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História Forgivable - O preço caro da Eudaimonia


Escrita por: zandollar

Notas do Autor


❥ boa leitura!!

Capítulo 21 - O preço caro da Eudaimonia


Fanfic / Fanfiction Forgivable - O preço caro da Eudaimonia

Quando quis tirar a máscara, estava pegada a cara. Quando tirei e vi no espelho, já tinha envelhecido.

Eu não quero que ele olhe pra mim e veja o motivo de não ser pai.

Os últimos dois dias desde que eu acordei ainda não foram o suficiente para que eu consiga pronunciar o argumento que pensei. Eu não consigo simplesmente dizer. Dizer nada, qualquer coisa que eu fale não passa de uma vergonha irreparável. A dormência mantendo meu corpo estável, fraco e dolorido, é sedente. E estou quase pedindo por uma dose de morfina na cabeça.

— Já se passaram dois dias, você consegue falar?

Forço minha garganta de novo. Nada físico dói mais do que a dor da esperança sendo cortada, arrancada com a lâmina 10 de novo. Nem mesmo o ato de falar o que eu devo.

— Você precisa de apoio.

Quando meus olhos encontrarem os dele, eu sei o que vai acontecer. Eu vou precisar apoiá-lo, porque é o que eu faço em uma posição como essa. Não se trata só de mim, e geralmente, como previa, eu podia lidar com uma dor só minha. Até o momento em que ela não é só minha. Zayn mente, e mente muito bem. Ele quase me convenceu com uma filosofia nobre de pais e mães, e sobre não precisamos ser isso. Não precisamos de filhos, nós queremos. Foi bonito na teoria, mas agora eu não passava de uma vivência real, o motivo pairando no ar toda vez que ele me olhava. Ser o único motivo implausível e inexiste para realizar o que deveria ser o ato mais simples só por ser mulher, porra, é mais do que o bastante. Eu não posso lidar com dois corações partidos.

A porta do quarto pós-operatório desliza para o lado, Zayn está atrás dela, me olhando daquela mesma forma que eu odeio porque eu não sei o que significa. Mas ele quer entrar, quer me ver, tocar em mim.

Infelizmente, ele tem a droga desse direito.

— Madison, você tem certeza? — Margaret volta a perguntar. Viro minha cabeça para o lado, fugindo de qualquer olhar e pergunta. Eles concluem a resposta e ela sai.

Minha mão é tomada por uma grande, quente e quase trêmula. Ah, não é ele que está tremendo, sou eu.

— Você está viva.

Isso não é bom.

A janela de vidro meio longe de mim pinta o quarto com uma visão calma do estacionamento e um relevo movimentado na cidade. O céu bebê é repleto de nuvens com formatos estranhos, rodeando o sol leve. Zayn aperta minha mão, e percebo que demorei demais alheia ao quarto.

A sensação de um buraco vazio crescendo como uma parasita no meu peito não permite arrependimento pela falta de palavras. Eu não me importo em ser sincera e exprimir um terço do que estou sentindo, só não consigo agora. Nem mesmo quando meu queixo é puxado para o lado, e as sobrancelhas franzindo um olhar apurado me estudam com preocupação.

— É a melhor notícia que eu recebi na vida.

Ergo meu braço livre do acesso venoso na altura que consigo, e consigo remover os dedos dele da minha pele.

— Maddie, vamos passar por isso. — balanço a cabeça em negação, mas não sei se ele consegue acompanhar a lentidão do meu ato — Te prometo.

Ouço um clique. A borda de plástico da cama é descida, e não sei como ele faz isso, ou se é permitido, mas Zayn deita ao meu lado e puxa meu rosto para seu abraço com delicadeza.

— Você não está na UTI.

Unidade de Terapia Intensiva. As três palavras nunca combinaram tanto, e eu me sinto estranhamente atraída por elas. Minhas sobrancelhas unem, meu rosto contorce com a possibilidade de amordaçar a dor. Terapia. 

Intensiva.

Me solta, Zayn. Empurro devagar, mas ele puxa minha mão e coloca em sua cintura para segura-lo. Solto um grunhido de repreensão e ele não se importa.

Eu não conheço à mim mesma em nenhum aspecto: a Maddie de seis anos atrás não ligaria para o dia de amanhã, o que deixaríamos de fazer e por quê aquilo importava para ela. Meu melhor amigo estava ao meu lado, me xingando quando necessário e empurrando minha cabeça para fora de seu ombro porque chorar por uma possibilidade e sofrer antes da hora era um absurdo que ele não tolerava. Além de, claro, resolver os problemas com suas próprias mãos.

Maddie costumava obter respostas, ia atrás delas, não fugia – se ela não aguentasse. 

E eu mesma me elevei a outra parte inacessível de mim, desabrochada em decorrência de tantos deslizes pessoais, um crescimento precoce. Não queria ser hipócrita e culpar o Zayn pela opressão do crescimento a qual eu me submeti com ele e meu pai, mas a minha mente meio obscura e vazia está mais clara do que eu quero ouvir. Não existe uma modalidade específica sobre caráter, eu não mudei o meu, mas acho que mudei o dele, e ter confiando tanto que eu seria inquebrável e intocável enquanto fosse sua mulher, estão devendo. Caí nas promessas esperadas sobre um relacionamento que se transforma, nos adaptamos ao roteiro de melhores amigos que viram namorados, e se não éramos para acontecer e estamos contra o destino, a consequência tá cobrando caro e o preço é mais alto do que qualquer carro de luxo pode pagar.

