, te vejo neste fim de semana!

-Até breve, lindinha.

Susy sorriu vitoriosa e desligou o aparelho, apressando-se em ir ao quarto e observar o guarda roupas organizado.

-Ah, isso vai ser tão fácil... Acho que preciso de uma roupa nova, só pra garantir. Com Mark patrocinando, nada irá falhar. Para caçar o pequeno prodígio, nada melhor do que atirar em cheio no mais velho, ele tem cara de quem vai cair nisso.

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Hoseok

Jin conversava com uma das enfermeiras no corredor e eu fiquei um pouco chateado por ter sido deixado de lado então resolvi ir sozinho até o quarto de Yoongi. Eu estava um pouco nervoso e não sabia dizer se era pelo pesadelo que tive ou se poderia ser pelo possível xingamento que eu receberia se aparecesse outra vez na sua frente. O fato é que minhas mãos mesmo tremendo abriram a porta e eu permaneci com os olhos no chão depois de entrar, demorei para conseguir focar exatamente a direção da cama, notei nesse caminho tortuoso do olhar que tinha uma mala pequena aberta sobre a cadeira, o que era novidade para mim.

Aproximei-me o mais silenciosamente possível, mas ele não dormia naquele momento. Yoongi estava de costas para mim e balançava os pés para fora da cama, como uma criança obediente esperando sentada o que sua mãe pudesse lhe dizer.

-Oi... -Sussurrei, tomando sua atenção. Ele me olhou por cima do ombro e um leve sorriso surgiu no canto dos seus lábios, fato que me deixou um pouco aliviado. -Soube que irá receber alta.

-Sim. -Ele ergueu os pés e se ajeitou sobre a cama, olhando para as próprias meias. -... Jimin não veio mais desde aquele dia e deixou essas coisas para a enfermeira ontem... Eram as minhas coisas que estavam no apartamento dele.

-... A mochila é pequena.

-Eu sei. -Yoongi suspirou, encarando meus olhos pela primeira vez. -Parece que ele está realmente decidido a não me ver mais.

-Eu sinto muito.

-Ah, Hoseok, não seja idiota, por favor. -Ele usou meu nome com certa rispidez e eu recuei um passo. -Talvez eu deva me esquecer de Park Jimin e ser um pouco egoísta, ele estava tomando muito o meu tempo no final das contas e nem merecia tanta dedicação.

-Não fale dessa forma! -Interrompi em tom baixo, tentando não parecer rude. -Pode ser que em alguns aspectos você tenha sido exagerado, mas jamais deve ignorar que tiveram um relacionamento e em alguns momentos vocês dois estavam em harmonia, felizes. O que eu quero dizer... É que você precisa ficar com os bons momentos e esquecer os ruins.

-... Hum, ok senhor mandão.

-Não estou mandando em ninguém!

Yoongi riu baixinho e balançou a cabeça, arrumando os travesseiros nas costas e acomodando-se melhor para conversar.

-... Obrigado pelo que está fazendo por mim. -Ele falou, com um sorriso radiante.

-Opa, posso gravar isso? -Respondi em tom brincalhão, vendo-o permanecer tranquilo.

-É sério, você é mais legal do que idiota, no fim das contas. -Insistiu, fazendo um sinal para que eu me aproximasse. -Como está indo o seu projeto? ... Seokjin me contou que você é professor de artes em um instituto e algumas outra coisas um tanto irrelevantes ao momento... Mas enfim...

-Jin contou isso? Argh, desculpe se ele fala demais ou fez algum tipo de piada sem graça ao meu respeito, descobri que ele realmente só é sério quando está em um plantão no hospital.

-Ele é legal.

-Ok, te ouvir dizendo que Jin é legal parece no mínimo esquisito. -Sentei na cadeira e apoiei os cotovelos sobre a beira da cama, ficando em uma posição mais confortável. -Estou empenhado em terminar 7 obras. Não sei o que exatamente ele te contou, mas saiba que já fiz 5 e em todas elas desenhei você...

-Eu gostaria de poder ver, quando fizerem a exposição me chame.

-Está falando sério?

-Sim. Não parece ser fácil de fazer... Queria entender como é que funciona sua inspiração. -Ele suspirou, visivelmente pensativo. -Você poderia me desenhar se estivesse me vendo direto em seus sonhos, não é? Eu sei que é assim, acho que estou invadindo sua mente mais do que deveria.

