Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está aí, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada 'impulso vital'. Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te surpreenderás pensando algo assim como 'estou contente outra vez'.
Point of View; Beatriz Ventura.
Abri e fechei os olhos tentando me acostumar com a intensidade da luz. Senti toda a extensão do meu corpo doer, principalmente minha cabeça e minha costela.
— Você é maluco cara, por um fio ela ficaria aleijada. – uma voz desconhecida falava em tom preocupado.
— Ela deveria mesmo é ter morrido. – outra voz ecoou.
— E por que não a matou? – a pessoa não obteve respostas.
Queria virar minha cabeça, mas não conseguia mover nenhuma parte do meu corpo. Estava cheia de fios.
— Q..quem está aí? – minha voz era falha e quase inaudível.
— Você acordou! Foram dois longos dias te esperando mocinha. – um Homem já de idade disse animado enquanto olhava para trás de mim onde tinha alguns aparelhos.
— Quem é você? – perguntei mas fui novamente ignorada – Quando vou poder sair daqui? – perguntei aflita depois de não receber nenhuma resposta.
— Quando eu quiser! – uma voz grossa esbravejou e pude identificar que era James.
Lembranças da noite passada invadia a minha cabeça e resmunguei ao sentir minha costela arder na minha tentativa de virar e encarar James.
— Não faça nenhum esforço com sua coluna, qualquer ato ainda pode te deixar paraplégica.
Você ficou quatro dias desacordada, nos deu muito trabalho mocinha. – o Homem, aparentemente médico, disse ao perceber o que iria fazer.
Apenas bufei e voltei meu corpo para a mesma posição de outrora.
Pera, paraplégica?
— Eu posso ficar o que? – quase gritei a última palavra.
— Por circunstâncias da sua teimosia você bateu a cabeça e bom... – James parou de falar.
— Você me bateu e quase me deixou aleijada, entendi. – disse ríspida e um silêncio pairou ali. — Que lugar é esse? – perguntei novamente e não obtive resposta.
O médico olhava para James que apenas assentiu e saiu da sala.
— Estamos na ala médica do balcão. – o médico dizia enquanto tirava alguns fios.
— Balcão? – perguntei confusa.
— Sim, estamos no Valdebebas, onde o Senhor Rodriguez arma seus planos e passa a maior parte do tempo – ele revirou os olhos – Você é bem sortuda, garota. – ele trocou de assunto parando de mexer nos aparelhos, agora escrevia algo em sua prancheta. O olhei estranho e ele riu voltando a falar – James não é de começar e não terminar, ele poderia ter te matado no momento que tentou fugir. – ele me encarava e eu lembrava de algumas coisas da noite anterior.
— Por que ele é assim? – perguntei depois de sair do meu pequeno transe – Ele não é feio, poderia arrumar qualquer mulher que quisesse. – bufei triste.
— Bom, realmente não sei. – o médico estava indo em direção à porta - Sou Carlos, provavelmente irei ser o médico a assinar seu atestado de óbito se aprontar mais alguma pra cima do chefão. – riu e bateu à porta.
Ótimo, sozinha nesse lugar estranho.
(...)
Acordei com o estrondo da porta.
Cocei meus olhos com a palma da minha mão e me espreguicei.
Estava dormindo desde cedo.
— Oh, foi mau, acho que bati a porta muito forte. – um moreno de cabelo black power disse sem graça.
— Sim, tão forte ao ponto de me fazer acordar, e isso não é fácil. – brinquei rindo.
— Sou Marcelo. – estendeu as mãos.
— Bea...– ele me interrompeu.
— Sei bem quem você é. – sorriu. Agora foi minha vez de ficar sem graça.
— Hm... capanga do Rodriguez? – perguntei fazendo uma careta.
— Sim, sim. – abaixou a cabeça.
— Poderia me levar ao banheiro? – perguntei super envergonhada.
Estava muito apertada para esperar o Doutor Carlos ou algum dos seus ajudantes que mal vinham aqui.
— Tudo bem, você pode andar? – perguntou receoso ao chegar perto de mim.
— Acho que sim. – suspirei sentindo poucas dores na coluna.
Ele me deixou na porta do pequeno banheiro.
— Acho que você está com fome. – disse me levando novamente para cama.
— Você acertou! – brinquei e ele riu. Saiu do quarto e voltou rapidamente com uma sopa, juntamente a uma colher.
— Obrigada. – fiz careta. Não era isso que eu esperava depois de um dia inteiro sem comer.
Levei a primeira colher a boca e estava completamente gelado. Isso só podia ser coisa do James.
— Vou ali e já volto. – ele ria da minha cara e não entendi. Assenti pra ele.
Peguei toda sopa e me inclinei para jogar no lixo ao lado. – Poxa, está tão ruim assim? – Marcelo apareceu me dando um susto. Joguei o prato junto a colher no lixo com o espanto.
— Cara, isso é coisa do James né? – perguntei limpando minha boca com guardanapo.
— Como descobriu? – brincou e eu revirei os olhos pela afirmação – Bom, como eu vi que você é uma boa garota, decidi trazer algo mais comestível. – ele tinha um pequeno banquete ao lado.
— Aí meu Deus, muito obrigada mesmo, achei que iria ser obrigada a comer aquela gororoba. – peguei a taça que estava com frutas.
— Não fala assim, foi minha mãe quem fez. – uma cara triste apareceu no seu semblante e engasguei com o pedaço da melancia que eu comia.
Puta Madre, falei mal da mãe do cara na maior cara lavada.
— Desculpa, eu não sabia, a sopa tá ótima, sério! – falei ao me recompor.
Ele ria como se meu pedido de desculpa fosse a coisa mais hilária do mundo.
— É brincadeira, ela não é minha mãe e sim uma velha chata e rabugenta que faz comida aqui às vezes. – fiquei aliviada.
— Pensei que tinha perdido o amigo logo na primeira conversa. – disse rindo e ele me encarou.
— Amigo? – falou sério.
Corei imediatamente e abaixei a cabeça. Outro bipolar.
— Desculpa, Senhor Marcelo. – estava com o rosto ruborizado demais para levantar a cabeça.
Sua risada foi estridente, levantei o olhar a ele que estava sentando na beira da cama.
— Senhor Marcelo, essa foi boa. – ria descontroladamente. Tive vontade de o xingar. – Era brincadeira, nova amiga. – enfatizou a última palavra e eu sorrir.
— Já pensou em ser palhaço? – perguntei.
— Não, prefiro minha profissão honesta. – agora foi minha vez de rir.
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