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História Instituto Mayfroyd para garotos especiais. - The Guy With A Slingshot


Escrita por: Victims

Capítulo 2 - The Guy With A Slingshot


Fanfic / Fanfiction Instituto Mayfroyd para garotos especiais. - The Guy With A Slingshot

-Geralmente para se conseguir a simpatia de um professor é preciso, no mínimo, prestar atenção na matéria, não é mesmo? - Patrick se virou assustado dando de cara com o dono da voz de timbre grave e levemente divertido. Ele sorria com a arcada pálida de dentes perfeitamente alinhados em um sorriso emoldurado por discretas covinhas. Com o corpo ligeiramente inclinado para o seu lado, o garoto continuou a sussurrar. – A não ser que a equipe de corrida seja realmente interessante para você.

- Não, eu não estava... Eu só pensei... Desculpe-me.

O garoto gargalhou discretamente cobrindo a boca com as costas da mão. Continuou sorrindo para Patrick com um leve ar de deboche emanando do olhar claro e vibrante.

- Acalme-se amigo. Não vim lhe importunar atoa. Gostaria de pedir um favor.

Patrick analisou cuidadosamente a face do recém-chegado. Tinha feições marcantes, maxilar definido e cabelo loiro-escuro. A expressão passiva e amigável demonstrava que de nada adiantaria Patrick ignorá-lo, não parecia querer arrumar confusão. Estavam sentados um do lado do outro, separados por um pequeno vão entre as duas carteiras de madeira.

- É claro...

- Poderia trocar de lugar comigo? É que, bem... Esta é minha carteira.

Ligeiramente envergonhado, Patrick se levantou recolhendo a bolsa e disponibilizando o acento cordialmente para o estranho. Não queria problemas e tratou de se desculpas na mesma hora.

- Eu sinto muito, não sabia que havia carteira marcada.

- Oh, não. Não tem. – Com traços de diversão, o rapaz retirou da mochila um estilingue de cabo prateado e elástico duplo. – Mas aqui é o melhor ângulo.

- O que pretende fazer? – Perguntou confuso.

- Vou te contar uma história. – Pigarreou. – Era uma vez um garoto indisciplinado que, cansado de frequentar as aulas exaustivas do Mr. Fisher, resolveu tirar uma tarde de folga atrás da estufa do instituto com um grupo de amigos. Porém, um aluno dos mais irritantes e invejosos, fielmente contra a felicidade alheia, resolve delatar a aventura dos meninos para o coordenador. Sabe o que aconteceu com o garoto? – Enquanto narrava, preenchia a corda do elástico com pequenas pedrinhas de jardim. Patrick tentou não tirar conclusões precipitadas, mas o mínimo que conseguia deduzir daquela situação era que o menino era louco. Negou com a cabeça sem tirar os olhos do estilingue nas mãos do estranho. – Pois bem, eles foram flagrados com um cigarro de maconha enquanto deveriam estar assistindo física I, e mandados para a detenção durante duas semanas.

- E o que aconteceu com o delator?

- Oh, ele continuou praticando para a maratona intercolegial. Até hoje.

Foi então que sem aviso prévio o rapaz disparou, em questão de segundos, duas pedras, mirando contra a janela aberta. O braço esticou até perto da cabeça de Patrick e largou o elástico uma terceira vez. Concentrado no alvo, viu todos os três tiros acertarem precisamente a panturrilha de um dos corredores. Ele gritou tropeçando no próprio pé e rolando contra o chão de areia logo em seguida.

- O que está fazendo? – Patrick exclamou precipitando-se para perto do rapaz. Ele sorriu e fez gestos para que se acalmasse.

- Ele não vai morrer, meu caro. – Falou em tom de deboche. – Mas vai mancar por uns dois dias. Claro, não por causa das pedrinhas, mas porque este brinquedinho aqui é especial. – Acariciou a bainha prateada.

- MURPHY! – A voz estridente e rouca de Mr. Fisher cortou a concentração da sala direcionando todos os olhares para a dupla pega no flagra. – De novo com isso na minha aula? – Os dedos enrugados apontavam para o estilingue protegido contra as mãos fechadas do rapaz.