Mas Zayn não pode me proteger de mim mesma, nem das gracinhas cósmicas que me perseguem.

Estufo meu peito de ar, carregando o esforço de abrir minha boca e falar qualquer coisa, mas não tenho vontade, e o desprezo pelas palavras só crescem. Falar, chorar, respirar. Dói mesmo querer fazer isso.

— Ela está com dor? — sim. Respondo Zayn, mentalmente. Se eu levantar minha cabeça, tudo que vejo é o queixo dele, então não faço questão de ver com quem ele está falando.

— É provável que não. Talvez ela sinta desconforto no estômago por conta dos remédios, e se ela não comer logo, usaremos uma sonda.

— Ela não é assim.

— Assim como? — abro meus olhos, e vejo a preocupação no rosto dela sendo evidente.

— Silenciosa.

Quase solto uma risada, mas não quero fazer isso também. O suspiro de maestria dela me faz fechar os olhos.

— Quando o paciente sai de uma operação, você não pede para ele andar por causa da carga de exaustão que o corpo usou para se manter vivo durante o procedimento. A sua namorada não saiu apenas de uma cirurgia, Zayn, ela saiu de um trauma. Falar, nesse caso, pode ser tão doloroso quanto correr. Requer um esforço à mais, e nós não exigimos ele. Dê um tempo a ela.

Perfeita.

— Coloca a sonda se necessário, ela não vai comer.— gr — Maddie tem histórico de instabilidade mental, minha preocupação é essa.

— Clínico?

— É. Crises, remédios... ela passou por muita coisa assim. Tem uma psicóloga que consultava ela aqui quando era criança, mas não vou conseguir achar.

Ouço o som que o teclado do celular faz, mas não sei se consegui adormecer e estou entrando em um sonho muito esquisito. É um meio fio, um caminho lento e confuso.

— Chamei o nosso psiquiatra, você pode relatar para ele como eram essas crises? — o queixo se move em cima da minha cabeça, concordando — Obrigada, Zayn... você poderia sair dessa cama, por favor? Sei que é difícil, mas não queremos correr riscos de infecções.

A demora que o psiquiatra leva para chegar é um tempo silencioso e torturante. Não consigo relaxar, embora os dedos macios de Zayn desenhem coisas aleatórias em meu ombro. Continuo de olhos fechados, assim eu não preciso externar nada, nem mesmo quando a porta é aberta de novo e os dois se apresentem, e o moreno me solta.

Suspiro pesado e abro os olhos, encontrando o homem com fortes íris verde-água cumprimentando Zayn.

— Eu sou o Dr. Jack Williams, a Dra. Brown me falou sobre o caso da Srta. Adkins. Pode me contar mais a respeito?

Toda a conversa é longa e cansativa, me leva ao caminho do sono de novo. Até o momento em que as palavras-chaves me atingem, cada uma faz meus cílios grudarem um no outro pelo aperto de evitar lágrimas cansativas.

Descobertas horríveis, acidentes, mãe transtornada, fuga, trauma matrimonial, fraternal, ansiedade, vícios... câncer. Parece a história de vida outra pessoa quando se fala assim, afinal de contas. 

Zayn não poupou as palavras, parece estar abusando do meu silêncio.

— Podemos admiti-la na ala de cima, dar início ao tratamento antidepressivo, o quadro indica uma piora significativa. Embora eu precise conversar com ela para entendê-la melhor... — ele me olha, e eu prossigo com meu olhar cansado, indicando que nada me faria render-se ao esforço de falar — Olá, Madison.

Sério? Ao menos que ele possa me mandar de volta para um ano atrás, conversar não me interessa.

— Ala de cima?

Reviro meus olhos, prevendo a resposta para a pergunta de Zayn.

— Psiquiátrica, Sr. Malik. Tenho quase certeza de que ela precisa ser internada o quanto antes.

— Você não pode receitar uns remédios e eu cuido dela em casa?

— Como profissional, eu não acho que possa ficar cem por cento de olho nela em casa. A escolha é sua, mas saiba que levá-la vai contra recomendações médicas.

Williams balança a prancheta e desvia o olhar de Zayn para mim, parece que lê meus pensamentos.

— Posso? — indaga para Zayn. O moreno me olha, perguntando com o olhar. Tento responder expressivamente da mesma forma que minha boca diria.

Zayn tira as mãos do bolso e rende no ar.

— É com ela.

Williams parece ter ouvido a resposta de seus sonhos, me olhando como um entretenimento profissional perfeito. Eu adoraria pacientes com potenciais destrutivos como os meus, e realmente tenho grandes conflitos para serem resolvidos e adoraria vê-lo tentando. Como ele me convenceria a superar a dor da insuficiência sem colocar a droga do meu útero de volta, era uma delas.

