1. Spirit Fanfics >
  2. (In)subordinado >
  3. O diabo e a cruz

História (In)subordinado - O diabo e a cruz


Escrita por: nunytales

Capítulo 4 - O diabo e a cruz


 

 

Não havia sido iniciativa de Taehyung, mas ainda assim aquele beijo era real. Jimin o estava beijando, e tudo o que Taehyung queria era permanecer de olhos fechados enquanto o tempo passava ao redor deles e nada mais importava – especialmente a maldita hierarquia que havia sido responsável por tantos desentendimentos para começar.

Jimin o estava beijando, e os lábios dele cobriam os seus desajeitadamente. Não deveria ser nada confortável inclinar o corpo sobre o espaço entre os dois bancos dianteiros do carro, sequer dava para abraçá-lo adequadamente. Ainda assim, Taehyung tentou evitar que ele se afastasse, colocando uma das mãos em sua nuca e sentindo entre os dedos a textura dos fios de cabelo que encontrara ali. Suspirou quando sentiu a língua do outro em sua boca, provando, experimentando – provavelmente ele estava sentindo o gosto do café que Taehyung havia ingerido apenas alguns minutos antes e que havia permanecido mesmo enquanto ele dirigia. Jimin, ao contrário, tinha gosto de morango, como um doce aromatizado artificialmente com uma essência que não era exatamente de morango, mas ao mesmo tempo era.

Logo Jimin estava se afastando, para desagrado de Taehyung que ainda tentou impedi-lo ao se aproximar, mordendo de leve o lábio do outro, fazendo com que um soluço escapasse dos lábios inchados e vermelhos. Aquele último ato desesperado, contudo, não foi suficiente para evitar que Jimin fugisse, ficando tão distante de Taehyung que este não duvidava de que ele estivesse com as costas coladas à porta do carro.

A sensação que ficara foi a de que o beijo havia sido breve demais e superficial demais, mesmo que Taehyung pudesse sentir o fantasma do beijo, seus lábios formigando pela intensidade aplicada em movimentos que ele não esqueceria tão cedo – já se imaginava tentando dormir em seu quarto enquanto repetia o que havia acabado de vivenciar, mas sem se sentir completamente satisfeito. Era frustrante, seu peito estava prestes a explodir, como se ele pudesse vencer a barreira imposta pelas circunstâncias, só para ter os lábios dele de novo.

Mas Taehyung não queria dar um passo em falso, não quando eles haviam conseguido avançar tanto em um curto espaço de tempo. Um movimento errado e a bolha de felicidade que o envolvia apesar da frustração ameaçava estourar.

“Eu sinto muito, desculpe”, foi o que Jimin disse enquanto brigava com o cinto de segurança, dedos apressados e incertos lutando contra o maldito objeto que ainda o prendia a carro.

“Espera, o que-?”, Taehyung tentou formular uma pergunta que pudesse abranger todas as perguntas em sua cabeça. Ele não sabia quanto tempo tinha sobrando até que o outro disparasse para fora, então era preciso ser cuidadoso. Mas, antes que pudesse pensar com clareza, deixando de lado a sensação de que o mundo não fazia o menor sentido, a porta do carro estava aberta, deixando uma lufada de ar frio entrar enquanto Jimin pulava para fora e andava na direção do portão que dava para as pequenas unidades habitáveis ali perto.

Não eram exatamente casas ou propriamente apartamentos. Taehyung já havia morado em um daqueles alguns anos antes, sabia que eles podiam ser bem confortáveis, mas bem... solitários, tanto quanto qualquer moradia, se ele não tinha a companhia certa.

Taehyung desafivelou o próprio cinto de segurança e abriu a porta do carro, mas não ousou dar nenhum passo, porque sabia que dificilmente iria alcançar o outro. Em vez disso, ele observou Jimin se afastando, vendo escapar por entre seus dedos a chance por que ele havia tanto esperado.

“Por que você está fugindo?”, Taehyung deixou escapar. Sua voz saíra como um pedido frustrado, desafinado. A impressão que ele tinha era a de que o outro estava sempre correndo para longe, como o diabo foge da cruz, e Taehyung sabia que havia tido um momento ruim em que ele havia sido o babaca que Jimin o acusara de ser, mas aquilo havia acabado. Deveria ter acabado.

Por que outro motivo Jimin iria beijá-lo daquela forma se eles não tivessem superado o que havia acontecido?

Taehyung viu Jimin parar de andar e por um momento ele ficou confuso com relação ao que havia acontecido. Ele por acaso havia mudado de ideia?, pensou com um suspiro, deixando os ombros relaxarem enquanto a esperança dava sinais de sua existência em seu peito.