- O senhor já viu quantos pombos ficam bicando a vidraça durante a aula? Estou fazendo um favor à instituição e a meus colegas ao acabar com essa praga impertinente.

- Você pode atirar em quantos pombos quiser, até em um bode velho, desde que não faça isso durante a minha aula. – Mr. Fisher coçou a cabeça calva, visivelmente irritado.

- Mas senhor, seria uma enorme falta de educação minha atirar no senhor. – Patrick percebeu o flashe de um sorriso brilhar no canto dos lábios de Murphy. Todo o resto da sala caiu em risos tornando ainda mais séria expressão de exaltação do professor.

- Já chega William, para fora da minha sala, AGORA!

- Como quiser, sir. – Com uma reverência cortes, William desceu os tablados, passou pelo meio da sala e pôs-se a caminho da porta.

- Mr. Murphy. – Interrompeu o professor com uma das mãos esticadas. – O estilingue.

Dessa vez a autoconfiança do garoto ruiu de sua face.

- Senhor...

- Agora, Murphy. Não tenho mais tempo para as suas brincadeiras.

William sabia que não poderia contrariá-lo se quisesse que o objeto passasse despercebido aos olhos do diretor. Crispou os lábios e com gesto bruto, jogou o objeto nas mãos do professor, que, cuidadosamente, o posicionou no canto de sua mesa.

- Mas alguma coisa? – Perguntou.

- Não rapaz, pode ir agora. Não se esqueça de trazer a advertência assinada.

Com a expressão dura e olhar efusivo, William se retirou deixando a sala silenciosa e voltada para Patrick. Ele mesmo, que não tinha nada a ver com aquilo foi alvo de burburinhos durante a hora que se passou. O assunto não foi mais comentado e decididamente, ele não sentaria mais naquela janela. Por curiosidade, procurou o alvo de William na pista e não o viu. No meio da confusão acabou por perdê-lo do campo de visão. Estaria muito machucado? Não sabia como se sentir em relação a ele. Deveria sentir alguma coisa?  Sentia que seu primeiro dia passara para uma loucura descarada.

O sinal bateu e Patrick esperou todos se levantarem por precaução, queria evitar mais surpresas. Guardou o caderno e penteou o cabelo com os dedos, pelo menos poderia passar o resto do dia no dormitório, ou andando pelo campus em companhia com sua própria mente. Entretanto, para seu desapontamento, Mr. Fisher sinalizou com o indicador que Patrick deveria se aproximar de sua mesa. O sangue gelou, sentiu-se envolvido em uma conspiração da qual nem fazia parte. Transpassou a mochila pelos braços e desceu cada degrau cuidadosamente tentando não parecer nervoso.

- Você é Patrick Whitehead?

Assentiu.

- Estes papéis chegaram mais cedo, é de sua matrícula, certo? – Aliviado, pegou nas mãos os documentos. – Preciso do comprovante, e que você assine a lista de presença, por favor.

- Claro, Mr.Fisher.

Enquanto o senhor organizava os horários de aula, Patrick viu de relance o estilingue mal posto na cantoneira da mesa. Sentiu vontade pegá-lo, não soube explicar por que, mas pelo bom observador que era, notou que William possuía algum apego sentimental pelo objeto. Não podia fazer aquilo, poderia se envolver em problemas sérios, além disso, era loucura pois provavelmente não veria aquele rapaz de novo.

Os segundos passavam demoradamente e cada vez mais a ânsia aumentava dentro dele.  Estava perto, o professor nem notaria. Qualquer coisa poderia ter sido outro aluno, algum amigo de William que presenciara a cena. Teria ele algum amigo por ali?

- Agora assine, por favor.

Patrick abaixou sobre a mesa para rabiscar sua rubrica. Mr. Fisher virou-se de costas para apagar o quadro dando a deixa perfeita para o pequeno ato. Sem pensar, com a mão livre Patrick arrastou o objeto para dentro da bolsa de couro pendurada em seu ombro. Pousou a caneta contra o papel e respirou fundo.

