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História Incógnito VKook - Taekook - Uma festa


Escrita por: BtsNoona

Notas do Autor


Olá, leitores-amores!
Como sempre, estou morrendo de saudades! Espero que vocês gostem do capítulo <3
Sei que vocês estavam bem ansiosos pra saber como vai ser a festa, então aproveitem!!
Só revisei uma vez, então relevem os errinhos e me avisem para que eu possa corrigi-los!
Nos vemos nas notas finais,

Boa leitura!

Capítulo 32 - Uma festa


Fanfic / Fanfiction Incógnito VKook - Taekook - Uma festa

Uma festa.

Não a típica festa na sala da casa de algum colega, com uma playlist tocando na caixa de som improvisada e tigelas de salgadinhos em cima da mesa. Antes mesmo de saltar do táxi, Jeongguk soube que nunca havia ido a uma festa assim.

Entraram num condomínio luxuoso e esticaram os pulsos com as pulseiras da entrada para fora da janela do táxi, apresentando o ingresso ao segurança na portaria. A música alcançou o carro, retumbando timbres graves de algum novo sucesso americano de hip-hop. Pela janela, Jeongguk assistiu adolescentes indo de um lado para o outro com copos vermelhos nas mãos, meninas com botas de salto alto e maquiagem, pessoas que mal pôde reconhecer fora do uniforme do colégio. O coração disparou no peito, nervoso e hesitante, mas inevitavelmente empolgado. Lembrava uma cena de filme adolescente, o sonho de qualquer estudante do ensino médio.

Pagaram o motorista e saltaram do táxi. Pararam lado a lado, em silêncio, de pé sobre a calçada chique de pedras cintilantes, como se ambos precisassem de um segundo para absorver o cenário. A mansão dos Baek erguia-se imponente no meio de um vasto quintal gramado, uma enorme casa geométrica com paredes de vidro no térreo. Parecia saída de uma revista, diferente de todo o tipo de arquitetura que Jeongguk já havia visto na cidade pequena em que morava. Voltou à realidade ao sentir a mão de Taehyung apertar a sua, discreta, escondendo-se na manga do sobretudo antes de se afastar. Olhou para o lado, meio distraído, e encontrou um sorriso caloroso no rosto do namorado, aquele mesmo olhar confiante.

- Hyeyeon mandou uma mensagem avisando que estão guardando lugar pro show do Esfera Elétrica. Acho que o palco fica atrás da casa.

Infiltraram-se pelos adolescentes espalhados sobre a grama, garotos rindo alto em rodinhas, com copos de plástico nas mãos, meninas com os cabelos alisados e casacos da moda. Jeongguk podia sentir a batida grave da música retumbando nos ouvidos, mescladas a frases rápidas em inglês, risadas espalhafatosas e pessoas gritando para se fazerem ouvidas sobre o som.

Seu estômago parecia pular dentro de si, como se estivesse numa competição de salto em altura. Para cada lado que olhava, a cena parecia deslocada. O céu negro continuava sem estrelas nem lua e Taehyung seguiu na frente ao redor da casa, aparentemente tranquilo, apontando o caminho. Jeongguk notou alguns estudantes olharem duas vezes em sua direção, como se tivessem visto uma assombração e precisassem conferir se era mesmo real. Pensou que, talvez, fossem duas criaturas alienígenas naquele ambiente.

Ou quem sabe já estivessem desconfiando de algo.

Grudou os olhos nas costas do namorado, decidido a não pensar mais nisso. Só queria sair de lá ileso.

- Jeon Jeongguk? – Ouviu uma voz estridente e feminina. Pretendida ignorar e continuar andando, mas Taehyung parou de súbito, e Jeongguk foi obrigado a olhar na direção da voz.

Conhecia a garota. Era uma menina popular da sua sala, uma das arqui-inimigas de Songyi. Estava vestida num casaco branco, os cabelos pretos soltos escorrendo sobre os ombros.

- Han Chaeri… – Cumprimentou, os olhos alternando entre o rosto interessado da menina e o semblante curioso do namorado. – Oi.

- Você está um gato! – Ela elogiou, sem nenhum pudor, com um sorriso enorme no rosto ovalado. – Quer beber alguma coisa comigo?

Jeongguk ergueu as sobrancelhas, confuso e constrangido. Apesar de ser da mesma sala de Chaeri, os dois não se falavam na escola.

- Não posso, hm… eu estou procurando meus amigos.

Saiu andando antes que ela tivesse a chance de responder, e alcançou o ombro de Taehyung com uma das mãos. Por um segundo, preocupou-se com a reação do namorado, mas ele apenas sorriu de canto.

- Você está chamando muita atenção. – Taehyung cochichou.

Jeongguk sentiu as bochechas se esquentando de vergonha, mas certo alívio. Talvez os alunos não estivessem olhando duas vezes porque imaginavam que eram um casal gay saindo em público.

Talvez só olhassem duas vezes porque eram, inegavelmente, dois garotos bonitos.

Atrás da casa desvendou-se um extenso jardim, ainda maior que na parte da frente. Um palco, não muito grande, estava montado bem no meio, em armação de metal e piso de madeira. Sobre ele, um DJ comandava a música atrás de uma mesa, cercado por caixas de som. Os adolescentes estavam mais concentrados por ali.

Avistaram Hyeyeon perto do palco. Era difícil não vê-la, de braços erguidos, os mexendo em cima da cabeça, tentando chamar atenção. Vestia seu costumeiro sobretudo caramelo e, assim que se aproximaram, ela pulou com os braços ao redor do pescoço de Taehyung.

- Merda, vocês vieram mesmo! – exclamou, soltando Taehyung e apertando Jeongguk num abraço. – Pensei que acabariam ficando em casa.

- Jeongguk não conseguiu me convencer.

Songyi e Elizabeth estavam ao lado, ambas com copos vermelhos nas mãos, provavelmente com algum conteúdo alcoólico. Jeongguk cumprimentou as duas e arregalou os olhos ao notar, numa das mãos de Liz, um cigarro queimando.