— Vou fazer duas perguntas, você pode piscar uma vez para o sim, e duas para o não. Tudo bem? — suspiro como resposta — Ok, primeiro, você pode falar?

Demoro alguns segundos. Pisco uma vez.

Zayn solta uma respiração de alívio.

— Segundo, você concorda com a internação?

Pisco uma vez, de novo. Eles entreolham os olhares e o médico assente antes de sair da sala.

 A medida em que o dia passa com Zayn recebendo e fazendo ligações para Liam, e a médica checando meus pontos bem doloridos, passa mais rápido ao meu favor.

— Amorzinho, não faz isso comigo — ergo o cenho, segurando minha vontade de mandá-lo para um lugar inconsequente demais — Abre a boca, Maddie.

Encaro o purê de batatas e o frango curry, rolo os olhos, virando o rosto para o lado.

— Quando quiserem enfiar uma sonda no seu nariz eu não vou impedir.

Eu quero enfiar uma sonda na cara dele. 

Como o máximo de comida que consigo, pegando com minhas próprias mãos depois dele brincar comigo nas duas primeiras colheradas. Abrir a boca e comer também me incomoda, mas não precisar falar me salva de vários atamentos.

Todo o processo de troca de andares e roupas me estressa, quando me levanto da cadeira de rodas com a ajuda de um enfermeiro, tudo passa rápido demais.

Visto uma blusa moletom branca, e Zayn me ajuda com a calça do mesmo modelo. Apoio minhas mãos em seus ombros e ele sobe o tecido pelas minhas pernas, quando fica de pé de novo, ele relaxa a expressão em mim. Suas mãos continuam amarrando o laço da barra da calça na minha cintura.

— Eu te amo.

Tento acenar. Reagir. Não consigo.

Eu me sinto sufocada em milhares de sensações e nenhuma delas me dá espaço para externar meus sentimentos da forma sútil que eles devem sair. Dizer que eu o amo parece inadequado de muitas formas incompreensíveis e minha garganta está fechada para isso. O tempo com Zayn me libertou de certas inseguranças, e a maior delas é deixá-lo ver o aspecto mascarado de indiferença: que eu não me arrependo do poder de autodestruição. Que eu sou tão atordoada nesse aspecto que chego a ser sublime.

Com muito esforço, me enterro em seu abraço, entregando-me aos braços dele que me rodeiam com pressa. Minha visão turva me impede de ver, além de pensar com clareza devido a dor de cabeça pelo esforço que faço para tentar abafar meus grunhidos dolorosos. 

Percebo que estou chorando fortemente quando os músculos do meu rosto ficam dormentes e meus soluços soam altos demais, meu coração parece murchar de mil tamanhos diferentes, cada vez menores, e o cheiro da camisa de Zayn vai se perdendo aos poucos porque eu estou fungando e não consigo respirar.

As cenas hipotéticas de crianças no meio dos lençóis não machucam como era para machucar, porque não é o fato de um futuro concreto sendo derrubado pela mais nova realidade que me aflinge. Não é só não ter crianças, é saber o que elas significam e lidar com o laço sobrenatural que Zayn e eu jamais teríamos com elas, por culpa minha. Não consigo entender como existem mulheres que se recuperam de algo desse tipo.

Com meu rosto apertado contra a camiseta cinza dele e meus cabelos sendo afagados, faço súplicas inaudíveis, e ele responde cada uma delas com carinho.

 Crianças são o símbolo de amor mais puro. Quando imagino minha casa, só consigo visualizar um menininho ou uma menina correndo por ela, esbanjando a essência de nós com rabiscos pela paredes. Nós dois. Tudo o que eu sinto de mais puro e avassalador por ele, e o que ele sente de mais apaixonante e irracional por mim, transformados em uma forma idealizada humana. Um serzinho que fala, anda, ri, e tem sua vida própria, na mistura mais primorosa do que Maddie e Zayn significam. A continuação da nossa história sem a necessidade de ser contada porque ela nunca seria entendida.

Porra, eu nunca fui tão massacrada pela vida antes.

— Senta aqui.

Não sei de onde ele está falando até que eu estou sentada em uma cama de solteiro de molas, em um quarto inteiramente branco com algumas coisas bege e gelo. 

A ala psiquiátrica é real.

Sinto um embrulho no estômago, meus sentidos se esvaindo e uma sensação de pânico tomando conta de cada percepção minha. Zayn segura meu rosto com as duas mãos e me encara, ajoelhado em minha frente. Ele não diz nada, e eu agradeço por isso, mas uma nova rodada de lágrimas volta. Junto nossas testas quando ele faz isso, nossas respirações se misturam em um silêncio vigoroso.

— Por favor, Maddie — sussurra, e eu nunca ouvi um tom tão solene saindo dos lábios dele — Por favor, me deixa cuidar disso.

Zayn sabe que não pode cuidar de mim, e sabe que eu sei disso. Mas eu levo o pedido para outros parâmetros, a figura de linguagem conotativa. 

Deixa eles cuidarem do seu físico, eu cuido do seu emocional. Isso é a cara dele.

— Tenho direito à poucas visitas, e nunca vou faltar. Ok?