"Eu não sei", ele ouviu Jimin dizer, mas não tinha certeza de que aquelas eram as palavras certas. A voz do outro soara tão baixa que poderia ter sido apenas o vento ou sua imaginação.

"Park Jimin?", chamou, com a esperança começando a transbordar para seu tom de voz, o alívio por ter conseguido que o outro parasse permitindo que ele respirasse normalmente.

"Eu não sei, Sr. Kim", ele repetiu, a voz mais alta, mais amarga, especialmente ao pronunciar seu nome daquela forma impessoal e distante.

"Por que me beijou?", questionou, sentindo que sua própria voz o traía e tremia, desafinando mais uma vez enquanto seu interior parecia revirar, afogando a esperança em pensamentos negativos, em medo, em incerteza.

"Eu também não sei."

A resposta a princípio foi como um golpe certeiro que o desnorteou por alguns segundos. Apesar de Jimin ter voltado a murmurar, Taehyung daquela vez não teve qualquer dúvida quanto ao que ouvira e precisou respirar fundo para evitar que seu cérebro pulasse para a conclusão óbvia – mal havia conseguido um pouco de ar e suas vias respiratórias estavam comprimindo de novo.

Mas tinha que ter uma saída. Ele mesmo não iria beijar alguém se não estivesse interessado de verdade. Aquele não era Taehyung, não mais.

E Jimin...

Jimin se parecia com ele, eles haviam amadurecido separadamente, mas ainda compartilhavam uma história parecida, então nada mais natural que eles estivessem em páginas parecidas, não é?

"Você devia pelo menos olhar pra mim enquanto diz isso", soltou para ganhar tempo. Havia se esforçado para sua voz sair imponente como a do chefe em que ele havia transformado a si mesmo, mas tudo o que ele ouvira de si foi a voz de seu 'eu' que estava assustado e perdido e que talvez nem fosse tão maduro quanto queria fazer as pessoas acreditarem – ele sequer sabia o que fazer...

Ainda assim, mesmo depois de alguma hesitação, Jimin se virou para encará-lo. Parecia mais cansado do que o subordinado que Taehyung encontrara mais cedo vagando pelos corredores. Mais jovem do que realmente era, e, por um momento, Taehyung acreditou que talvez ele estivesse tão inseguro quanto ele próprio estava.

"Eu só... me deixei levar pelo que você disse", ele soltou, como se a explicação realmente importasse – mais que a expressão em seu rosto, pelo menos, o que era uma completa mentira. Taehyung queria ter esperanças ao olhar para a expressão perturbada, queria aceitar a coloração avermelhada das orelhas alheias como um sinal de que era recíproco. "Eu estou cansado e pensei... E pensei que era uma permissão e não uma brincadeira."

"Era uma brincadeira", Taehyung respondeu, sentindo o coração palpitando em seu peito e vendo a expressão no rosto de Jimin mudando para algo que o fazia pensar que talvez ele estivesse sentindo algum tipo de dor. "Mas eu queria- Quero- Você sabe que eu gosto- Eu-", tentou dizer, sem conseguir concluir uma só frase. Taehyung se perguntava para onde as palavras haviam ido.

"Acho que deu pra entender", Jimin disse com os vestígios de um sorriso discreto e pequeno em seu tom, fazendo Taehyung franzir o cenho, esquecido de sua falta de eloquência.

"O que isso quer dizer?", ele perguntou, sem obter uma resposta imediata. Tentou desvendar as emoções em seu rosto, mas Taehyung nunca fora muito bom com isso, de modo que ele começou a se desesperar. "Park Jimin?"

"Às vezes você não parece muito meu chefe...", ele sorria, como se estivesse de posse de um segredo que ele adoraria espalhar para o mundo, mas que, ao mesmo tempo, ele preferia manter para si.

Taehyung se permitiu mover, aproximar-se um pouco enquanto via Jimin mordendo o lábio inferior até que a cor se intensificasse para um tom avermelhado. “Eu não me sinto muito seu chefe quando quero beijar você…”, as palavras finalmente saíram de seus lábios, com relativa facilidade daquela vez, e Jimin o observou já não mais com aquele sorriso confiante nos lábios. Era como se ele tivesse sido atingido sem que esperasse por aquilo.

Talvez... Taehyung se permitiu sorrir também. Um pouco por alívio, um pouco por medo – ele sabia que quando as pessoas ficavam histéricas elas podiam rir feito loucas, será que era aquele o seu caso?

Não.

Talvez tivesse apenas encontrado a saída que procurava.

 

♠♠♠

 

Uma decisão ruim.

Jimin estava cansado e sabia que tendia a fazer decisões ruins quando estava cansado. Era como se estivesse bêbado sem ingerir uma gota sequer de álcool, ele perdia a inibição, a noção do que era ou não apropriado – embora na maioria das vezes conseguisse se manter dentro de um padrão de normalidade de "coisas que ele não faria normalmente".