Haviam boatos pela escola de que a garota estrangeira fumava, mas eram espalhados pelas mesmas bocas que diziam que Liz era traficante de drogas em Londres ou que tinha saído num site pornográfico aos 15 anos, todo o tipo de boato absurdo. Não dava pra acreditar.

Jeongguk tentou disfarçar sua surpresa, mas ela percebeu.

- Nós estamos todos morrendo. – Liz justificou, rouca, piscando os cílios sobre as íris azuis. Deu uma tragada no cigarro e soltou a fumaça espessa pelo nariz, como um dragão.

Desconcertado, Jeongguk desviou o olhar para Songyi.

- Cadê o Jimin?

A expressão facial de Songyi mudou e uma careta aborrecida surgiu. Ela tentou disfarçar a reação cobrindo o rosto com o copo vermelho e virou o resto do conteúdo antes de cruzar os braços.

- Tá lá na frente há uns dez minutos, conversando com Song Heeyoung.

- Essa não é a garota que ele vai levar pro baile? A bailarina?

- A própria. – Songyi revirou os olhos. – Veio saltitando até nós como se estivesse num maldito recital.

Jeongguk riu da reação aborrecida da amiga. Já se sentia bem mais confortável, agora que estava entre amigos. Se ficassem por ali pelo resto da noite, provavelmente não teriam problemas.

- A gente ainda vai junto, Tae? – Hyeyeon perguntou, mudando bruscamente de assunto. – Se você quiser ir com o Guk, acho que eu posso fazer o sacrifício e levar a mal-humorada.

Cheon Songyi fez outra careta de desgosto, um lado dos lábios de gloss repuxado para cima.

- Nem em sonhos! – Exclamou, enfática. – Prefiro ir sozinha.

Num impulso, Jeongguk puxou a amiga de cabelos ruivos pra perto e sussurrou em sua orelha:

- Pensei que não quisesse ir ao baile com um cara gay.

- Quero ir ao baile com meu melhor amigo. – Retrucou, rápida. Jeongguk alargou o sorriso.

- Eu gosto. – Disse, e Songyi o olhou com uma expressão questionadora. – Da Songyi amável. Eu sempre soube que ela existia, mas pensei que nunca fosse dar as caras.

- Deve ser contagioso. – Ela provocou, com um sorriso tênue. – Você pode ser alto e ter músculos fortes, mas por dentro é o maior molenga que já conheci, Guk. E só está piorando.

Songyi lançou um olhar astuto para Taehyung, que conversava alegremente com as outras duas meninas. Jeongguk puxou a amiga pelos ombros e sussurrou no meio de seus cabelos ruivos.

- É que eu estou feliz.

 

~x~

 

Jimin voltou alguns minutos depois, e a expressão em seu rosto fez Jeongguk pensar que, se não fosse idêntica a sua típica cara de deslumbrado, devia ser algo bem perto disso. O sorriso dele, merecedor de um comercial de creme dental, parecia grudado no rosto com cola permanente.

- Ela é tão delicada, Guk! – Jimin comentou em tom de admiração, passando os dedos pelos cabelos loiros.

Ainda que não parecesse o elogio mais impressionante, Jeongguk entendia o que seu melhor amigo queria dizer. Estavam o tempo todo cercados por três garotas, e “delicada” era um adjetivo que não se encaixava com nenhuma delas.

Não que isso seja ruim, pensou, e estava prestes a perguntar mais sobre a bailarina para Jimin quando foi interrompido.

- Se não são os meus esquisitos prediletos!

Jeongguk virou o rosto de súbito, imediatamente reconhecendo a voz arrastada daquele imbecil. E Baek Geunsuk não vinha sozinho. Três de seus amigos o seguiam, como fiéis escudeiros. Reconheceu primeiro Seo Bokjo, com seus cabelos vermelho-sangue e a pele pálida como a de um vampiro. Do outro lado, viu o garoto gorducho que jogou Taehyung no chão no campo aberto, momentos antes de Jeongguk receber seu primeiro abraço por iniciativa do namorado, debaixo da arquibancada puída. Parecia fazer uma década desde aquele dia.

Encolhido atrás dos outros, com um suéter cinza claro e os cabelos pretos penteados sobre a testa, estava Geunwon, o gêmeo nerd. A expressão insegura denunciava que ele não estava se divertindo nem um pouco, apesar de também ser anfitrião da festa.

- Pensei que vocês não fossem aparecer. – Geunsuk disse, como se cumprimentasse velhos conhecidos. A voz dele soou mais arrastada do que de costume.

Jeongguk olhou para o namorado e, infelizmente, constatou que a recém-encontrada segurança havia desaparecido com a proximidade do alma ruim. Ele estava de cabeça baixa, encarando os tênis brancos, e Jeongguk sentiu o coração encolher. Instintivamente fechou os punhos de raiva, ainda que Geunsuk não tivesse implicado com Taehyung.

- Baek, sua presença é insuportável como sempre. – Hyeyeon o cumprimentou, com um sorriso no rosto. Se não fossem pelas palavras rudes, pareceria que ela estava dizendo “olá” a um velho amigo.

- Sapatão, isso é jeito de falar com o dono da casa? – Geunsuk respondeu, parecendo se divertir com a interação. Levantou a mão em frente ao corpo, exibindo uma garrafa de bebida alcoólica, já quase vazia. – Tequila? – Ofereceu, com um sorriso de deboche. Todos ficaram em silêncio, o encarando como se ele tivesse ficado maluco. – Ora, vamos! É  uma garrafa importada de José Cuervo, seu otários. Aproveitem que hoje eu estou bonzinho. Prometi à mim mesmo que ia me comportar.

Jeongguk franziu as sobrancelhas, desconfiado, e encarou o garoto. Ele estava bêbado. Era fácil perceber, as pálpebras pesadas e o sorriso frouxo denunciavam seu estado. Na verdade, notou que com exceção do outro gêmeo, todos pareciam alterados. Geunsuk balançou a garrafa de um lado pro outro com um aperto tão leve que Jeongguk pensou que ela fosse escorregar pelos seus dedos e se espatifar no chão.