Nenhuma era melhor. Pelo menos até que o meu ensejo por um coma severo de reabilitação passasse... em algumas semanas, no mínimo. Zayn alisa meu rosto, sem enxugar minhas lágrimas que continuam percorrendo sem pausa. Soluço de novo, agora com dor na vista e minha garganta dormente.

— Vai falar comigo? — sua voz não precisa de esforço para que eu ouça, e cada suspiro de palavras me faz apertar ainda mais os olhos. A ponta dos dedos dele suavizam meus lábios, e sei que ele está limpando eles. Cruzo meus braços em seu pescoço, mantendo a ponta de nossos narizes quase tocadas.

— Você precisa me dizer o que está pensando.

Não é da sua conta.

Não me assusto com minha voz afônica e rouca, imaginava que estivesse tão ruim quanto a voz mental. Ele sorri, me pegando de surpresa. Esperava que ele se afastasse, mas une meu rosto ao dele ainda mais.

— Você é da minha conta.

Seguro suas mãos e deslizo para fora do meu rosto, tento soltá-las quando repouso em meu colo, mas Zayn entrelaça nossos dedos e dificulta o processo de propósito.

— Eu não vou te deixar — deveria— Consigo ver o quanto você é previsível só pelos seus olhos, Madison, então não, eu não deveria. Disse que ficaria aqui independente do resultado, lembra?

Dou de ombros.

Imagino o quanto eu devo estar espantosa. Consigo sentir meus olhos fundos, meu corpo magro e frágil, dor por todos os lados e membros, e cabelos pesados.

Tento levar minhas mãos ao fios e soltar meu cabelo, mas ele puxa minha mão para baixo de novo.

Zayn age sem contestar, levando apenas uma mão até meu coque. Ele afasta o elástico para o lado, devagar, meus fios banham minhas costas e minha cabeça lateja com o alívio do peso. Ele até arruma algumas mechas.

— O Dr. Williams vai conversar sobre a sua internação, vai tratar você com respeito, e cuidar de todos os danos que eu não pude. Mas eu prometo, babe, quando isso passar, nós seremos exatamente como antes.

À quem eu quero enganar com minha displicência? Não é como se Zayn Malik não fosse minha última e inesgotável fonte de vida lúcida. Ele não pode me deixar, e nem eu quero isso.

A cada uma vinte e uma questões, eu reviro meus olhos severamente. Dr. Williams não faz questão de disfarçar sua curiosidade e comprometimento pelo mais novo caso complexado dele. Os papéis da escala de beck apresentam quatro possibilidades de respostas para cada pergunta específica.

Eu não me sinto triste.

Eu me sinto triste.

Eu me sinto triste todo o tempo e não consigo sair dessa situação.

Eu me sinto tão triste ou infeliz que não consigo suportar.

Agora, eu estava quase emendando o tanto de vezes que usei a última opção com uma originária da minha cabeça: eu estou tão angustiada que não consigo marcar um X bonito.

Ergo a prancheta quando termino. Ele me olha com agradecimento, recebendo enquanto maneia outros papéis, sentado ao lado da minha cama na escrivaninha com o abajur que ilumina o quarto. O olhar analítico e científico me incomoda, porque eu sei que ele estaria certo em qualquer conclusão.

Bufo involuntariamente.

— O resultado é determinado de acordo com as suas respostas de zero à três e no final da avaliação, serão comparadas com os valores básicos do algoritmo. Não vou complicar sua cabeça, mas voltarei aqui em algumas horas com o diagnóstico. Espero que fique à vontade.

Juntando as folhas e diminuindo o sorriso, o homem negro e alto de olhos azuis fica de pé e bate na porta de ferro, deixando a sala com uma confiança insuportável. Espero até não ouvir mais passos, e quando percebo que estou sozinha, me entrego ao momento.

A queimação borbulhando pelas minhas veias ganha do frio corpóreo que me faz tremer, e de repente eu me sinto quente. Demoro tentando entender o que a sensação significa, e até que isso aconteça, meus lábios são mordidos e eu ignoro o gosto metálico. E um gosto à mais que me permite ignorar a quentura.

A raiva.

A febre.

E o abajur perto demais de mim. Seguro o objeto pelo corpo e faço o que meu corpo manda, atirando contra a parede mais longe. Ainda sinto a fúria, meu peito ofegante, e meus pontos doloridos. Arranco a colcha da cama até o final, jogando no chão com a força que não combina com o tecido e a ação não supre minha adrenalina. Minha boca arde, minha cabeça lateja e eu sinto uma vontade literal de levar uns socos como os que eu consigo desferir contra o colchão.

Empurro a cabeceira dos pés da cama e completo com chutes contra o ferro, e de repente, tudo que está na minha frente cai em deteriorização.

A porta é aberta e um par de mãos me impedem de continuar. Memphis usa uma força controlada porque eu não sou exatamente uma pessoa difícil, mas consegui o bastante para suar e respirar minha dor para fora.

— Poxa vida, Adkins — balança meus ombros, e outra pessoa entra. David analisa a situação do quarto antes de me olhar, meio decepcionado. Jack, no entanto, permanece crítico e estudante.