Beijar Taehyung foi um deslize. Um pequeno momento em que suas defesas todas o haviam deixado na mão, e ele havia simplesmente se inclinado, buscando com seus lábios o calor dos lábios do outro, como se fosse o ato mais natural de todos os tempos.

E talvez fosse.

Da mesma forma como havia sido um deslize, foi também certo. Natural. Mesmo com a dor que sentia por estar esticado para tentar vencer a distância entre os dois bancos dianteiros do carro do chefe, ele não conseguia pensar em nada que não fosse em continuar beijando, tentando compensar por todo o tempo em que precisara lidar com aquelas coisas que sentia por Taehyung e que ele havia reprimido desde que percebera que se interessava bem mais pelo outro do que deveria.

A mão em sua nuca e a boca contra a sua desviaram o foco da atenção de Jimin, apagando momentaneamente o desconforto e permitindo que ele se focasse apenas em Taehyung. Estava em paz com sua consciência por aqueles breves segundos em que permitira que o chefe o tocasse do mesmo modo como gostaria de ser tocado naquelas circunstâncias, mas a sensação só durou por tempo o suficiente para que ele tivesse uma amostra do que ele poderia ter se possuísse ousadia o suficiente para continuar dando passos naquele caminho, ainda que incertos. A partir daquele ponto, vergonha e arrependimento passaram a predominar. Como ele havia tido coragem?

"Então...", começou, ainda mexido pelas palavras que Taehyung sobre não se sentir exatamente como um chefe quando queria beijá-lo. "Você não está se sentindo como meu chefe agora?".

Havia sido uma brincadeira, mencionar que o outro não parecia ser seu chefe, mas Kim Taehyung conseguira impressioná-lo com a confissão.

Eu não me sinto muito seu chefe quando quero beijar você...

Era quase como se ele fosse duas pessoas em uma só – o ‘chefe’ e ‘o outro’, e Jimin se perguntava se era possível que ele mantivesse ambos sob controle, assim como se perguntava se ele mesmo seria capaz de fazer algo parecido, o ‘subordinado’ e ‘o outro’. O único problema era que seu "outro" corria o risco de ser um insubordinado afinal.

Eles ainda estavam parados no meio da rua com alguns metros os separando. Jimin considerou cruzar aquela distância a fim de que a conversa entre eles fosse menos exposta, mas ele estava preso ao solo no lugar onde estava.

Sequer havia alguém ali, presenciando o que estava sendo dito entre os dois.

"Nem um pouco", Taehyung respondeu, sem qualquer sinal de vergonha ou hesitação, que, no entanto, estavam presentes nos passos incertos que ele dava em sua direção – aparentemente ele não estava preso como Jimin estava e não pretendia deixar a oportunidade para arriscar passar.

"Além disso", Taehyung começou a falar novamente, distraindo Jimin do fato de que ele estava mais e mais perto, da corrente de eletricidade que percorria seu corpo devido à expectativa – que tipo de jogada teria seu chefe na manga?, pensava "O que mudaria? Eu não sei se você percebeu, mas você já me beijou, não tem realmente diferença agora, quer dizer-", e então ele fez uma pausa durante a qual ele passou a língua sobre os lábios, como se estivesse buscando ali resquícios do beijo trocado entre eles mais cedo. Um sorriso malicioso moldou o contorno de seus lábios e ameaçava dominar suas expressões faciais, fazendo Jimin temer pelo que ouviria a seguir. "A menos que você queira dizer a si mesmo que não aconteceu."

"O que você está sugerindo? Que a gente tente ver no que vai dar?", questionou e mordeu o lábio inferior, sabendo ser aquilo o que ele queria ouvir e não apenas uma hipótese que ele inventara para continuar discutindo com o chefe àquela hora da noite, no meio da rua, em frente ao lugar onde ele morava.

"Pode funcionar", deu de ombros, conseguindo fazer Jimin sorrir de novo.

Os olhos de Taehyung o observavam com expectativa. O lábio inferior em algum momento foi preso pelos dentes do outro, e ele estava com as mãos fechadas em punhos em cada lado do corpo.

Uma decisão ruim.

Jimin estava cansado e sabia que tendia a fazer decisões ruins quando estava cansado. Era como se estivesse bêbado sem ingerir uma gota de álcool sequer. E era ainda pior quando ele tinha que lidar com o olhar de expectativa de Taehyung, quando ele sabia que, mesmo que sua voz negasse, eles estavam a ponto de dar um passo na direção de algo maior, algo que fazia o peito de Jimin comprimir, algo que ambos não podiam mais negar querer, não no ponto em que estavam.