- Posso ir?

Mr. Fisher não se virou, apenas fez que sim com o pescoço.

Patrick deixou a sala com o coração batendo na boca. Suas mãos suavam contra a alça da mochila, todos seus movimentos pareciam denunciá-lo. Pelos corredores, andou rápido e furtivamente a fim de chegar logo ao passeio dos dormitórios. Desviou de um ou dois olhares interessados, de repente a grande construção majestosa parecia do tamanho do um chalé nas montanhas. Passou pelo refeitório e percebeu que o mesmo estava sempre aberto para os alunos sem horário, pensou em dar uma parada, mas queria muito chegar ao quarto para dissertar sobre seu dia em seu diário pessoal. Viu Reece caminhando com outros três homens tão grandes quanto ele, todos carregavam sacolas de ginástica e usavam uniformes de flanela. Patrick pensou em cumprimentá-lo, mas todos passaram direto por sua figura.

Não tinha motivos para prolongar a caminhada. Destrancou a porta do dormitório e encontrou o mesmo cenário. Ninguém parecia ter passado por lá no meio tempo em que estivera fora. Tirou o uniforme trocando a camisa social por outra de malha e as calças de linho por um par de Jeans surrado, abriu o computador, sentou na cama e começou a digitar ferozmente.  Cada linha traduzia um dos muitos sentimentos misturados e abafados dentro do peito, gostava de sempre botar para fora as coisas que o perturbavam, mas claro, de modo bem reservado. Não queria se expor, talvez por isso não conseguisse se abrir com as pessoas e ter amigos que pudesse confiar. Não percebeu que as horas passavam e só se deu conta que estava de noite quando levantou para ir ao toalete. Eram quinze para as oito quando a porta se abriu e o primeiro garoto passou por ela. Pele rosada, cabelos escuros e sardas. Pela memória, Patrick deduziu que fosse Jamie.

- Onde estão os outros? – Jamie perguntou dirigindo-se direto ao banheiro.

- Não sei, ainda não chegaram. Faz algum tempo que vi Reece, ele parecia estar indo para o treino de alguma coisa.

- Rugby. Ele está tentando uma vaga no time júnior. Eu tentei ano passado, mas desisti.

- Por quê? – Patrick fechou o computador quando o companheiro voltou ao quarto e sentou em sua própria cama.

- É muito concorrido, por mais que eu goste de esportes, não tenho toda a dedicação que esses caras têm. Eles são fanáticos. Reece está doido por uma bolsa, não sai da academia.

Patrick reviu seus conceitos ficando cada vez mais distante da ideia de tentar uma vaga. Não queria desapontar seu pai, mas definitivamente, com seu porte e coordenação, não seria uma das primeiras opções para os treinadores. Pensou em mentir e fingir que tentou uma vaga. Não seria escolhido de qualquer jeito e ainda pouparia de levar uma boa surra.

- Parece ser uma luta e tanto.

- Garoto, você não imagina. – Jamie se deitou usando apenas um par de calças de moletom. Parecia cansado com os dois braços atrás da cabeça, encarando o estrado do beliche de cima.  – Ter uma vaga em um dos times é sinônimo de status, futuro e reconhecimento.

- Um dos times?

- Sim, temos o júnior, para os estudantes do primeiro e segundo ano; e o veterano para os do terceiro e quarto. Não procurou se informar? – Jamie torceu o nariz, surpreso.

- Minha mudança foi um pouco de última hora, eu não tive muito tempo pra isso. – Confessou.

- Como veio parar aqui?

Patrick hesitou, tinha ensaiado a resposta várias vezes, mas nunca parecia pronto.

- Tradição familiar. E você?

- Cansei da monotonia da minha cidade, vim para cá.

- Por livre espontânea vontade?- Arriscou Patrick desconfiado.

- Sim, por que não seria?

- Há... Por nada. Só curiosidade.

