História Forever WHITE - Chapter II

Complexo CRUEL

Ano 1017 P/C

Dia: 6899

06:00 am

“Bom dia, Newton. Hora de levantar.”

Como sempre Harriet abrilhantando meus dias.

Hoje não pergunto absolutamente nada para ela, no fundo já sei que são 6 da manhã de uma linda quarta-feira, dia de ver Thomas novamente. Ok, não só o Thomas. A Chanceler Ava Paige e sua equipe também.

De sete dias para cá nada mudou, a não ser o lugar de Winston que foi substituído por uma garota chamada Brenda, 19 anos, portadora de uma doença chamada vitiligo. Segundo ela, sua condição não é contagiosa nem representa risco à sociedade, porém, segundo relatos de Aris durante o almoço, a garota possui diversas manchas claras pela pele, como um mapa do tesouro que leva para vários lugares. Brenda é inteligente, sabe falar bem e acredito que, se não fosse a condição da sua pele, seria uma candidata a moradora do refúgio.

Já acomodado na minha estação, pedalo agora não só gerando energia, mas também evitando ser rebaixado como nosso colega ao qual não obtivemos mais informações desde então.

- Harriet, horário, por favor! – solicito.

“Nove horas e cinquenta e sete minutos!” - ela anuncia e faz minha barriga arder. Só mais três minutinhos e Tommy estará aqui de novo após uma semana afastados.

Volto a focar no meu trabalho e tenho a certeza absoluta que tenho um sorriso bobo estampado no rosto.

E como de costume às 10 horas lá estão os barulhos de sempre agraciando meus ouvidos: portas, saltos, passos, algo que amo a mais de um ano.

- Tem alguma coisa errada... – murmuro para Minho assim que os sons que escuto estão um pouco diferentes.

Automaticamente minhas costas ficam eretas, tensas com o que está acontecendo.

- Sessão 250, a Chanceler Ava Paige e seu assessor substituto Gally – Janson sibila e sinto um gosto amargo escorregar com dificuldade pela minha garganta.

- Onde está Thomas? – pergunto para Minho, deixando um leve timbre de desespero tomar conta da minha voz.

- Não faço ideia, trolho. Esse outro que está com a Chanceler é loiro e tem cara de mau. Estamos ferrados, mas darei um jeito de descobrir – ele tenta me acalmar enquanto pedala.

Um a um eles fazem o procedimento padrão de checagem de desempenho, até chegar a minha vez. Gally é um pouco rude, puxa meu pulso sem paciência e nem desfere um bom dia. Dessa vez ao ser scaneado minha pele dói e não há ninguém para afagar a dor que sinto, dor esta que agora mais parece uma pontada diretamente no coração.

- Seu desempenho teve um aumento de energia de 10,2%, Newton, parabéns. Irá ganhar 10 mil pontos extras hoje – o assessor diz empolgado, porém 10 mil pontos não são nada perto da falta que Thomas já começa a fazer em minha vida.

12:00 pm

- Eu acho que ele morreu! – Aris abre a boca para me chatear durante o almoço.

- Até parece. Ele deve estar doente – Alby tenta arrumar a frase sem graça do nosso colega. – O que você acha, Newt?

Saio dos meus devaneios para tentar responder ao meu colega e não parecer abalado o suficiente com a falta de Thomas na checagem hoje cedo.

- Talvez ele esteja resolvendo alguns assuntos particulares, afinal Janson usou o termo “assessor substituto” – digo simples, me abstendo de qualquer envolvimento maior com esse assunto ao levar uma garfada de arroz à boca.

Um corpo desmorona do meu lado vazio no banco metálico.

- E aí, Minho? – viro até ele que acabou de chegar.

- Não descobri nada, mas eu não vou desistir – promete.

Complexo CRUEL

Ano 1017 P/C

Dia: 6906

10:00 am

- Sessão 250, a Chanceler Ava Paige e o assessor substituto Gally.

Mais uma semana se passou sem que tivesse notícias de Thomas e agora isso: Gally mais uma vez em seu lugar. Não sei se choro ou se saio correndo até meu quarto para gritar.

O que teria acontecido com o Tommy?

Complexo CRUEL

Ano 1017 P/C

Dia: 6913

12:00 pm

- Ele não veio de novo, Minho. Agora já são duas semanas sem o Thomas – protesto durante o horário de almoço.

- Trolho, relaxa. Nem sei o motivo de estar tão paranoico com isso.

Claro que você não sabe. Ninguém mais sabe que ando dormindo com o assessor da Chanceler a mais de um ano. Isso seria obviamente um escândalo tremendo, não pelo fato de ser dois homens se amando, mas pelo fato dele ser um privilegiado do REFÚGIO e eu um mero pertencente da casta 4.