"Só se você prometer não pagar almoço e bebida pra todo mundo todos os dias, as pessoas vão desconfiar que algo está diferente", concedeu com um suspiro enquanto passava a mão pelos cabelos, jogando-os para trás só para senti-los caindo sobre suas têmporas mais uma vez. Viu Taehyung piscando em uma velocidade bem acima da comum, como se estivesse tentando fazer os olhos encararem a realidade, interrompendo assim qualquer ilusão que ele achasse que estava presenciando.

"Posso fazer pelo menos uma vez ao mês?", ele perguntou com energia renovada, e Jimin até pensou que ele iria começar a dar pequenos pulinhos empolgados ali mesmo, sem se importar se alguém iria aparecer.

"Você pode só me chamar pra jantar em vez disso", soltou, antes de se virar, envergonhado, e deixar Taehyung para trás, buscando em casa o descanso que ele sabia estar precisando, especialmente depois daquela noite.

 

♠♠♠

 

Jimin respirou fundo, contou até dez, olhou para Kim Taehyung mais uma vez – bonito, bem vestido, bem-sucedido, expressão de superioridade no rosto – e sentiu que seus esforços para se acalmar haviam sido em vão.

Ou melhor, seus esforços para acalmar as batidas em seu coração, impedir que a distribuição de sangue por seu corpo comprometesse sua imagem com bochechas de uma coloração incomum para o ambiente de trabalho – porque, antes de tudo, Jimin não era nada menos que profissional.

Então ele viu Taehyung olhar em sua direção e, mesmo estando distantes um do outro, em lados opostos da sala de reuniões, era possível sentir o peso do olhar que ele lhe lançava, acompanhado de um curvar de lábios para cima que era irritante a ponto de fazer Jimin querer arrancar aquele sorrisinho do rosto cínico do outro. Provavelmente ele faria aquilo com beijos, mas aquele detalhe estava fora de discussão – o que importava era que Taehyung não tinha a menor noção do perigo.

Jimin desviou o olhar primeiro, focando-se no que estava sendo proposto, mas era uma tarefa difícil quando ele ainda sentia como se estivesse pisando em um chão coberto de cacos de vidro, enquanto segurava a mão de Taehyung, em busca da saída. Havia o medo de um deslize ser o responsável por um corte em seu pé e o sentimento de euforia pelas coisas que haviam acontecido entre ele e Taehyung apenas alguns dias antes, além de uma busca por algo que parecia tão distante diante daqueles dois sentimentos conflitantes que ameaçavam consumir sua sanidade rapidamente.

No dia seguinte ao beijo e à conversa no meio da rua tarde da noite, Jimin havia chegado ainda mais cedo que o usual e havia tentado trabalhar como se nada tivesse acontecido afinal. Mas ele sempre se pegava olhando por cima da tela do computador, procurando por qualquer sinal do chefe em um corredor próximo. Se via em sua visão periférica um punhado de cabelos castanhos estilizados para o lado de modo a deixar a testa a mostra, ele se virava para ter certeza de que não estava imaginando coisas – normalmente ele estava. Fora capaz, inclusive, de ouvir a risada de Taehyung ecoando bem perto de si, sem qualquer sinal da presença do outro por perto. Foi quando Jimin resolveu dar um basta naquela loucura, andando até o banheiro do andar para lavar o rosto e, quem sabe, proferir um discurso motivacional sobre profissionalidade e sobre deixar assuntos pessoais longe do ambiente de trabalho.

Foi também quando Jimin finalmente encontrou Taehyung, ganhando um sorriso e um carinho na bochecha que foi responsável por fazer seu rosto esquentar a ponto de ele poder cozinhar um ovo sobre a própria pele. "O que pensa que tá fazendo?", ele havia questionado, notando que Taehyung estava de saída – esperava que ele tivesse lavado a mão, pelo menos, antes de tocá-lo com tamanha intimidade.

"Só matando a saudade", ele respondeu, dando de ombros, sem qualquer sinal de arrependimento. "Era isso ou um beijo", adicionou ao notar a careta que Jimin fizera em decorrência da resposta. Ele sabia que podia ser bem transparente, especialmente quando não conseguia manter os pensamentos sob controle.

Jimin então revirou os olhos, fingindo que não estava sentindo seu coração dando um duplo mortal carpado em seu peito pela forma como a voz dele, rouca e reduzida a um murmúrio, parecia mais suave, mais doce que seria considerado normal.

Taehyung saiu do banheiro com uma risada baixa, deixando Jimin para trás. Havia esquecido completamente do que havia ido fazer ali, mas estava pronto para questionar suas escolhas na vida – com especial atenção para as mais recentes.