Os dois ficaram em silêncio por um longo tempo. Jamie pegou uma das revistas no pé da cama e começou a folheá-las com o mínimo de interesse. Patrick pensou em abrir o computador de novo, mas achou arriscado. Decidiu que estava na hora de se aprontar para dormir, afina o dia seguinte seria cheio de aulas e novas rotinas. Bufou com a ideia desagradável e foi retirar o jeans velho depois de uma chuveirada relaxante. A água morna trazia uma sensação familiar e aconchegante à ele. Não tinha o porte atlético e definido como a maioria dos rapazes que vira no campus, mas suas linhas musculares não deixavam a desejar. Saiu da ducha e encarou os próprios olhos no espelho. Não conseguia decifrar o que via, era como se uma nuvem nebulosa camuflasse a íris achocolatada tentando conter a explosão corrosiva que fermentava dentro de si. Não tinha nada a perder, mas não tinha nada a ganhar. Sentia-se flutuando em um rio vazio com remos de vento.

- Hey, novato, já acabou? – Percebeu que o murmúrio de vozes aumentara no quarto. Seus outros dois companheiros haviam chegado.

- Estou saindo. – Vestiu calças xadrez de malha e uma camiseta branca, saindo do banheiro junto com o vapor acumulado no cubículo.

Deu de cara com os três conversando animadamente. Não entendia o motivo, mas todos pareciam extasiados, principalmente Reece. Chegou perto do bolinho, mas a medida que se aproximava eles iam acalmando e encerrando o assunto. Patrick não se surpreendeu, era novo e não confiável. Levaria algum tempo para que se acostumassem com sua presença.

- Importa-se se eu for na frente? Estou morto e preciso tirar essa grama do cabelo. – Reece pediu diretamente para Ryan.

- Aproveita e cospe toda aquela terra que o Wendt te fez engolir. – Ryan gozou fazendo todos rirem.

Reece socou o braço de Ryan e depois entrou no banheiro. Patrick voltou para seu lugar e ficou observando enquanto Jamie discutia alguma coisa sobre as aulas com o amigo. Passaram todo o tempo ali concentrado no assunto e não perceberam quando Patrick adormeceu apenas a observar como seria seus dias daqui para frente.

...

Não conseguiu diferir os sons, mas sabia que não havia acordado pelo despertador. Patrick esfregou os olhos tentando protegê-los da claridade do quarto. Vultos nada discretos perambulavam de um lado para o outro sem se preocupar em derrubar o que estivesse pelo caminho. Ryan foi o primeiro a ser reconhecido. Escovava os dentes com pressa ao mesmo tempo em que terminava de abotoar a camisa; Reece parecia pronto, mas não conseguia achar a pasta e, por isso, xingava de forma voraz e impaciente. Não encontrou Jamie.Um tanto desnorteado, Patrick checou no visor do relógio na mesa de cabeceira entre as camas. Faltavam sete minutos para as oito horas.

- O que aconteceu? – Perguntou em um pulo também procurando seus pertences.

- Parece que a bela adormecida acordou. – Disse Ryan com a boca cheia de espuma.

- Precisa correr se pretende não se atrasar. – Reece resmungou arrancando do meio de um monte de camisas emboladas a bolsa que procurava.

- O que aconteceu com o despertador?

- Eu não sei, ele simplesmente não tocou. Provavelmente Reece o deixou cair de novo. Isso sempre acontece. – Pronto, Ryan bagunçou levemente o cabelo e escancarou a porta pela qual o amigo acabara de passar. – Corre, novato.

Patrick saiu aos tropeços pelo corredor sem se preocupar em passar pela cafeteria. Pelo estado de seus colegas, não seria uma visita cotável. Ouviu ecoar por todo o campus o barulho da campainha, naquele exato momento as portas de qualquer sala estavam se fechando. Tentava crucificar Reece mentalmente, porém mantinha a cabeça ocupada em procurar uma boa desculpa para chegar tarde na sua primeira aula de manhã.

Frente a frente com o batente de madeira, hesitou por longos dois segundos antes de bater formalmente contra uma placa de bronze onde o número da sala estava indicado. A porta foi aberta por uma senhora de cabelos grisalhos, olhar petulante e estatura elevada. Com ar de frieza a mulher inspecionou o garoto de cima a baixo crispando os lábios.

