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História Itália, prisão de cristal - Mentiras nobres


Escrita por: MrsReddington

Notas do Autor


Olá!! Itália completou mais um aninho e o capítulo de aniversário (Que chegou atrasado) chegou completamente apocalíptico. Só quero dizer que tem muitos segredos sendo descobertos e encobertos também, é claro.
Leiam com carinho e nos vemos <3

Capítulo 53 - Mentiras nobres


Século XV

Ano de 1444.

Florença

Eleanor pensou por um minuto que fosse derrubar a vela do candelabro e acabar causando um incêndio devido ao tremor insistente de suas mãos. Passou correndo pela biblioteca, alcançando a última estante. Agarrou-se ao livro verde com a capa cheia de flores e o puxou. A porta pequena, que mal lhe deixava entrar, se abriu devagar, vagarosa.

─ Inútil ─  Reclamou. ─ Não poderia ser mais rápida? Por que não vai rápido?

A porta estava ali desde que o palácio fora construído 100 anos antes. Era esperado que as engrenagens antigas funcionassem como lesmas. E a porta lhe servia muito, não era inútil.

Agachou até a entrada, puxou para baixo a porta e a entrada se fechou como se nunca tivesse sido aberta.

Cobriu o corpo com o capuz escarlate e correu. Os sapatos trincavam pedaços de louça quebrados, resquícios da última batalha que a casa viu. Quando os antigos moradores foram jogando a prataria da casa nos invasores.

Nenhum empregado de seu pai havia descoberto aquela porta secreta, menos ainda saberiam onde ela daria. Não estava nos mapas oficiais. Era um segredo passado em vida de dono para dono e seu pai não teve ninguém que lhe contasse a respeito.

Para a sua sorte.

Desceu os degraus e abaixou pela última vez, fazendo a parte final do túnel engatinhando.

Abriu a porta, girando a tampa de ferro e o cheiro de terra e grama preencheu suas narinas. Havia vinhas pelo caminho e o cheiro delas foi ficando forte, mas mais do que isso, o cheiro dele.

O dono do cheiro, dos olhos cinzentos rígidos, mas que pra si, somente para si, se suavizavam.

O coração se contraía agonizando no peito, cada batida sussurrando o nome de seu dono como quem está perdido, buscando o próprio lar. A pele ardia com o vento frio e as mãos de ansiedade. Seu vício extremo e injusto era ele.

Como se tivesse sido sempre assim.

Os olhos acinzentados, mas agora tão quentes. Calorosos, como que uma fogueira só sua. E pertenciam, um para o outro e os dois, ao futuro que não desistiram de mudar, mesmo com tudo ao seu redor dizendo que não tinham outro caminho a não ser aceitar os designíos dos irmãos.

Rafaello lhe viu entre a penumbra, agarrou seu corpo, contraindo os braços fortes contra o peito como se não pesasse quase nada.

─ Pensei que Ettori tivesse te achado. ─ Beijou sua testa, cheirando suas bochechas e cabelos. ─ Por que demorou?

─ Meus pais... ─ Perdeu o ar no momento que seu corpo se arrepiou com o dele tão próximo.  ─ Demoraram a dormir depois do jantar.

O rosto dele estava ficando levemente menos rígido, mas ainda sim, preocupado e ficou ainda mais quando iniciou o assunto mais urgente que tinham .

─ O casamento... É em dois dias. Ugo... Ugo não desiste. Eu pedi que ele reconsiderasse, em nome do amor que ele diz sentir por mim que cancelemos esse compromisso, mas ele se recusa. Disse que não o amava e que não seria capaz de ama-lo se ele forçasse a fazer algo que eu não queria, mas ele diz que estou enfeitiçada por você, que tudo isso vai passar, que é só mais um dos seus encantos sobre as mulheres e que no futuro vou me arrepender e envergonhar da minha decisão.

Rafaello mexeu nos cabelos, irritado. Bravo, frustrado. Foi o primeiro a contar a verdade para o irmão e ele fez o mesmo que fazia com Elea. Tentou lhe jogar contra ela, disse que perdoava sua aventura porque sabia que Eleanor estava tentando somente lhe seduzir para chamar atenção.

Discutir com Ugo, contar a verdade para ele foi um ato de coragem e ao mesmo tempo de loucura. Na verdade, o próprio Ugo não parecia muito são quando falava do casamento. Estava mais focado em ter Eleanor e o poder que seu sangue carregava do que como daria seguimento a um casamento sem amor.

Rafaello tentou, apelou para a amizade, para a irmandade que tinham, para a parceria que tinham, por tudo que fosse mais sagrado, e a única coisa que recebeu foi a sútil ameaça de que se tentasse levar Elea seria morto pela guarda e pagaria pelos próprios atos, independente de ser seu irmão.

Ugo fingia para todos que estavam bem, ansiosos pelo casamento. Mesmo com Eleanor pálida e cada vez mais depressiva. Os pais dela, sequer se preocupavam a razão de todo o seu descontentamento e acreditavam, ou mesmo negavam, a possibilidade de Elea não querer se casar com Ugo.

─ Ele me disse que se você for embora, ele vai se atirar da janela do Palazzo no momento do Pallio ─ Rafaello se angustiou ainda mais. ─ Não quero que meu irmão sofra... Mesmo que ele tenha me ameaçado da forma que fez... Ele é o meu sangue.

Eleanor assentiu, compreendia-o. Ugo e Rafaello tinham certos desentendimentos, muitos mais do que Rafaello poderia reconhecer que tinham, mas ainda sim, eram irmãos.

─ Não acho que ele vá se matar... ─ Falou, reflexiva. ─ Ele não me parece bem, ou mesmo num estado normal. Mas não é suicida. É mais fácil que te mate, do que matar a si mesmo.

─ Você está pálida... ─ Rafaello esqueceu o assunto que tinham, observando suas orbes brancas demais, sem o rubor de sempre. Ela estava desfalecendo, desde o dia que a conheceu até ali Elea estava minguando. ─ Meu amor...O que eu posso fazer para te dar paz?

─ Case comigo. Case comigo antes de Ugo e o meu casamento com ele será inválido.

Eleanor já tinha lhe pedido, implorado que fizesse isso mil vezes, mas não tinha coragem de expô-la na sociedade daquela forma. Ela estaria acabada.

─ Se fizer isso, não terá mais vez na sociedade. Ugo é o herdeiro principal de meu pai e seu protegido, não terei nada como castigo e te condenarei a miséria comigo.

Eleanor apertou as mãos na bochecha de Rafaello com a delicadeza de uma pluma, fazendo o rosto dele cair sobre sua palma. Um homem daquele tamanho que se rendia ao calor do seu peito, as suas mãos, ao seu amor como se fosse a única água que pudesse  beber.

─ Eu não me importo. Não me importo com títulos ou com a sociedade. Se essas pessoas não nos aceitarem...Nós criaremos esse mundo. Vamos para um mundo novo. ─ Confirmou, quase desfalecendo de tanta fé.

─ Como? Está delirando?

Ela negou, cheia de sonhos.

─ Conheci um homem no porto. Um espanhol. Ele está indo para terras novas. Para novas terras, além-mar.

─ Isso é muito perigoso! Essas expedições são extremamente perigosas, Elea. Doenças, naufrágios...Não posso fazer isso com você, não vou te sujeitar a tamanha humilhação e risco!

─ Vamos com ele, escapemos daqui e vamos pra qualquer lugar. Desde que fiquemos juntos, não importa pra onde eu irei. Qualquer lugar nessa terra é mais bonito do que o inferno de um casamento com um homem que só me vê como um troféu.

Dias Atuais.

07 dias depois.

Havia algo de muito bonito da primavera já instaurada nas montanhas. O céu era mais azul e os lagos descongelavam completamente. Os parques abriam e as pessoas começavam a fazer piqueniques no gramado. Crianças ficavam mais livres para brincar e as pessoas mais dispostas a se movimentar, e até com a personalidade mais calorosa.