-Como?

-Deixa pra lá.

-"Deixa pra lá", nada! -Comentei, notando um certo desconforto em sua expressão.  -O que estava tentando dizer?

-Você apareceu aqui por um motivo. -Yoongi sussurrou e seus olhos se fecharam. -Não existem muitas justificativas para sua visita e a minha aceitação, então se você sente que precisa perguntar eu irei responder, Hobi.

Fiquei em silêncio e pude ouvir sua respiração, algo que só consegui fazer nos primeiros dias depois do incidente. Eu com certeza poderia facilmente descobrir onde ele estava apenas pela forma de respirar, isso começou a ficar estranho demais até mesmo para alguém esquisito como eu.  Nas entrelinhas captei que ele falava sobre um sonho, sobre aquele sonho especificamente, algo que para mim foi muito surreal... Espere! Estamos falando do mesmo sonho?

-Eu dormi e você apareceu onde eu estava. Yoongi... Aquilo aconteceu mesmo ou estou realmente pirando?

-Aconteceu. Você acabou de contar. -Ele cruzou os braços e encostou a nuca na cabeceira da cama, encarando o teto parecendo um tanto sonolento. -Seja menos objetivo, hoje eu quero responder suas perguntas.

-Tá. -Ignorei sua ironia e tentei pensar em uma pergunta mais complexa, porém minha boca ficou entreaberta e o ar que eu deixei escapar pelos pulmões tornou-se extremamente frio, por um momento pensei que minha garganta havia congelado. -Ah...

Instintivamente levei a mão sobre o peito e me afastei, buscando apoio para as minhas costas na cadeira e sentindo seu olhar sobre os mínimos movimentos que eu fazia.

-Você não me perguntou  o que eu sou.

-Já perguntei e sua resposta foi... -Minha voz que antes iria brincar em tom de desafio morreu rapidamente, encerrando a minha frase mental com apenas uma única palavra. -...Doméstico.

-Hum.

-O que há de errado nisso? Talvez o fato da escravidão que você diz sofrer, não vejo outra coisa ruim em uma palavra, pra ser sincero... Qual é o motivo de sua auto nomeação de doméstico e o que é um Dono?

-Domésticos são pessoas com talentos. Donos são pessoas que usam os talentos dos domésticos. O erro está ligado ao fato de não existir liberdade ou o preço dela ser muito caro, eu posso me chamar assim por que tenho uma dona, já lhe disse isso uma vez...

Sentido. Eu tentava encontrar sentido para as vagas explicações dele, porém nada me servia. Era como aquelas histórias de filme em que aos poucos vamos descobrindo o passado do mocinho e ele no fim das contas se revela o maior e mais perigoso vilão.

-Eu sei, eu sei. -Interrompi o monólogo, retomando outra vez sua atenção. -E qual é o seu talento então? Entrar na mente das pessoas? Invadir o sonho delas com aquele olhar maligno e laranja, parecendo um capeta ou o filho dele?

Yoongi tomou um impulso e sentou-se de frente para mim rapidamente, os olhos arregalados e uma expressão de terror lhe dominava.

-Não diga esse tipo de coisa! -Ele chacoalhou a cabeça e tentou se acalmar, porém o espanto ainda permanecia em seus olhos. -Você disse olhar maligno e... Laranja?

-S-sim... -Respondi, um tanto incerto com a afirmação. -Não deveria ser eu a pessoa que pergunta aqui?

-Hobi, você é a primeira pessoa que ouço falar assim! -O que antes era assustador aos poucos se transformou em um leve sorriso, como se a descoberta fosse realmente importante para ele.

-Assim como?

-Laranja! Então essa é minha cor, laranja! -Ele riu baixinho e me encarou, como se esperasse alguma confirmação. -Isso quer dizer que sou extremamente bom, sou um dos melhores!

-Certo... -Comentei em tom baixo, ainda curioso por sua admiração com uma informação. -Eu achei que estava pirando, no entanto posso ter me enganado.