Quando tinha por volta dos seis anos, minha mãe me explicou sobre como funcionavam as castas. A casta número 1 pertence aos privilegiados, aqueles que são 100% saudáveis e capazes de reproduzir e popular o mundo novamente, criando assim tecnicamente uma genética perfeita de descendentes. A casta número 2 fica para os médicos, engenheiros, professores, físicos e pessoas com um alto grau de instrução, que auxiliam no gerenciamento e mobilidade do complexo CRUEL e REFÚGIO. A casta número 3 são para os demais humanos sem deficiência ou restrições, capazes de produzir os recursos que a humanidade precisa, como alimentos, roupas e demais itens. Na quarta casta encontram-se as pessoas doentes ou aquelas incapazes de fazer parte do REFÚGIO para sempre. São jovens, adultos e crianças com alguma doença congênita ou deficiência física ou mental. Servimos para servir o REFÚGIO, ou seja, criar um dos principais meios de sobrevivências deles: a energia.

Vivemos confinados em sessões a partir dos 10 anos, portanto, faz quase nove anos que não vejo meus pais e minha irmã Sonya, agora pertencente a casta 1. Ela sempre foi saudável e perfeita, com a genética considerada exemplar. Papai e mamãe são casta 2 e puderam ficar comigo até os 10 anos de idade.

E por último temos a casta 5, são pessoas como Winston que não fazem mais parte do complexo e devem tentar sobreviver sozinhas no que restou do planeta fora dessas paredes de concreto. Engloba basicamente idosos de oitenta anos para cima e aqueles desafortunados doentes como eu.

Complexo CRUEL

Ano 1017 P/C

Dia: 6920

12:10 pm

Encontro-me sozinho no local de sempre, trancado em uma pequena sala de administração esperando por um Thomas que não vai vir nesta quarta-feira, horário de almoço. Thomas sumiu e com ele meu mundo branco também.

Complexo CRUEL

Ano 1017 P/C

Dia: 7004

22:30 pm

Após mais um dia qualquer na sessão 250, encontro-me deitado em minha cama, braços atrás da nuca, encarando o grande branco à minha frente, sem vida. Respiro com dificuldade, rezando para que o sono me alcance antes mesmo de voltar a chorar.

Assusto com o barulho da porta do meu quarto destravando repentinamente, revelando alguém do meu lado. Harriet desperta, atenta aos sinais.

“Variação de temperatura constatada no seu quarto, Newton. Algum problema?” – ela questiona bem esperta.

Antes que consiga responder, uma mão grossa tapa minha boca com seu indicador, pedindo silêncio.

“Vou reformular a pergunta. Variação de temperatura constatada no quarto do indivíduo 111423. Há mais alguém com você no quarto, Newton?” – Harriet insiste.

Eu sei que preciso responder, caso contrário o sistema acionará a central e em menos de um minuto terei uma tropa dentro do meu quarto querendo minha pele como recompensa.

Afasto as mãos que tapam minha boca.

- Estou sozinho, Harriet, apenas com calor e um pouco agitado. Obrigado por se preocupar – tento parecer calmo e amigável. – Pode voltar a dormir.

Ouço os sons do sistema dela desligando, sinto meu peito disparar em resposta.

- O que está fazendo? – sussurro bravo para o corpo que me leva agora de volta até a cama.

Eu sabia que era Thomas no instante em que ele pisou os pés aqui dentro.

- Eu precisava te ver, Newtie – ele murmura tão baixo que penso estar enlouquecendo.

- Depois de onze semanas desaparecido? O que aconteceu?

- É complicado, meu amor.

- Eu tenho todo tempo do mundo – devolvo emburrado.

- Não, nós não temos muito tempo, só saberá do essencial – toma minhas mãos para si e prossegue. – Eu não sou mais o assessor da Chanceler Paige.

- Isso eu já percebi... – chio arrastado, sendo lentamente entorpecido pelo perfume dele.

- Vai me deixar concluir? – pergunta bravo, então balanço a cabeça em positivo. – Ainda faço parte da equipe dela, mas fui promovido, por isso não frequento mais sua sessão, só tenho acesso permitido até a casta 2. Roubei um cartão para chegar até aqui e te dizer isso... Precisamos dar um jeito de nos encontrar, Newt. Eu não aguento mais isso. Parece tortura. Eu... Eu te amo tanto!

Thomas me beija de forma afoita e, em menos de três segundos, me tem de volta na palma de sua mão, cedendo aos encantos dele. Sei que temos pouco tempo juntos, por isso trato de aproveitar cada segundo, permitindo que Tommy devolva vida ao meu mundinho branco, colorindo ele com seus toques, beijos e carícias roubadas no meio da noite.

- Eu sei que juntos vamos dar um jeito nisso. Tem de haver um jeito para isso, certo? Encontre uma maneira de me ver!

- Eu prometo que farei isso!

Tommy me beija mais uma vez antes de ir embora, largando a dúvida somente nas minhas mãos.

Existe realmente um jeito para isso?