Ao final da reunião, mesmo que Jimin tenha tentado fugir, ele foi interceptado por um dos novatos cujo nome ele nem lembrava na ocasião. Queria tirar dúvidas com ele – uma pergunta que seria melhor respondida por Taehyung, o qual apareceu apenas alguns segundos depois de Jimin ter começado a proferir uma resposta.

Com a presença dele ali era difícil se concentrar nas palavras que saíam de sua boca. Era difícil ter certeza de que havia alguma coerência na resposta dada, era difícil até respirar. Enquanto falava, Jimin tentava a todo custo não olhar para o lado, não encarar Taehyung, ou ele iria se sentir ainda mais inútil. Fazer uma pausa para engolir em seco apenas o deixou consciente do quão sedento ele estava – precisava de um copo de água com urgência ou ele iria desidratar.

O novato pareceu satisfeito com a explicação dada e logo agradeceu, voltando para suas tarefas inacabadas. Taehyung, no entanto, continuava parado ao seu lado, como se ainda houvesse algum assunto que ele queria resolver.

As pessoas que antes ocupavam a sala aos poucos iam deixando o local, Jimin notou antes de desistir e finalmente encarar o chefe, receber qualquer ordem que ele pudesse ter – se é que teria alguma – e então ir embora, voltar para sua cadeira, para seu computador, para a segurança que a distância daquele lugar até a sala de Taehyung oferecia.

Olhar para o chefe era um teste. Jimin havia experimentado tocá-lo, havia experimentado ser tocado por ele. Ele sabia o que a simples proximidade era capaz de fazer com seu interior e sabia o quão viciante todas aquelas sensações eram, tornando muito tentador sucumbir à vontade de ter sempre mais. Bastava que ele esticasse a mão para ter um pouco daquele frenesi em que seu sistema nervoso entrava sempre que as peles estavam em contato. Só um pouco e então-

Mas seu bom-senso sempre seria um obstáculo eficiente, que Jimin não sentia ser capaz de ultrapassar com facilidade. Não com a mesma facilidade que Taehyung parecia vencer qualquer julgamento de valor sobre o que era certo ou errado, sobre o que podia ou não ser feito.

O calor de uma mão deslizando contra a sua até que as palmas estivessem alinhadas, dedos longos e finos entrelaçando-se aos dedos mais curtos, fez Jimin prender a respiração. Taehyung sorria de novo, despreocupado, apertando sua mão levemente, o suficiente para buscar uma reação. Nós estamos bem, certo?

“Eu tenho que ir”, Jimin disse antes que o outro pudesse dizer qualquer coisa ou antes que ele fizesse qualquer coisa da qual pudesse se arrepender, quebrando o contato entre suas mãos e voltando para o trabalho.

Foco, Park Jimin.

“O que o chefe queria?”, Jeongguk perguntou quando o viu sentar-se de frente para o computador, o cenho franzido como se estivesse concentrado na incumbência que tinha em mãos.

“Pediu que um relatório fosse entregue até o final do expediente, nada de mais”, mentiu, sentindo seu corpo ameaçando trai-lo. Seus braços estavam fracos e, se olhasse atentamente, ele tinha certeza de que veria suas mãos tremendo ao segurar o mouse.

Mas Jeongguk pareceu engolir a mentira, resmungando sobre o demônio Kim estar atacando novamente enquanto se afastava, permitindo que Jimin respirasse fundo afinal.

 

♠♠♠

 

A atenção de Jimin foi atraída para a risada abafada e contida ao seu lado. Era uma risada que ele conhecia muito bem, um som que ele gostava de ouvir normalmente, porque significava que o dono dela estava genuinamente se divertindo com algo. Em sua mente, no entanto, um a vozinha dizia que "algo", naquele momento, estava relacionado diretamente a ele, suspeita que se confirmou quando ele olhou para o lado e viu Jeongguk cobrindo a boca com uma das mãos enquanto seus ombros se movimentavam para cima e para baixo. Os olhos dele estavam curvados, formando crescentes escuros que estavam cercados pelas pequenas rugas na pele das laterais.

Quando ele notou que o olhar confuso de Jimin estava voltado para si, deixou que sua risada ecoasse livremente pelo local de trabalho, atraindo a atenção dos outros empregados. Jimin olhou para o chão, onde jazia um origami que, ele tinha certeza, estava equilibrado no topo de sua cabeça até pouco antes de a risada de Jeongguk interromper sua linha de pensamentos.

"Feliz em saber que esteja feliz e se divertindo graças a mim", comentou abaixando o corpo para pegar o papel dobrado - um tsuru. Pelo menos o mais novo era habilidoso o suficiente para fazer um daqueles sem que o resultado final ficasse parecido com uma escultura deformada que em nada se parecia com a ideia original.