Caroline se sentiu até mesmo disposta a fazer exercícios físicos e todos os dias, pela manhã, estava fazendo caminhada. Wilfred geralmente lhe acompanhava naquela rotina. Ele, correndo, e Caroline andando e por vezes o acompanhando em alguns tiros de corrida.

A prática ocorria no mesmo trecho, uma parte em trilha e outra num calçadão ao redor da pista. A paisagem do degelo das montanhas e as conversas por cada trecho novo dentro da mata com Will talvez fossem à coisa que mais lhe motivasse.

A rotina mudou um pouco, principalmente depois de mais uma viagem surpresa de Luca, que mais uma vez deixou o laboratório em polvorosa. Ele lhe deixou um email com orientações e a cada dois dias pedia um relatório do andamento das pesquisas. Anika acabou se responsabilizando por parte das orientações, mas, mesmo assim, muitos acabavam recorrendo a Caroline por hábito.

O que lhe deixou completamente sobrecarregada.

As poucas horas de almoço que tinham serviam para dar suporte a alguns alunos. Ou para ajudar a socorrer com Anika algum doutorando nas pesquisas.

Era trabalho e pressão demais, principalmente porque não era do mesmo nível acadêmico daquelas pessoas, e mesmo assim, acabava tendo que dar suporte a eles porque havia absorvido mais o jeito de Luca do que a própria Anika.

Sabia do jeito que ele gostava das coisas e era tão rigorosa quanto ele e por mais que no quesito técnico deixasse a desejar, Anika nunca sabia o que fazer sozinha.

Com isso, foi ficando difícil achar tempo para ficar com Louis.

Arranjava uma hora depois da universidade para conseguir passar na casa dele e vê-lo. Uma vez acabou dormindo lá. Não por que queria, mas por acidente. Cochilou por tempo demais e Pierre achou mais prudente terminar as horas que faltavam para o dia amanhecer.

Não recebeu informações sobre Giuliano nos dias que se seguiram. Principalmente porque era Miguel o principal responsável por administrar as coisas em casa já que Sarah estava mais atarefada com a presença da filha e Emília com Giuliano no processo de alta. Ele respeitava muito seu espaço e sempre lhe tratava com imensa cortesia nunca mencionando Giuliano em qualquer conversa que tiveram.

Miguel era um homem inteligente e muito perspicaz, mas com um senso de humor maravilhoso que deixava as situações ao seu redor mais leves. O Pouco tempo que teve com ele foi o suficiente para simpatizar bastante com seu jeito.

Sua outra grande companhia era Pierre. O francês sempre aparecia no final da tarde na universidade e era pessoalmente o maior responsável por sua segurança.

As conversas com ele eram as melhores e mais divertidas e, algumas vezes, acabou ficando mais tempo na casa de Giuliano porque se distraiam juntos.

Raena e Constanza sempre lhe arranjavam alguma atividade no final de semana e naqueles dias já tinham feitos incontáveis passeios a pé pelas montanhas. Em algumas delas Wilfred as acompanhava, em outras era Magno.

Magno, por sua vez, começou a frequentar o restaurante de Raena com muita frequência e nos últimos dois domingos, almoçava e jantava na casa dela.

O restaurante de Pepe ainda estava reformando, e o próprio Magno uma vez no meio da semana surgiu lá para ajudar os empreiteiros e se encarregou de dar suporte a Olívia no restaurante de Raena quando ela precisava.

Caroline achava muito encantadora a forma como os dois conversavam. Sem perceber, os dois viviam falando um do outro e uma admiração mútua ia surgindo.

Tinha que confessar que mesmo em silêncio sobre o assunto, torcia para que dessem certo, afinal, eram duas pessoas muito queridas e que tinham muito em comum.

De Laura, recebeu somente um vídeo engraçado no instagram e não conversaram muito. Ela disse que precisou ficar mais tempo em Roma e na universidade e somente haviam se visto duas vezes.

Desconfiava que fosse exatamente esses dias em que ela esteve em Trento nas últimas semanas.

─ Está distraída, Carol... ─ Wilfred disse, vindo de trás de uma árvore com uma gatinha no colo.

Caroline segurou nos dois troncos de árvores que usava de apoio na beirada de um pequeno elevado montanhoso e que dava vista a uma belíssima paisagem de um lago esverdeado no sopé de uma montanha.

─ De quem é esse gato?

─ Não sei, achei na beira da estrada. Quase sendo atropelada.

A gata, na verdade era uma menina, estava tremendo, magricela e sujinha. Um filhote, extremamente pequena e de olhos verdes enormes. Ela era branca com partes cinzas e pretas e seu nariz bem vermelho.

─ Acho que ela foi abandonada... ─  Wilfred disse, fazendo carinho nas orelhas dela. ─ Podemos cuidar dela. Vou levar ela para casa e dar alguma comida e tentar achar um dono.

─ Está certo. Não pode deixa-la aqui.

Wilfred colocou a gatinha no bolso do moletom e ela pôs somente os olhos e as orelhas para fora, assombrada.

Com a gata no bolso ele não pôde mais correr e eles tiveram mais tempo para conversar andando lado a lado.

─ Seu primo não veio mais? Um grande cara.. Literalmente porque ele é enorme.

Quando Victor era mais novo era franzino, mas com os anos ele acabou se dedicando mais a academia e além de alto ficou musculoso.

Caroline riu porque Victor era um sujeito grande e Will também era. Possivelmente foi a primeira vez que Will encontrou alguém de seu tamanho, tirando Giuliano.

Mas não queria pensar em Giuliano. Tirando os momentos que frequentava a casa dele, conseguiu oculta-lo de sua rotina quase que completamente e estava gostando da sensação de ter sua vida de volta.

─ Sinto a falta dele. É bom ter a opinião de uma pessoa que já te conhece e que está de fora... ─ Mencionou, dispersa.

Quando Victor veio e ouviu seus relatos dos últimos meses na Itália fez apontamentos muito interessantes. Não foi como se ele não gostasse de Giuliano, mas quando mencionou os acontecimentos relacionados a ele, seu primo disse que Giuliano não era um homem muito sensível e tudo o que sabia dele era fruto de sua experiência da época que trabalhava com bancos.

Giuliano era conhecido por ser calculista e meticuloso e um investidor implacável e que sua vida era bastante enigmática. Como se ele fosse visível, mas pouco dado a se expor pessoalmente. Um verdadeiro paradoxo.

Victor lhe mencionou algo sobre tomar cuidado com esse excesso de incentivo de Laura e que isso era algo muito estranho de se observar estando de fora porque, talvez, só talvez, Giuliano estivesse manipulando Laura por saber que ela teria bastante influência sobre suas decisões.

Pessoalmente não achava Laura tão manipulável, mas não poderia negar que os dois pareciam sempre falar pela mesma boca e da mesma forma.

Aquela percepção nova gerou uma discussão com Laura no período.

Agora que não estava com mais com Giuliano e tentando se desvincular da presença dele, passou a perceber que as pessoas ao seu redor o viam com certa desconfiança, cada um por sua motivação, e que sua relação com ele realmente fora uma enorme surpresa.

Wilfred, na única vez que falaram sobre sua relação com Giuliano, lhe disse que não se ofendesse com aquilo, mas que ele não parecia o tipo de homem que se interessava por mulheres como ela. Que seu perfil não combinava nada com o dele e de forma alguma isso era uma coisa ruim.

─ Ele disse que vai se casar comigo. ─ Disse de repente, de cabeça cheia.

─ Não vou perguntar quem é, porquê imagino quem seja. Até admiro que não fale tanto do seu ex com ele sendo tão famoso... ─ Will disse, soltando o ar de uma forma pesada. ─ E sendo tão presente.

─ Desculpe, não quero te incomodar com esse assunto.

─ Não me incomoda. Na verdade, começou um assunto e agora estou muito curioso para descobrir o que o Bocarelli te falou .Ele disse isso? Que queria se casar com você?

Negou.

─ Não, ele não disse que queria se casar comigo. Ele disse que vamos nos casar.  É bem diferente.