Faço uma careta de indiferença enquanto sou forçada a sentar na cadeira de ferro que ele puxa enquanto volta a cama para o seu devido lugar.

Dr. Jack Williams tem algo em suas mãos. Um copo de água e um vidro amarelo.

— Diazepam, conhece? — me entrega, mas não me movo — Você sabe que podemos colocá-lo em um acesso venoso, Madison, não dificulte para si mesma. Estamos aqui para ajudá-la.

Pego a droga do remédio porque não quero ser furada de novo. Memphis me solta e fica na retaguarda da porta, e enquanto eu termino a água, David recolhe alguns objetos do chão.

— Trouxe o resultado do seu teste — Williams desdobra um papel do bolso de seu jaleco — Você está sofrendo de Transtorno Depressivo Grave.

Quatro meses depois

Puxo meu braço do aperto excessivo, e me viro bruscamente para o lado oposto, mantendo minha boca o mais longe possível da mão do residente.

— Vamos lá, Maddie, nós já passamos por isso. Você estava tão perto, lembra? — ignoro cada palavra de falsa consolação de David. Quando respiro, mais calma e quieta, ele volta a mostrar a pílula branca — Solte-a, Memphis, ela não pode fazer movimentos bruscos.

— Posso sim.

— Vai doer se tentar.

— Estou pouco me fodendo.

Ele me encara com aqueles imensos olhos âmbar, como uma maldita criança esperando que o amigo mais velho e birrento vá brincar no parque com ele. Memphis não me volta, mas releva a força que usa em mim. Aproveito a brecha para me soltar e bufo, irritada.

— Vou ignorar esse ataque e não acrescentar no seu relatório, se concordar em tomar esse remédio dentro dos próximos cinco segundos.

— Pode escrever o que quiser — cruzo as pernas, ficando sentada na ponta do colchão. 

David, o residente do Dr. Williams, não muda sua análise carinhosa e precavida sobre mim.

— Três segundos...

— Dois, um.

Seu cenho ergue, mas ele relaxa aos poucos, parecendo desvendar um enigma.

— Você não quer ir embora? — David deixa o comprimido e o copo com água na cômoda do abajur. Ele puxa uma cadeira e senta na mesma distancia que estou do remédio — Pode ir, Memphis. Obrigado.

O grandalhão insuportável sai, e fecha a porta, bufando.

— Você está em regime semiaberto — ele ri sozinho do termo que criou — Veja só, Adkins, você é uma paciente lúcida, obteve sucesso de concordância e bom comportamento no mês passado, não se meteu em encrencas desde a primeira semana... e nos seus últimos dias você quer regredir. Por quê?

Não respondo. Ele logo chegaria na resposta, é sempre assim.

Os últimos quatro meses foram mais os mais atordoados beneficamente em anos na minha vida. Depois de passar pela frustração, culpa, a negação, raiva, eu estou no meio fio da última, e embora não acredite na escala científica para o que eu passei, cada fase realmente existiu, e eu passei por elas com maestria. Não é como se eu não quisesse sair, eu só fiquei acostumada com a vida fácil e simples aqui dentro. Eu acordo, tomo banho, como, e dou uma volta entre as pessoas mais insanas que eu, ignorando os gritos que acabaram se tornando trilha sonora. Não me abalava. 

A sensação de sufoco se desmanchou ao longo dos dois primeiros meses com terapia e medicação intensiva, foi quando eu consegui resgatar minha habilidade de fala sem odiar o som da minha própria voz. Mas aprendi bastante com o silêncio, principalmente sobre ouvir as vozes enterradas do meu subconsciente, e com ajuda para controlar a audiência que meu lado consciente dava para elas, eu aprendi sobre autocontrole, que a raiva pode começar e acabar, ser domada, e que eu preciso voltar para casa.

— Você sabe qual é o nosso acordo. Zayn está lá fora, e só entra se você tomar.

Pego o copo de água e o antidepressivo, e tomo logo em seguida.

— Vou chamá-lo.

Diferente dos outros dias em que eu fico com as pernas cruzadas na cama, e Zayn na cadeira – como David – hoje, eu fico de pé. Refaço meu rabo de cavalo e espero o clique da porta de aço do meu presídio particular.

Meu homem passa pela porta e parece a mesma droga da luz no fim do túnel de todas as segundas, quartas e fim de semana.

A jaqueta vermelha de couro por cima da camiseta preta, a calça da mesma cor e o vans xadrez. É o meu Zayn. O Zayn que eu sinto falta. De me vestir com ele, escolher a camiseta dele que vai combinar com o meu salto alto. De nós dois juntos.

De repente, me vejo em um lapse das memórias que eu recuperei. E eu mal posso esperar para ver o brilho nos olhos dele quando eu disser que resgatei a nossa essência: quem nós dois somos, o que nós somos e como nós conseguimos ser assim. Eu lembro quando, em alguma aula de filosofia, eu ouvi pela primeira vez a palavra eudaimonia, e de como eu associei tão rápido o rosto dele ao significado dela.