-Você não entende... Quem é doméstico pode ser distinguido apenas por outros do mesmo tipo. Suas cores só podem ser vistas por donos ou em sonhos, descobrir sua própria cor é difícil de acontecer e agora te ouvir dizer isso me deixa muito feliz! ... Laranja é uma cor quente e ouvi dizer que precisamente esta cor está associada com força e personalidade.

-Isso parece uma previsão do horóscopo.

-Ridículo. -Yoongi estalou a língua e soprou o ar com força, demonstrando irritação. -Existem outras cores, laranja é a segunda mais forte delas. A melhor é azul. Quando um doméstico tiver a íris azul nos sonhos ou miragens mentais certamente ele pode ser dizer de sorte. Eles são completamente livres e usam seus talentos sem seguir ordens de um dono, podem controlar perfeitamente.

-Você está complicando muito as coisas falando desse jeito. Seu talento por ter olhos laranja é qual no fim das contas? O que isso tem a ver comigo? Só por que sonhei com você e apenas...

Eu continuaria falando e questionando milhares de coisas, contudo meu cérebro interrompeu a voz lentamente quando o raciocínio em segundo plano terminou e trouxe resultados visuais e fortes o suficiente para me devolverem a realidade. Domésticos são pessoas com talentos que podem apenas usá-los com permissão de seus donos, apenas eles se reconhecem entre si e ainda são distinguidos por cores... Se sou capaz de dizer que no meu sonho Yoongi tem olhos laranja eu definitivamente o reconheci, então seríamos do mesmo tipo, certo?

Lá estava ele com uma expressão angustiada, a mesma que eu havia captado como sendo sua essência. Ele me viu negar com a cabeça e afirmou de forma muda um "sim, você é como eu", que eu não desejava ouvir. De um dia para o outro as pessoas estavam ficando malucas e tentando me deixar maluco também?

-Isso é ridículo! Não existe esse tipo de coisa!

-Não podemos ter certeza de algo que ainda não despertou, Hobi!

-Você por acaso está fazendo uma brincadeira de mal gosto comigo, é? -Levantei da cadeira e apontei em sua direção de modo ameaçador.

-Claro que não! Foi percebido por conta própria, será que não consegue se entender? Que droga, Hobi! -Ele levou as mãos sobre os cabelos e chacoalhou a cabeça. -Não achei que fosse reagir dessa maneira, é tão impossível assim acreditar no que eu digo? Tenho quase certeza que não! ... Por favor, pare de agir por impulso, está ficando igual ao Jimin!

Um forte ruído metálico atingiu meus ouvidos e a lâmpada do quarto estourou, o que me deixou completamente apavorado. Encarei Yoongi e ele esticou o braço para a direção da porta.

-Vai embora!

-O quê?

-Se não consegue acreditar no que eu digo então saia daqui!

-Ótimo! Agora você está definitivamente me deixando maluco! -Gritei em resposta a sua atitude, sem nem mesmo me importar com o fato de estar em um quarto de hospital.

Em menos de um segundo senti aquela raiva enorme se apoderar de mim e eu lhe dei as costas, empurrando a cadeira para o lado e saindo com passos largos para alcançar a porta e sair o mais depressa possível. Não me importei com o fato de ter derrubado suas coisas ou com o olhar aterrorizado de uma enfermeira que me encontrou no corredor e que infelizmente eu também afastei para o lado. Não queria ninguém no meu caminho naquele instante e ela teve o azar de aparecer.

Não esperei Jin e eu pude escutar ele gritar por mim e me seguir no corredor até certo ponto, confuso com minha atitude. Passei pelo saguão e abri a porta de saída, entrando em choque com o vento congelante que me fez dar um passo para trás antes de conseguir me mexer. Estava um tempo terrível, era certo que choveria pedra ou cairia neve, uma das duas coisas que, independente do que o céu escolhesse para mandar pra cá, com certeza faria estragos.

Enfiei as mãos no bolso e segui pela calçada, encolhi os ombros e senti tanto ao passar em frente ao meu carro e lembrar que as chaves estavam com Jin e eu não queria que ele se incomodasse comigo ainda mais. Acelerei os passos e atravessei a rua, misturando-me com a multidão de capuz e guarda-chuvas andando sem um rumo definitivo.