Mesmo que não olhasse diretamente para Will, sentiu que ele abriu a boca e depois fechou.

─ Aparentemente, ele fez para te deixar impressionada. É como se assim, você se sentisse presa a ele. É algo forte de se dizer.

Soltou uma risada afetada.

─ É algo MUITO forte de se dizer, Will. ─ Parou um pouco, olhando para trás. Will havia ficado mais atrás, andando devagar e ajeitando a gatinha nos bolsos. ─ Eu sei que é uma tentativa de ficar por perto, de alugar mais meus pensamentos, de que eu me sinta presa... Mas ainda sim... Por que ele diz às coisas que diz como se fosse capaz de cumprir? Giuliano não me amava... Eu sei que não... Mas por que ele insiste?

─ Ego...─ Ele soprou. ─ Venhamos e convenhamos que Giuliano Bocarelli tenha um ego bastante elevado. Não é que seja patológico, mas acredito que ossos do ofício. Ele tem poder e controle demais.

─ Mas eu sou um ser humano, não uma obra que ele diz para se construir ou derrubar ou imposto que ele cria ou extingue...

─ Você sabe que o cargo que ele tem está muito mais relacionado a controle de pessoas não é? ─ Disse desconfiado de que Caroline possivelmente ainda não tivesse compreendido quem era o ex. ─ Giuliano Bocarelli, como primeiro-ministro, sempre foi extremamente persuasivo e o controle dele sempre foi sobre as pessoas e não sobre coisas. Acho que foi por isso que ele aceitou o cargo. Ninguém que tivesse tanto dinheiro iria se expuser publicamente se não tivesse uma razão muito forte.

─ Ainda sim, Will... ─ Disse, perturbada. ─ Por que eu? Por que ele insiste em algo que ele tanto renegou? Foi ele que me levou a desistir...

─ Porque ele não queria que desistisse, porque achava que você continuaria lá, no mesmo lugar e você foi embora. Pode ser que ele não goste de ser dispensado e sentiu que perdeu o controle.

Caroline ponderou.

Era ego.

─ Vocês homens...

Will riu, segurando o ombro dela.

─ Não, não posso levar a culpa sobre o que Giuliano Bocarelli fez. Eu não sou assim.

Caroline achou graça da defesa efusiva dele.

─ Vai dizer que nunca agiu por ego masculino ferido?

─ Claro que sim. Quando eu tinha 15 anos. Giuliano pode ter dinheiro, poder e controle, mas ainda parece um adolescente ferido e com problemas com o pai.

Ela estreitou o olhar para Will e ele mexeu nos cabelos aloirados com uma expressão distraída. Giuliano tinha problemas com o pai, de fato. Will era realmente muito bom de observação.

─ Você não se sente intimidado? É estranhamente comum. Eu me sinto agoniada com isso.

─ Não. Sou tão homem quanto ele, Caroline. Na verdade, eu sou bem mais maduro que ele. Isso me coloca numa posição muito melhor. Gente como ele entra pelas portas da minha rede todos os dias e eu os pego pelo estômago. Com o tempo fica fácil lidar com eles.

─ Não diz isso porque quer inferioriza-lo para que eu me sinta melhor?

Will parou em uma parte da calçada e lhe olhou, os olhos claros extremamente rígidos para os seus.

─ Caroline, eu vi nos olhos dele o desinteresse e, pior, a arrogância... Ele tem um sentimento de posse, mas o amor que você merece, não. Você é uma mulher incrível que não precisa e nem deve se sentir presa na teia de um homem amargo, só por ego. Giuliano vai arranjar um jeito de lidar com a frustração. Ele vai comprar alguma coisa que alguém não quer vender e esse desejo de controle diminui.

─ Você está certo. Ele vai esquecer.

Assentiu para concordar e continuaram a caminhada falando de outros assuntos. Principalmente a fase que a campanha de marketing da rede estava.

Pelo que compreendeu do processo, Will e o produtor estavam presos no conceito. O produtor tinha uma ideia, Will outra e os outros sócios ainda mais divergentes e que ele não tinha gostado nada dos encartes que a empresa disponibilizou com as ideias.

─ Quero algo que lembre melancolia e ao mesmo tempo...força...esperança. Trento é assim. Vive bastante tempo encoberta pela neve e então ressurge. Entende?

Caroline fez que sim.

─ Você falou isso para eles?

─ Falei, mas... Não sei. Não captaram ainda o que eu quero. As cores...Tudo ainda está muito genérico. Eles virão em dois dias para cá. Talvez as montanhas os inspirem e nos coloquem no mesmo nível.

─ Possivelmente, quando eles conhecerem essa paisagem... Acho que vão entender.

Will torcia que sim porque estavam com os prazos no limite.

***

Pierre lhe encontrou na praça e foram juntos até o portão. Will ficou aliviado de ver o francês por lá e não deixa-la sozinha em meio à possibilidade de a imprensa voltar a assediá-la.

Porém, nos últimos tempos, com Giuliano gerando mais entretenimento acordado, a família dele acabou ficando em segundo plano e gradativamente Caroline ia saindo de cena.

Caroline também ia cada vez menos recebendo notícias negativas vindas de Lúcia de como as coisas estavam caminhando no Brasil. Como se finalmente o turbilhão estivesse passando .

Não soube nada por Sarah, mas se tudo estava se acalmando, certamente algo ela havia feito.

Tinha que agradecê-la por isso, quando finalmente conseguissem se encontrar.

Pierre esperou na porta do apartamento enquanto tomava um banho e se trocava. Saíram em um único carro e mais um de guarda os seguiu.

─ Eu vou sentir sua falta quando tudo isso acabar...─ Disse, olhando a escolta que os seguia. ─ Sabe até quando ficarão aqui em Trento?

Pierre não sabia se ela estava perguntando por querer Giuliano por perto ou longe.  Era no mínimo impressionante o silêncio dela a respeito durante todos aqueles dias, mesmo diante de tantos motivos para falar ou agir.

─ Quando ele tiver alta teremos mais previsões. Tudo depende de como serão os dias seguintes à saída do hospital.

Ela só concordou e enterrou o corpo no banco.

─ Eu também sentirei sua falta, Carol... ─ Ele disse depois de algum tempo em silêncio.

─ Podemos ser amigos de verdade? ─ Caroline virou o rosto pra ele, os olhos brilhantes.

O francês sorriu. Caroline em sua presença esquecia quem ele era e isso o fazia se sentir melhor, tão bom quanto ela imaginava e apreciava. A inocência dela era sua fuga da realidade. Era confortável.

─ Claro... Não serei um canal entre você e...Ele. Se não há mal para você, para mim muito menos.

Caroline apertou as bochechas do francês.

─ Você é muito fofo!

─ Só você para me achar fofo.

─ Você é mal humorado e fumante...Mas é fofo. É como se eu fosse a Boo e você o Sullivan...

─ Daria uma ótima fantasia de carnaval... ─ Ele murmurou. ─ Sim, você seria uma ótima Boo.

Ficaram em silêncio novamente e ficaram assim até chegarem na universidade. Caroline desceu, mas Pierre não. Ela parou no meio do caminho.

─ Não vem hoje?

Ele negou.

─ Meus amigos ficarão hoje. Tenho uns assuntos importantes. ─ Ele apontou com um queixo para dois rapazes novos.

Eles olharam Caroline e tentaram ser simpáticos. Ela sorriu de volta, sem graça.

─ Manda notícias. ─ Ela disse, penosa.

─ Mandarei... ─ Pierre olhou para o motorista, se assegurando de que estava cumprindo os combinados. ─ Pode me passar o contato de Kiara? O italiano pediu para que eu me aproximasse...Ele quer saber como ela está.

Caroline aquiesceu.

Era difícil falar de Kiara. Ela estava distante. Simplesmente escolheu não responder ninguém, sequer ter contato com os demais. Raena às vezes dava notícias sobre ela, mas era como se ela tivesse decidido que viraria um fantasma.