- A aula já começou. – Disse com voz arrastada.

Patrick engoliu em seco.

- D-desculpe Ma’am, tive dificuldades para encontrar a sala. Perdoe minha irresponsabilidade.

Com outra análise, pareceu começar a considerar.

- Você é Patrick Withehead? – Perguntou recebendo um aceno de cabeça como resposta. Bufou puxando o terninho para baixo. – Sou Ms. Griffiths. E para seu primeiro dia como aluno do instituto Mayfroyd digo que já deixou muito a desejar, Mr. Withehead.

-Sinto muito, Ma’am. Não vai se repetir.

- Assim espero. Nossa política é intolerante perante atrasos, espero que isso fique claro para o senhor.

- Sim senhora.

- Por favor, dirija-se ao seu lugar. – Deixando Patrick ligeiramente surpreso, a mulher deu passagem para que ele entrasse e furtivamente estabelecesse em uma das carteiras do fundo.

A aula de sociologia passou com tranquilidade apesar dos olhares inquietos ao seu redor. Era novo, e pelo visto isso era algo raro no instituto mesmo a escola sendo uma das mais bem conceituadas da região. Tentou não pensar na sua fase de adaptação, quanto mais protelasse este assunto, talvez menos perturbado ficasse. Quando soou a sineta do almoço, viu-se no meio de uma manada onde jovens de todas as idades competiam por um lugar na fila do refeitório. Esperou que a maioria tivesse se retirado da sala para levantar e só então notou a presença de Jamie. Com ar aliviado, correu a seu encontro, seria bom ter alguém para passar o horário de intervalo, mesmo não sendo íntimos, um rosto conhecido já acalmava as palpitações de Patrick.  

- Não sabia que estávamos na mesma sala.

- Bom, foi difícil não te notar entrando. – O sorriso de canto denunciava sarcasmo nas palavras de Jamie. Patrick enrubesceu.

- Problemas com o despertador.

- Minha sorte foi que saí mais cedo para treinar então.

- Rughby? – Arriscou Patrick já alcançando o portal de pedra que recepcionava a cafeteria.

- Atletismo. Não sou de contato físico.

Patrick arqueou as sobrancelhas.

- Reece parece bem empenhado para entrar no time.

- Os testes estão acontecendo essa semana, é a segunda vez que ele tenta entrar. Ano passado foi cortado logo nas primeiras eliminatórias. Ficou arrasado.

Por algum momento sentiu a frustração do colega. Sabia exatamente como era a sensação de rejeição ainda mais por algo ou alguém que significa muito para a pessoa. Lembrou da expressão muitas vezes determinada de Reece, e internamente torceu para que conseguisse.

- O time ainda está aceitando inscrições? – Ponderou. Jamie torceu os lábios dando uma leve sondada em Patrick.

- Interessado?

- Aberto a novas opções. – Tentou sorrir.

- Procure o treinador Reed depois da aula, ou se apresente no campo às dezesseis. Se falar com o Reece, ele pode informá-lo melhor.

Sentaram-se na companhia dos outros dois colegas. Assim como no dia anterior, pareciam ter gosto especial por aquele canto do salão. Esperou ver Edward, mas este não apareceu deixando Patrick a mercê da boa vontade e assuntos nada construtivos dos outros três. Não é que não apreciassem sua companhia, mas no pouco tempo que tiveram de convivência, Patrick já havia notado as constantes divergências de interesses. Não que ele não fosse capaz de se atar a discussão sobre o melhor time da temporada na liga mundial, ou fofocas impertinentes sobre os calouros do primeiro ano que pareciam ser o maior alvo de brincadeiras de mau gosto dos veteranos. Mas se enturmar era um termo muito mais profundo em sua concepção do que apenas trocar palavras vazias com pessoas aleatórias. Terminou o ensopado de legumes com carne assada e se viu com minutos de sobra para a aula de biologia. Depois de mais algum tempo brincando com o caldo que sobrara no prato, percebeu que continuar no refeitório não seria a melhor das escolhas, preferiu chegar mais cedo na aula e conseguir com o professor o guia de matérias, gostava da parte científica dos estudos, por isso ficou muito tentado a visitar o laboratório de botânica.