- Você vai desperdiçar a tequila com esses retardados? – O garoto gorducho perguntou em tom de ofensa. Jeongguk lançou um olhar assassino em sua direção, num aviso silencioso, e ele imediatamente desviou o rosto para o seu líder.

- Cala a maldita boca, Dongkyu. – Geunsuk também o censurou, revirando os olhos. Então, virou-se outra vez para Jeongguk, como se só estivesse disposto a negociar a questão com o chefe da gangue rival. –  Vamos lá, lutador. Trégua, trégua! Por esta noite. É a dose de boas vindas. Virem uma com a gente.

Jeongguk sabia que era falsidade, que não passava de uma piada, um surto de bêbado. Chegou a pensar que ele podia ter batizado a bebida com alguma substância estranha e seu impulso natural foi recusar a oferta.

No entanto, se ele estava virando uma dose de tequila com cada convidado a quem oferecia o drink, isso não era possível. Também, explicaria seu estado atual. Nem parecia o mesmo Baek Geunsuk, com sua postura firme, a expressão decidida e o sorriso de deboche. Jeongguk pensou que ele estava lerdo, como se cada movimento frouxo fosse em câmera lenta.

Não tinha um aspecto nada ameaçador em seu estado entorpecido. Seria fácil acabar com ele, Jeongguk concluiu, e estavam fora da escola, o que definitivamente era uma vantagem. Diminuia as chances de que fosse expulso.

Estava seriamente cogitando a possibilidade de partir pra cima dele quando Liz, como se tivesse percebido a tensão no ar, interrompeu seus impulsos violentos.

- Eu aceito. – Disse, e tomou a garrafa das mãos de Geunsuk. – Cadê os copos?

- Ei, Lutterback! – Geunsuk exclamou, como se só então tivesse notado a presença da garota estrangeira. – Estamos combinando, olha só.

Jeongguk alternou o olhar entre Liz e Geunsuk, ambos com jaquetas de couro pretas. O alma ruim começou a fazer gracinha, dando uma pirueta, revelando o brasão da Harley Davidson bordado nas costas de sua jaqueta.

Liz ignorou a exibição vergonhosa de Geunsuk e esticou a mão para Seo Bokjo, que lhe passou uma sacola plástica de supermercado. De lá, Elizabeth tirou pequenos copinhos descartáveis e distribuiu pelo grupo.

Jeongguk negou com a cabeça.

- Nós não vamos-

- Por que não? – Taehyung perguntou de repente. Jeongguk franziu as sobrancelhas para o namorado, incrédulo. – Eu nunca tomei tequila antes. – Ele justificou.

- Você já tomou algum álcool antes?

Viu Taehyung dar de ombros inocentemente, numa confirmação muda, e um sorriso sagaz brotou em seus lábios. Sua expressão era… descontraída?

Estava de volta! Há um segundo ele parecia aquele mesmo do primeiro dia no refeitório, inseguro, mas agora havia se transformado no novo Taehyung outra vez. A coluna ereta, queixo erguido, olhos determinados. Jeongguk não sabia o que tinha mudado, mas admirou a forma como ele resgatou sua confiança. Talvez também tivesse percebido como o alma ruim estava bêbado e concluído que, assim, não representava nenhuma ameaça.

- Jeongguk? – A voz grave de Liz chamou. Ela já estava com a garrafa à postos, esperando para encher a dose. Jeongguk levantou o copinho de plástico e deixou que a garota enchesse até a boca, para servir Taehyung em seguida.

- Não tem nem um limão? – Songyi reclamou, quando todos já seguravam suas doses de tequila.

- Sinto muito, princesa, mas já acabaram. – Geunsuk respondeu, debochado, e a ruiva revirou os olhos. Jeongguk percorreu o olhar pela roda de adolescentes e notou que, para a sua surpresa, o gêmeo tímido também tinha um copinho em mãos, pronto para virar uma dose. Geunsuk levantou seu copo. – Um brinde à-

- Acabar logo com isso! – Jeongguk completou, virando o conteúdo de uma vez só pela goela.

O líquido desceu queimando a garganta e imediatamente Jeongguk sentiu o corpo todo se aquecer. Fez uma careta e soprou uma lufada de ar, seu hálito com gosto de fogo e álcool. Olhou para Taehyung e deu de cara com uma careta graciosa, de nariz franzido e olhos fechados, que o fez sorrir. Uma coisa estranha borbulhou em seu estômago, mas Jeongguk sabia que, dessa vez, não era a tequila.

Geunsuk soltou um “ah!” escandaloso, chamando a atenção do grupo.

- Aproveitem a folga, esquisitos!

O bando foi embora da mesma forma repentina como haviam aparecido. Jeongguk observou, pasmo, enquanto o símbolo da Harley Davidson nas costas de Geunsuk sumia no meio da multidão. Sentiu Jimin dando tapinhas em seu ombro.

- Que diabos foi isso?

- Não sei. – Negou com a cabeça, encarando a expressão boquiaberta do melhor amigo. – Não faço a menor ideia.

- Ele mal estava se aguentando em pé! – Songyi zombou. – Mas a gente tem que admitir: bêbado ele é bem menos insuportável.

Todos concordaram com a cabeça.

Hyeyeon, com sua incrível capacidade de acabar com momentos desagradáveis, apressou-se a mudar o assunto.

- Uma vez eu e o Tae detonamos duas garrafas de vinho numa maratona de filmes do Freddy Krueguer. – Declarou, puxando Taehyung pelo ombro para que ele participasse da conversa. – Você tinha que ver ele bêbado, Guk, os dentes roxos e tudo. Me contou em detalhes sobre como o álcool afeta o sistema nervoso e depois me forçou a tirar umas oitenta selfies! Só no dia seguinte percebemos que estavam todas ridículas…

- Não gosto nem de lembrar do dia seguinte. – Taehyung comentou, tão baixo que Jeongguk mal conseguiu ouvir.

