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História Itália, prisão de cristal - Partidas e chegadas


Escrita por: MrsReddington

Notas do Autor


Hellooooo!
Prometi capítulo dia 25 ou 26, mas aconteceram alguns problemas. Fiquei meio doentinha (Nada grave, eu acho ashuhasuhas). Como passaram o natal? Onde passarão o fim de ano? Então galerinha preparados para esse capítulo? Temos muitas mudanças... algumas tristes. É, talvez muitas tristes. Eu me despeço de mais personagens, um deles eu já não gostava muito porque desde o começo sabia o que ele faria (kkkkkkkkkk). E outro, era divertido e eu me senti bem escrevendo-o. Sinto muito por ele mas infelizmente tenho que me despedir desse personagem... :(
Estou postando correndo com o próximo já, que terá muitos assuntos a ser tratados!
Espero que gostem e qualquer coisa me perguntem <3
Beijos e que Deus abençoe vocês, seus lindos <3

Capítulo 23 - Partidas e chegadas


Campo das margaridas, Brasil, dias depois.

Lúcia bordava um vestido para customizá-lo. Nem mesmo os óculos de grau descendo por seu nariz por causa da força da gravidade a envelheciam.

Luca estava no Brasil há uma semana e era a quarta visita dele na casa da família dela.

A mãe de Caroline era uma mulher vaidosa e muito interessada em conservar a própria saúde. Era agitada, meio nervosinha e dava para entender de onde Caroline sairá tão esbaforida e carinhosa ao mesmo tempo. Lúcia era assim. Ela brigava com a filha, mas ninguém ousasse machuca-la, ou uma fera de 1,55 fazia uma guerra.

— Aquela ingrata sequer me ligou hoje... Caroline aproveita que só a tenho de filha e me abandona. Reina sozinha aqui e nunca teve que brigar pela nossa atenção. — Ela balbuciava com a linha presa nos dentes. — Falou com ela habibi? — Ela perguntava ao marido em mais um apelido carinhoso, ela tinha vários pelo que tinha observado, mas amor em árabe era o campeão de uso.

Diferente de Lúcia, Augusto era comedido, tranquilo e tinha expressão carinhosa e simpática. Pelo menos nos últimos termos ambos eram parecidos. Eram um casal engraçado e podia vislumbrar que Caroline se tornaria com o tempo uma cópia da mãe, com um pouco mais de calma herdada por Augusto, ou Guto, ou não. Pela atual Caroline era provável que ela ficasse igual à mãe.

A maioria o chamava de Guto, menos Lúcia. E isso na sua mente ainda era um mistério. Mais uma das curiosidades de dona Lúcia.

Achava-a extremamente interessante e era bom conversar com ela. Havia muita sabedoria, demonstrada de forma engraçada. Ela ensinava com um jeito meio bravo, mas carinhoso só dela. Guto era de sentar e conversar para uma conversa séria e de repente estava rindo de algo que recordava. Era puro afeto e compreensão com uma dose média de seriedade. Caroline era a mistura dos dois em tudo. Agora entendida de onde Carol saia tão especial.

—Não Lúcia, falou com você Luca?  — Ele perguntou entregando um café a Luca. — Não está forte como os italianos gostam, mas está bom. Eu acho.

— Pra mim está na medida certa. — Sorriu vendo que uma parte da xícara estava com uma rachadura por dentro. Não vinha falando com Caroline, o plano era à distância, mas isso não o impedia de sentir saudade. — Não conversamos ainda.

— Deu a xícara quebrada a visita Augusto? — Lúcia pegou o vestido e colocou no braço do sofá.

— Esqueci completamente. Importa-se de que eu troque? — Pediu e Luca deixou pra lá.

— Não me importo. Minhas xícaras quebram misteriosamente também. — Algumas quebraram quando elas tinham o azar de Caroline encontra-las na sua sala.

— Aqui não é mistério. É Augusto e Caroline. Essa que está na sua mão foi ele. — Ela sorriu de canto para o marido que fingia que não era com ele verificando o aplicativo de mensagem. — Igual à filha. Dois desastrados.

— Como se você não fosse desastrada também... — Ele soprou.

Lúcia parou para pensar e lembrou que era sim bastante estabanada.

— É talvez. Mas mudando de assunto...  Ainda não me disse por que decidiu vir ao Brasil. Não esqueci a última conversa, que me enrolou me ensinando italiano para não contar.

Luca ergueu os olhos de dentro da xícara. Lúcia era perceptiva demais. Dava a impressão que a tinha dobrado e então ela lhe prova que está redondamente enganado.

— Acabei esquecendo. — Olhou para Guto esperando que ele lhe salvasse com algum assunto.

— De que nasci ontem eu só tenho a pele meu bem.

— Uma pele muito bonita. O que faz? Sinto que estou envelhecendo muito. Será que preciso me hidratar mais? — Tentou mudar de assunto novamente. — Me dê algumas dicas antes.

Lúcia riu e Luca a acompanhou.

— Essa foi da outra vez. Mudou de assunto me bajulando falando sobre a minha beleza. Eu entendo que sou agradável, nenhuma miss, mas tenho meus pontos fortes, mas você não vai fugir de novo Luca Bocarelli.

— A senhora me pegou! — Ele tentava formular uma resposta menos escandalosa para aquela pergunta. — Desculpe, pode parecer pouco caráter de minha parte fugir de respostas, mas me entenda, eu não sabia bem o que procurava aqui quando cheguei. Eu procuro pelos documentos do tal navegador espanhol.

Augusto tirou o celular da frente do rosto e se interessou pelo assunto.

— Como sabia?

Luca respirou fundo recordando por sorte de uma história que Caroline lhe contara de como tinha se apaixonado por história a ponto de largar arquitetura, uma profissional com rentabilidade muito mais conhecida e óbvia.

— Caroline me contou porque se interessou por história, fiquei interessado nos documentos que ela me contou, mas como não sabia se eles ainda existiam, ou se tudo não passou de um devaneio infantil dela, então não queria parecer meio maluco falando sobre o assunto.

Lúcia pareceu convencida e isso o aliviou.

— Ela conta isso pra todo mundo. — Lúcia sorriu. Ela estava sentindo falta da filha e isso era visível.

— Nada de devaneio. A história é realmente verdade. Quando ela era pequena, tinha uns sete anos, e estava brincando na frente da igreja matriz quando estavam reformando. Ela e a penca de amigos e primos que ela tem. — Augusto começou a contar com um sorriso bobo. — Ela era inteligente, esperta e sempre foi curiosa. Quando viu a movimentação se escondeu na sacristia com Thaís e elas os viram passando com as caixas. Na cabeça dela era algo muito grave, viu os funcionários de máscara e luvas, fez um estardalhaço. Depois descobrimos que eram documentos escritos antes do descobrimento do Brasil de um espanhol que estava numa esquadra holandesa que chegou aqui cinquenta e cinco anos antes de Portugal. Era relíquia de família e os parentes, no século dezenove, deixaram no cofre da igreja e esqueceram por lá.

Aquilo era realmente intrigante porque se confirmado a veracidade, a história do Brasil seria recontada. O faro de historiador de Luca o colocou logo realmente interessado na história que havia recordado para justificar sua ida ao Brasil.

Lúcia continuou a história:

— Ela quando chegou pra me contar que tinham encontrado algo histórico na igreja praticamente nos obrigou a descobrir o que era. Quando soube, então... Brigava com qualquer professor que dizia que os primeiros europeus a chegar aqui foram os portugueses. A gente tinha um computador, daqueles enormes, ela pesquisou até encontrar que realmente já tinha algumas coisas a respeito dos holandeses. Então foi ali que começou o amor pelo que ela faz. Até hoje.

— E onde foram parar esses documentos? — Luca se questionou como o governo brasileiro era negligente.

— Carol me obrigou a procurar saber, e eu estava morrendo de curiosidade porque também tive essa curiosidade quando era criança. Não tinha condição de um país tão grande ser descoberto só por Portugal.  Então fui à prefeitura como não quer nada... — Lúcia começou a contar sua parte. — Na época, essa coisa de notícia de internet não era tão avançada e só os jornais locais noticiaram, não teve grande relevância. Quando cheguei lá fiz amizade com a recepcionista dizendo que estava precisando de um despacho para o hospital onde eu trabalhava. Enrolei o dia inteiro pegando amizade e descobri que eles levaram os documentos pra um museu no Rio de Janeiro e que de lá, provavelmente iria pra Lisboa. Só algumas pessoas da cidade lembram-se disso, nunca teve relevância pra o país, ninguém se importou. Se tivessem tido acesso, talvez tivesse sido falado nas mídias.

Augusto fez uma careta ao ouvir o final e a ajudou a terminar de explicar.

— Eu acho que devem ter levado pra o Rio, mas o esqueceram, ou simplesmente deve ter morrido afogado nas muitas inundações de museus que acontecem aqui. Não cuidam de nada. É uma vergonha. E foi isso. A curiosidade dela virou o amor que ela tem por história.

— Uma pena. Eu poderia ver com um amigo que trabalha na administração dos museus do Rio. Posso tentar, digo tentar mesmo, que seja visto por mim, se ainda existe, é claro. Quem sabe não consigo leva-lo para Itália... Tenho amigos que se interessariam muito em saber que isso existe.

Lúcia apertou as mãos do italiano.

— Se fizesse isso Carol iria te amar para o resto da vida dela! Ela sempre sonhou em pegar naquilo. Acho que um dos sonhos da carreira dela é esse. Além de que seria uma contribuição e tanto para a nossa história.

Luca sorriu com a primeira frase dela. Era agora uma questão de honra descobrir onde enfiaram os documentos. Poderia se afastar dela, para protegê-la, mas se isso a fazia feliz, e fosse possível, lhe daria essa realização.

— Vou ver o que posso fazer. — Ele sorriu. — Tem algum jornal daqui que fale isso? Caroline guardou algo?

Augusto confirmou, levantando para buscar uma pasta.

— Estava nas gavetas do quarto dela. Ela disse que tinha jogado fora, mas acho que acabou criando uma relação emocional com essa história.

— Imagino... — Luca pegou a pasta, abrindo. Os jornais estavam amassados e amarelados, mas dava para ler. — Podem traduzir pra mim?

***

Luca aproveitou que Lúcia e Augusto queriam sair de casa para convencê-los a leva-lo até a igreja. Os pais dela fizeram uma tradução da conversa com o padre quando era necessário, e se surpreendeu quando não foi necessário. O padre falava um pouco de italiano por causa do seminário e isso lhe salvou.

O padre atual não estava na igreja na época, mas soube pelo padre anterior da história e confirmou o básico pelo que o outro lhe disse. Os documentos realmente existiam, foram para o Rio com a promessa de irem a Lisboa. Mas houve uma enchente alguns anos depois de terem sido descobertos, no museu. Então a chance de tudo ter se perdido era muito grande.