Levou a matéria na mais perfeita ordem, conseguiu acompanhar sem dificuldade sendo notado discretamente pelo professor. Mesmo com seu jeito invisível e camuflado, o interesse chamou a atenção de Mr. Trent, que mesmo não demonstrando, já havia marcado Patrick mentalmente.

Totalmente livre das aulas obrigatórias, viu-se no dilema sobre as extracurriculares. Teve vontade recuar, enrolar por mais um dia, porém se recebesse uma ligação surpresa de seus pais, seria obrigado a contar a verdade. Peter parecia confiante de que o filho se interessaria mais nos afazeres de um adolescente normal se fosse obrigado a conviver a todo tempo no meio deles. Por ser um garoto mais isolado, Patrick dificilmente correspondia a todos os sonhos do pai, mas nunca pecava por não tentar. Mesmo não agradando, sempre se esforçou ao máximo para que o velho estivesse contente, e muitas vezes sua determinação foi o suficiente para sustentar o respeito do pai. Mas é claro, não era o bastante.

Partiu em direção a quadra onde já havia sido mais do que informado que estaria sendo a seleção para os times de rughby, softball, cricket, e corrida. Acariciou os próprios braços com a vaga lembrança das aulas de boxe. Sabia que não se comparavam, mesmo assim a ideia de contato físico desprotegido deixava-o arrepiado da cabeça aos pés. Este com certeza era o tipo de comportamento que seu pai recriminava. De todas as quadras, escolheu a de rugby. Contemplou a imensidão da quadra cercada pelas paredes de corrente, marcações de jardas por todas as partes e, bem ao centro, uma fileira com mais de quarenta garotos praticando sequências e mais sequências de exercícios variados. Estavam se aquecendo, na arquibancada mais uma fileira. Alguns devastados com hematomas pelo corpo e a pele oleosa de suor, outros com a mesma disposição com a que chegaram lá. Indeciso, achou melhor sentar-se do lado de fora, na grama de onde poderia observar melhor e com o tempo formar uma decisão. Seria esse seu carma apesar de tudo?

Após os aquecimentos, o grupo foi dividido em dois bolos recebendo uma bola cada um. O instrutor passou ordens e para uma melhor fiscalização, veteranos voluntários ajudavam a monitorar os diversos alunos. De certo modo, Patrick sentia-se atrelado a um campo de concentração.

- Eu particularmente gosto de rugby. Talvez pela emoção ou suspense, vá entender? Mas sinceramente, não gostaria de estar no lugar deles. – Ainda que reconhecendo a voz e tonalidade divertida nas palavras, Patrick não conseguiu evitar o sobressalto que o susto causara.

- Você...

- Perdoe minha indelicadeza ontem, nem ao menos tivemos uma apresentação civilizada. Ele sorriu cultivando pequenas covinhas na flecha dos lábios. – Sou William Murphy.

Patrick instintivamente apertou a mão do garoto se recuperando.

- Patrick Whitehead.

- Bem, obrigado e desculpe por ontem, Patrick. – William estalou a língua ao pronunciar o nome de Patrick, deixando-o com uma sonoridade engraçada. – Só depois que dei por mim percebi o quanto meus atos impensáveis poderiam tê-lo afetado, e logo no seu primeiro dia.

- Bem... Obrigado, mas não precisa se preocupar.

- Não, eu insisto. – William, que já estava sentado ao lado dele, chegou mais perto de Patrick e encarou-o nos olhos. – Não conseguiria parar de me martirizar se por acaso associassem sua pessoa comigo, manchando sua imagem em tão pouco tempo. - ao mesmo tempo em que suas palavras pareciam sérias, um claro ar de deboche rondava seu sorriso.