"Desculpe, eu só... Fiquei irritado por ter sido ignorado", ele confessou, recompondo-se. Os outros presentes, ao notarem que nada extraordinário estava acontecendo, voltaram aos seus afazeres, enquanto Jimin franzia o cenho, preocupado com o que tinha acabado de ouvir.

"Eu ignorei você?"

"Eu estou aqui há pelo menos dez minutos..."

"Oh", soltou e pigarreou, tentando não se trair. Jeongguk não precisava saber com o que ele estivera distraído. "Precisa de ajuda com alguma coisa?"

"Não, eu queria saber se você vai almoçar agora ou algo assim, mas...", ele fez uma pausa em que encolheu os ombros. Jimin o viu desviar o olhar, como para ter certeza de que ninguém estava olhando. O que quer que ele fosse dizer o deixava nervoso, constrangido. "Aconteceu alguma coisa?"

Não era difícil concluir, com aquela pergunta e aquela reação, que Jeongguk estava preocupado. Ele podia ser maior que Jimin e mais forte, mas ainda tinha aquele jeito introvertido de lidar com as próprias emoções. Era adorável, mesmo que o mais novo fosse se fechar completamente caso soubesse daquela opinião.

"Está tudo bem, eu só estou cansado", respondeu, vendo os olhos do mais novo se abrirem como se ele não esperasse aquela resposta. A reação fazia sentido, Jimin havia parado de reclamar de cansaço desde que Kim Taehyung parara de pegar em seu pé, e talvez Jeongguk tivesse percebido.

Não era uma mentira, no entanto. Jimin estava cansado. E frustrado. Especialmente frustrado.

Ele havia esperado que as coisas fossem mudar desde a noite em que ele beijara Taehyung, porém nada havia acontecido, exceto a rotina. Nenhum comentário sobre sua mudança de humor repentina – e ele sabia que, passado o nervosismo inicial, estava animado de um jeito anormal. Nenhum questionamento sobre se ele estaria saindo com alguém, para decepção das moças que trabalhavam no andar de baixo, as quais costumavam sorrir para ele envergonhadas sempre que ele passava por perto. E, o que talvez fosse o pior de tudo, nenhuma atitude de Kim Taehyung sobre o que havia acontecido.

Claro, ele havia agido como um idiota apaixonado naqueles primeiros dias, mas, com o passar do tempo, ele parecia ter esfriado. Quase como se eles tivessem regredido alguns passos no relacionamento que mal havia começado – que sequer tinha um nome, para começar.

Havia sido Jimin o mais cauteloso dos dois no final das contas, mas aquilo não significava que o outro tinha que simplesmente agir como se nada tivesse acontecido. Além disso, Taehyung não era o mais ansioso para que eles fizessem algo sobre a maldita tensão sexual que surgia sempre que eles estavam no mesmo ambiente? Por que ele estava sendo tão passivo? Ele sequer o convidara para jantar como havia sido sugerido, o idiota. Será que seria preciso que Jimin fosse bater à porta dele e perguntasse quando na agenda lotada eles poderiam encaixar aquele jantar?

Dias haviam se passado e nada. O que Taehyung tinha em mente?

Ele estava preparado para negar qualquer pergunta ou comentário, mas não havia sido necessário. Era como ter um segredo que ele devia proteger, mas não havia nada contra o qual proteger.

Também não era como se ele quisesse que as pessoas descobrissem – ele imaginava o pandemônio que sua vida viraria caso alguém sequer desconfiasse. Chefe e subordinado? Dois homens?

Jimin sabia que não estava fazendo sentido nem para si mesmo, mas começava a incluir na sua lista de questionamentos a pergunta: o que havia de errado com ele? Era quase como se achasse excitante a ideia de estar no limiar entre o mistério e a descoberta – e, secretamente, ele sentia os batimentos em seu pulso se intensificando com a ideia e era como se sentisse também uma comichão, sem saber exatamente onde deveria coçar para fazer parar.

Quando ele voltou do almoço com Jeongguk, no entanto, havia um outro origami em sua mesa, ao lado daquele que havia sido o motivo da risada do mais novo anteriormente, um que ele não havia colocado ali e que não se lembrava de ter visto antes. Encarando o inofensivo pedaço de papel como se ele pudesse, na verdade, carregar em si um vírus maligno e mortal, Jimin sentou-se com cuidado sobre a cadeira, decidindo o que fazer. Olhou para os lados, como se esperasse encontrar a pessoa que o havia colocando ali, mas se deparou apenas com a normalidade. Nada estava fora do lugar, nada parecia fora do lugar.