Se o documento não foi estudado foi por falta de grupo de pesquisa em cima do documento, provavelmente não houve nenhum professor envolvido. O provável caminho era ter virado uma caixa qualquer no acervo até alguém ter curiosidade de ler e descobrir do que se tratava. O que em todos aqueles anos não pareceu ter acontecido.

 Pesquisou nas bases algo sobre o documento e não havia registro de pedido de pesquisa a respeito, mas algumas poderiam furar o registro por alguns meses, então ligou para o contato na administração, que lhe deu o número do chefe do departamento onde poderia encontrar alguma resposta.

Enquanto não encontrava meios de ver o documento histórico, viajou com os pais de Caroline para vários pontos turísticos e conheceu o máximo que pode do interior calorento. Foi fonte de discórdia com os vizinhos fofoqueiros que queriam saber quem era e de onde tinha saído.

— Não me contou sobre Violeta e Matteo — Luca soprou ao abraçar Lúcia para se despedir dela no terraço da casa do casal. Sempre que aquela família em questão eram citadas Lúcia se incomodava e Augusto fazia uma cara de poucos amigos.

— Não posso contar os segredos dos outros. Esse assunto é da Carol. Se ela nunca te disse nada... É melhor simplesmente não mexer nessa história.

— É injusto, arrancou quase a minha alma fora dona Lúcia. E eu não lhe arranco nada? — Brincou.

Augusto pegou nos ombros do homem e o abraçou por alguns segundos e depois apertou as mãos do italiano.

— Nos mande notícias suas também. Lúcia mandou praticamente uma mala de coisas pra Carol e milhares de recomendações, mas nós dois queremos que volte e que mande notícias suas. Tem uns presentes pra você na mochila das coisas da Carol. Tem o apelido que Lúcia lhe deu. Você sabe que ela apelida todo mundo e se for da família então... Eu sou o habibi e sabem-se lá mais quais, Carol é a Dora, a aventureira, Violeta é jararaca... E assim vai.

Luca riu sacolejando a mochila tentando saber o que seria.

— Céu noturno... — Confirmou o apelido que recebeu por causa de uma das nuances de cor que seus olhos tinham a depender da luz. — O meu não é tão ruim. Ela chamou a Carol de Dora a aventureira... Acho que saí no lucro.

— É porque ela adora se meter em aventuras, foi por isso que foi parar na Itália. É curiosa e às vezes faz perguntas bobas. Combina com ela. — Afagou maternalmente os cabelos escuros dele. — Se cuide Luca. Apareça aqui também. Agora que vai, nossas vizinhas perderam o galã do bairro. Elas também sentiram saudades de babar por você nas janelas... — Ela apontou com o queixo para uma senhora no terraço do primeiro andar da casa da frente apertando os olhos

— É o que eu chamo de espionagem primitiva — Luca murmurou descrente.

— Dona Eulália sabe de tudo de todo mundo. — Augusto meneou com a cabeça. — Já sabia de tudo, aí fizeram da casa dela um primeiro andar, acabou o sossego de todo mundo. Todo mundo vai ter que reformar as casas e fazer primeiro andar se quisermos ter paz.

Luca ainda olhava a senhora interessadíssima na conversa. Abraçou os dois ao mesmo tempo e depois se foi de táxi. Demorou horas para pegar um avião fretado até o Rio de Janeiro e mais tempo ainda pra chegar por causa do tempo em metade do caminho. Deixou a pequena cidade de Caroline com uma amizade firmada com a família dela e uma promessa de que eles não dissessem a Caroline que estava lá antes que tivesse voltado na Itália.

Não gostava de usar aviões exclusivos, mas não queria que Giuliano lhe descobrisse ainda, então a maneira mais particular de viajar era com um avião fretado. Demoraria pelo menos alguns dias até ele conseguir ter acesso ao seu local e se isso acontecesse já estaria na Itália.

Não pretendida demorar no Rio ou teria que tomar precauções maiores, então simplesmente foi ao local indicado e falou com seus contatos profissionais lá. Não demorou a conseguir acesso ao acervo do museu e junto consigo foram um professor interessado na história e a técnica em museologia.

— Esses são os artefatos que chegaram dessa cidade. Tem certeza que algo tão importante veio de lá? — A mulher olhava a caixa única que correspondia a data e a cidade. — Pelo que puxei nos arquivos, ninguém nunca abriu isso desde que chegou aqui.

Luca bufou ao notar o desinteresse da cidade em notificar o museu adequadamente sobre a importância dos documentos, e pior, era possível que apesar de antiga, a cidade jamais teve seus bens antigos estudados. Era um completo descaso.

O professor lhe ofereceu as luvas, a pinça e a máscara. Vestiu todo material e abriu a caixa antiga com cuidado. Pediu que incidisse a luz mais clara e intensa para tentar entender os escritos do papel dobrado. Não eram somente anotações, mas cartas, todas em espanhol. Caroline e os entusiastas de campo das Margaridas estavam certos.

— Querem que eu leve isso a Trento? Posso providenciar o envio. Anika adorará se debruçar sobre isso. Ela tem pós-doutorado em absolutismo e... — Falou em inglês. Finalmente cômodo em um idioma desde que chegara no Brasil.

— Conhecemos o currículo dela Luca. — O professor fechou a caixa com cuidado o respondendo no mesmo idioma. — E o seu também. Falta de gabarito para estudar isso, não faltam. Temos que perguntar os procedimentos para o translado ao reitor. Você sabe que a depender do governo eles fingem aqui que se importam conosco e temos que ver as possibilidades dele ser estudado aqui. Porém eu tenho uma dúvida.

— Diga. — Luca desligou a luz e jogou o material descartável no lixo.

— Isso está aqui há anos. Quem está aqui jamais pegou esse material, os administradores da cidade jamais se preocuparam. Como descobriu?

Luca olhou o homem de maneira gentil. Era idoso e um professor renomado, mas que por vezes foi ignorado pela academia por dois motivos. O primeiro era que suas pesquisas eram em áreas pouco estudadas e seus resultados, loucuras aos olhos do mundo acadêmico padrão. E o segundo, e mais importante, se apaixonou por uma aluna de mestrado e se casou com ela. Sua vida nunca mais foi à mesma. Por um tempo, sua vida se resumia a desconfiança dos outros professores, dos alunos, da equipe como um todo.

— Minha orientanda de mestrado é dessa cidade, me contou a história e eu me interessei.

O homem o olhou com os olhos semicerrados. Primeiro surpresos e depois compreensivos.

— Uma aluna te contou e ficou interessado?

— Sem dúvidas. Os documentos são muito importantes. — Deu de ombros deixando a sala.

— Pode até ser que tenha sido isso a razão de ter vindo ao rio e que tenha gostado da história, mas não veio para o Brasil só por isso. Eu conheço esses olhos. — Riu de leve.

Luca já sabia o que ele diria. Todo mundo dizia ou pensava a mesma coisa. Concluíam o óbvio como se isso estivesse escrito em sua testa.

— Questões pessoais. Acabei me lembrando por um acaso e vim tentar ajudar nisso. — Evitou olhar para o senhor e se afastou.

— Parece que alguém foi picado pelo besouro do amor... — O homem falou em italiano. — Um amor proibido.

Luca abriu a boca e fechou novamente. Realmente aquilo só poderia estar escrito em sua testa e por todo o seu corpo. Só que dessa vez não tinha falado do alvo do seu amor explicitamente, mal tinha falado em Caroline. Somente de forma genérica.

— Como é que sabe?!

— Quando falou “minha orientada”. Falou com os olhos muito mais que isso. Foi muito possessivo, e isto explicou o resto. Eu já fui picado pelo mesmo besouro... eu te entendo o quanto a sua vida deve estar confusa. Quer conversar?

Luca fez uma careta, irritado. Não queria conversar sobre Caroline. Seu foco era ignorar aquele sentimento gritando dentro de si mesmo. Mas, um lado de si precisava conversar sobre aquilo desesperadamente. Talvez expressando, a falta dela diminuísse.

Aceitou a conversa com o professor, que depois descobriu se chamar Antônio. Foram conversar num restaurante familiar muito longe dos grandes centros de turistas. Ao longe podia ouvir o pagode na festa de um dos vizinhos.

— Como estão fazendo para esconder? — Ele começou o assunto.

— Nós? Ela sequer desconfia... — Apertou os olhos, com raiva.

— Isso te irrita... — Constatou.

— No começo eu ficava feliz que ela nem sonhasse com isso. Mas depois da última vez que nos vimos o que eu mais queria era que ela soubesse. Não tenho mais forças em mim para não contar tudo. Às vezes sinto que vou explodir. É ridículo. Sinceramente às vezes tenho vontade de colocar um outdoor na porta do prédio dela, mas aí eu a entendo. A pessoa que precisa de ajuda sou eu. Fomos além da linha profissional e acadêmica e nos tornamos amigos. Se eu quem sentia, deveria ter tentado parar toda essa situação. Agora eu coloquei tudo a perder. Porque quero e vou me afastar dela, mas vou magoá-la com isso.

— Você está numa situação muito complicada... — Antônio riu.

— O senhor nem imagina o quanto... — Pensou nos detalhes graves que os envolvia.

— Tem mais coisas nessa história do que está falando, não é?

Luca bebeu o café como se engolisse uma pedra.

— Ela está saindo com o meu primo.

Antônio quase cuspiu fora o café.

— O premiê?! Como isso aconteceu? A aluna que você é apaixonado está saindo com o seu primo? Isso só pode ser uma tortura.

— Não queira saber. E ele é um babaca! Eu entenderia se fosse outro homem. Um homem que realmente a merecesse, e que eu tivesse certeza que poderia se apaixonar por ela na mesma intensidade, a corresponder. Mas Giuliano é um crápula. Então fugi como um covarde. — Omitiu por razões óbvias as verdadeiras intenções com a visita ao Brasil.

— Fugir dela não vai adiantar nada...  — O homem suspirou e por minutos só beberam café e ficaram quietos.

Tudo silêncio demais. Luca perdeu a paciência.

— O senhor não vai me dar nenhum conselho sábio?

Luca pediu uma dose de whisky para misturar com o café esperando o homem terminar de pensar.

— Luca, eu prometi conversar, não te aconselhar. — Antônio riu, e chamou uma senhora no balcão. — Conselhos são com a minha esposa. Venha cá amor.

Luca se endireitou na cadeira, envergonhado pela própria de desespero que estava. Antônio explicou brevemente o conteúdo do assunto à esposa. Ela se acomodou em outra cadeira.

— Ele contou a nossa história? — Falou em inglês perfeito. Luca negou. — Eu sou psicóloga e ele foi meu professor em uma das disciplinas do mestrado. Era bonito, jovem, inteligente e bem moderno para a época. Você sabe... os professores de trinta anos atrás eram bem quadrados... Esse rapaz chamava atenção. E eu vivia cheia de problemas com dinheiro e com a minha família que só brigava por dinheiro da herança do meu avô. Então, um dia, no natal, eu coloquei meu pedido de ter dinheiro o suficiente para parar de sofrer por dinheiro na árvore do departamento. Ele leu. Reconheceu a caligrafia e me procurou com essa mesma cara cínica que ele tem, dizendo que dinheiro não me resolveria. Eu precisava de paz em meio às tempestades, eu precisava de amor.