Encarou o namorado, incrédulo, e vislumbrou sua expressão envergonhada. As bochechas continuavam coradas, talvez por culpa da tequila, e um sorriso tímido brotou em seu lábios.

Sem conseguir se conter, Jeongguk contornou sua cintura com um braço. A música alta era uma boa desculpa para sussurrar em seu ouvido e aproveitou a oportunidade para, discretamente, deslizar a ponta do nariz gelado pela pele de sua bochecha.

- Você não para de me surpreender. Acho que nunca vai parar de me surpreender.

Taehyung tremeu os ombros, denunciando um calafrio. Então, soltou uma risada macia pelo nariz.

- Você também, Jeonggukie.

Oh, céus, como era torturante não poder beijá-lo! Jeongguk sentiu vontade de jogar tudo para os ares, preso outra vez nos olhos castanhos e brilhantes, em sua expressão tímida e encantadora. Inconscientemente o trouxe para ainda mais perto, num meio abraço desengonçado.

- Puta merda, vocês são fofos. – A voz feminina de Hyeyeon interrompeu o momento, e os dois se separaram abruptamente. – Mas se continuarem assim todo mundo vai perceber. E aí não vai ser nada fofo. – Avisou.

Ela estava certa, infelizmente. Mas manter as mãos longe de Taehyung durante a noite já estava mais difícil do que Jeongguk havia previsto.

E a festa mal tinha começado.

~x~

 

O Esfera Elétrica era uma típica banda alternativa. Vestidos em jaquetas jeans, camisas de flanela e calças skinny, quatro garotos subiram ao palco com seus instrumentos e começaram a tocar uma música animada e repetitiva de indie rock.

Hyeyeon automaticamente começou a balançar a cabeça, mexendo os cabelos curtos e movimentando os ombros. Liz parecia em transe, com um cigarro aceso entre o indicador e o dedo médio, os braços levantados sobre a cabeça, movendo-se de olhos fechados. Songyi pulou sobre as costas de Jimin e abraçou seu pescoço, sorrindo de orelha a orelha, e Jimin firmou os dedos atrás de seus joelhos magros, sobre a meia-calça preta.

Jeongguk estava segurando o copo de Songyi para ela e, sem pensar muito sobre o assunto, deu um gole de teste. Esperava um ardor parecido com o da tequila, mas ele nunca veio. A bebida de Songyi era doce, ainda mais doce que o suco de amoras que ela costumava tomar todos os dias. Parecia suco de pózinho ou picolé derretido de morango.

Ao redor, ninguém parecia prestar atenção neles, todos distraídos demais em suas realidades paralelas. Dedos gelados apertaram a pele de sua nuca, e Jeongguk sentiu um arrepio antes de se virar. Taehyung, o lindo e excêntrico sorriso retangular no rosto, as pontas dos dedos apertando de leve a pele exposta de seu pescoço, até subirem pelos fios de cabelo, as unhas curtas afagando seu couro cabeludo numa carícia discreta e terna. Jeongguk fechou os olhos e sorriu, como um cão satisfeito ao receber carinho.

Bem no fundo, por trás da música alta e dos gritos histéricos dos adolescentes, ouviu a risada rouca do namorado e palavras perdidas entre os ruídos, incognoscíveis.

- Você disse alguma coisa? – Perguntou ao abrir os olhos, cochichando no ouvido dele.

Taehyung remexeu a cabeça e enfiou as duas mãos nos bolsos. Jeongguk franziu as sobrancelhas, insatisfeito por perder o carinho, e não conseguiu segurar um bico discreto. Sentiu um arrepio na espinha quando ele aproximou a boca da sua orelha, o rosto perto demais, uma das mãos descansando casualmente em seu ombro. Pensou que ele fosse dizer alguma coisa, mas Taehyung simplesmente lhe deixou um rápido e furtivo beijo na orelha, provocando as familiares borboletas em seu estômago.

Vai dar tudo certo, repetiu o mantra, oferecendo um largo e brilhante sorriso ao garoto incógnito. Sairiam ilesos daquela festa e, quando chegassem em casa, Jeongguk diria a ele que o amava.

O pior já tinha passado. O confronto direto com Baek Geunsuk não fora tão terrível assim, e por mais que Jeongguk estivesse louco para abraçar e beijar o namorado, concentrou-se em aguentar mais algumas horas naquela incômoda “distância segura”. Por enquanto, ficaria satisfeito em apoiar o braço nos ombros dele, talvez arriscar um pouco ao olhá-lo por tempo demais, como dançava meio torto, fazendo um bico engraçado, seu rosto em mil expressões metamórficas. E enquanto a música animada continuava a tocar, Jeongguk deixou as preocupações voarem para longe e permitiu-se aproveitar a festa. Deu mais um ou dois goles na bebida vermelha e doce no copo de Songyi e se sentiu um pouco mais leve, um pouco mais confortável.

Os Esfera Elétrica tocaram pelo que pareceram horas. Aceitaram todos os pedidos de “bis” e Hyeyeon já estava descabelada, rindo sem parar e batendo palmas pro ar, gritando — este é o melhor dia das nossas vidas! — e Elizabeth gargalhou, eufórica, de um jeito que Jeongguk nunca tinha visto antes. Ela esticou os braços pro céu nublado, com o copo e o cigarro nas mãos, os olhos fechados numa prece — somos jovens! Estamos vivos! Ninguém pode parar a gente!

Então, se virou para Songyi, como se fossem melhores amigas. Jeongguk ouviu-a gritar sobre a música.

- Eu fico com o da bateria, e você com o guitarrista, que tal?

Songyi sorriu com malícia e as duas começaram a rir, cochichando no ouvido uma da outra. Jeongguk virou para o outro lado e viu Hyeyeon puxando Taehyung para dançar pela mão, rodopiando embaixo de seu braço comprido.