Respeitou aquilo. Compreendia aquele desejo de desaparecer, por mais que soubesse também que ele não daria a lugar nenhum. Porém, não poderia escolher quebrar o casulo e atrapalhar aquele crescimento. Achava que era o momento dela e respeitava.

─ Ela não quer ver ninguém.

─ Eu sei.

─ Menos ainda alguém que ela não conhece, mandado por Giuliano.

Pierre sabia que ela estava correta. Mas, precisava cumprir aquilo e por mais insensível que fosse, alguém precisava quebrar aquela redoma. Melhor ainda se fosse alguém de fora e que ela não tivesse culpa ao ver. Não era envolvido direto.

─ Talvez ela precise de um amigo que não conviveu com Máximo. Alguém que não estava aqui quando isso começou.

Caroline não via como ele poderia. Porém, sabia que Giuliano tinha intenção, desde o momento do incêndio, em ajuda-la e tinha consciência que ela precisava.

Talvez, Giuliano estivesse certo. Ela precisava de que alguém a tirasse daquele estado catatônico e os amigos mais próximos eram envolvidos emocionalmente demais para serem esse apoio. Sempre iriam querer protege-la demais e isso, em longo prazo, a isolaria.

─ Eu te mando.

Pierre assentiu. Caroline demorou um pouco com a porta aberta, pensando.

─ Quando vê-la...diz que eu estou esperando que ela me permita bater na porta dela. Se ela disser que sim, eu vou. Eu vou correndo.

Pierre fez que sim e ela fechou a porta. Acompanhou Caroline sair, sendo acompanhada pelos dois homens que fariam sua segurança pelos próximos dias.

Não quis dizer que não era só por um dia e que talvez aquela fosse à última manhã.

Tinha esse assunto com Kiara, mais um com Norma e então iria embora. Precisava ir. Foi isso que Sarah lhe mandou fazer. Segundo ela, estava contaminado demais para ver quem ela era e não poderia ser uma peça branca nos meios das peças negras daquele tabuleiro. Não poderia estar do lado de Caroline mais do que do lado dos Bocarelli.

Obedeceu. Não por que quisesse, mas porque ela estava certa.

Tinha outras formas de proteger Caroline e querendo ou não, a organização estava se tornando muito mais sua protetora do que sua inimiga e isso a deixaria a salvo.

─ Eu sou o Sullivan...─ Disse para si mesmo, sorrindo. Fazia muito tempo que não tinha amigos... Que não tinha uma família. ─ E a Carol, a Boo.

Trento, 10h25min da tarde.

Quando Sarah encontrou Giuliano no quarto ele estava placidamente sentado, digitando alguma coisa no notebook e conversando com Anne. A expressão dele era séria e a testa franzida demonstrava que ele não estava muito amigável, todavia, o tom de voz com a ministra de interiores era completamente pacífico.

Colocou a pasta de documentos e o IPAD sobre as pernas e esperou.

─ Eu estou bem Anne. Você está em vias de um parto e está trabalhando... Não se preocupe comigo. Antes de entrar de licença eu estarei de volta. Eu prometo.

Então ele desligou. Pegou uma pilha de papeis, que só depois reconheceu que eram fotos, e se virou totalmente para Sarah.

─ Caroline, todos os dias com Wilfred. O que está acontecendo?

Ele não estava bravo. Ele estava curioso, na verdade.

─ Eu não sei, Giuliano. Caroline é adulta e apesar de estar sob a nossa proteção, ela não tem nada com você e está livre para andar com quem a der vontade.

─ Wilfred era um mero conhecido até algumas semanas atrás e de repente viraram melhores amigos. Investigou esse homem? Sabe quem ele é?

─ Ele não tem nada... ─ Entregou os documentos que estavam em sua posse a ele. ─ Will não tem nem mesmo um imposto atrasado. Ele tem um passado irretocável. Não deve nada a ninguém.

“Caroline, por outro lado” Sarah pensou para si mesma.

A imagem de Caroline depois daqueles documentos agora era completamente outra.

─ Santino está à espreita. Ele perguntou a Miguel porque Caroline só veio aqui uma vez... ─ Disse, distraído lendo os documentos. ─ Se tiver conhecimento desse vínculo com Will, e acho que já tem, vai sobrar motivos para atrapalhar as negociações que temos com alguns irmãos de Miguel.

Sarah suspirou. Sabia que precisavam de Caroline por perto.

─ Ela dormiu uma noite em casa. Ela pode não está perto de você diretamente, mas perto de nós.

Giuliano tirou os papeis da frente do rosto e riu, irônico.

─ Que casal, depois de um caos daqueles, simplesmente resolver que quer ficar distante? Só um casal em crise. Não precisamos de uma crise Sarah. Preciso de Caroline aqui, por perto.

Era tudo que não deveria acontecer, mas Sarah se conteve.

─ Giuliano... Você ainda está aqui no hospital. Vão ter tempo para se acertarem quando tiver alta. Wilfred e Caroline são amigos. Você não pode viver correndo atrás dela, é no mínimo humilhante.

Ele deu de ombros.

─ Luca não achava isso. Não é só uma amizade. Ele deu um showzinho ridículo no restaurante. Eu fiquei sabendo.

Sarah fechou um pouco os olhos. Só de lembrar aquela noite já se sentia bêbada.

─ Luca é apaixonado por Caroline, além de ser extremamente ciumento. Ele vai dar um espetáculo com qualquer homem. Até com o pobre do Peter, aquele que você viu beijando a Constanza, ele dava. Caroline e Will são só amigos. Deveria se preocupar com Luca, esse desapareceu novamente.

─ Ele está no Cairo. Não foi mais um dos desaparecimentos dele. O marido de Mikaela faleceu em serviço. Ele está dando suporte pra ela.

─ Como sabe disso? Ele não fazia mais serviços externos. Estava no escritório desde que foi para o Cairo.

─ A movimentação das trocas que eu autorizei antes de adoecer. Alguém o mandou para o campo de conflito. Uma bomba explodiu numa emboscada. O comando maior avisou a Anne assim que aconteceu, foi no mesmo dia que Luca e Caroline voltaram do lago.

Sarah soltou o ar, pesarosa.

─ Mika...Mika deve estar... E a filha dela. Tão pequena.

─ Enviarei as minhas condolências. Mas, conhecendo ela e conhecendo o Luca, já devem estar pondo a culpa disso em mim, certamente. Ela colocou quando o transferiram para o Cairo. De qualquer forma... Luca achava que Willfred era uma ameaça.

Giuliano leu os papéis de novo.

─ Desde quando a opinião de Luca importa, Giuliano? ─ Mexeu nos cabelos, culpada.

─ Um homem apaixonado consegue como ninguém reconhecer uma ameaça. ─ Ele folheou de novo. ─ Se Luca está desconfiado... Alguma coisa tem. Will deve estar olhando de algum jeito ou a própria Caroline...

─ Acha que ela é capaz de se apaixonar por outro homem com você por perto?

─ Ela pode se confundir. Está ferida. Buscando uma cura desesperada. Qualquer homem que ofereça mais segurança do que eu vai chamar atenção. E Will me parece o cara perfeito para suprir essa carência. Ele não tem nem uma multa de trânsito, é o genro que qualquer mãe pediu a Deus. Até você fica balançada por ele. ─ Apontou com os papeis para Sarah. ─ Entende?

Sarah pensou em se ofender, mas, ele estava certo. Will era bonito, educado, gentil, firme e acima de qualquer coisa, ele era um bom homem e não tinha toda aquela áurea enigmática de Giuliano.

Ele era transparente.

Como Caroline parecia ser.

─ Caroline não dará espaço para outro homem assim tão fácil, Giuliano. Não é tão simples. ─ Uma parte de si acreditava que Caroline tinha muito mais interesse em estar perto de Giuliano do que de Will.

─ Mas de tanto insistir... Até a gota escava uma pedra, Sarah.

Sarah não concordou nem com aquela conversa, menos ainda com a intenção por trás dela. Mas ficou quieta.

─ Parece que quem está com ciúmes é você.