Luca olhou para Antônio que estava com um sorriso saudoso e acariciava os ombros da esposa.

— Não era qualquer amor. Era o amor de Deus. — A mulher sorriu para o marido. — Agora imagine minha surpresa, no meio acadêmico, descobrir que ele era cristão, e na época, eu não acreditava em nada. Não tinha fé. Simplesmente não pensava em nada mais. Eu nunca fui de ir à igreja e quando fiz graduação, então... Tornei-me agnóstica para acabar me incluindo. Perguntei logo que ousadia era aquela.

— Fui um louco. Hoje, algo assim daria cadeia — Antônio riu.

— Então começamos a conversar. Ele me ajudou muito. Ele orava por mim, pedia a Deus que eu tivesse fé, aconteceram tantas coisas. Tornamo-nos amigos e de repente eu estava indo na igreja que ele frequentava nos finais de semana. Era tudo amizade. — Ela olhou para Luca significativamente. — Na minha formatura, ele simplesmente me chamou de lado e disse que não aguentava mais aquilo. Se eu quisesse odiá-lo, odiasse. Se quisesse pensar que ele estava conversando comigo o tempo todo com outras intenções, que pensasse. E se solicitasse sua expulsão ao departamento por assédio, que fizesse também. Mas que me amava, e não esconderia isso mais.

Luca podia imaginar Antônio fazendo isso e sorriu para o homem.

— Então, meses depois de me deixar falando sozinha, porque ele disse isso e desapareceu. Eu fui atrás dele, eu não via o que estava a minha frente, eu não era tão amiga dele assim. Eu também o amava. Então começamos. Sofremos e passamos por muitas dificuldades porque tudo alcançou os nossos colegas, e na época isso foi um grande escândalo.

— Eu imagino... — Luca soprou ainda na dúvida se Antônio era doido ou se era mais louco que ele.

— E o conselho amor? — Antônio beijou as mãos da esposa.

— Que viva. Volte à Itália e enfrente seus medos. Não é o amor que te afugenta, é o medo. Não precisa se declarar para a menina agora. Pense e repense várias vezes se é isso que quer na sua vida, se for... Diga e deixe que ela reflita. Afaste-se porque isso está te afetando negativamente, mas não por medo. Seja racional. Dizem que o amor nos turva a consciência. Isso é paixão, amor esclarece. O amor ilumina. O amor ilumina o mundo.

— Sei de que amor fala, qual amor ilumina o mundo. — Lembrou-se de Caroline sempre falando de Deus, do natal, de Cristo, e do amor que se sacrificou pelo mundo.

Luca entendeu que deveria acalmar os ânimos antes de qualquer coisa, e isso era o que já tinha tentado a dizer a si mesmo como caminho certo, mas quando a mulher disse tudo ficou mais claro e se sentia mais apto a seguir por ali.

— Como é o seu nome... ainda não me disse.

— Caroline, prazer em conhecer você. — Ela estendeu as mãos.

Luca olhou para Antônio com uma expressão descrente e pediu outro whisky. Aquela Caroline o impediu e mandou que entregasse uma água por conta da casa.

— Só pode ser brincadeira... Chama-se mesmo Caroline? O mundo anda pequeno demais.

Dias depois, 23 de dezembro.

Trento, 07h40min da manhã.

— Eu já disse que se quiser ir conosco, é só arrumar as malas! — Raena ralhava com Caroline pela milésima vez.

Pepe e Raena já tinham chegado de sua visita ao Brasil e tinham adorado tudo. Entregar as passagens a eles com Giuliano do lado foi cheio de risadinhas e piadinhas de Olívia e Martina.

Eles embarcaram agradecidos, emocionados e com recomendações de que levasse a sério o que Giuliano falava sobre ficarem juntos.

Com o natal, eles decidiram passar o feriado com a família de Raena na província em Trieste e fechariam ambos os restaurantes. Deixando todo mundo de folga. Kiara ia para casa dos avós em Turim, Laura para Roma e com certeza passaria o feriado em bailes chiques com a família. Ambas lhe chamaram para ir junto, mas decidiu contribuir para a ceia do alojamento, que aconteceria na casa de Constanza em Trento.

Ficou feliz por ver Constanza abrir algum espaço para as pessoas em sua vida. Era lógico que ela estava cheia de inseguranças e não era amiga de todos, mas só o fato de permitir estar perto já lhe alegrava.

— Não se preocupe comigo. Vou encher minha barriga na ceia do alojamento. Vão curtir a vida de casados e aproveitem para continuar fazendo fotos lindas como estavam fazendo no Brasil.

— Luca já voltou? — Olívia questionou interessada.

Caroline assentiu.

— Disseram que ele voltou. Mas ele não me avisou nada. Acho que deve passar o natal com a família em Siena. Não sei... — Estranhava a falta de comunicação de Luca e sentia falta de conversar com ele.

— Não acha que ele está estranho desde aquele dia no casamento? — Olívia comentou. — Não sei... Viaja sem dizer nada a ninguém e de repente volta sem contar também.

— Ele contou que voltou. Só não contou a mim. — Caroline deu de ombros. — O Luca deve estar com algum problema. Estou com receio de perguntar e parecer intrometida. Giuliano me disse que ele dá essas fugas assim mesmo... Deixa-me preocupada, mas ele me disse que é normal.

— Hummm. Giuliano...  — Olívia insinuou.

— Não inventa. — Caroline girou os olhos, mas já estava com a postura envergonhada.

— Sei... — Raena passou com um prato de torta e a entregando. — Tem certeza que ainda não quer viajar conosco?

Caroline sorriu e assentiu mordendo a torta. Pepe chegou com algumas malas arrastando e coberto de casacos. Raena se ergueu da cadeira para beijar o marido. Ele já entrou no restaurante falando sobre a viagem, completamente animado com as coisas que viu no Brasil. Então ele parou de repente com uma expressão pensativa.

— Gostamos do presente, mas sinto que ele quer nos comprar, nos agradando pra que falássemos bem dele pra Carol... — Pepe insinuou. — Ele só fez isso para te agradar. Ele não me engana nada. Está pensando que é assim que se conquista o coração da minha filha.

Raena revirou os olhos com os ciúmes paternais dele.

— Homem, deixe de besteira. Ele já conquistou o coração dela, não precisa de mais nada... — Deu uma piscadela para Caroline que parou de comer, ofendida.

— Eu? Eu só estou deixando espaço para que ele tente conquistar...

— Não seja orgulhosa! — Olívia atirou um pano de prato em Caroline. — Você já foi conquistada só está querendo que ele prove ser digno de completar a conquista.

Caroline meneou a cabeça. É. Talvez fosse mais ou menos o que Olívia disse.

— E faz muito bem! Ele tem que provar que é digno do seu coração princesa. Você é uma garota muito especial para estar perdendo seu tempo com um babaca qualquer. Ele tem que provar que não é um idiota imaturo e cafajeste! — Pepe se exaltou sentando na cadeira e pedindo um café a Raena. — Prometa que não vai mais dormir na casa dele. Sei que não aconteceu nada e dos seus princípios... Mas fiquei assustado. — Sussurrou para que Raena não ouvisse.

— Vocês não apoiaram que eu desse uma chance a ele, o que é isso agora Pepe — Caroline cruzou os braços já rindo.

— Dar uma chance a ele, mas com mais distância. Não precisar sair dando tanta chance assim... Eu fico preocupado — Ele fez um sinal com as mãos como se medisse um tempero.

— Eu entendi o que quer dizer... — Caroline concordou de maneira que os dois se entenderam. — Ele está sendo analisado. — Quero que me ajude a entender se ele é um bom homem mesmo Pepe.

— Se Caroline for mais difícil, ela se tornará impossível! Fazer o homem de amigo é o pior que você podia fazer! — Olívia sentou a mesa. — Giuliano será o Ethan Hunt para conseguir dar conta dessa missão impossível.

Caroline gargalhou ao imaginá-lo como Ethan Hunt e Raena pensou a mesma coisa e ambas começaram a rir mais ainda.

— Ele é arrumadinho demais pra isso...

— Concordo! — Raena entregou o café a Pepe concordando com Caroline.

— Pois eu o acho bem capaz de muita coisa... — Olívia fez bico imaginando.

— De que coisa está falando Olívia? — Pepe censurou Olívia com um olhar. — Pare com essas coisas na frente da minha menina. E ele é capaz mesmo, mas não vai colocar as mãozinhas na minha menina.

Caroline riu mais ainda e parou de comer ou se engasgaria.

— De missões impossíveis, ação, aventura, essas coisas! O senhor é que está imaginando coisas! — Olívia bateu na mesa com pouca força.

— Sei! “coisas” — Raena comentou. — Respeite o namorado da sua amiga pelo ou menos...

— Nem pensei nessas “coisas”. Carol é puritana demais pra isso. Sequer quer aproveitar dele um pouquinho.

— Sobrou pra mim... E ele não é meu namorado. — Só o fato de falar aquilo seu estômago se apertou e sentiu cócegas por dentro dele. — Eu vou indo preparar o meu prato para levar para a ceia. Quando saírem daqui me avisem, certo? Mandem beijo para Filippo por mim.

Caroline levantou da cadeira, colocando o dinheiro para a torta que comeu na mesa e beijou as bochechas de Olívia, Raena e Pepe. Desejou feliz natal para cada um e seguiu rua acima tentando pegar o atalho. O vento estava gelado e caminhando sentiu que algo mudaria em breve. Não entendeu o porquê e tentou se desligar da sensação ou ficaria ansiosa. Porém muito mudaria. E agora não podia fingir que não sabia.

Verona, 10h38min da manhã.

Luca assinou os documentos que professor tinha lhe mandado por correio. O governo brasileiro tinha autorizado uma parceria entre pesquisadores de vários países para estudos com os documentos de campo das Margaridas.

— Será incrível voltarmos a trabalhar juntos... — Os olhos coloridos brilhavam enquanto a dona deles acariciava os braços de Luca discretamente.

Anika estava animada ao seu lado e tudo que Luca pode fazer foi tentar mostrar que havia a chamado para uma parceria profissional, e não a pedido em casamento. Afastou os braços dos dela e se afastou.

— Já trabalhamos juntos no departamento em Trento. Não exagere. — A olhou duramente. Esperou que ela pegasse a deixa do que falava e Anika fechou o sorriso animado por um segundo.

Assim que deixaram o interior da universidade de Verona, Luca fez questão de andar rápido o suficiente para que Anika não arranjasse algum outro assunto.

— Continua com raiva de mim. É praticamente natal, já passou alguns meses. — Ela falou séria atrás dele.