Como eu ainda consigo pensar nesse idiota mesmo tendo certeza de que ele é bipolar? Estávamos tão bem, o que deu nele para agir assim? Achei que tudo pudesse se acertar e nós finalmente poderíamos ser pelo menos amigos agora, aí ele começa a me comparar com Jimin! Yoongi deve ser mais perigoso e psicopata do que imaginei, é fato que precisa de algum tipo de ajuda médica mental.

E ainda com esse papo estranho sobre domésticos, seres de olhos coloridos que possuem talentos e são obedientes aos seus donos. Que diferença faz se seu olho é laranja ou azul quando visto por outro doméstico? E essa outra esquisitisse de dizer que apenas domésticos reconhecem uns aos outros, ele está pensando que por ter sonhado com ele eu posso ser um também? Argh, não acredito que minha mente está outra vez presa nas coisas que ele disse!

-Eu não sou isso. Não sou! Obviamente é só uma coincidência maluca, pessoas não podem ser diferentes dessa forma com... Olhos coloridos. -Sussurrei com certa ironia, parando em frente a uma vitrine e encarando meu reflexo no vidro meio espelhado que havia ali.

Fixei em meus olhos e não tinha nada diferente, eles não eram azuis ou laranjas, não eram coloridos de nenhuma forma esquisita ou diferente. Apenas o castanho de sempre, normal e mais escuro que o céu estava ficando.

-Ora ora, se não é a abóbora ruivinha! -Anunciou a voz feminina que chamou minha atenção rapidamente, era Susy, com sua ironia visível. -O que faz aqui? Caiu do caminhão da feirinha?

-Ah, olá vassoura! -Respondi sem muita paciência, encarando a garota com sacolas em uma das mãos. -Sua bruxa não conseguiu vaga no estacionamento dos fundos?

-Eu adoro seu bom humor. -Ela riu baixinho, arrumando o capuz cor de vinho que lhe protegia os cabelos dos pequenos flocos gelados. -Espero que não guarde ressentimentos, mas logo as coisas vão voltar a ser como eram antes de você se meter onde não devia.

-Que bom! -Cruzei os braços e a observei mais intensamente, se raiva pudesse ser transmitida por telepatia eu com certeza estava fazendo isso naquele segundo. -Desejo uma ótima vida para você e seu doméstico de olhos laranja, sua piranha!

Virei rapidamente e iniciei o que seria uma saída estratégica e triunfal, mas as unhas compridas dela quase perfuraram a manga do meu moletom que não era tão grosso assim. Eu olhei por cima do ombro com o maior ódio que consegui demonstrar, Susy não recuou, muito pelo contrário do que eu esperava. Sua expressão era de espanto, na verdade.

-Laranja? Como assim?

-Ah, você também! Por favor, não me enche! -Puxei meu braço e pisei firme para sair, porém ela novamente me segurou e pude ouvir um certo desespero em suas palavras.

-O que você está dizendo? Como pode dizer algo assim sobre Yoongi?

-Quer fazer o favor de me soltar? -Resmunguei. -Não quero que as pessoas pensem que estou agredindo você.

-Ok. -Ela soltou devagar e forçou uma tosse, seguindo ao meu lado quando comecei a caminhar. -O que ele disse para você?

-O suficiente para que eu me afaste de uma vez por todas de pessoas malucas como vocês. -Tentei parecer calmo, mas não conseguia controlar a mágoa que começava a me consumir. -Eu não sou esquisito como ele, muito menos existe a possibilidade de eu ter olhos coloridos ou ser um doméstico. Agora pare de me seguir e prometo que não vou comentar com ninguém sobre as coisas que ouvi, ninguém vai acreditar mesmo.

Susy parou diminuiu os passos e ficou um pouco atrás, talvez pensando em algo de seu interesse, segundos depois ela tornou a andar e parou apenas quando conseguiu ficar de frente para mim, analisando de um jeito diferente o meu rosto.

-Estranho.

-Vai ficar na minha frente?

-Não. -Ela suspirou, desviando o olhar e dando acesso. Quando passei por ela, pude ouvir sua voz me desafiar. -Se eu fosse você tomaria cuidado, garoto. Eu não sou a única "pessoa esquisita" por aí, logo virão muitos outros... Yoongi é muito inteligente e acho que preciso agradecê-lo de um jeito especial por te descobrir.

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