O som dos passos de Ellie eram cada vez mais fracos e menos audíveis. Já nem a própria relva seca transmitia qualquer barulho. O vento também estava calmo e tudo parecia mais sombrio. Todos sabemos como ela é: uma pessoa sem rodeios e que gosta de resolver tudo, nem que isso implique matar a sangue frio.
Isto tudo porque se arrependera tarde demais por não ter resolvido as coisas com Joel, mas enfim, não dava para voltar no tempo.
A badalada da campainha ecoou alto por toda a casa, ela pôde ouvir. Sons de risadas e diálogos inundavam aquele espaço, provavelmente estava a decorrer uma espécie de festa de gente rica ali dentro. Ellie esperou pacientemente alguns minutos. Bufou por não ser paciente e a fome também não ajudava.
Logo um homem abriu a porta. Era uma figura alta, magra com bigodes e cabelos grisalhos. Uma espécie de mordomo tipicamente colocado para trabalhar em casas daquela magnitude. Ellie olhou-o de cima a baixo e com aquela cara de desprezo que ela sempre fazia quando conhecia alguém pela primeira vez. O homem manifestou perante ela esse mesmo olhar.
-Boa noite…- ele murmurou contra a vontade. O aspeto sujo e cansado da jovem foi a primeira coisa que ele julgou.
-Boa noite. Bem…se não fosse incómodo, gostaria de saber se…existe alguma comida disponível por aqui. Estou a meio de uma grande caminhada e fiquei sem mantimentos…
O mordomo franziu a testa e colocou os óculos para a observar melhor ficando uns minutos em transe silenciosa, como se continuasse a julgá-la.
-Isto parece-lhe uma instituição de caridade? Peço-lhe que se retire deste terreno imediatamente.
Ellie levantou a sobrancelha e logo a sua paciência foi esgotada. Senão controlasse os seus sentimentos de raiva, vocês conseguem adivinhar que aquele homem já estaria ensanguentado e no chão a servir de tapete.
-Peço desculpa?! Apenas e simplesmente pedi um pouco de comida, nem que fosse sobras! Qual é o problema da sociedade hoje em dia em ajudar!
-Não sei as intenções da jovem e nestes momentos estamos com reuniões importantes dentro desta casa. Lamento, mas não poderei ser último e o meu senhor não quer interrupções.
-Pois, eu já devia adivinhar que a merda da gente rica nunca tem compaixão. Roubam aos mais pobres e ficam favorecidos durante toda a pandemia! Seus otários de merda!! – ela apontou para o mordomo com o indicador e a sua voz ficou mais alta – quando diz “reuniões” certamente quer dizer uma merda de festa chique em que os velhos ficam com 5 ou 6 putas em redor enquanto jogam Poker ou Bingo para estourar a grana toda!!
-Peço por favor que regule a linguagem!! Não admito essa falta de respeito! Vá embora daqui antes que eu precise de tomar medidas drásticas!
-Eu não vou a lado nenhum até obter aquilo que eu quero!!- Ellie insistiu e aproximou-se ainda mais da casa – é só um pouco de comida!! Qual o problema?
-Já diss-
-John?
Os dois olharam para a voz que acabara de chamar o nome do mordomo. Pela escadaria descia naquele momento, uma jovem (aparentemente da idade de Ellie). Media cerca de 1,60 m, era de físico gordo. Tinha cabelos castanhos e longos que chegavam a metade das suas costas, mas a sua pele era branca como um pequeno e raro floco de neve. Os seus olhos eram também castanhos mas num tom de avelã.
-Menina Juliette, volte para o seu quarto. Eu resolvo as coisas por aqui…
Mas ela não ligou ao que ele disse e aproximou-se ainda mais de ambos. Estava curiosa pois tinha ouvido uma voz de mulher que não lhe era familiar.
-Quem é ela?
Ellie olhou para a moça de cima a baixo utilizando novamente aquele olhar julgador. Pensou logo em desistir de tentar pedir comida. Aquela era de certeza aquele tipo de meninas abastadas que fazem queixa aos pais à mínima brincadeira possível.
-Ninguém. Apenas uma ladrazinha que veio pedir comida. Eu já tentei que ela fosse embora, mas a teimosia prevalece a cima de qualquer coisa!
Juliette olhou mais uma vez para Ellie e ficou em silencio alguns segundos até dizer:
- John, volte às suas tarefas. Eu encarrego-me dela.
-Mas a senhorita já deveria estar na cama.
-Não se preocupe. Agora pode ir…
O mordomo suspirou e curvou-se um pouco como se dissesse “com licença”. Deixou Ellie e Juliette sozinhas.
-O que é? Vais chamar o papá para me tirar à força da tua porta onada com detalhes de ouro? – Ellie perguntou num tom sarcástico – não é necessário, eu estava de saída.
Juliette inclinou a cabeça e revirou um pouco os olhos.
-Não…apenas quero que me sigas…
- Olha se for para me levar até aos teus pais ou quem quer que seja o dono desta casa, eu já entendi. Não quero arranjar merdas. Eu vou embora…
-Não…n-não é nada disso. Pensei que querias comida…
Ellie ficou um pouco surpresa, não o demonstrando é claro. Apenas assentiu com a cabeça. Não gostava de ser dependente dos outros, mas de facto a fome era imensa.
-Segue-me se não te importares. – Juliette virou costas e começou a andar novamente para dentro de casa.
Por sua vez, Ellie fechou a porta atrás de si e começou a seguir a mais baixa, ainda um pouco receosa. Ela estava cansada demais e não lhe apetecia encontrar algum tipo de briga naquele momento.
A casa era magnifica quer por fora, quer por dentro. No seu interior, havia uma sala de estar enorme com uma lareira acesa, um sofá gigante e poltronas de veludo. Os tapetes no chão eram peles de diversos animais selvagens e as mesas feitas de madeira de carvalho envernizado. Nas paredes haviam chifres e cabeças de animais empalhados como veados e ursos. Eram horríveis trofeus de caça.
A escadaria estava dividida para dois lados e coberta por uma extensa carpete carmesim cuidadosamente limpa. O corrimão era trabalhado em mármore preta. No andar de cima haviam corredores que ligavam várias portas enormes de madeira. As paredes dos mesmos possuíam pinturas romantistas e neoclassicistas francesas. Ellie entendeu que não era uma família americana.
Continuou a seguir a garota em silencio. Tinha imensas perguntas e o seu coração batia forte em ansiedade. Em plena pandemia, não dava para confiar em ninguém. Ela apenas entregava-se ao mundo mesmo que se arrependesse depois. Tinha uma maneira impulsiva de resolver os assuntos.
-Margaret…podes por favor dar um quarto, comida e roupas lavadas para esta mulher passar aqui a noite? - Juliette parou e falou do nada para uma das empregadas que ali passava no corredor.
A mulher logo julgou Ellie com o olhar, assim como o mordomo fez.
-Quem é ela, menina Juliette?
-Não importa…faça o que eu digo e não conte ao papá. Ele está ocupado com a festa e não gosta que interrompam…
-Certo…- a mulher olhou desconfiada, mas decidiu seguir as ordens.
Ellie olhou para Juliette com uma sobrancelha erguida, mas ela nada respondeu e nem a expressão mudou.
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