Riu, satisfeito por ver seus amigos se divertindo. Jimin, ao seu lado, também observava os outros, com uma expressão contente, seu contagiante sorriso brilhante no rosto. Atrás dele, a mansão dos Baek se erguia, alta e imponente, os adolescentes tumultuados na sala visíveis pelas paredes de vidro.

Jeongguk havia decidido que, se pudesse ficar longe da moradia dos Baek, era melhor. Não estava nem um pouco a fim de cruzar outra vez com o grupinho do alma ruim, e o jardim era muito mais confortável, menos empilhado de gente, o ar fresco da noite batendo contra o rosto. Entretanto, após algumas horas, teve que se render. Songyi e Liz ficavam indo e voltando da casa o tempo todo, reenchendo seus copos de bebida colorida e indo ao banheiro em dupla. Talvez tivesse tomado goles demais do líquido doce no copo de Songyi. Precisava ir ao banheiro.  

Mas não queria deixar Taehyung fora de vista.

Puxou o namorado delicadamente pelo braço, interrompendo sua dança com Hyeyeon, e sussurrou ao seu ouvido que precisava ir ao banheiro. Com um de seus irresistíveis sorrisos retangulares, Taehyung garantiu que tudo ficaria bem.

- Vai lá, eu te espero aqui. – Disse, e Jeongguk franziu os lábios, incerto. – Sério, pode ir!

- Tem certeza?

- Aham. Não quero entrar lá… prometo que não vou sair do lugar.

Songyi imediatamente esticou o braço com o copo vazio em sua direção.

- Já que está filando, pelo menos vai lá encher pra mim.

Jeongguk confirmou com a cabeça e tomou o copo das mãos da amiga. Sussurrou um rápido “eu já volto” no ouvido de Taehyung antes de se virar e caminhar na direção da casa.

A mansão era ainda mais impressionante por dentro. Cheia de quadros nas paredes, com molduras douradas, e toda decorada em branco, creme e tons terrosos, como as casas que estampam as revistas de decoração. Era enorme, e foi meio confuso achar o banheiro, um labirinto de estudantes bêbados pelo caminho, falando alto demais, ou casais se beijando em cima dos sofás e encostados nas paredes.

Finalmente encontrou a porta. Indicava “masculino” numa letra feia em papel sulfite e canetinha azul, obviamente improvisado, colado com durex. Teve que esperar uns dez minutos na fila, enquanto entreouvia uma conversa estúpida entre dois jogadores de futebol, que competiam para saber quem tinha “pegado mais gatinhas”.

Jeongguk ignorou os comentários imbecis, aliviado por não ter esbarrado com ninguém da gangue do alma ruim, e saiu do banheiro direto em direção a cozinha. O lugar, se possível, estava ainda mais cheio que qualquer outro cômodo – e abrigava os adolescentes mais bêbados, que se sentavam sobre o balcão, bem ao lado das bebidas. Apressado para sair logo de lá, visto que já deviam fazer uns quinze minutos que estava na casa, Jeongguk encheu o copo de Songyi com o duvidoso líquido vermelho e se virou para voltar ao show.

- Jeongguk! – escutou chamarem ao passar outra vez pela sala e, por mais que fosse mal educado, continuou andando. Não tinha tempo. – Ei, Jeongguk!

A garota se enfiou a sua frente, de súbito. O líquido do copo respingou em sua camisa xadrez, o obrigando a parar.

Olhou para ela. Era a mesma menina de mais cedo, a com o casaco branco, agora levemente manchado de vermelho. Ainda assim, ela continuava parecendo um boneco de neve.

- Aish, que droga! – Ela reclamou, esfregando o casaco com uma das mãos. Jeongguk se recusou a pedir desculpas. Oras, foi ela que, do nada, entrou no meio do caminho! Tentou sair andando de novo, sem dizer nada, mas a garota o segurou pelo braço. – Ei, calma aí!

- O que você quer, Chaeri? – Perguntou, revirando os olhos. Estava inquieto com a própria demora, xingando a si mesmo por não ter simplesmente ido atrás do palco e urinado na grama.

- Ah, você sabe… pode conversar um pouco comigo, já que derrubou bebida no meu casaco novo. – Ela sorriu, tentando ser charmosa, mas estava obviamente intoxicada.

- Sinto muito pelo casaco, mas você quem se meteu na minha frente. E eu preciso ir encontrar meus amigos.

Han Chari fez um bico exagerado.

- De novo? É aquele garoto estranho, não é? – Jeongguk respirou fundo, se concentrando para não ser ainda mais rude, mas ela continuou a tagarelar, desenfreada. – Olha, eu detesto fofocas, mas preciso te contar isso. Andam dizendo um monte de absurdos sobre você e o esquisito, é sério. Eu nunca acreditei em nada! Jamais! Mas, sabe, talvez eu possa te ajudar a acabar com os boatos-

- Não. – Interrompeu, sem um pingo de paciência. – Eu já gosto de alguém.

Surpreendeu-se com as próprias palavras desajuizadas, mas não podia mudar o que já havia dito. Saiu andando, sem olhar para trás, convencendo a si mesmo que Chaeri já tinha bebido um bocado e não se lembraria do comentário no dia seguinte.

Também, estava com tanta pressa que nem conseguiu se importar.

Praticamente correu para fora da casa, até perto do palco, mas a cada passo Jeongguk sentia a aflição correr mais rápida pelo sangue. Viu os cabelos loiros de Jimin, Liz em sua jaqueta de couro, Hyeyeon dançando e…

Taehyung não estava lá.

- Cadê o Tae? – Ofegou, num tom de voz agudo e preocupado. Então, se virou para os lados, procurando Songyi para que pudesse se livrar daquela droga de copo. Nem sinal dela também. – E a Songyi?

Jimin apoiou uma mão em seu ombro, numa tentativa fracassada de tranquilizá-lo.