Luca se perguntou se ela não deveria andar devagar por causa dos saltos que usava e bufou antes de se virar completamente para ela. Tinha tanto para falar, e de repente parecia que as palavras tinham sumido de sua mente com tamanha falta de sensibilidade de Anika com o que tinha feito a Caroline.

— Eu gostaria de dizer que estou com raiva. Mas é menos que isso, é pena. Eu sinto pena da pessoa que se tornou. Como consegue pensar que eu vou ter qualquer coisa com você depois que vi sua completa falta de caráter? Por acaso não tem consciência? Nada que te acuse do que fez? Deveria aproveitar que é natal e pedir desculpas para Caroline. Ela não precisa saber das razões vergonhosas do que fez. Peça desculpas por ter humilhado, desestimulado e infernizado a vida de uma pessoa inocente. Faça o favor a de trata-la melhor próximo semestre, é o último dela aqui na Itália, e ela vai ter que cumprir a sua disciplina novamente. Faça isso por você mesma.

Anika se encolheu um pouco, mas continuou a sorrir depois de alguns segundos. Parecia que algo que ela pensou a fez ter novas esperanças.

— Nunca tivemos nada sério, eu reconheço que fui longe demais... — Anika falou e ouviu Luca concordar com um murmúrio. — Se eu fizer isso... Se eu fizer tudo que me pediu, pode voltar a olhar na minha cara novamente?

— Anika, faça porque reconhece que está errada. Não porque quer algo comigo. Pare de se prestar a esse papel, por favor. — Apertou a chave do carro, o destravando e já ia entrando quando parou com uma ideia na cabeça. — Acho que já pode considerar sua bondade de natal feita.

Anika não entendeu e Luca continuou.

— Vai ligar para a Caroline e pedir, veja bem, é pedir mesmo, que Caroline participe conosco nessa pesquisa. Eu iria fazer isso, mas acho que já que quer tanto ser boazinha, faça isso.

Anika o olhou com uma expressão descrente.

— Não vou trabalhar com Caroline. Você me chamou para entrar junto no projeto, eu selecionarei as pessoas que já trabalham comigo, não irei colocar aquela garota sem futuro nisso! É algo grande demais para dar de presente a ela. Nem que eu estivesse maluca faria isso!

Luca sorriu malicioso sabendo que seria engraçado o que viria. Pegou o celular de Anika do bolso dela e salvou o número de Caroline nele.

— O número dela está salvo. Se não ligar, eu rasgo os papéis com a sua assinatura. Perderá o projeto se não chama-la agora mesmo. Eu a incluiria de qualquer maneira. Ela é mais dona dessa história do que eu. Mas você escolha, se quiser ficar, terá que ser você a fazer a ligação e chama-la com muito carinho e educação.

— Você só pode estar de brincadeira... — Ela já não tinha a expressão tão segura.

Ele estalou a língua.

— Jamais brinco quando se trata de trabalho. Ligue agora e não perderá a sua vaga, mas se não ligar, está fora.

— Ela vai ficar nisso de qualquer forma não é? — Mordeu os lábios, enraivada.

Luca fez que sim com a cabeça.

— Você não. Por isso depende de como vai trata-la agora. Se trata-la bem, fica. Se não, está fora.

Anika ligou o celular novamente e procurou o número de Caroline. Esperou ela atender, mas não houve resposta.

— Ela não atende. Não posso fazer nada. — Anika bateu o pé, irritada.

— Continuará tentando, eu tenho o dia inteiro sem fazer nada. Posso me divertir muito aqui vendo você ter que continuar ligando pra ela. Lembre-se, ou faz o que eu pedi, ou está fora.

Anika mordeu os lábios novamente e continuou tentando. Quando Luca contou a oitava ligação, Caroline atendeu. Ele pediu que Anika colocasse a ligação alta.

— Alô, quem é? — Caroline perguntava animada com algo.

— Sou eu querida. Professora Anika. Tenho que falar algo urgente com você. — Falou e Luca a corrigiu com o olhar. — Preciso falar com você meu bem, tem um tempinho pra mim? — Luca sorriu, aprovando a maneira como tinha falado.

Os dois viram Caroline soltar um murmúrio sem entender. Luca sorriu ao imaginar quão surpresa ela deveria estar por ser chamada por Anika e ainda por cima de maneira tão gentil.

— Claro... professora. Algo aconteceu? Pode falar. — Ela se interessou compreensiva.

Luca instruiu Anika a continuar.

— Quero te chamar para um projeto de pesquisa. Quero selar nossa paz. Sei que ficou uma impressão ruim de mim e quero te recompensar de alguma maneira... — Luca a corrigiu. Não era por pena que ela deveria estar ali. — Reaver meu erro quanto ao que pensei sobre você. É uma pessoa muito inteligente e esforçada e não pensei em outra pessoa para estar nesse projeto comigo.

Luca fez umas palmas silenciosas e Anika o olhou, indignada. Aquilo era humilhante para ela.

— O que... — Caroline realmente estava surpresa. — Me desculpe perguntar, mas a senhora está um pouco bêbada já? Já é quase natal e as pessoas se excedem...

Luca tentou não rir alto. Anika apertou as próprias mãos e forçou um sorriso embarcando no personagem novamente.

— Que espirituosa! — Riu falsamente. — Eu estou falando muito sério, querida. Fui muito injusta com você e quero pedir perdão pelos maus feitos desse ano. Perdoe-me em Cristo. É natal. Aceite trabalhar comigo. Por favor, seria uma honra.

Luca abafou o microfone do celular de Anika e falou no ouvido dela:

— Se ela não aceitar, estará fora do mesmo jeito Anika. Terá que agradá-la até que ela aceite, se você quiser continuar, é claro.

Anika torceu para Caroline aceitar de uma vez.

— Sobre o que é o projeto?

Luca fez sinal que ela não dissesse e escreveu no próprio celular que teria uma reunião assim que o novo ano começasse e que explicariam tudo muito bem.

— Ainda não podemos falar agora. Farei um grupo com a equipe toda e marcaremos uma reunião depois do ano novo. O que me diz?

Caroline pareceu pensar.

— Tudo bem. Eu posso ir à reunião sem o compromisso?

Luca sabia que ela estava imaginando se Anika estava louca ou planejando lhe infernizar mais um pouco. Ele digitou no próprio celular que se Caroline não estivesse dentro oficialmente, ela também não estava.

— Claro, minha querida. — Se fez de compreensiva. — Nos falamos lá. Boa noite e feliz natal. Que o nosso senhor lhe dê um dia maravilhoso. Beijos.

Quando ela desligou a ligação Luca quase se engasgava de rir.

— Ótimo, quero ver todo esse amor e afeto quando começarmos a desenvolver a pesquisa. Feliz Natal, Anika.

Anika sorriu desgostosa. Queria poder afetá-lo também. Observou Luca deixar o estacionamento no carro e desaparecer entre as ruas. Pegou o celular e discou o número de seu mais recente contato. Elma Sanmartin. Pensou se deveria dizer algo e o que diria.

Seria muito cômoda uma pequena nota sobre a vida particular do primo do primeiro-ministro. Fazia tempo que Luca não aparecia em uma dessas colunas. E Elma ficou muito feliz quando lhe conheceu num evento dias antes, provavelmente esperando que fosse dizer algo a ela. Talvez tivesse muito a dizer.

— Vamos ver se vai se livrar de mim tão cedo Luca Bocarelli.

Dia 24 de dezembro.

Estados Unidos da América, Estado do Óregon. Horário local, 10h37min da manhã.

Dimitri massageou as próprias mãos inchadas. Seu corpo estava exausto. Sua mente destroçada e o emocional instável. Quebrou tudo que podia, queria chamar atenção. Sabia que o que havia na mansão era patrimônio da família Bocarelli e pensou num fio de razão que aquilo chamasse atenção de Giuliano. Em todas as alucinações tinha destruído o rosto de Giuliano, em algumas tinha o matado, e em umas poucas o torturado.

Havia imaginado tanto que ele estava ali, que sequer teve noção que era o verdadeiro Giuliano Bocarelli sentado no sofá da sala o observando.

— Parece disposto a quebrar toda mobília. Quanto tempo gasto a toa.

— Mais uma vez... Que maravilha. Agora posso te matar novamente.

Giuliano riu.

— Não se preocupe. Pode tentar de verdade. Sou eu, o verdadeiro Giuliano. O homem que você traiu. O amigo que você teve a audácia de trocar por uma mala de dinheiro da primeira-ministra austríaca.

Dimitri soltou uma gargalhada alta. Sentou no sofá ao lado do que ainda acreditava ser uma alucinação de Giuliano Bocarelli.

— Norma Hahn. Ela já te tem nas mãos.

— Sim, ela me tem.

— Ela foi uma idiota.

Giuliano confirmou se servindo de vinho.

— Pagou a mim e por quem matou Giovana. — Dimitri continuou.

— E os assassinos? — Sabia que era os Scorpions. A legião de assassinos sem nome e sem identidade. Eles não existiam. Estavam mortos ou simplesmente jamais existiram.

— Roberta os levou até ela. Norma só pagou.

— Surpreendente. — Voltou a sentar no sofá. — Por que não me conta seus motivos? Se eu vou morrer em suas mãos ou na de Norma... Eu mereço saber.

Dimitri apertou os punhos machucados e olhou para Giuliano. Ele era diferente das suas alucinações, mais calmo e menos vingativo.

— É um hipócrita. Primeiro os seus interesses, depois os dos outros. Fui leal, mas quando precisei de você, somente me dei conta que a parceria só existia para mim, em minha cabeça. Acha-se melhor que qualquer criminoso, mas é um deles.

Giuliano sorriu desgostoso.

— Matou a minha mãe. Matou uma das únicas pessoas que via em mim algo de bom... Você sabia de tudo, quem ela era, e o que ela significava. Você esteve comigo. Eu não te traí, eu me recusei a participar dos esquemas sujos da sua família. Você me traiu. Você a expôs. Você causou tudo isso.

Dimitri arregalou os olhos entendendo que não era uma alucinação. Levantou tentando se posicionar e se defender.

— Eu já tenho o que preciso de Dimitri. Obrigada Bruna. — Entregou o celular a Bruna e ela salvou o áudio no notebook e desapareceu. Giuliano tirou do bolso uma seringa. Pequena em tamanho, mas destruidora em poder.

— Laura criou a substância... Imagino. — Dimitri engoliu a saliva expressa olhando para o líquido claro. — Ela continua lhe servindo. Mas um dia ela vai perceber que é só um títere seu. E vai usar esses venenos contra você.

Giuliano o ignorou.

— Uma mistura do principio ativo de várias plantas alucinógenas. Vai enlouquecer Dimitri, mais ainda. Vai implorar que alguém te conceda o golpe final antes que isso te mate de verdade.

— Imaginei que não me mataria logo... — Ele sorriu.