O azul profundo de William causou desconforto em seus castanhos lamelados, talvez pela proximidade excessiva. As coisas que ele falava não faziam o mínimo sentido para Patrick, tudo bem que pela demonstração comportamental do dia anterior, não imaginou que William fosse algum tipo de aluno exemplar, mas tal auto afirmação deixara muito encoberto, despertando lá no fundo, uma fissura de curiosidade.

- Do que está falando? – Ao longe se ouvia o barulho de corpos se chocando e terra sendo arrancada do solo.

- Ora, não vamos nos atrelar a assuntos mórbidos. – Com inesperada mudança, William se atirou para trás escorando a cabeça comas duas mãos. No início parecia encarar o sol, mas logo depois os olhos caíram de volta ao campo. – Diga-me por que veio parar neste lugar. Surto momentâneo de realidade?

Nervoso, Patrick riu. Não teve outra opção a não ser seguir o fluxo que William ordenava.

-Talvez. – Deixou a brincadeira no ar.

- Quem foi? Seu pai?

- O que...

- Que te obrigou. – Escorou o tronco nos cotovelos voltando a atenção ao moreno tão pálido quanto as nuvens dançantes no céu ameno. – Vamos lá meu amigo, você definitivamente não veio parar aqui por vontade própria. Não é preciso ser Charles Darwin para perceber que não faz parte dos espécimes desse local. – De novo viu a curvatura dos lábios de William ganharem forma.

Suspirou. Não sabia qual era o problema daquele garoto e muito menos o que despertara interesse em sua vida pessoal. Mas talvez justamente por sua incoerência, não sentiu tantas reservas.

- Bem... Sim. Mas eu sei que é o melhor, eu só preciso me acostumar. É uma rotina bem diferente de Dorset.

- Dorset? – Arqueou uma sobrancelha surpreso.

- Sim, West Dorset para ser mais exato.

- Sei onde fica. Só não esperava.

- Qual o problema? – Receou Patrick.

- Nenhum meu caro, nenhum. – William aprontou-se a corrigir. – Sou de Londres. Um pouco mais próximo de Hampshire. Se soubesse que o inferno era mais perto do que imaginava, talvez teria me mudado para a América quando tive chance.

- Mayfroyd com certeza não faz jus a sua simpatia. – Patrick penteou o cabelo com os dedos, rebeldemente bagunçados pelo vento. – E então, quem o arrastou até aqui?

Sorrindo, William gargalhou. Dessa vez, deixou o corpo ereto novamente. O loiro escuro de seus cabelos refletiram os poucos raios que o dia apresentava. Mordendo a boca momentaneamente, virou novamente para Patrick com expressão indecifrável.

- Algumas pessoas acham mais fácil esconder o problema em baixo do tapete do que lidar com eles como um verdadeiro homem faria.

Um momento de silêncio se seguiu e Patrick não sabia realmente o que dizer. Não queria invadir o espaço pessoal de William.

- Pais são complicados.

- Diga-me, Patrick, você em algum segundo cogitou vir para cá?

- Eu nem sabia que esse lugar existia para ser sincero.

Ambos sorriram.

- Parece que a vida lhe passou uma rasteira, amigo.

- Não sei. – Perdeu a atenção entre a quadra e o sol que começava a se esvair entre as colinas. – Existe um velho ditado que diz: Quando a vida te fecha uma porta, abre uma janela. Não sou do tipo otimista, mas é a frase mais pertinente da minha mãe. Tento me apegar a ela em momentos como este que me deixam... Desconfortável.

William observou o garoto, não foi o tipo de ideia que tinha ao vê-lo pela primeira vez. Ficou admirado e não pode evitar compartilhar a brasa de esperança que aquele tentava manter.

- Queria ter essa força de vontade.

- Não sei se é exatamente isso. Mas me ajuda às vezes.

Continuaram a observar o treino. Entre vários garotos e rostos irreconhecíveis pela sujeira, Patrick viu o loiro de estatura mediana que parecia empenhado no papel de dar ordens. A cada grito uma veia da espessura de seu mindinho saltava na lateral da testa. Com uniforme impecável, rondava todos os jovens que se desmanchavam e suor com palavras de incentivo e instiga.