- Ué, pensei que tivessem se encontrado lá dentro. – Disse, com as sobrancelhas franzidas. – Eles foram te procurar, tem uns cinco minutos. Taehyung parecia mesmo preocupado, mas acho que Songyi só foi porque você estava demorando demais com a bebida dela.

Jeongguk imediatamente soltou o copo no chão, derrubando o líquido escarlate sobre a grama. Virou as costas e correu, voltando pra dentro da mansão. Enfiou-se de novo entre os adolescentes escandalosos mas, dessa vez, estava torcendo para esbarrar com o grupinho de Baek Geunsuk. Pelo menos, assim teria certeza de que eles estavam longe do seu namorado.

Mas nem sinal deles. Puxou o celular do bolso e ligou, uma, duas, três vezes. Ninguém atendeu. Checou o banheiro, a cozinha e a sala, mas não os encontrou. Nem Songyi, nem Taehyung, nem o idiota do alma ruim.

Com o coração disparado no peito, Jeongguk experimentou mais uma vez a sensação horrível de um mau pressentimento. Não podia ser boa coisa. Como da vez em que Taehyung tinha ido parar na enfermaria, o aperto no peito, a intuição certeira de que algo estava errado.


 

Olhou para as escadas. Só faltava conferir o andar de cima, mas por que Taehyung estaria lá? Deviam ser só os quartos. Jeongguk sentiu a aflição se multiplicar dentro de si, possibilidades terríveis tumultuando sua mente preocupada. Estava prestes a subir as escadas, em pânico, quando algo no canto do olho chamou sua atenção.

Então, o viu. Taehyung.

Atrás das escadas, na sombra, espremido contra a parede como se sua vida dependesse disso. Os olhos amedrontados, lábios crispados e sobrancelhas franzidas, numa expressão de pavor que era nova, mas definitivamente terrível. Sobre ele, o encurralando como uma presa, havia um garoto, com os dois antebraços encostados na parede ao redor da cabeça castanha, o rosto pálido muito perto do acobreado. Não dava pra saber se o garoto estava ameaçando Taehyung ou se estava prestes a beijá-lo à força.

Mas dava pra saber quem era.

Cabelos pretos, jaqueta de couro. O maldito brasão da Harley Davidson, bordado em laranja e branco nas costas.

Jeongguk sentiu a mente esvaziar e avançou num impulso, o maxilar trincado, rosnando, possuído pela raiva que tentou refrear por quase dois meses.

- Seu filho da puta!

Puxou o colarinho da jaqueta de couro e Geunsuk se virou, como se não pesasse mais que uma pena. Jeongguk não teve nem tempo de ver a expressão de seu rosto, e ouviu um estalo oco. O punho ágil o acertou no nariz.

Foi incapaz de pensar. Outro soco, no queixo, e o corpo caiu no chão. Sentiu mãos firmes o puxando pelos braços, passos de pessoas correndo, berros nos ouvidos. Gritou mais alto, soltando todo o ar dos pulmões, a cabeça fervendo e rodando, a vista turva.

- Imbecil! Nunca mais encoste um dedo nele!

Balançou os ombros e pernas, dando chutes no ar como uma criança birrenta. Tentou avançar outra vez sobre o garoto, punhos firmemente fechados, olhos arregalados e dentes rangendo.

- Alma ruim! Desgraçado!

Os nós dos dedos pulsavam de dor. Os olhos ardiam. Viu Baek no chão, o nariz sangrando, pessoas ao redor.  

E, num segundo, tudo ficou vermelho.

- Jeongguk-ah! Jeonggukie!

Era Taehyung. O peito comprimido retumbava de cólera, mas a voz grave o trouxe de volta. Ele estava bem? Taehyung se machucou?

Virou-se para ele. Ainda seguravam seus braços, como se fosse contido por um polvo, mil tentáculos firmes, mas tudo o que podia ver era Taehyung, os olhos cósmicos em evidente desespero, cílios úmidos, sobrancelhas franzidas. Havia medo em sua expressão. Jeongguk sentiu gosto de sangue na boca, salgado como ferrugem.

- Corre! – Taehyung gritou, o rosto muito perto do seu. – Vamos, Guk! Se mexa! Corre!

Como num passe de mágica, libertaram seu corpo. Não conseguiu entender bem o que estava acontecendo, a adrenalina misturando-se a raiva, álcool e pavor. Sentiu os dedos de Taehyung ao redor de seu pulso, e deixou-se ser levado. Correu.

- Peguem eles! Agora! – Ouviu ecos. – Peguem eles!

Estavam fora da casa, voando sobre a grama. Adolescentes continuavam a rir e gritar e a música alta ainda retumbava no fundo. Via o namorado, as longas pernas correndo sem parar, os cabelos castanhos oscilando no vento.

Sentiu-se no caminho de espinhos. Taehyung o guiava pela escuridão, sobre a calçada de pedras cintilantes, entre mansões ricamente decoradas. O vento gélido batia-lhe contra o rosto em chamas. Aos poucos, recuperou a sensatez, perdeu o fôlego.

- Aqui.

Taehyung o puxou para dentro de uma casinha de bonecas. Ajoelharam sobre a grama. Era um parquinho infantil no meio do condomínio, Jeongguk notou, mas não deu importância. O peito subia e descia sem parar, as mãos ainda fechadas em punho, com toda a força. Lambeu o sangue dos lábios. Havia se mordido sem querer ou também levou um golpe? Não conseguia lembrar.

- Jeongguk, você tá bem? – Taehyung perguntou, a voz hesitante. – Você surtou. Parecia completamente fora de si!

Levantou os olhos até o rosto dele, aquele medo antigo voltando para assombrá-lo.

Taehyung está com medo de mim? Eu o assustei? Perdi o controle?

A imagem voltou clara à mente, Geunsuk com as mãos sujas em cima de seu namorado, o encurralando contra a parede. Jeongguk arregalou os olhos e cobriu o rosto de Taehyung com as duas mãos, preocupado, ignorando a dor nos nós dos dedos.