— Não. A morte de Giovana foi praticamente indolor. A autópsia saiu. Ela teve uma lesão numa área do Tronco encefálico. A mesma que nos coloca para dormir e para acordar. Para ela foi como dormir. Você não merece isso. Merece que doa.

O russo apertou os olhos.

— Espero que eles te destruam.

— Acredite, eu às vezes penso o mesmo. — Giuliano arrumava a seringa.

Dimitri partiu para cima de Giuliano, porém em seguida tudo desapareceu. Ele estava com a mesma seringa no alto das escadas, e o mesmo Giuliano estava na cozinha. Então muitos outros apareceram em sua visão.

— Aqui você encontra seus medos Dimitri. Aqui você sempre me vê. Tem medo de mim, por isso tentou me matar. Quantos de mim vê agora? — Mais um surgia falando por trás do russo. — Essa é a dose final da substância. Isso não causa efeitos rápidos. Por isso foram de dadas várias doses nos últimos cinco dias, discretas, somente aumentavam seu estado de alerta, o que te deixava mais louco ainda. E deixa eu te contar mais uma coisa... Eu estive aqui durante os últimos cinco dias. Tirei até férias para cuidar exclusivamente de você. Eu ouvi tudo que falou muitas vezes. Contou-me a versão dos fatos tantas e tantas vezes... E eu gravei cada palavra. Eu sei de tudo. Não preciso de você vivo.

— Essa dose é que causa a dor física. A última. O que deseja? Quer que eu te mate? Ou que eu deixo o veneno te matar? Desejou me matar. Mas vai implorar que eu faça isso com você. Que irônico... — Então ele parou e pensou melhor. — Não farei nada... Mas Norma está te caçando e eu sei que ela quer apagar os próprios passos e provas contra ela. Junto com ela está Roberta e Frank. Boa sorte. Você tem mais inimigos que eu agora.

Dimitri ofegou apertando a própria cabeça.

— Acabe comigo você. Dê-me o veneno. Mas saiba, algo muito maior vai acabar com você! — Ele gritou.

Giuliano olhou para Bruna e para todos os agentes da sua segurança particular que um dia Dimitri treinou.

— Comece a terminar com ele e o mande vivo, com discrição para Norma. — Guardou a seringa na cápsula e depois no bolso. — Aplique a seringa que deixei na mesa. Vai imobilizá-lo por algumas horas. Vou deixar a dose que guardei para uma ocasião mais especial. Mudei de ideia quanto a mata-lo. Ele vai ter seu fim decidido por quem o comprou. Não mais por mim.

Giuliano deixou a casa com uma sensação crescente de dor. Buscou o ar e se convenceu. Não era a primeira apunhalada e nem a última. Sempre foi assim, e sempre seria assim. Agora cuidaria em encontrar pessoalmente seu novo associado. Pierre Dufour.

Dois dias depois.

Trento, 05h08min da manhã.

Caroline arrumava a cama para começar a terminar de escrever a dissertação e mandar os ajustes para Luca. Raramente trocavam mensagens depois da viagem e tudo que teve foi um pedido que enviasse a dissertação mesmo no período de férias.

O natal foi engraçado na casa enorme de Constanza e guardou boas lembranças da noite louca com os colegas. Os fatos marcantes foram Yume beber tanto que dormiu no sofá, Peter foi tentar carrega-la e caiu no tapete. Constanza brigando com Peter porque ele quebrou o vaso da mesa de centro quando foi se levantar. E de ter passado quase a noite inteira jogando Guitar Hero e conter Strike com Dihren.

Seus dedos ainda doíam de tanto jogar.

Giuliano lhe mandou uma foto da árvore de natal gigante de uma das praças de Roma com um feliz natal simples. Parecia que ele tinha passado o natal trabalhando.

Ele puxava sempre algum assunto nem que fosse para perguntar como estava o clima em Trento. O que era engraçado porque não tinha basicamente o que responder. Era frio, ou mais frio ainda.

Não sabe puxar assunto Giuliano

Mandou a mensagem, imaginando que ele demoraria a lhe responder. Ainda estava cedo demais.

Você não revela muita coisa

Não sei como perguntar algo.

Caroline se assustou ao ver que ele já tinha respondido.

Caiu da cama?

Podemos falar de série

Sequer dormi.

Não assisto muitas séries

Mas quem sabe se você indicar alguma

Eu estava vendo Homeland

Segurança nacional

Achei sua cara.

Caroline abriu o notebook na mesa de canto e pegou a toalha para um banho. Deixou o celular na cama enquanto estava no banho e demorou até que voltasse. Quando pegou novamente o celular havia várias ligações perdidas de Olívia e de Martina. Estranhou.

Sobre o que fala?

Já ouvi falar...

Espere, já respondo.

Martina e Olívia estão me ligando.

Não demorou a que Martina ligasse novamente. Caroline só escutou o vento de onde ela estava.

— Como está Carol? — Ela perguntou. — Já acordou direito?

Caroline estranhou mais ainda. Não havia razão para aquela ligação, ainda mais com aquelas perguntas.

— Acordei. Só não comi nada. Como foi o natal? Por que está me perguntando isso?

Ouviu Olívia falar algo atrás de Martina com a voz chorosa.

— É só porque nós já estamos voltando pra casa... Aconteceu uma coisa. — O tom controlado da voz dela tinha se alterado.

 Já sentia uma sensação angustiante em seu coração. Algo estava muito errado.

— Por que Olívia está chorando? — Apertou o próprio peito. — O que aconteceu Martina? Por que me ligou tão cedo. Vocês não iam voltar agora... O que aconteceu?!

Ela respirou fundo.

— Ontem Pepe passou mal. Tivemos que vir ao hospital. Não parecia ser nada demais... Você sabe... Ele é muito engraçadinho e fez piada o caminho inteiro — Ela ria, mas era possível ouvir que ela soluçava.

— E por que está chorando? Por que está falando assim? — Sentou na cama com as pernas trêmulas. — É por isso que voltaram? Ele está doente? O que ele tem?

Martina engoliu as próprias lágrimas e respirou fundo novamente olhando para a própria mãe dopada. Olívia abraçava Filippo que parecia perdido agarrado com seu carrinho que ganhou de presente de natal.

— Pepe não resistiu Carol... Ele morreu.

O silêncio na ligação se prolongou. Demorou até que Caroline pegasse o telefone novamente já chorando baixo.

— Isso é verdade? — perguntava para se convencer. — Isso é mentira não é? Eu conversei com ele antes do natal... Ele estava bem, por acaso é alguma brincadeira?!

Martina entendia a negação dela. Apoiou a mão livre na parede do hospital. Tudo acontecera quase na madrugada. Tinham passado a noite inteira ali. Um infarto tinha tirado a vida dele naquela madrugada.

— Eu também gostaria que fosse.

Caroline tentava respirar e pensar racionalmente. Secou o rosto e começou a andar sem saber para onde ir dentro do próprio apartamento. Queria não estar sozinha. Estava cedo demais e Fifi não tinha ido dormir em sua casa naquele dia. Sentiu-se sozinha. Pensou em uma Itália sem Pepe, nada seria mais do mesmo jeito. Lembrou das mudanças que sentiu como pressentimento.

— É aqui que será... — Não queria usar a palavra enterro. Ainda não entrava aquilo tudo na sua cabeça.

— Sim. Será amanhã de manhã. Tudo muito rápido. — Martina falou ouvindo Caroline assentir com um soluço. — Kiara já sabe também. Pedi que ela avisasse a todos. Fiquei preocupada com você aí sozinha e pedi pra ela ir.

— Não se preocupe comigo. Vou Ajudar Kiara no restaurante. Mande notícias.

Assim que desligou o celular, desejou poder se esconder em algum lugar. Era como se de repente tudo estivesse ruindo. Havia tantas memórias desde que a Itália passou a ser a sua casa que sua única alternativa foi esconder o rosto entre os travesseiros, Pepe estava em várias delas.

Precisava ser firme quando estivesse com a família que lhe acolheu, dando a eles o apoio que não encontrava ainda. Mas não ali sozinha. Ainda não. Ainda poderia chorar suas próprias dores. Poderia desabar.

Seu telefone tocou e quando viu ser Giuliano não queria dizer nada chorando como estava, porém necessitava falar. Assim que ele deu a primeira saudação com uma risada animada, tentou falar, mas não conseguia formular nada coerente.

— O que foi? — Ele perguntou arrumando os cintos do banco do carro, alarmado. — Por que está chorando? O que foi?

— Pepe... Ele... — Não conseguia terminar de falar a frase.

— Caroline fale o que aconteceu, devagar. Respire e depois fale. — Instruiu trocando o celular de mão. O motorista pediu autorização para começar a viagem e ele negou. — O que aconteceu com Pepe? Ele está doente? É isso?

— Ele morreu...

Giuliano piscou várias vezes tentando assimilar o que ela estava dizendo.

— O que? Como?! — Sua mente racional tentava encontrar uma razão. — Está sozinha aí no apartamento?

— Martina me disse que ele passou mal, não me explicou muito... Eu só queria contar pra alguém, não sei o que fazer, nem o que falar. Minha cabeça está uma bagunça. Desculpa. Eu não queria realmente falar nada... Mas parece se eu falar as coisas ficam mais claras...

Giuliano respirou fundo e mexeu nos cabelos.

— Fez bem. Eu entendo o que sente. Respire direito e beba um pouco de água. Vou pedir pra Laura ir aí. É melhor que ficar sozinha numa hora dessas. — Tentou formular qualquer coisa que a ajudasse. Sabia o quanto Pepe significava para Caroline. Ele tinha a adotado. Entendia o desespero dela. Não houve despedida, Pepe não estava doente. A rapidez dos acontecimentos tirava o fôlego de qualquer um. — Não desligue, certo? Vou mandar mensagem pra ela.

Giuliano abriu o aplicativo de mensagem e pegou o contato de Laura. Ela não estava online como era de se esperar. Mandou uma mensagem pedindo que ela ficasse com Caroline.

— Eu sou uma idiota... Desculpe Giuliano. Eu vou lavar o rosto e encontrar com Kiara. Não precisa incomodar ninguém, já basta que eu te incomode.

— Caroline pare de falar sem pensar. Eu sou seu amigo, lembra? Está tudo bem. Eu não posso ir a Trento agora... Vou tentar chegar aí começo da noite. Assim que puder, eu vou te ver. Mande mensagem pra mim, preciso saber que está bem.

Ele a ouviu chorar e aquilo era novo, só conhecia a Caroline brava e a que ria de tudo.

— Eu não sei o que fazer...  — Ela repetia o choro começava ser abafado.

— Eu te entendo... Eu sei como se sente. Lembra-se do que me disse? Disse que ninguém vai antes que seja o momento, ouça seu conselho. Ele também não foi antes. Ele se foi no momento que necessitava ir. — Recordou Giovana e pigarreou afastando a tristeza. A partida de ambos não deu tempo para despedidas.