Segurando o origami entre os dedos, Jimin o virou, como se analisasse uma obra de arte, encontrando no lado que estava voltado para sua caneca, longe dos olhares curiosos de qualquer um que por acaso olhasse naquela direção, uma palavra escrita naquela letra apressada e forte a qual ele havia aprendido a reconhecer durante o tempo em que trabalhara sob sua supervisão direta.

"Jantar? Amanhã, depois do expediente."

 

♠♠♠

 

Ele não deveria estar nervoso, já havia estado naquele prédio antes, mas não podia deixar de pensar que a camisa que escolhera estava tentando enforcá-lo, embora ele já a tivesse vestido algumas outras vezes e soubesse que ela lhe caía perfeitamente bem, em especial com os dois primeiros botões abertos.

A subida pelo elevador daquela vez foi diferente da primeira vez – seria diferente mesmo que ele não estivesse prestes a jantar com Taehyung, uma vez que não o estava carregando bêbado de volta para casa.

A garrafa de vinho que carregava em sua mão era bem mais que um simples objeto que seria entregue a Taehyung tão logo este abrisse a porta, era sua tábua de salvação, na qual ele segurava com força para se manter estável, sem sucumbir à vertigem.

Ele nem deveria estar tão alterado pelo jantar, foi o que ele disse a si mesmo, mas nem mesmo aquelas palavras, se repetidas incessantemente, seriam capazes de afastar o nervosismo. Porque ele não estava nervoso pelo jantar. O que fazia o mundo parecer um lugar incerto era o fato de que logo ele iria ver Taehyung e poderia finalmente tocá-lo, uma vez que não teriam a mesma audiência que tinham no trabalho e que os intimidava o suficiente para que mantivessem as mãos para si mesmos, ainda que uma parte inconsequente e minúscula de seus pensamentos dissesse para esticar a mão só mais um pouco, mais um pouco e Jimin poderia encostar os nós de seus dedos em uma das mãos de Taehyung. Era a única coisa na qual conseguia pensar que poderia afastar sua necessidade por contato físico e, ao mesmo tempo, poderia passar despercebido, ignorado por todos ao seu redor. Mas ele não conseguia arriscar, não dava para arriscar quando ele mesmo havia insistido que eles deveriam ser discretos e evitar qualquer forma de contato no trabalho – e ele tinha certeza de que fora todas as vezes que demonstrara desconforto ou fugira que fizeram Taehyung parar de iniciar alguma coisa.

Passou a mão livre sobre o cabelo uma última vez, os dedos passando pelos fios os penteando, ajeitando, garantindo que nada estaria fora do lugar quando Taehyung o visse. Respirou fundo, sorriu mais para encorajar a si mesmo e apertou a campainha.

Taehyung não demorou a abrir a porta e deixou Jimin o encarando como se nunca o tivesse visto na vida. Por um lado, essa era uma verdade. Jimin nunca o vira tão ridiculamente bonito – o cabelo estava bagunçado, embora fosse possível dizer que ele havia se esforçado para que parecesse natural, sem esforço algum. A camisa branca que ele usava também estava com os primeiros botões abertos e as mangas quase cobriam suas mãos inteiramente.

"Isso é pra mim?", Taehyung perguntou com uma animação que não conseguia esconder, mesmo tentando. Jimin foi retirado de seus pensamentos e sua contemplação foi interrompida para que olhasse para a mão que segurava a garrafa de vinho. Foi preciso alguns segundos para que ele conseguisse juntar os pontos até que então ele dissesse "Sim, é pra você, eu...".

Ao perceber sua falta de jeito, Taehyung riu – uma risada baixa e contida, mais tímida que outras que tivera a oportunidade de ouvir. Grave e que encontrava barreira nas costas da mão que escondia a boca, mas que ainda assim chegava aos ouvidos de Jimin e fazia seu rosto esquentar.

A mesa de Taehyung estava farta, com comidas que Jimin não esperava encontrar ali – não a julgar pela manhã em que os dois acordaram juntos e ele teve que se virar para fazer algo comestível com o que tinha na cozinha do apartamento.

"Eu sei o que você tá pensando", Taehyung comentou e, quando Jimin olhou para sua fisionomia, ele parecia ao mesmo tempo culpado e divertido, como se guardasse um segredo que ele queria muito contar, mas que sabia que iria abalar sua credibilidade. "E eu posso ou não ter tido ajuda", confessou, por fim. Jimin teria rido se não estivesse ocupado observando-o enquanto ele mostrava mais lados de si – e ele estava adorando. Ver mais lados de seu chefe sempre seria uma experiência capaz de deixá-lo sem palavras, levantar questionamentos em sua mente, como o que mais ele tem para me mostrar? E por que eu não deixei que tudo isso acontecesse antes?