A sensação de esperança, a vontade súbita de viver de novo, tentar mais uma vez. Zayn é o gancho de perseverança que eu menos esperava e mais preciso. Um sentimento de ano-novo, de querer me arrumar para ele e mostrar com quem ele se casou. Embora todos as minhas falhas e pontos fracos ainda existam, ele aprendeu a amá-las, e eu aprendi, com a intensidade do tratamento, que eu posso deixar ele me amar assim.

Expiro e ergo meu peito em resposta ao jeito que ele me olha, quase fico vermelha com a análise demorada sobre o meu corpo inteiro. Ali está a maldita habilidade que ele tem de transformar nossos momentos em como se fosse a primeira vez.

— Eu lembrei de tudo.

Tento, mas não consigo conter um sorrisinho orgulhoso. Zayn franze as sobrancelhas, o rosto fica confuso e beirando uma explicação compreensível. Capto um resquício de altivez nele.

— Aqueles dois anos...?

— Sim. — afirmo. Mas ele parece ainda não acreditar, então penso em referências da época em que nos conhecemos — O suicídio de Carlos, a mandala... Alessandra nunca existiu, você só criou ela para me irritar. 

— Você fica sexy com ciúmes — empurro ele de leve — Lembrou de mais alguma coisa?

— Eudaimonia. Ser tomado por um demônio do bem.

Zayn balança a cabeça para cada tópico citado, como se estivesse incrédulo com a possibilidade de eu recuperar tanta coisa boa.

— Tudo? — aceno, e de repente eu estou rindo, dentro do abraço dele, chorando de felicidade, saudade e alívio. Aspiro o cheiro específico dessas características enquanto ele faz uma sequência de beijos alvoroçados em meu pescoço. Quando para, seu olhar é histérico.

— Sossegue Carlos, o amor é isso que você está vendo... — começa, a expressão é desafiante.

— Hoje beija, amanhã não beija. Depois de amanhã é domingo, e segunda-feira ninguém sabe... — ele me interrompe, avançando um beijo em meus lábios. Correspondo na medida em que nossa ausência arde e eu preciso dele na mesma força que ele demonstra precisar de mim. Suas mãos deslizam pela minha mandíbula, adentram meu cabelo e alisam minha nuca.

Nos separo com ansiedade.

— Me tira daqui, Zayn.

— Mas...

— Eu tô em regime semiaberto. Posso pedir minha alta e Jack vai fazer o último teste psicológico. Ele está esperando minha iniciativa.

Ele fecha o sorriso, em silêncio, e puxa minha mão para fora do quarto. 

Memphis está rodando pelo pátio e quando me vê com Zayn faz um sinal de que está de olho em mim.

— Memphis ainda desgosta de você?

— Não, eu sou a paciente preferida dele — digo, alto o suficiente quando passamos por ele.

O caminho até o jardim ficou tão decorado na minha cabeça que eu posso dizer facilmente quando e quem vai estar em cada lugar dali. Kylie, por exemplo, é a garota de dezesseis anos que sofre de pânico e não consegue desviar os olhos apaixonados de Zayn. Ela é incrível, e chega a ser engraçado suas tentativas de ser minha colega para se aproximar dele. Seus traços me lembram Phoebe, e como eu agia com Louis.

O jardim é um imenso gramado vívido, quase limão, com diversos bancos e balanços. A calmaria é uma regra e os pacientes de branco sempre em seus atos mais plenos são o complemento do cenário. Zayn escolhe o mesmo banco de sempre.

A mão dele relaxa em minha coxa infelizmente coberta pelo moletom. Pego a esquerda, e contorno os rabiscos da mandala com minha a unha, me sentindo – quase – em casa de novo.

— Sua irmã está se adaptando?

Phoebe se acomodou na antiga casa dos meus pais, porque lá tem tudo que ela precisa, e por ser uma pessoa só não faria diferença. Eu pedi para Zayn manter a casa sozinho para ela não precisar sair quando eu voltar.

— A gente brigou ontem, ela é muito cabeça dura.

— Vocês poderiam ser irmãos biológicos — me olha com tédio — Brigaram por quê?

— Ela acha que vai ser inconveniente morar com a irmã do Liam, vou marcar pra elas duas conversarem antes. Mas Amy é tranquila, ela é tipo... uma versão feminina do Louis.

— Quando ela vai pra Oxford?

— No primeiro dia de aula, mas pra Inglaterra, uma semana antes.

1 de setembro está chegando mais rápido do que eu esperava, e isso nem é o que importa porque eu não estou esperando por ele. Hoje é onze de agosto.

— Tenho boas notícias — subo meu olhar para encara-lo. A cabeça dele cobre o sol leve da minha visão, ainda está muito cedo e a brisa é fria — Raven conseguiu uma brecha no contrato, eles estão se organizando para vir para cá.

— Não brinca?

— Não tô.

— Isso é incrível, nossa — só de lembrar da presença de Liam Payne, o ar em volta de nós alavanca mais um pouco. 