— Eles estavam só começando... Tinham tanto pra viver juntos. Ele estava tão feliz... — Ela replicava cobrindo o rosto com as mãos.

— Ele estava feliz, estava realizado, é isso que importa. Ele não deixou nada por resolver. Estava em paz. — O celular vibrou e era uma mensagem de Laura. — Laura está chegando a Trento na hora do almoço.

— Disse a ela? Eu que deveria ter dito... Ela deve estar nervosa e...

Giuliano a interrompeu.

— Não disse nada. Só disse que você precisava dela e perguntei se ela ia para Trento ainda hoje. Assim que possível eu vou para Trento, tudo bem? — Ouviu Caroline assentir.

— Não precisa se deslocar... Todo mundo vai entender se não vir.

— Caroline, eu vou. Não vou estar longe uma hora dessas. Vou desligar certo?

Ela esfregou o rosto, assentindo e quando ele desligou, foi até o banheiro, lavando-o na pia. A cabeça já doía e tomou um remédio para diminuir a dor. Estava no sofá com a sensação de vazio crescendo novamente quando a porta foi batida. Caroline a abriu e encontrou uma Kiara de olhos vermelhos, mas de postura firme. As duas se abraçaram imediatamente. Ambas chorando, porém uma tentando consolar a outra.

— Eu não vou conseguir me acostumar com isso... A falta dele... eu não consigo — Falou no ouvido de Kiara  — Eu não acredito. Uma parte não acredita e outra parte se pergunta qual a razão.

— Eu também não entendo Carol. Não entendo mais nada... — Separou da amiga e ela secou seu rosto. — Precisamos ajudar as meninas com tudo... Avisar quem ainda não sabe.

— Foi tão tudo tão rápido... — Caroline disse quase a si mesma. — Eu não entendo.

Kiara entrou procurando um casaco para Caroline enquanto ela ainda estava apática. Queria reagir, mas ainda não conseguia pensar com racionalidade. Respirou fundo se apoiando no sofá.

— Tudo bem? — Kiara afagou suas costas.

Caroline fez que sim.

— Só quero pensar direito, só isso.

Kiara esperou que Caroline se reorganizasse o suficiente para agir de alguma maneira e quando ela se ergueu do sofá parecia completamente no automático. Os olhos demonstravam, mas as atitudes eram tomadas pelo dever.

***

Já era mais de meio-dia quando Raena chegou. Com uma expressão apática e os olhos fundos de muitas olheiras que nunca estiveram lá antes. Martina auxiliou a mãe a entrar no restaurante de Pepe enquanto Caroline abraçava Olívia e Filippo na entrada.

Todos os funcionários de Pepe estavam parados em fila na porta. De cabeça baixa em sinal de respeito, comedidos em suas dores pessoais para não causar mais sofrimento uns aos outros e principalmente a Raena e a família recém-conquistada por Pepe.

Raena os olhou com uma tentativa de cumprimento. Ela sentou em uma das cadeiras do restaurante dele, olhando ao redor. Era dele e carregava tudo dele. Era sua lembrança viva do amor que viveu de forma rápida, aos olhos dos outros, mas que se demorava em momentos que viviam em sua mente e em cada parte dos lugares que estiveram juntos mesmo antes de estarem juntos como casal. Sempre foram amigos, colegas, estavam juntos nem que fosse pra brigar.

— Quer que eu pegue uma água? — Kiara perguntou a Raena.

Ela negou. Puxou Kiara pelos pulsos e a fez se aproximar.

— Por que tão rápido? — Perguntou a mais jovem. — Me pergunto por que nem tempo para uma despedida... Então eu refleti e cheguei à conclusão que o desespero fosse maior, de ambos. Deus faz o melhor. O tempo todo. Então eu aceito isso.

Kiara baixou o olhar e a abraçou.

Caroline se aproximou temerosa, tinha receio de não saber o que falar e nem como agir. A dor da senhora era a sua e não queria desestabilizá-la e piorar as coisas.

Raena a olhou pela primeira vez.

— Venham aqui minhas meninas. — Caroline sentou no chão ao lado dela olhando para os lados.  Kiara imitou a amiga e as duas com a cabeça no colo de Raena. — Não estão órfãs. Ainda estou aqui e pretendo deixar tudo que sempre foi minhas pequenas. Para todos. Tudo será do jeito que sempre foi. Em todos os sentidos.

Os outros se aproximaram discretamente querendo passar algum tipo de apoio e foram sentando ao redor de Raena.

— A cerimonia de velório vai começar em duas horas. Na nossa casa aqui do lado. Não pensei em outro lugar melhor para nos despedirmos dele. Obrigada. — Ao terminar pediu que Olívia a ajudasse a levantar. — Ele estará sempre conosco. De muitas maneiras, as pessoas que amamos jamais nos deixam. Estão em nós em cada memória, em cada coisa que ensinamos a eles e eles nos ensinaram.

Raena as soltou, dando espaço para que os outros a abraçassem.

Laura entrou no restaurante e baixou os ombros. Procurou Caroline com os olhos e a encontrou perto das escadas. Abraçou-a assim que se viram.

— Luigi me disse na entrada. — Explicou. — E você como está?

Caroline secou o rosto e sinalizou que estava bem. Não estava bem, mas estava lá para ajudar e não a piorar então camuflava todos os sentimentos dentro de si.

— Perguntei por perguntar. Sei que está péssima... Não precisar ser firme o tempo todo. — Secou o rosto dela. — Comeu alguma coisa?

Caroline negou.

— Não tive tempo. Depois penso nisso.

— Vai desmaiar se continuar assim. — Arrumava os cabelos da morena como carinho.

— Dá pra aguentar. Eu me sinto tão perdida. Já tentei ajudar, mas parece que nada que faço tem sentido, é só mecânico. Não sei o que fazer Laura.

Laura a abraçou e Caroline se deixou aconchegar.

— Por que não há o que fazer. Simples assim. Peça licença e vamos pra minha casa, vou obrigar você e a delinquente a comer. — Caroline sorriu pela primeira vez ao ouvir a maneira como ela chamava Kiara. — Luigi disse que não saíram daqui desde cedo.

Caroline acabou concordando e chamou Kiara. Ela resistiu um pouco.

— Vão. Eu e Olívia damos um jeito. Estão todos dispostos a ajudar. Descansem. Cuide delas Laura. — Martina aconselhou beijando Laura na bochecha em cumprimento.

Assim que saíram do restaurante Luca chegou agitado e ainda confuso e as encontrou entrando no carro de Laura.

— Para onde está indo?

Houve uma troca de olhares rápidos entre Laura e Luca e logo acordaram em silêncio de não discutir ali.

— Pra minha casa. Vou levar as duas para cuidarem um pouco delas mesmas. — Laura ligou o carro.

Luca se apoiou na janela do carro para se aproximar de Laura, e deu uma breve olhada em Caroline. Não estava a ignorando, somente evitando uma proximidade maior que seu autocontrole não pudesse dar conta e acabasse voltando ao que tinha lhe levado ao Brasil, ou seja, encontrar o seu estado normal e concentrado.

— Eu vou falar com Raena. Depois nos encontramos. — Disse olhando para as duas mulheres no banco de trás de maneira mais fria que o normal, caloroso e companheiro.

***

Caroline pegou as flores que lhe deram na entrada do cemitério e puxou Kiara para entrar. Ela finalmente demonstrava exaustão e foi seu turno de se fazer de firme.

Laura abraçou Olívia e Martina e cumprimentou Luca com um aceno rápido. Ela notou os olhares de Luca sobre Caroline, mas ele estava estranhamente distante dela.

O frio mais uma vez estava absurdo e a intenção era que o velório e enterro não demorassem muito. Por isso o fim da tarde foi o horário escolhido para a última despedida. Os funcionários do restaurante se solidarizavam entre si enquanto os outros amigos chegavam se amontoavam para decidirem quem ajudaria a levar o caixão.

Raena pouco falava, parecia cada hora que passava mais apática.

— Querem que eu veja a pressão dela de novo? — Laura se ofereceu afagando os cabelos da senhora e se dirigindo a Olívia e Martina.

Raena respondeu por elas.

— Eu só estou dopada. Sinto tanta coisa que não sinto absolutamente nada. Obrigada minha bonequinha, não precisa. — Ela murmurou sem intenção de continuar alguma conversa.

Caroline ajustou a roupa de um calado Filippo. Não precisava perguntar como ele se sentia, ele já tinha lhe dito quando entraram no cemitério. Confuso e com medo.

— É a primeira vez que vejo Vovó triste... — Ele escondeu o rosto nas pernas de Caroline. Buscando algum tipo de proteção.

— Eu também... Acredite, eu também. — Pegou o garoto no colo e o abraçou.

Constanza entrou no cemitério carregando uma única rosa e viu logo Caroline e o garoto. Houve um momento de olhares envergonhados entre as duas.

Não vinham se falando muito durante aqueles dias e Constanza reconhecia que era grande parte seus próprios problemas que lhe pediam um tempo para assimilar as coisas e isso lhe deixou distante de Caroline, que somente respeitava tudo em silêncio, porém com curiosidade. Na ceia de natal foram somente conversas superficiais e cômodas. Não era estranho, mas existia a saudade reprimida de ambas no meio.

 As duas se abraçaram, quietas e demoradamente.

— Aconteceram tantas coisas. Prometo te contar tudo. Não fui muito íntima no jantar, tinha muita gente e eu estava cansada e cheia de tarefas. Mas eu juro que serei uma amiga melhor. Acho que o meu tempo de casulo se encerrou por hora.

— Eu também. Eu digo o mesmo Tanza. — Caroline sorriu com o apelido que deu a ela. Era ridículo, mas engraçado. Constanza deu um leve show ao ouvi-lo pela primeira vez, um ano antes, e teve que pedir perdão para que ela não ficasse com raiva. — Me perdoe. Eu também não fui tão boa amiga. Acomodei-me com seu tempo, me magoei em parte.

— Perdão por qualquer coisa. Eu não quero te magoar, mas é humano que eu erre.

— Está tudo bem Tanza. Todos nós erramos.

— Que ridículo... Esse apelido é pior de todos que deu a nós. Até Indira pra Dhiren é melhor que o meu. Mas eu aceito e não precisa pedir desculpas. Foi você que me deu ele, e amo você, então aceito.

Caroline sorriu novamente.

— Eu também amo você mal humorada.

— Esse combina comigo... — Constanza a soltou para vê-la.

— Combina. Mas eu prefiro Tanza... É mais alegre.

Constanza girou os olhos de brincadeira e acabou sorrindo.

— Vou ver Raena e as meninas. Até daqui a pouco.

Quando ela saiu, Filippo finalmente falou algo.

— Constanza é estranha, mas é legal. Seja amiga dela. Eu gosto dela.

Caroline se permitiu rir com a inocência do garoto.