Giuliano fez uma careta e depois sorriu.

─ Que bom, eu preciso parecer que tenho realmente ciúmes. Faz parte do personagem.

─ Não precisa levar isso tão a vera. ─ Retrucou. ─ O que pretende? Que ela te ame? E depois? Se conseguir que ela aceite reatar, o que vai acontecer? Vão se casar?

Giuliano olhou para Sarah, avaliando o jeito indisposto com aquele assunto. Ela não apreciava que enganasse Caroline, mas agora ela parecia irritada em falar de Caroline. Era bem diferente.

─ Responde, Giuliano.

─ Eu vou falar a verdade...

─ O que?! ─ Soou esganiçada.

─ Eu não queria que ela me amasse, mas se esse for único caminho para que ela confie em mim, que seja. ─ Disse, simples como quem diz que vai abrir uma porta com uma chave. ─ Eu vou falar a verdade. Vou contar o que for necessário para que ela esteja nessa situação de igual para igual. Que saiba que isso é um jogo. Caroline não merece ser enganada com um amor que nunca vai chegar e nisso, vocês todos estão certos.

─ Você ficou maluco?

Ele levantou da cadeira, surpreso.

─ Não foi você que sempre disse que essa situação é injusta? Que ela é inocente, ingênua e uma boa pessoa? E ela é. Eu concordo. E quando ela confiar em mim o suficiente para entender a loucura que está ao redor dela, vou falar a verdade. Quero que, mesmo sem que os irmãos saibam, ela esteja consciente. Se depender de mim, Caroline vai saber o porquê eu preciso dela.

Sarah levantou da cadeira e depois sentou novamente.

─ Giuliano, isso é muito grave. Não tem autorização para fazer uma coisa dessas. As situações são totalmente diferentes...E eu sei que a compara com tia Giovana, mas...Não... Não... Não pode fazer isso. Tia Giovana e Caroline não são iguais e nem mesmo tem certeza se é um filho que eles querem mesmo.

E ele não podia. Só Sarah sabia que Caroline não era digna de toda essa confiança.

─ Bom, se eu quiser, eu posso. ─ Disse a encarando, procurando a razão de tanta surpresa. ─ Eles não precisam saber de detalhes tão íntimos da nossa relação. Se isso tudo vai ser uma farsa, que ela esteja ciente. Se eles querem um filho, ela saberá o porquê terei que engravidá-la, mesmo contra a minha vontade, se vier a ser necessário.

Sarah ficou em silêncio e Giuliano entendeu que ela não tinha mais nenhuma objeção, porém passado alguns minutos ela se levantou da cadeira e apertou o ombro dele, chamando sua atenção.

Ele estaria se colocando em risco, enfiando-se em mais problemas porque achava que estava cometendo uma injustiça. Não poderia contar muito, mas podia dizer que ela não valia a pena o esforço. Havia errado sobre Caroline, o acusado quando ele via as coisas com lucidez, era sua responsabilidade tirar esse peso das costas dele.

Giuliano lhe mirou, tirando os olhos dos papeis.

─ Talvez estive errada esse tempo todo, Giuliano

Ele sorriu um pouco com gentileza.

─ Sobre o que?

─ Sobre Caroline.

Ele não lhe fez perguntas diretas, somente os olhos verdes escurecendo em dúvida.

─ Ela veio deles... E eles têm seus próprios planos... Não sabe o porquê de verdade, o que tem são conjecturas e... Não vale a pena o risco... Ainda não vale.

Giuliano apertou a mão de Sarah e sorriu, agradecido.

─ Eu agradeço que se importe, Sarah. Mas isso já é uma decisão tomada.

Somente concordou porque não tinha mais o que falar que não gerasse mais conflito e que não se expusesse. Tinha que mentir, mais uma vez. Suspirou pesadamente e sorriu, voltando ao papel que tinha que desempenhar.

Giuliano voltou atenção aos papeis.

─ Eu preciso falar com Laura. Ela não atende minhas ligações e acho que Miguel tem algo a ver com isso.

Sarah revirou os olhos.

─ Eu vou ver o que consigo fazer.

─ Outra coisa... ─ Ele disse novamente distraído. ─ O pai de Dimitri. Quero o relatório da situação. Quero chegar a Moscou com o timing correto. Ele deve estar sondando nossas fraquezas, principalmente com Cícero em Barcelona.

Assentiu, ainda mais mortificada.

Fechou a porta do escritório com o coração na mão. Olhou novamente para o vidro e para a equipe médica de Giuliano que vinha chama-lo para mais um atendimento com os fisioterapeutas. Pensou em Pierre e sua decisão de dispensá-lo que ainda não tinha dito pra ele.

Quantas coisas tinha que manter pelas costas do seu melhor amigo.

Quantas ainda precisaria esconder?

Trento, 10h02min da manhã.

A casa de primeiro andar tinha algo de charmoso. Pierre não era crítico de estética, muito menos entendia muito de história, mas sabia que aquele edifício era antigo. O que lhe mostrava que a família de Kiara talvez fosse tradicional da região e a casa fosse herança.

O pai dela estava deixando a casa bem rapidamente, carregando duas sacolas de lixo e estava com as chaves de um carro na mão, indicando que iria sair.

De longe, alguns minutos depois, o viu sair no carro. Um modelo antigo que deixava um pouco a desejar na pintura, mas que parecia ter recebido um motor superior ao de fábrica.

O pai de Kiara era mecânico, fazia sentido.

A mãe dela saiu depois, com uma vassoura nas mãos foi afastando as folhas da calçada e as ajuntando num canto só. Kiara não saiu em nenhum momento.

Do lado da casa, observou a segurança que Giuliano disponibilizou. Eles conversavam entre si, passando informações por rádio. Para o seu rádio. Mas não precisava ouvi-las.

A mãe de Kiara ia fechando a porta quando se aproximou. Talvez fosse algo em seu jeito, ou possivelmente ela já soubesse quem era, mas a mulher parou e sorriu um pouco.

─ Pierre Duffour. Sou um amigo do Giuliano Bocarelli. Gostaria de conversar com vocês. Conversar com ela.

A mulher assentiu e lhe deu espaço para passar. Na verdade, ela deu espaço para que encontrasse Kiara. Sentada no sofá, a menina parecia uma folha de papel, um tecido posto e escorregando entre as almofadas.

Não conhecia muito de Kiara antes do evento o suficiente para presumir quantos quilos ela havia perdido, mas estava visivelmente muito abatida.

Kiara virou o rosto, alcançou seus olhos e algo de quente lhe tocou. Um pequeno rubor tomou seu rosto pálido e ela fez um meneio de sorriso. Os cabelos longos e escuros brilhavam com a luz do sol e as sardas pintavam sua pele salpicando gotas de brilho na pintura de beleza que ela era.

E conhecia bem de obras de arte para encontrar uma quando a via.

─ Sarah disse que viria.

Linda. Uma mulher linda.

A mãe dela complementou:

─ Sarah tem nos ajudado muito, na verdade... Giuliano tem nos ajudado muito.

Financeiramente e em segurança física, poderia ser. Mas, Kiara precisava mais do que isso. Precisava de sua vida de volta, coisa que Giuliano tirou dela e jamais poderia dar de novo.

Assentiu, engolindo em seco. Em parte, fazia parte daquela bagunça.

Kiara ainda sorria, tímida, lhe analisando com uma expressão que era quase de brincadeira. Talvez ela fosse assim antes de tudo e um pouco ainda restava. Um pouco de quem ela era acordou quando lhe encontrou.

E isso era bom. Novo. Muito bom.

─ Oi, Kiara.

─ Oi. ─ Ela respondeu, sorrindo de canto.

Kiara parecia uma garota alegre presa em um estado depressivo intenso. E de algum jeito, lhe ver, a deixou um pouco que fosse mais animada porque quando sorriu pra ela, a menina se ajeitou no sofá, lhe dando espaço para sentar do seu lado.

Ela confiava em si. Confiou somente por sua presença. Por seu olhar. A confiança dela o fez se sentir digno.