Eu não falo com ele desde que voltamos, porque celulares não são permitidos aqui, mas Zayn estava sempre me informando sobre como todos estão. Niall e Louis saíram de Santo Domingo e estão em uma viagem em nome do tráfico de narcóticos na Costa Rica. Meus irmãos estão se dando bem com minha mãe depois que ela voltou ao tratamento, e meu pai continua o mesmo hiperativo de sempre. Prestando serviços, sujando seu nome, fugindo e voltando.

Tudo que Carol precisou foi de um mês e meio de lucidez para ele ir e voltar de Berlim com caixotes de armas. Ryan nunca vai parar, ninguém pode contestar isso. Ele gosta de ser assim, ele sabe ser assim.

Ele é o dono da vida dele.

— Você está bem?

— Eu estou tão bem que poderia pegar minhas coisas agora mesmo — com uma risada fraca, ele joga o braço atrás de mim e com a mão livre, puxa minha perna para cima de sua coxa, apertando a minha.

— Precisamos falar sobre aquele assunto de novo. Toda essa coisa tem que ficar aqui, eu não quero nada disso em casa, quero que você se sinta livre — ele balança minha perna, me chamando — Olha pra mim?

Espreito os olhos da claridade nublada.

— Eu disse que não podemos adotar, e você não me disse como se sente sobre isso.

— Me sinto bem. — digo a verdade — Eu levei meses.. ainda estou tentando compreender minha realidade, e eu sei que o processo de adoção é tão demorado e ilusório quanto a cirurgia de fertilidade que deu errado... principalmente com nossa confusão de sobrenomes e antecedentes, temos que evitar qualquer âmbito federal — faço uma pausa para respirar, e de repente não preciso me preocupar com o sufoco ou as lágrimas que viriam depois. Falar tudo isso está sendo mais fácil do que pensei — Eu não quero passar por isso.

— Tá bem mesmo?

— Sim, Zayn, eu quero voltar à minha vida. Se esse tratamento se estender, eu vou começar a pensar que nunca mais serei normal de novo.

— Não pensa isso — eu posso não passar no teste, principalmente depois da hesitação para tomar o remédio há alguns minutos — Você não é anormal, você é dura na queda. Esse momento foi mais do que necessário depois de tudo que já aconteceu contigo.

— Você acha que é normal ser internada porque eu não consegui lidar com uma notícia ruim?

— Uma notícia ruim o caralho, Madison. Você lidou com muitas coisas ao longo dos anos, era pra ter sido admitida quando seu pai forjou a morte dele. Mas o Liam não ia deixar porque ele sabia que não era verdade.

— Você acha que eu tentei me matar naquele dia — o tom da minha voz é baixo e natural.

— Sua cabeça estava a um centímetro da parede. Eu não ia pagar pra ver.

— Você sempre teve que lidar com isso, né? Não sei como suportou.

— Porque eu suportaria bem menos se deixasse algo acontecer.

— Zayn?

— Hm? — faz tempo que eu não faço essa pergunta, e está começando a me incomodar como tudo é sempre sobre mim. Os últimos meses foram dedicados à minha saúde, mas Zayn descobriu que não pode ser pai e não ouvi nada sobre como ele se sente além das opiniões que tinha sobre filhos.

— Como você está?

Ele não responde. Zayn puxa minha coxa, esticando minha perna inteira em cima da sua, e começa a mexer com a pele descoberta do meu tornozelo. Suas feições não mudam, é claro que ele não entregaria os sentimentos de bandeja. Mas eu espero, ansiosa, por uma resposta não tão negativa.

— Seja sincero comigo, de verdade. Eu aguento.

— Não quero que precise aguentar nada.

— Para com isso, para de me enrolar, eu amo quando você é cuidadoso e tudo mais, mas eu preciso te ouvir, Zayn. É a sua vez de falar comigo.

— Vai se sentir melhor? — ele não quer falar, puxar a máscara de inabalável é a maldita kryptonita dele — Mesmo que não goste do que vai ouvir?

— Não tenho opção de gostar sobre como você se sente. 

— Eu tô aliviado. — a frase é afiada e direta. Me encosto no banco, minha sobrancelha erguida em surpresa não preocupa ele.

— Quer explicar isso, por favor?

— Aliviado que a droga do câncer acabou, que você conseguiu cuidar de si mesma e aceitar o que estava ao seu alcance. Tô orgulhoso pra caralho e você também deveria estar. Eu até compreendo o grau de dificuldade que pode ser pra aceitar uma situação dessas, mas eu não entendo como essas coisas de mães funcionam, ou a sensibilidade feminina... e convivendo com isso agora, dói mais em mim ver o que isso te causa, do que o que você acha que causou em nós — ele faz uma pausa pra ver minha reação.— Eu odeio que sinta culpa e lamente tanto, mas o alívio que eu tô sentindo é inexplicável.

Saber que ele está aliviado me deixa duplamente mais emergida no mesmo sentimento. Zayn derrubou por terra minhas conclusões equivocadas e eu me sinto mal por achar que ele iria embora, mas ainda é uma questão.

— Em algum momento você pensou em partir?

— Não sem você.

— Até um mês atrás eu diria que você está mentindo, porque eu não acreditava que poderia continuar firme no que sente por mim, mesmo depois desse defeito.

— É porque não é um defeito. Os seus defeitos de verdade — dá ênfase — Eu gosto deles.