Giuliano entrou no cemitério procurando por Caroline, mas encontrou Luca conversando com Olívia. Revirou os olhos e foi em direção a eles. Abraçou Olívia imediatamente.

— Sinto muito. — Disse assim que a soltou. — Foi tudo tão de repente. Como estão? Estou sem saber como conversar com sua mãe... Quando Caroline me disse eu não entendi nada. Estou desconcertado.

Olívia já tinha visto que Caroline trocando mensagens com ele durante aquele dia, mas não imaginava que ele fosse estar ali.

— Alguns em negação, outros na raiva e alguns na barganha. — Ela sorriu sem jeito. Estava surpresa de vê-lo ali.

Luca olhava para Giuliano com uma expressão de desprezo sem que Olívia percebesse. Quando ela direcionou a conversa a ele, fingiu naturalidade e estendeu a mão para que Giuliano apertasse. E para sua surpresa ele lhe abraçou.

— Abraço de aparências. Tem muita gente aqui. — Falou no ouvido de Luca.

Luca limpou a garganta e formulou uma maneira de ficar longe de Giuliano.

— Vou ajudar lá fora com o caixão. — Falou baixo e Olíva assentiu. — Até depois Giuliano.

— Sabe onde está a Caroline. Não a encontrei ainda... — Perguntou a Luca antes que ele estivesse longe demais.

— Está perto de Filippo e Laura, ali — Apontou e se afastou completamente.

Giuliano estranhou a frieza do primo em relação à Caroline. Ele não estava por perto, não se fez presente. Parecia que Luca mudou de estratégia, só não entendia para qual. Só tinha entendido que aquela distância estava deixando Caroline confusa porque ela não perguntava com frequência, mas vez ou outra lhe perguntava se Luca estava com algum problema, se queria conversar.

Olívia o deixou perto de Caroline e ela estava agarrada com Filippo, parecia o distrair ou o acalentar. O garoto foi o primeiro a lhe ver e soltou uma lufada de ar, irritado. Sorriu para ele e chamou por ela. Caroline ergueu o rosto e o viu lá. Ele realmente largou os afazeres para ir.

— Pensei que não viria... — Falou baixo quando ele se aproximou.

— Eu disse que estaria aqui. — Sorriu para ela e mexeu nos cabelos loiros de Filippo. O menino se agarrou a Caroline mais ainda como se quisesse se assegurar de sua posição principal.

— Desse não. Esse não pode ser amiga, Carol. — Ele falou baixo, no entanto Giuliano ouviu.

Giuliano trocou olhares com Caroline sinalizando o ciúme de Filippo. Ela somente sorriu e beijou a testa do garotinho. Martina se aproximou receosa do filho fazer outra graça com Giuliano e pegou ele de Caroline. Houve uma troca rápida de abraços e uma conversa solidária até que Martina pediu envergonhada que ele ajudasse com o caixão.

Caroline observou as reações de Giuliano passear da dúvida para a dor. Se ele fizesse, lembraria Giovana, pensou que ele recusaria educadamente, mas Giuliano somente concordou com um sorriso. Martina levou Filippo para beber água com o intuito de deixa-los sem a interferência do filho.

— Obrigada...  Eu imagino que dois enterros em tão pouco tempo não seja o mais saudável. Sei o quanto repetir esse ato lembra ela. Obrigada de verdade. — Caroline sussurrou começando a caminhar até o jazido da família de Pepe, passando por ele.

Giuliano a segurou pelos ombros, a impedindo, e a abraçou, apoiando queixo sobre a cabeça dela. Não houve palavras, nem murmúrios. Somente um abraço de conforto de quem não tinha o coração no lugar para outra que havia acabado de despedaçar o próprio.

Ele beijou a testa dela e Caroline fechou os olhos, se deixando ser acolhida.

— Eu sinto muito. — Ele suspirou e Caroline se afastou para que ele pudesse pegar o caixão. — Eu estou aqui. Tudo bem?

Caroline fez que sim e pegou uma mão das mãos dele, apertando-os contra a sua.

— Obrigada. De verdade. Deus sabe o quanto precisava desse abraço.

A última frase lhe causou mais surpresa do que previa.

Se sentia o último dos homens, mas estava ajudando alguém como plano dEle. Reconheceu diante daquilo que não importava como, a vontade de Deus era sempre feita, como soberana que é. Isso lhe causava medo e ao mesmo tempo paz. E foi o que mais lhe deixava surpreso. Paz não era comum em sua vida.

O caminho era longo e sacrificante. Cada um em seu próprio mundo. Giuliano e Luca carregavam lado a lado o caixão e trocaram entre si olhares com muito significado. Giuliano queria contar vitória, Luca dizer que não havia vitória a ser contada. Raena se abraçava as filhas acordando lentamente para a realidade de que não era um pesadelo. E que naqueles dias em diante, Pepe não estaria mais em lugar algum de sua rotina.

Caroline estava abraçada a Leonardo, o subchefe do restaurante e com Kiara. Filippo sentido o peso de uma dor ainda desconhecida para si mesmo, andava solitário com sua rosa nas mãos, chutando uma pedrinha que encontrou.

O padre antes de falar cumprimentou os conhecidos e Raena agradeceu sua presença.

— A morte é o momento em que deixamos esse corpo mortal, frágil e doente de seus próprios vícios, para nos encontramos com o criador. Então ele vira pó. Volta ao que sempre foi. Do rico ao pobre, da criança ao idoso, somos somente pó. Para nós que sabemos o que acontece depois que isso acaba, é uma felicidade saber com quem passaremos a eternidade, entretanto, se sabemos, por que nos entristecemos quando alguém que nós amamos deixa essa vida? A razão óbvia é que sabemos que aquele que foi estará bem. Porém, nós, os que ficamos, teremos que viver com a falta, com a dor do silêncio de não ouvir mais a voz de quem se foi. A nossa esperança é que haverá um dia em que não haverá pranto, dor, nem lágrimas. Não terá mais morte e veremos aqueles que nos deixaram. Eles ressuscitaram primeiro, e nós iremos depois, no grande final. O senhor nos prometeu isso e se fará por cumprir, pois ele é fiel as suas palavras. Damos adeus a este filho amado de Deus agora que sua jornada se encerrou, e os anjos o dão boas-vindas a este filho que venceu a carreira. A sua falta será sentida, mas Deus nos confortará. Lembrem-se com alegria dele, pois sem dúvida ele foi feliz.

O homem rezou o pai nosso e logo o caixão alcançou o solo sob as palmas e assobios. De alguma maneira todos sabiam que Pepe estava feliz e isso os confortava, os trazia ânimo. Ele viveu intensamente cada dia e os últimos mais ainda.

Raena pediu que as filhas fossem saindo e esperou todos deixarem o túmulo para as suas despedidas pessoais.

Luca procurou por Caroline a primeira vez, ela ajudava a recolher a flores que sobraram.

— Carol... — Chamou hesitante. Não sabia como seria a reação dela depois de tantos dias de distância. Talvez ela estivesse brava e isso lhe deixava agitado. Não queria magoá-la

Ela se virou assustada e ao ver que era Luca, sorriu fracamente. Luca a abraçou deixando o plano de lado por breves segundos.

— Eu sinto muito... Eu sinto tanto. — Sussurrou no ouvido dela. Caroline se desmanchava em lágrimas silenciosas. Luca se afastou para avaliar como ela estava. Encontrou tanta tristeza que doeu em si mesmo.

Laura se despedia dos outros quando notou Luca e Caroline abraçados. Giuliano se aproximou quieto da loira.

— Ele não perde a oportunidade.

— Estranhei o afastamento. Eles mal se falaram. Luca não disse a ninguém para onde viajou e mal falou com Caroline. Acho que não foi nada importante e eles já voltaram às boas. — Ela se direcionou a Giuliano.

Ele apertou as mãos, as esfregando para se esquentar.

— E Luca não se afastou. Ele só deu uma trégua.

— Parece calmo com isso... O que ele está aprontando? Investigou?

Giuliano negou com a cabeça.

— Eles são amigos com tudo para se tornar algo a mais, só Caroline não vê isso. Se ela o escolher, não há nada o que eu possa fazer. Somente comemorar e desejar felicidades.

Laura franziu a testa mais uma vez confusa.

— Pensei que estivesse seguro dos sentimentos dela.

— E estou. Ela sente algo por mim. Mas por ele também.

— Amizade, fraternidade, carinho. Muito diferente com você — Laura enumerou. — A maneira como ela olha para você é completamente diferente da que olha para ele.

Giuliano começou a caminhar com Laura o seguindo.

— Essa linha é mais tênue do que ela vê e do que ele imagina. Luca tem mais esperanças com ela do que ele pensa. — Cruzou os braços quando Laura o segurou.

— Giuliano, eu muitas vezes concordo com você, mas eu entendo a Caroline, eu convivo com ela há mais tempo. Está errado. — Laura assegurou. — Está vendo coisas onde não há.

— Não vou perder por pensar assim. Não vou competir com Luca, eu perderia pelo quesito confiança. E eu raramente me engano com isso. — A olhou de maneira significativa. Ambos se entenderam com um olhar e Laura baixou o olhar culpada.

— Dessa vez está errado. Caroline teve mais de um ano com Luca para desenvolver algo, porém não houve nada.

— Tem certeza que toda essa intimidade não é nada? — Ele apontou discretamente. — Chega. Vou atrapalhar o casalzinho proibido do ano. Vai que Caroline esquece que me prometeu pensar em algo comigo e caí logo no colo do outro primo. Parece que ela é cega... Como ela não vê o que está escrito na testa dele?

Laura seguiu Giuliano até onde Caroline e Luca conversavam, já temerosa de que maneira delicada ele encerraria o assunto dos dois. Giuliano esperou o abraço dos dois terminar e quando Luca lhe viu apertou Caroline mais ainda.

— Carol... Eu só queria me despedir... — Giuliano fingiu não ver que com quem ela estava. Caroline esfregou o rosto molhado e se separou de Luca um pouco desnorteada. — Quer que eu te deixe em casa?

— Eu a levo, não se preocupe. — Luca disse com um sorriso de lado.

Giuliano sorriu fingindo amizade com o primo.

— Já que tem carona eu me preocupo menos. Obrigada por cuidar dela. Fico mais tranquilo. — Beijou a testa dela para se despedir. Sussurrou no ouvido dela para que Luca não ouvisse: — Mande mensagem assim que chegar.

Caroline anuiu e lembrou-se de Anika. Aproveitou que Luca estava ali para questionar.

— Está sabendo do grupo de pesquisa de Anika? Ela me chamou e eu achei tão estranho que pensei ter sido alguma pegadinha.

Giuliano apertou os olhos e cruzou os braços, encarando Luca. Pelo que sabia, Anika odiava Caroline, não tinha como ela tê-la chamado para trabalhar em conjunto. Buscou respostas com Laura, mas ela parecia mais perdida que todo mundo.