─ Imagino que esta aqui para ver como estou, pessoalmente. Eu estou assim. É tudo o que posso ser... No momento.

─ Então quer dizer que tem planos de ficar ainda mais linda no futuro?

Kiara sorriu mais ainda, as sardas desenhando seu rosto ainda mais. Os olhos castanhos claros ganhando mais brilho.

Ela não o levou a mal, pelo contrário, sorriu. Ajeitou o corpo, à vontade.

─ Homens como você não deveriam mentir.

─ Eu não minto. ─ Devolveu imediatamente.

Não sabia porquê, não sabia como, mas seu próprio coração também se iluminava. Uma luz forte, intensa, batendo contra suas entranhas obscuras a tanto tempo. Sentiu como um baque pesado contra uma parede de concreto e jamais pensou que fosse possível encontrar algo daquele tipo tão rápido.

E foi como se seu coração emparedado começasse a bater de novo.

***

Quando deixou a casa de Kiara no fim da manhã, ouviu da mãe dela que foi o único com quem ela conversou depois de sair do hospital, foi à única companhia com quem ela aceitou ir até o telhado, ver a vista que sempre amou e se alimentar bem.

Aquela manhã foi a único dia depois de Máximo que ela viu a filha viva de novo.

Não sabia como a morte que carregava nas costas a fez viver e menos ainda como aquele espectro enegrecido em si mesmo também se foi quando ela falou sobre a faculdade que pretendia um dia retornar, cheia de esperança.

“ ─ Vai ser uma psicóloga incrível. Só quem conheceu a dor e a superou pode provar para alguém que dá para superá-la.

─ Não acho que a dor... A dor vai embora de verdade Pierre. Eu ainda não consigo fingir que ela não existe para continuar.

─ Só vai conseguir lidar com o próprio caos se começar a vê-lo do alto ─ Mostrou o jardim da família e as montanhas ao redor. ─ De fora, é mais fácil de ver que o mundo não é o nosso quintal e que há mais coisas nele do que as ruínas ao nosso redor.

Pegou a mão fria dela e a puxou de leve para levantar da cadeira acolchoada.

Kiara caminhou dois passos até a varanda. Perto da proteção, nervosa, mas ainda a segurou.

O olhar dela ficou medroso, afinal passou a ter medo de altura desde que relatou ter ficado presa numa das janelas do restaurante antes de ser resgatada, mas o olhar dela se prendeu ao seu e ela virou para frente, para as montanhas de Trento e depois para baixo, para o jardim.

─ Já é primavera?

Fez que sim.

─ Já é primavera Kiara.”

Hospital de Trento, 14h14min da tarde.

Até aquele momento conseguiria esconder que sua pequena Eleanor era filha de Dimitri, não sabia. Mas tinha toda a certeza do mundo que a existência dela, com o sangue de um Glaskov em um reduto Bocarelli modificava muito a equação naquela balança já tão sensível.

Se o velho Filip fosse esperto, iria notar a agoniada chegada de Eleanor a Itália e as semelhanças físicas do filho com a menina. Se ele soubesse que Elea era sua neta e que havia sido escondida durante todo esse tempo, no cenário que estavam, era quase um crime de guerra.

Nikolai ficaria preso por tempo suficiente, isso se não fosse morto pelos próprios inimigos na cadeia, e não teria filhos. Dimitri estava morto. Somente Anton restaria para dar continuidade a família.

Para um oligarca russo, eram poucas possibilidades de futuro de sua linhagem.

Se ele soubesse de Eleanor era como jogar uma fagulha em um armazém de pólvora.

O velho não iria querer saber se Giuliano não sabia a verdade ou não. Ele iria contra-atacar com ainda mais força.

Voltou ao quarto de Giuliano algumas horas depois, ainda sem respostas para as perguntas dele, mas com uma nova história para trilharem.

─ Eleanor é filha de Dimitri.

Giuliano soltou o garfo do prato de repente. Temeu que tivesse uma síncope ou algo do tipo. Mas, Giuliano só se levantou da mesinha que estava e tocou sua cintura, apertando seus ombros.

─ O que aquele miserável fez com você?

Giuliano sempre soube, desde que chegou a família, que Dimitri lhe rondava como um animal sedento. Porém, sua sanha só era controlada porque Giuliano impunha limites. Nunca entendeu completamente o que Giuliano, tão bem educado, fazia andando com um carniceiro. Porém, percebeu que um precisava do outro e que de uma maneira esquisita se entendiam e se colocavam limites.

─ Não... ─ Soprou, agoniada. ─ Foi consensual. Eu juro. Ele não fez nada que eu não quisesse...No momento.

Era totalmente antinatural saber que Sarah, que sempre escapou do ardil de Dimitri, acabou caindo nos braços do russo em algum momento no passado.

Ele soltou seus braços e respirou profundamente, aliviado.

─ Não importa mais como aconteceu...Não importa mais. Eu só quero minha filha segura. Só isso. Com Dimitri morto, Nikolai indo pelo mesmo caminho. Para Filip só vai restar Anton como herdeiro direto... Naquela família de cobras... É pouco...Muito pouco...Ele vai querer minha menina se souber... Vai tira-la de mim e colocar mais essa culpa em você...  ─ À medida que foi falando, foi soluçando.

Sentiu-se culpada por todos aqueles anos de mentiras e caiu num choro pesado e compulsivo. Giuliano colocou Sarah na cama, sentando-a no colchão e a abraçou, esperando que se acalmasse.

Seu olhar piedoso e sem nenhum traço de julgamento foi o que lhe acalmou.

─ Por Deus, por que teve medo de me contar? O que acha que eu faria, Sarah?

─ Você tinha seus acordos com ele, com os Glaskov... Dimitri era um doente e eu não o queria perto da Lea...Poderia ser obrigado a dizer... E a minha filha não tem culpa de carregar o sangue que tem...A culpa é minha. Eu fui impulsiva e irresponsável há anos atrás... Ela não precisa pagar por isso agora. Minha filha não precisa deles.

─ Eleanor sempre será uma Tosato, Sarah. Sempre está sob a proteção dos Bocarelli e não corre o risco de que Filip saiba da existência dela como neta. Eu jamais diria nada a ele, nem mesmo quando erámos amigos, menos ainda como inimigos! Por Deus!

Giuliano pareceu voltar a respirar e mexeu nos cabelos, sentando na cadeira da frente e soltando os músculos tensos do rosto.

─ Isso complica as coisas... Eu sei como isso funciona. Se Filip souber vai ser algo mais contra você... Com os irmãos...

Ele negou. Giuliano mexeu com cabeça negativamente várias vezes.

─ Está tudo bem Sarah. Os Glaskov não vão saber de nada... Não por nenhum Bocarelli. Nunca. Eu prometo. E se eles pensarem, adivinharem... Não sei... Eleanor não será moeda de troca, jamais!

Ouvir aquela compreensão e proteção foi um bálsamo ao seu coração de mãe. Jogou-se nos braços de Giuliano e deixou que ele lhe acalmasse.

Era por aquele homem que amava trabalhar com o que fazia. Giuliano, mesmo com seu jeito intempestivo e irônico foi o primeiro a lhe abraçar como família e sempre seria assim.

─ Poderia ter me contado antes, Sarinha... Não tinha porquê mentir. Eu jamais te julgaria por uma fraqueza...

─ Eu sei... Me desculpe, me perdoa... Eu estava apavorada... Eu tive medo por minha filha... Você sabe como é, você me entende... Eu só quis dar uma vida normal e longe dessa loucura que vivemos pra ela. Eu queria sonhar com paz e criei essa ilusão pra mim, pra nós.

Giuliano assentiu, compreensivo. Entendia-a até de mais.

─ Eu entendo.

Ela ficou ainda alguns minutos, parada e depois se afastou de Giuliano. Olhando para ele, esperando um comando que fosse.

─ Acho mais prudente não manter Eleanor e Hanna perto uma da outra. Hanna é astuta. Pode ver alguma semelhança e usar isso contra nós.