Mas ele sabia que não poderia ter sido diferente. O modo como as coisas ocorreram, apesar de não ter tido qualquer elegância nem fosse digno de um dos romances retratados nas obras de ficção, era exatamente como deveria ser a história deles.

Enquanto se aproximava para apreciar a mesa de Taehyung e todos os pratos que haviam sido preparados para aquela noite, depois de ter deixado os sapatos na entrada, sentia o cheiro da comida aguçando sua fome e sorriu com a ideia que surgira em sua mente.

"Só ajuda? Tem certeza de que toda essa comida não foi feita por outra pessoa?", provocou com um sorriso de canto nos lábios, vendo Taehyung franzir o cenho.

"Eu até cortei meu dedo enquanto preparava isso!", ele contestou, mostrando o dedo indicador da mão esquerda enrolado em um band-aid com o símbolo de um heroi dos quadrinhos por toda sua extensão.

Ali, com o dedo de Taehyung tão perto de seu rosto, o braço esticado na sua direção, Jimin sentiu de novo o ímpeto de levantar o braço, tocá-lo, mas deu pouca atenção ao pensamento – precisava dizer algo que pudesse confortar o outro, apagar a desconfiança que ele mesmo havia levantado em tom de brincadeira.

"Deve ter sido difícil, desculpe", ofereceu com um tom de voz suave, que ele pretendia fosse capaz de consertar o que ele havia causado.

Antes que pudesse se deter, no entanto, o pensamento que ele havia tentado afastar ganhou vida, e logo sua mão estava segurando a de Taehyung, fazendo sua respiração ficar presa na garganta enquanto sentia a pele dele na ponta de seus dedos, deslizando por sua palma. O local do machucado foi acariciado com leveza e deferência, como se um simples toque como aquele pudesse fechar a pele ferida. O olhar de Taehyung logo estava mudando para algo que Jimin não podia decifrar, mas os dedos dele logo estavam buscando o contato da mão que tocava a sua, permitindo que Jimin continuasse entrelaçando os dedos deles em uma tentativa de segurar-lhe a mão.

O silêncio parecia carregado com partículas eletrizadas. Era tão perigoso respirar mais que o necessário, mover-se além do permitido pelos limites do espaço pessoal de cada um. Estavam tão acostumados com os obstáculos auto impostos no dia a dia que mal podiam acreditar que aquele momento era mesmo real.

Nos olhos de Taehyung, Jimin tinha a certeza de que podia ler tantas perguntas quanto as que ele mesmo possuía. No entanto, não parecia haver nenhuma resposta, somente incerteza e insegurança.

“Vamos ver como você se saiu, então...”, Jimin esforçou-se para pensar em algo e ficou feliz ao notar que sua voz havia saído natural. Taehyung sorriu e assentiu com um movimento de cabeça, sem, contudo, soltar sua mão.

 


Notas Finais


Eu sei, sou péssima mantendo promessas, mas eu tenho boas notícias!! Como puderam perceber, esse não é o fim dessa história. Assim como eu sou péssima com promessas, eu sei que tenho apresentado tendências estranhas para mim. E com isso eu quero dizer que: tenho escrito cada vez mais. Quando eu disse que o quarto capítulo seria o último independente da quantidade de palavras, eu não esperava que eu fosse acabar com um arquivo de quase dez mil palavras - e era apenas o primeiro rascunho! Então resolvi dividir, incluir uma ou outra cena e voi là, teremos um outro capítulo além desse, o qual já está escrito e precisando de revisão.

Não sei como andam os humores de vocês com relação a essa história, mas eu ainda tenho me divertido aqui. É algo diferente do que eu venho escrevendo, na medida em que VMin ainda é um ship "novo". Escrever TaeKook é natural, mas escrever VMin tem sido uma experiência bem diferente. Enfim, quis dizer isso, porque era o que eu estava pensando outro dia, enquanto tentava escrever uma das cenas.

Como a vida parou de chutar minha bunda, pelo menos por enquanto, eu tenho respondido aos comentários que foram deixados desde julho e que acabaram ficando negligenciados. Os dessa fanfic vão ser respondidos tão logo eu publique esse capítulo - ou pelo menos eu quero, mesmo que tenha que acordar cedo pra aula amanhã.

O próximo e último - dessa vez é pra valer - eu vou publicar no mais tardar domingo. Eu vou viajar por causa das eleições, mas volto domingo à noite, e, como o capítulo tá escrito, só precisando que eu releia mesmo, não deve ser nenhum bicho de sete cabeças.

Acho que disse tudo o que eu precisava, ufa. Agora só me resta a melhor parte: agradecer! Minha gratidão por estarem acompanhando e lendo e se divertindo comigo é enorme, acreditem. Muito obrigada por isso!!

Beijos e até o próximo! ~


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...