— Que grupo de pesquisa? Sobre o que?

— Não tenho a menor ideia Laura. Achei tão estranho quanto você. Ele me chamou antes do natal.

Luca olhou para Giuliano e em seguida para Caroline.

— Acabamos de fechar uma parceria para uns documentos que peguei no Brasil... Mas não sabia que ela tinha te chamado. Estou feliz que isso tenha acontecido.

Giuliano limpou a garganta sentindo o estômago doer. Parece que o destino de Luca no sumiço acabara de ser conhecido.

— Estava no Brasil? — Caroline questionou surpresa.

— Passei por vários países. Fui lá ver um assunto que me interessou. Foi só uma visita rápida. — Piscou para Caroline e ela entendeu que não foi só aquilo. — De qualquer maneira Anika parece estar melhorando.

Giuliano beijou as bochechas de Caroline para se despedir.

— É a minha deixa. Esse assunto já é dos acadêmicos. Já estou indo. Falamos-nos depois! — Giuliano acenou para se despedir e Laura entendeu a deixa.

— Eu vou com ele. Vejo você mais tarde Carol. — Beijou a amiga e se afastou seguindo Giuliano novamente.

Encontram-se no estacionamento perto do cemitério. Laura andava de um lado a outro com uma expressão tensa. Giuliano se se encostou ao próprio carro e bebeu um pouco de água de uma garrafa.

— Eu sabia que essa distância toda de Luca e Caroline me daria problemas.

— Caroline há de me dizer quando souber algo sobre a visita. — Laura pensou alto. — Viu Contanza? Ela voltou. Teremos problemas. Vou ficar de olho nela.

— Vou investigar. Descubra tudo que puder com Caroline que eu vou ver em breve como meu novo associado por onde Luca passou.

Dia seguinte

Trento 04h23min da manhã.

Raena terminava de escrever o que passou a noite inteira refletindo. Escrever era um hábito que lhe dava certo conforto, fazia algum tempo que não praticava a escrita, não como quando era mais jovem. Cheia de uma imaginação que a realidade ainda não tinha podado, não de uma maneira ruim.

Não pensava nisso com amargura, mas como crescimento. Seus romances na época tinham sempre finais comuns. A maturidade lhe deu uma imaginação apurada aliada a um senso crítico mais ponderado e mais inteligência. Porém, tinha menos tempo que antes. Então não se dedicava a escrita de longos romances, mas a contos ou reflexões redigidos de próprio punho em cadernos. A falta de maturidade da adolescência lhe impedia de caminhar entre outros gêneros textuais, além do romance, o crescimento lhe deu esse hábito.

Era melhor assim. Com canetas e papéis. Sentia maior fluidez. Não que no computador não fosse mais cômodo, era mais rápido e economizava os punhos. No final entendeu que também eram hábito e saudosismo da adolescência. Sua mente queria manter algo de sua adolescência para lhe lembrar de quem era.

Então simplesmente respeitou seu processo criativo que acendia com o velho papel e lápis.

Quando colocou a canela ao lado do caderno começou a tentar entender o que lhe esperava na realidade dolorosa que ardia em sua alma.

Primeiro pensou nos funcionários, que passado o choque e a dor começariam a sentir pelo seu modo de sustento. Havia os assegurado de que nada mudaria. Seria como Pepe sempre geriu. Ele fazia isso bem, não teria o que se modificar nesses aspectos. Manteria a noite de um país em especial porque era lucrativo e apesar da correria, divertido de organizar. As ideias que eventualmente tivesse também poderiam ser acrescentadas. Mas não tinha cabeça para pensar em nada no momento.

Pepe não tinha filhos. O primeiro casamento o deixou viúvo aos trinta e sente anos. Desiludido e saudoso guardou tudo o que tinha em Sanremo e investiu no restaurante que era de seus pais. Estudou e aperfeiçoou o que já sabia como cozinheiro.  

A vida adulta foi cercada pela distância com a família. Sempre trabalhou como chef, porém, antes da viuvez, trabalhava para os outros porque acreditava que misturar negócios com a família pioraria ainda mais a situação com seus entes.

A briga não era mais que orgulho dos dois lados, anos de desafetos que eram ressentimentos e dores jamais superadas de uma família desgastada pela falta de atenção materna e os desvios paternos por fraqueza em não saber lidar com os problemas. Ele crescerá querendo encontrar os pais que brigavam na sua infância somente em confraternizações.

Com a morte da primeira esposa, ele realizou o desejo dela, reaver seus erros e perdoar seus próprios pais.

As condições familiares desequilibraram mais duramente a irmã mais nova de Pepe. Olímpia. Ela fugiu com o circo aos quinze anos. Para terminar de colocar fogo na família.

Raena ouvia ouvido muito falar dela. Pepe a adorava, porém em algum momento ela deixou de mandar notícias de maneira progressiva. No começo era uma carta para cada semana, depois uma em cada quinzena, uma por mês... Até que depois de anos em intervalos de seis meses ela simplesmente parou.

Ele lhe contara que havia a procurado muito na última localização que ela lhe dera. Porém não encontrou nada.  Sofreu muito na época e mesmo depois de anos ainda esperava por alguma carta. Que aparentemente nunca chegou. E isso não o impedia de sofrer, porém para dar a fim a dúvida no próprio coração, se convenceu que ela não voltaria e aceitou o fato que ela poderia estar morta.

Sem mais parentes, o que Pepe tinha estava sob sua guarda, assim como deixado por ele registrado em cartório quando mudou o testamento. Ambos mudaram seus testamentos para se incluírem um no outro. Por sua vontade não teria feito nada daquilo, foi insistência dele. Falando o tempo inteiro que era bom assegurar quem se ama e o quanto estava velho.

— Eu nem sei por que fiz um testamento... — Raena resmungou com um sorriso triste.

Fez quando Filippo nasceu. O fato de ser avó lhe deixou levemente atordoada com relação a idade e perspectivas de vida. Foi somente um lapso de uma semana, depois mudou de ideia quanto a tudo que fez naquela semana depressiva e ansiosa com a própria idade e com o tempo, mas manteve o testamento feito e sem atualização em cláusula alguma, até Pepe chegar anos depois. Bagunçando suas estruturas.

Era para ter sido uma piada, mas ele lhe arrastou para um cartório, e então, mexeram nos testamentos, mas antes foi apresenta-lo aos recursos tecnológicos e pesquisaram sobre a família de Pepe. Ele não tinha mais parente vivo. No mesmo dia, o cartório fez outra pesquisa e então, tantos anos depois com a dúvida: Olímpia aparece como morta. E ela havia falecido quarenta anos atrás. Quase na mesma época que parou de mandar cartas.

Um baque as poucas esperanças de Pepe. Aproveitou para buscar por alguns filhos que ela pudesse ter tido, porém não havia nenhum registro no nome dela. Então, depois disso, ele manteve tudo no nome de Raena com recomendações de algumas doações a orfanatos e instituições de caridade.

— Como vou cuidar de tudo isso... Há muita gente dependendo de mim agora. — Ela pegou na gaveta do criado mudo dele alguns documentos de imóveis. Coçou a cabeça já atordoada.

Pepe tinha além do restaurante em Trento, mais dois em outras cidades, além de imóveis e alguns investimentos em outros negócios. Ou seja, muitos empregos que dependiam do seu censo e foco.

— Só queria que você me ajudasse nisso. Ser focado era um de seus charmes... — Ela riu guardando os papéis e voltando a escrever. — Está vendo como sou dispersa? — Apontou para uma foto dele na sua cabeceira. — Ninguém precisa descobrir que falo com sua foto.

Então, depois de um cochilo breve, acordou com batidas na porta de entrada da casa. Apertou as têmporas ao levantar da cama e ouviu Olívia abrir a porta. Olhou as horas e já passava um pouco das 07h30min da manhã.

Gostava de acordar cedo, mas não dispensava acordar tarde. Pensou em continuar na cama, acompanhada do cheiro dele, mas então os ruídos começaram. Ouviu a voz de Kiara, meio exaltada e então do subchefe. Ambos reclamaram algo a Nicolo e chamaram Martina.

Desceu as escadas e encontrou alguns funcionários. Somente dos que tinha ouvido a voz. Um homem alto e esguio lhe observou com dúvida e em seguida altivez. O homem era estranho, ele carregava uma atmosfera misteriosa.

— O que é isso? — Raena perguntou e todos se viraram pra ela.

Martina tirou da frente do rosto o documento que ela lia e olhou para mãe com uma cara de quem foi surpreendida.

— Deveria estar dormindo mãe... — Olívia lhe ajudou sem necessidade a terminar de descer os degraus.

— Não precisa agir como se eu estivesse caindo aos pedaços. Ontem eu estava dopada, hoje não. Eu só quis saber o que tanto falam aqui embaixo.

— Calma. Martina está lendo o documento. Já te explicamos.

— Ela vai enrolar com os termos advocatícios dela. Dê aqui que leio.

Raena agradeceu a Deus não ter uma visão tão ruim para leitura a ponto de ler sem óculos, mas o homem finalmente agiu por própria conta e estendeu as mãos até ela,  interrompendo seu movimento.

— Sou Máximo Barbiere Messina. Sobrinho de Pepe Moretti Barbiere. Filho da única irmã dele, Olímpia Moretti Barbiere. Muito prazer Raena.

Raena piscou várias vezes.

— Olímpia não tinha filhos. — Raena falou séria.

Olívia chutou a irmã.

— Eu te disse. Mamãe nos contou essa história. O Pepe contou também. Por que está aqui? — Ela inquiriu ao homem.

Máximo se aproximou de Olívia e deu um sorrisinho querendo ser simpático. Ele era tão assustador que ela se conteve acuada e se escondeu por trás das pessoas que liam o documento que ele trazia, tentando se proteger.

— Ele está certo, mamãe. Há uma demanda judicial de semanas atrás. Esse senhor solicitou ter o nome de Olímpia no registro de nascimento. O DNA com ela foi positivo. E esse documento mostra o registro antigo. Ele foi criado como filho de outra mulher. Ele realmente é sobrinho de Pepe.

Máximo tinha uma postura de quem já esperava, porém, não menos vencedor.

— E como sobrinho. Solicito uma nova partilha dos bens que me cabem na herança. E isso conta o restaurante, não quero muito dele, só metade. O resto, conversaremos em outro acordo. Na realidade, eu não preciso de dinheiro. Só quero ter de volta a família que perdi. Mas observem que tenho direito a bem mais...

Martina olhou para a mãe e Olívia as acompanhou. Todos sentiram que Máximo chegou não somente para dividir os bens, ele era interesseiro e maldoso. Era visível. Os sentimentos que ele transmitia eram ruins. Assustava. Máximo viera para causar o caos.


Notas Finais


E então, o que acharam?
Perdoem os erros, certo!
Beijos, até o próximo e feliz ano novo! Que Deus nos abençoe e nos dê um ano cheio de realizações e aprendizados!


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