─ Eu posso mandar Hanna para um hotel... ─ Disse, secando o rosto.

Ele fez que não.

─ Vá para um hotel. Você e Eleanor. Diga para todos que a casa está muito cheia e que vai precisar de espaço para trabalhar. Podem ficar juntas por mais tempo e longe dos olhos de Hanna. ─ Ele pensou mais. ─ Nenhum lugar nesse planeta é mais seguro do que minha casa para Hanna. Norma a quer e ela tem muito mais motivação e interesse em Hanna do que qualquer outra pessoa teria em você. Vou mandar o Pierre ficar com vocês.

No nome de Pierre, Sarah estremeceu.

─ Pierre não ficará mais conosco por muito tempo... ─ Disse, sorrindo de nervoso.

Giuliano não concordaria com a ida dele. Pierre foi uma indicação de Giovana no passado e todo aquele processo era uma espécie de treinamento de entrosamento de equipe para ele. Mesmo que o francês ainda não soubesse.

─ Como?

Suspirou.

 Não podia dizer que a relação dele com Caroline era cúmplice demais e que em algum momento ele acabaria sendo mais leal a ela e seus interesses do que ao Bocarelli. Porque se dissesse, teria que explicar a Giuliano a razão de achar isso perigoso e não podia dizer nada a ele que o comprometesse ainda mais.

Não poderia dizer que Pierre ser mais leal a Caroline, quando foi por causa dela que Giuliano quase morreu, era um perigo real. Giuliano nem mesmo sabia que a doença tinha sido um ataque biológico, menos ainda que viera da própria fraternidade.

Não poderia dizer que Caroline, fosse quem fosse, era a principal motivação para quase terem o matado.

E o pior, não podia contar sobre a história de Caroline no Brasil. Se a fraternidade o omitiu, não podia ultrapassá-los. Não sem colocar um alvo ainda maior nas costas.

─ Pierre vai ficar só até isso com Norma se encerrar e iniciativa Scorpions começar a ruir.

─ Ele vai ficar conosco por um bom tempo. Norma cairá rápido, mas a iniciativa Scorpions levará muito mais tempo. ─ Ele deu de ombros. ─ Deixe Pierre e a teimosia dele comigo.

Suspirou dessa vez ainda mais pesado.

─ Não foi o Pierre. Fui eu. Eu indiquei pra ele que essa era a minha vontade e ele entendeu.

Giuliano estranhou.

─ Nunca passou por cima de uma decisão minha Sarah. Por que fez isso?

Angustiou-se com a mentira que teria que contar.

─ Porque não vejo que Pierre seja leal a nós. Não o creio com interesse em ser parte da nossa equipe. Ele tem os próprios interesses e é facilmente corrompível.

Giuliano não acreditou em nada do que disse por que soou muito mentiroso.

─ Eu não sei por que fez isso de verdade, mas precisa desfazer essa decisão equivocada, Sarah. Pierre ficará até segunda ordem.

Assentiu, frustrada. Sabia o que tinha que fazer. Levantou da cadeira, coçando os olhos vermelhos do choro e já estava na porta quando o ouviu:

─ Eu não sei mais o que está escondendo com você Sarah, mas tenha certeza que vou acabar descobrindo. Espero que a história de Eleanor seja a última mentira que tenha me escondido.

Trento, 16h08min da tarde.

Universidade de Trento.

Caroline estava no laboratório de Luca a mais de cinco horas ininterruptas e só se deu conta que ainda não havia almoçado quando estava mais próximo do jantar do que do almoço.

Os rapazes que faziam sua segurança havia sumido desde que tinha entrado no laboratório, possivelmente porque não tinha ninguém ali para que vigiassem e acabariam mais tirando sua concentração do que lhe ajudando.

Luca havia mandado alguns e-mails com algumas orientações para sua dissertação e por mais que tentasse entender o que ele queria, menos o compreendia. Era o tipo de coisa que só uma conversa ao vivo resolveria, quem sabe uma chamada de vídeo.

Sugeriu isso por email, no retorno, mas ainda não tinha sido respondida.

Corrigiu algumas provas da turma do estágio-docência que faltavam e mandou as notas para Luca numa planilha. Ele mais uma vez não lhe respondeu.

Então se pôs a ler o TCC de uma aluna da graduação que Luca deixou na responsabilidade de Anika, mas como ela estava sobrecarregada, jogou também para que resolvesse.

Seu corpo estava exausto e pedia algum estimulante, mesmo que não pudesse tomar nada de cafeína por causa da medicação que já tomava.

Pegou uma moeda e pensou na máquina com Redbull. Abriu a porta e o corredor estava um longo silêncio. Havia certa escuridão um pouco mais a frente e estranhou o eco de passos e ausência da segurança.

Seu coração acelerou um pouco e se sentiu estranhamente assombrada.

Já havia ficado ali outras vezes sozinha, até mais tarde inclusive. Jamais teve receio.

Engoliu em seco. Pegou a lata e saiu. Sentiu-se observada.

Um cheiro passou pelo corredor de repente. Conhecia aquele perfume. Não conseguia recordar de onde, mas reconhecia-o.

Não olhou para trás no primeiro momento e torceu para que fosse quem fosse, desistisse. A segurança estava ali, ninguém seria louco o suficiente para enfrentar o serviço secreto.

Porém... Algo lhe passou a mente de último momento.

Se os dois rapazes novos não estavam ali quando saiu talvez algo tivesse acontecido com eles.

Então ouviu o barulho seco. Um barulho seco de alguém girando uma roleta pequena. Uma roleta que decidia sobre a vida e a morte. Conhecia aquele barulho. Era o gatilho de uma arma.

Então o cheiro ficou mais claro. Sentiu a testa latejar.

Máximo.

O perfume enjoativo dele.

Máximo estava em algum lugar daquele corredor. Em alguma parte escura.

Não sabia onde estava os rapazes, mas, não iria ser covarde para morrer de costas, sem tentar se defender. Virou para os dois lados mais escuros e andou mais rápido para a sala.

Foi uma decisão idiota.

Deixou a porta aberta. Se fosse ele mesmo, Máximo a pegaria ali mesmo. Porém, quando percebeu que foi uma decisão idiota, já estava dentro da sala.

Em sua mente o cheiro de perfume já se misturava com odor de madeira chamuscada e a cabeça já latejava junto. Mais forte ainda. Não estava raciocinando direito quando fechou o notebook e o colocou dentro da bolsa de qualquer forma. Tremendo, carregou suas canetas, cadernos, livros de qualquer jeito.

As lágrimas já ameaçavam cair, porém a adrenalina em alta não lhe permitia chorar.

Pegou tudo o que viu que considerou que era seu e empunhou uma caneta destampada. Passou correndo pelo corredor que a levaria até a saída e não viu a segurança. Não viu nenhum deles.

O cheiro de Máximo havia desaparecido, mas sua cabeça, a cabeça doía tanto que parecia a ponto de explodir.

Chegou até a portaria e não havia quase ninguém mais na universidade.

─ Caroline?

Pulou de susto e o guarda da universidade se assustou junto.

Colocou uma mão no peito.

─ Oi, sim. Eu... ─ O ar já estava rarefeito. ─ O que houve?

Então percebeu que ele carregava algo. Na verdade, um buquê de flores tampado numa caixa de acrílico.

─ Um homem mandou lhe entregar essas flores, Carol.

Conhecia o guarda há vários meses e não tinha do porquê não reconhecer a voz dele de imediato. Ele certamente já passava da faixa dos 60 anos e sempre estava lá para fechar as portas da faculdade.

─ Flores? Flores pra mim?

O homem assentiu, sem jeito.

─ Que homem me mandou flores? O senhor o viu ou foi um entregador?

─ Eu não sei. Ele não estava com roupa de entregador Carol. Ele só entregou as flores e a caixa. Foi até o corredor, achei que iria te chamar e então... Não sei, não o vi sair.

A situação só piorava.