- Ele te machucou? – Passou o dedão sobre suas bochechas, analisando seu rosto, e seu toque escorregou do pescoço para os ombros dele, pesquisando por algo de errado. Taehyung negou com a cabeça, os olhos indecifráveis.

- Eu estou bem.

Puxou-o para um abraço aliviado e o apertou contra si. Ele descansou a testa em seu ombro, mas não o envolveu com os braços.

- Você tinha que bater nele? – Taehyung murmurou, num suspiro engasgado. – Você tinha mesmo que bater nele?

Jeongguk respirou fundo, tentando organizar os pensamentos.

Eu bati em Baek Geunsuk, tentou racionalizar o fato, mas ainda parecia surreal. Aconteceu rápido demais e numa fração de segundo havia perdido totalmente o controle.

Afastou-se devagar. Encarou o namorado e, mesmo no escuro, dava pra ver sua expressão decepcionada. Sentiu uma pontada aguda no peito, um nó na garganta.

- Eu fiquei com medo… Pensei que ele fosse te machucar. – Disse, mesmo sabendo que não era uma justificativa boa o bastante, que nada seria. Taehyung não gostava de violência. Taehyung nunca mais o olharia da mesma forma. Talvez não o perdoasse.

Ficaram em silêncio, escondidos na casinha de bonecas. Do lado de fora, uma garoa fina começou a cair.

- Era o Geunwon. – ele disse, numa voz trêmula. Jeongguk levantou a cabeça de súbito, os olhos arregalados. – Você bateu no gêmeo errado.

- Geunwon? Não. Não, a jaqueta, eu… Você tem certeza? – Sentiu vontade de dar um soco no próprio estômago ao ver Taehyung confirmar com a cabeça. – Eu não queria… merda, eu estraguei tudo.

Abraçou as próprias pernas e encostou a testa nos joelhos, escondendo o rosto constrangido, incapaz de encarar a expressão despedaçada no rosto do namorado.

Ou ex-namorado, quem sabe.

- Eu pensei que fosse o Geunsuk. – Disse, desacreditado. Ainda que não fosse justificativa para o que havia feito, era a verdade.

O oxigênio pareceu escasso dentro da casinha, comprimindo os pulmões de Jeongguk, dificultando sua respiração. Seus olhos ardiam por detrás das pálpebras e lágrimas desobedientes se formaram.

- Eu sei. – Taehyung finalmente respondeu. – Você chamou ele de “alma ruim”.

- Hun?

Demorou alguns segundos para que a frase fizesse sentido, para que a terrível realização penetrasse em si. Então, como um eco maldoso, ouviu a própria voz ressoar por dentro do corpo, agitando suas terminações nervosas.

Imbecil! Nunca mais encoste um dedo nele! Alma ruim! Desgraçado!

Alma ruim! Alma ruim! Alma ruim!

Não. Não, não. Não podia ser.

Jeongguk soltou um longo e arrastado uivo, as lágrimas correndo sem pudor agora. Seu estômago rodopiava sem parar e rapidamente colocou a cabeça pra fora de uma das janelinhas da casa de bonecas. Pensou que fosse vomitar, mas só cuspiu algumas vezes na grama. O vento gélido e a garoa bateram em seu rosto, comprovando que estava acordado, que não era um pesadelo.

- Então você leu mesmo. – Taehyung concluiu, num tom rouco e desacreditado. – Você leu.

Jeongguk enfiou a cabeça de volta pra dentro. Seria impossível negar agora. Sua reação desmedida havia confirmado as suspeitas do garoto incógnito.

Precisou juntar cada vestígio de coragem para olhar pra ele. Taehyung também estava abraçando as próprias pernas, numa posição defensiva, mas seu rosto estava duro, o queixo erguido. Nos olhos cósmicos, Jeongguk não pôde ver as estrelas de costume. Estavam nublados.

- Acho que a gente já pode ir. – Ele disse, olhando pela janelinha. – Já devem ter desistido de nos procurar.

- Hyung… – Gemeu, engolindo o choro. O nó em sua garganta o impedia de falar direito, e sua voz soou quebrada, como o pobre coração em cacos. Taehyung engatinhou pra fora da casinha de bonecas e Jeongguk percebeu que, no momento em que saíssem dali, tudo estaria mudado. – Espera.

Taehyung negou com a cabeça. Os olhos dele estavam distantes, o rosto acobreado sem expressão, duro. Ele esticou a mão para ajudá-lo a sair e, sem outra opção, Jeongguk aceitou. Foi como segurar uma pedra de gelo.

- Eu preciso pensar primeiro. – Taehyung sussurrou. Parecia falar mais para si mesmo do que para Jeongguk. – Acho que você também.

Assim que ficaram de pé ele se afastou, como se aquele mero toque queimasse, e enfiou as mãos nos bolsos do sobretudo cor-de-avelã.

Caminharam sob a garoa até a saída do condomínio. De cabeça baixa, Jeongguk encarou os próprios pés, pisou propositalmente em poças d’água, castigando os tênis brancos pela própria estupidez. Queria que ficassem encardidos, que não fossem mais o símbolo vergonhoso de seu segredo. Sua mente latejava, incansável e dolorida, confusa, porque Taehyung logo juntaria as peças do quebra-cabeças, e não havia explicação que suavizasse a verdade.

Leu o diário sem permissão. Mentiu. Aproveitou-se das informações para se aproximar do Incógnito.

E enterrou seus erros.

Sem estrelas, o céu continuava a chorar. Afastaram-se do condomínio, da festa, e andaram até encontrar abrigo num ponto de ônibus próximo. Taehyung tirou o celular do bolso e pediu um táxi. Jeongguk o observou, desesperado para confessar pretextos que sabia serem inúteis, mas incapaz de falar, pasmo, o rosto pálido, os olhos vermelhos, ardendo, uma insana vontade de chorar, de se ajoelhar no chão e implorar para que ele ouvisse cada desculpa esfarrapada que havia inventado para si mesmo. Mas nada saía. Era como se o pássaro azul tivesse voltado para a sua pequena, apertada e comprimida gaiola. As penas fofas dele estavam grudadas pela traquéia, como se tivesse sido enfiado lá à força, e já não tinha a capacidade de cantar.