— Ah.

— Eu te amei acima de muita coisa pra parar agora por causa de uma hipótese.

Uma hipótese. Soa até engraçado, porque eu imagino o quanto ele diria a mesma coisa se eu estivesse grávida. Que me ama mais do que tudo e qualquer coisa.

— Isso tudo é muito intenso e meio paradoxo.

— Intenso eu sei que é, senão você não estaria aqui. Mas qual é o paradoxo em questão?

— Nós temos essa certeza — faço um gesto rápido no ar — De que somos insuperáveis e essa coisa toda. Você foi o primeiro homem da minha vida, mas eu não fui a sua primeira garota. Sei lá, só... é engraçado como tudo se encontrou.

— Monogamia? — eu rio.

— Acho que é sobre sermos eu e você, o casamento é o de menos — respondo.

— Melhor assim, nesse caso. Quer me falar sobre as lembranças? — estou apaixonada por cada uma delas. 

Claro que não foi exatamente em ordem cronológica, mas eu consegui organizar boa parte dos acontecimentos e dos momentos com ele.

— Você era insuportável, Zayn, era arrogante e bancava o difícil pra ser meu amigo. Um grande idiota.

— Eu encontro uma chorona da minha classe na biblioteca e ela não desgruda mais do meu pé. Claro que tinha que ser difícil, eu não te conhecia, não tinha motivos para dar liberdade demais.

— Não adiantou nada porque você se apaixonou primeiro — afirmo, com orgulho e uma pitada de graça.

— Quem disse isso?

— Zayn, você me secava o tempo todo, escolhia minhas opções de roupas mais curtas só pra ficar me olhando.

— Falou a garota que pagou pelo fetiche na minha tatuagem e chegava de surpresa na minha casa porque eu sempre estava sem camiseta.

— Eu tinha dezesseis anos, você era mais velho e gostoso, é claro que eu olhava — ele ergue a cabeça da minha.

— Era é?

— Era sim e você sabe como mexia comigo porque acontecia a mesma coisa quando eu usava blusa de renda.

— Você reagia fácil — balanço a cabeça — Devia ter me dito que achava isso, eu poderia ter adiantado as coisas.

— E formado um triângulo amoroso com a Izzie no meio — dá de ombros. Zayn acha desnecessário falar sobre Izabel.

— Não tinha mais amor com ela.

Encosto minha cabeça no ombro dele, relaxando com um pé balançando no gramado, e o sol leve esquentando minha pele do ambiente frio dentro do hospital.

— Quero ir pra casa — ele mexe a cabeça, dizendo que sabe disso.

Quando atravessamos o jardim e voltamos para dentro, Zayn encontra David e eles conversam sobre o processo de alta enquanto eu encho um copinho plástico no bebedouro.

— O Dr. Williams vai comparar o relatório dela com as fichas e fazer uma avaliação geral, junto com o mesmo teste de BDI que ela fez quando chegou. Deve estar tudo pronto até o fim do dia — é o que eu ouço quando me aproximo calmamente deles — Você é o contato de emergência dela, vai receber a ligação quando o papel for assinado

David entreolha entre Zayn e eu, sorrindo em seguida.

— Que tal deixar o Zayn ir embora agora e passar um tempo com seus... — o residente olha para trás, balançando uma prancheta enquanto avalia o pátio de várias mesas com pacientes desfrutando o tempo livre — Amigos. Pela última vez? Kylie e Greg sentirão sua falta.

— Quem é Greg? — Zayn indaga.

— Ele é bonitão — David responde, fingindo preocupação.

Reviro os olhos. Ele sai e Zayn me puxa pela cintura, mas só me olha quando estamos sozinhos.

— Responde uma pergunta — levanto o cenho, curiosa — O que você quer ganhar de aniversário?

— Quanto você tem?

— Um pouco mais do que você saberia por onde começar.

— Então eu quero começar. Preciso ver o catálogo da Louis Vuitton desse semestre.

Zayn usa bastante do ego dele para representar a exorbitância de dinheiro que conseguiu na venda dos carros, e eu não tenho nada a perder. 

Damos um selinho e ele aperta minha cintura com força antes de me soltar.

— Eu estou brincando — acrescento quando ele me desenlaça — Deixa que eu compro minhas coisas, não tem nada que eu precise agora. Só quero voltar pra casa.

— Vai voltar, linda.

Depois de ir embora, eu termino o meu dia como estava acostumada a fazer em todos os outros. Tomo banho e sou liberada para transitar pelo pátio antes do horário de dormir. 

E é nesse meio tempo, jogando com cartas com Kylie e esperando que Greg forme a sequência dele, eu vejo o Dr. Williams entrando em meu quarto.

David acena no chamado dele, e me levanto, indo até os dois. Vejo os papéis na mão do médico sendo colocados na escrivaninha e seu olhar para mim é quase sorrateiro.

São os testes da minha alta. Limpo minha garganta enquanto encaro os dois com hesitação.

— Hora da verdade.


Notas Finais


❥ Não se mate: é um poema de Carlos Drummond de Andrade, e está disponível em inglês.


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