- Neil? – Deixou escapar sem perceber o nome que chamara a atenção de William.

- O conhece? – Dessa vez a surpresa estava estampada na cara do loiro.

- Não exatamente. Ontem o encontrei na mesa do almoço, mas parecia extremamente ocupado.

Will bufou.

- Não é pessoal, acredite. Neil é assim mesmo. No fundo é um cara legal.

- Não estou julgando. Desculpe se foi isso que pareceu. – Encolheu os ombros.

-De forma alguma, é normal esse tipo de reação.

Patrick o encarou por segundos.

- Vocês são amigos?

- Mais ou menos...

Patrick riu.

- O que isso deveria significar?- Bem, como eu disse anteriormente, não sou o tipo de cara com quem as pessoas querem ser vistas. – Brincou com as sobrancelhas.

- Ainda não entendi essa parte.

- Simples. – William deu de ombros. – O instituto tem um padrão a manter, e eu, um a quebrar.

- E este não é o tipo de comportamento que atrai muitas amizades, certo?

- Certo. – Espreguiçou na grama notando que o treino chegava perto do fim. – Ainda sim, consigo algumas pessoas para perturbar. – Ambos se encararam novamente em um gesto cúmplice.

- Se tem algo que eu nunca consegui, foi me encaixar em um padrão. – Patrick disse mais como uma confidência do que uma piada.

- Nesse caso, dou-lhe boas vindas ao purgatório. E se precisar de mim, sabe onde me encontrar.

- Sei?

William levantou espanando a grama grudada na calça de linho e alongando os braços com estalos sonoros. Agora o sol era quase todo engolido pelas colinas tornando o céu uma mistura de rosa e laranja.

- Detenção, meu caro. – Por fim, piscou para Patrick com os olhos travessos. – Se isso não funcionar, casa Normandia. Quarto andar.

- Praticamente vizinhos. – Não conseguiu evitar sorrir.

- Blois?

Patrick assentiu.

- Muita coincidência para um dia só, não acha?

- Talvez essa seja a sua janela. – Will ponderou de pé, deixando com que o ar do fim da tarde preenchesse seus pulmões em uma lufada só.

- Acho que ainda é cedo pra dizer.

- Então, Patrick, eu agradeço pela adorável e inestimável conversa. Despeço-me com um último convite a fazer.

- Espero que isso não inclua atirar em alguém.

Eles sorriram.

- Não dessa vez. Amanhã a noite eu e alguns amigos vamos nos reunir no meu dormitório, como uma confraternização. Nada de mais. Apenas algum tempo para jogarmos conversa fora. Se estiver a fim...

Não pensou em aceitar de primeira, mas achou indelicado de sua parte. No fim das contas, achara William incrível e com certeza pretendia vê-lo de novo, talvez até por curiosidade.

- Tudo bem.

- Ótimo! Então nos vemos amanhã. – O loiro girou nos calcanhares e em passadas largas começou a caminhar de costas para Patrick.

Junto com o último sopro da tarde, outra coisa voltou à mente dele. O estilingue.

Estivera tão entretido na conversa que esquecera do objeto na mochila. Levantou com pressa tropeçando nos próprios pé, mas mantendo o equilíbrio; Patrick gritou William que quase se perdera na curva do caminho de pedras. Com um movimento rápido de cabeça, o mesmo olhou para trás instintivamente.

- Isso... Isso é seu. – Atrapalhado, Patrick esticou o estilingue pelo cabo de prata e depositou-o nas mãos alvas do amigo.

- Você roubou isso do Fisher? Ficou louco?

Inesperadamente, Patrick enrubesceu.

- Eu não sei, pensei que preferiria ficar com ele.

- Patrick. Obrigado. De verdade.

Notou transparência nas feições do mais alto. William curvou-se formalmente com mais uma promessa de sorriso nos lábios.

- Não tem de quê, William.

E voltando a se afastar, o menino gritou de uma distância segura.

- Pode me chamar de Will.



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