Há um pássaro azul em meu peito que quer sair

Mas sou duro demais com ele.

Taehyung, sentado no ponto de ônibus como na primeira vez em que conversaram, parecia só a imagem distante daquele menino alegre de sorriso excêntrico e olhos brilhantes, segurando um pirulito de coração. A coluna ainda estava ereta, o queixo erguido, mas os olhos turvos se perdiam na estrada vazia, na noite silenciosa, na garoa triste.

- Você devia pedir um táxi. – Ele sugeriu, a voz grave e enigmática, talvez um pouco preocupado, talvez fosse só esperança tola. – Te devolvo sua mochila na segunda-feira.

Jeongguk afirmou com a cabeça, mas não pediu o táxi. Voltou a chorar, em silêncio, sem conseguir conter a ardência nos olhos. Preferia que Taehyung gritasse, que fizesse um escândalo, que perguntasse quando, como, por quê. Queria levar um tapa na cara, ser chacoalhado pelos ombros, obrigado a se justificar.

Mas ele permaneceu em silêncio. O celular de Jeongguk não parava de vibrar no bolso, provavelmente mensagens de seus amigos, mas simplesmente ignorou.

No início da noite, planejava dizer “eu te amo”. Agora, juntava forças para dizer “me desculpe”.

- Desculpa. – Saiu baixo, como um soluço no meio do choro. – Por favor, eu…

Taehyung virou o rosto e o encarou, de olhos úmidos, e os nervos de Jeongguk faiscaram em desespero.

Perderia o garoto que amava.

- Eu nunca quis te magoar. – Continuou, lágrimas incessantes correndo livres sobre as bochechas, silenciosas como a garoa. – As coisas foram acontecendo e eu não soube como… merda, eu não sabia o que fazer. Eu fiquei com medo. Pensei que você ia me odiar, que ia embora, eu… fui um imbecil.

Abaixou o rosto e escondeu-o atrás das palmas das mãos. O choro saiu do controle outra vez, se transformando em soluços e gemidos, impedindo que continuasse a falar. Também, sentia-se estúpido. Todas as suas desculpas eram falhas. Por meses, soaram convincentes na sua cabeça, mas não mereciam ser ditas em voz alta.

Eram desonestas. Inúteis. Justificativas rasas para que conseguisse viver com o maldito peso na consciência.

Não valiam merda nenhuma.

Jeongguk ouviu o barulho de um carro próximo e descobriu o rosto. O táxi havia chegado. Taehyung ficou de pé e limpou as bochechas molhadas com as costas das mãos. Pediu para que o motorista esperasse, e se aproximou alguns passos, mantendo uma distância segura.

- Você leu sobre o Biscoito?

Sua voz rouca soou quebradiça, como se ele tivesse forçado as palavras pra fora. Jeongguk sentiu o estômago afundar.

“esse garoto Biscoito deve ser uma pessoa boa mesmo”

Não era.

- Hyung…

- Você leu? – Repetiu. Dessa vez foi sério, seco.

Ainda que lhe doesse o peito, não mentiria. Mais mentiras não iam ajudar. Tinha se afundado nessa sujeira, mas precisava sair de forma limpa.

Levantou-se, determinado a honrar o pouco resquício de dignidade que lhe restava. Deu dois passos para mais perto, imaginando que Taehyung fosse recuar, mas ele não se moveu.

- Li. E sobre Lua, Ray, Ramén, o alma ruim… e o incógnito. Eu não queria que você se escondesse mais. – Engoliu em seco, o coração pulsando na garganta. Era sincero, ainda que ele não entendesse. Suas intenções sempre foram boas. Taehyung precisava saber disso. – Eu queria que você pudesse falar sobre qualquer coisa comigo. Queria que você não se escondesse de mim.

- Não, Jeongguk. – Taehyung respondeu de imediato, o peito subindo e descendo, a expressão firme. – Eu não estava me escondendo de você. Eu confiei em você, me abri, e foi você quem se escondeu de mim. Você é incógnito.

Antes que pudesse responder, Taehyung virou as costas e entrou no táxi. Jeongguk observou o carro se afastar, até que o garoto por quem era irremediavelmente apaixonado estivesse longe do seu alcance, até que os faróis acesos do carro desaparecessem na noite.

Abraçou o próprio corpo e, sem conseguir se conter, vomitou sobre o asfalto. O líquido saiu vermelho, como o sangue no rosto de Baek Geunwon.

Devastado, sentou-se de novo no banco metálico do ponto de ônibus.

O castelo de areia havia desmoronado com a chuva. Sozinho, Jeongguk estava de vez perdido no caminho de espinhos da sua mente, sem a mão de Taehyung para guiá-lo pela escuridão.


Notas Finais


Olá! Eu sei que vocês devem estar meio abalados no momento, mas por favor não descontem na autora!
Foi muito difícil escrever esse capítulo, (por mais que ele já estivesse planejado há séculos) porque eu fiquei bastante angustiada. Enfim, mas era necessário. Estamos caminhando para a resolução de toooooodos os mistérios e teorias <3 prometo fazer o meu melhor pra explicar tim-tim por tim-tim...

Enfim, é isso. Por favor, não deixem de comentar! Meu aniversário é sábado, então pelo menos me deem os parabéns hahaha eu estava com muitas saudades. Sempre sinto saudades!

Obrigada a todos os que acompanharam a história até aqui! Por todos os favoritos, os comentários e o carinho que Incógnito sempre recebe de vocês. Eu sou muito grata, fico imensamente feliz!

Venham conversar comigo! Imagino que vocês queiram me xingar um bocado no momento, mas tudo bem... faz parte hahaha
twitter @ btsnoona_
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Amo vocês! Nos vemos em breve <3

Beijocas amoras,
~BtsNoona


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