Engoliu em seco, olhando ao redor. Máximo estava em algum lugar daquele prédio, lhe aguardando. Esperando.

Já havia visto sobre caixas misteriosas num seriado. Poderia ser uma bomba, poderia ser arsênico, poderia ser qualquer coisa.

O guarda lhe entregou o buquê e as flores, se é que eram flores de verdade, na verdade estavam leves demais. Desfez o embrulho e soltou tudo no chão imediatamente.

As flores tinha o odor mais fétido que já tinha sentido na vida. Como se enxofre tivesse sido despejadas nelas. Várias larvas e baratas se espalharam pelo chão. As baratas saíram correndo escorregando pelo piso.

O guarda pulou de susto e tentou subir na primeira bancada que viu na frente.

Um grito agudo saiu de sua garganta, mas não conseguiu se mexer. Algumas larvas se apegavam em seus braços e os moveu, tirando-as de todos os jeitos possíveis. Um papel caiu junto, dobrado com um laço se desfazendo em meio à terra escura.

Ultrapassou qualquer senso de nojo que tivesse e pegou o papel, o abrindo.

“Acostume-se com as larvas, terra e baratas. Não faltará nenhuma delas em sua alcova.”

Não estava escrito em italiano, mas em português. E a assinatura no final era completamente ilegível. Mas sabia quem havia mandado aquilo.

Máximo Messina.

A paralisia de seu corpo lhe prendeu no lugar, incapaz de andar ou de falar, somente conseguiu ter forças para busca-lo pelos cantos do salão, tentando encontrar o monstro que deveria estar a espreita.

─ Onde está? Onde você está Máximo? Apareça seu miserável! ─ Gritou, rígida. ─ Se está aqui, por que não aparece?!

E tudo ficou em silêncio. Ainda mais depois que os ecos de seus gritos passaram. Ele desapareceu, de novo, nas sombras.

***

Não havia nenhum dos seguranças quando o pessoal da guarda da universidade apareceu, ligando para a polícia, para o reitor, para o prefeito, para só Deus sabe mais quem.  Ficou praticamente sozinha segurando o bilhete e mirando a caixa de presentes branca com um laço rosa.

Viu um líquido amarelado e vermelho escorrer do papel e pingar no chão e soube que era algum cadáver só pelo cheiro que começou a se ampliar no ambiente. A polícia disse que ninguém deveria tocar em mais nada, mas ameaçou vomitar quando tentou abrir a caixa somente para terminar de concluir o próprio raciocínio.

Em algum momento daqueles minutos angustiantes se sentiu abraçada e reconheceu Pierre.

O francês lhe apertou contra o peito e lhe tirou do meio do salão enquanto dois policiais se apegavam aos materiais para pericia-los. Foi levada para o outro lado e quando um cheiro ainda mais podre emergiu não conseguiu conter o vômito.

Entrou no primeiro banheiro que viu e colocou para fora a água que bebeu naquela tarde.

Pierre ajoelhou do seu lado, pegou seus cabelos e lhe ajudou a limpar o rosto.

─ Calma... Está tudo bem. Não tem nada radioativo ou tóxico... É só o mau cheiro.

─ Onde estavam os rapazes... Onde eles estavam Pierre? ─ Uma lágrima escorreu. ─ Aquele demônio entrou aqui dentro com a maior facilidade do mundo... Ele não me matou porquê preferiu me torturar, mas poderia, se quisesse. Se ele quiser... Ele pode fazer qualquer coisa!

Ele lhe abraçou, apertando seus ombros.

─ Eu não sei Carol. Eles não estão aqui. Não temos ideia de onde eles estão. Anne já está cuidando disso.

─ E se for um deles naquela caixa? Um pedaço de um deles? ─ Apertou o ombro do francês. ─ Máximo. E se Máximo matou um deles? Ele pode matar qualquer um de nós. Qualquer um, Pierre.

Ele negou, soprando sua testa suada.

─ Eu não acho que eles estão mortos. Acho que eram cúmplices. E isso ainda é pior, Carol. Máximo teve poder para infiltrar seus soldados entre nós e pode haver mais deles, cuidando da casa, de você, do Louis, da Sarah, da Kiara...

Na menção do Louis, Caroline arregalou os olhos.

─ Foi uma... ─ Faltaram as palavras.

─ Foi uma demonstração de poder, querida.

─ Do Louis não... ─ A respiração dela ficou em suspenso. ─ Louis... Onde ele está? Onde estão todos?

─ Ele está com Emília, não se preocupe. Kiara está com Magno e Martina, Raena e Olívia estão seguras. Estão com Bruna. Ela chegou hoje pela manhã e eu pedi para ela cuidar delas. Sarah fechou o andar do hospital. Ninguém não autorizado irá entrar. Giuliano já está ciente de tudo e já pediu uma reunião com o chefe do serviço secreto.

─ A imprensa... Isso aqui vazar vai dar tudo que ele deseja. Ele vai conseguir provar que Giuliano não pôde contê-lo.

─ Sarah não deixará vazar. Está tudo dentro do controle. Eu prometo. Isso foi um erro grave. Não vai se repetir, Caroline.

─ Ele estava dentro do prédio. Estava atrás de mim. Eu senti.

Não quis confirmar que era verdade. Somente a manteve segura. Deu seu casaco para ela e a escondeu daquela exposição.

Quando saiu do banheiro o chefe da polícia estava com a caixa aberta, inspecionando com uma lanterna. Outro policial a segurava com luvas longas e com muito EPI.

O cheiro de podre encheu o ambiente.

Caroline ameaçou vomitar novamente, mas se conteve. O perito chegou mais perto e lhe deixou a mostra o que havia ali. Era um gato ensanguentado.

A cena mais horrorosa que já havia visto na vida.

Era um animal muito bonito e grande. Mas estava completamente esmagado. Não entendia quando tempo demoraria a que ele chegasse aquele estado de decomposição, mas certamente não tinha sido algo feito naquele dia.

─ A senhora reconhece esse animal?

Fez que não.

Não o reconheceu de imediato.

Até que pediu para ver novamente.

Quase vomitou de novo. Mas dessa vez foi de desgosto.

Pablo Picasso.

O gato de um dos seus vizinhos. O gato que um dia Fifi perseguiu pela rua e fez Giuliano cair no chão.

Não sabia que ele tinha ficado desaparecido, mas não o ouviu miar nas escadas nas últimas duas noites.

─ É o gato de um dos meus vizinhos...

Encolheu-se no abraço de Pierre.

─ Acha que ele esteve no meu prédio?

Pierre não quis dizer que sim, mas era lógico. Os rapazes tinha tido os registros checados. Estavam na equipe de segurança de Giuliano há uma semana, foram trazidos de Milão para Trento e sendo capangas de Máximo, poderia ter facilitado a entrada dele em qualquer lugar dentro desse período.

─ Não vai se repetir, Carol. Eu prometo.

Hospital de Trento, 18h16min da noite.

Sarah estava digitando algo no notebook quando Giuliano lhe chamou. Ficou de pé imediatamente a fala dele. Não era uma fala gentil, muito menos delicada. Ele estava insatisfeito desde o momento que soube da caixa e das flores que Máximo supostamente enviou.

─ Como erraram dessa forma? Como colocaram a vida da Caroline em perigo dessa forma? Os irmãos terão ainda mais motivos para me culparem, me obrigarem, me punirem. O que diabos aconteceu Sarah?!

Sarah engoliu a saliva espessa e ficou em silêncio por alguns segundos, procurando respostas que não tinha. Anne havia lhe colocado diretamente em contato com o responsável pela segurança institucional.

Nem ele sabia como aquilo havia acontecido.

Os dois rapazes que foram postos para fazer a segurança de Caroline ainda estavam desaparecidos, mas não saíram do país. Ao menos, não legalmente.

─ Não sei. ─ Disse por fim. ─ Precisa conversar com ela. Ver se... ─ Pensou que aquele momento de fragilidade seria perfeito para juntá-los, para deixa-la maleável.

Mas não jogava mais daquele lado. Não achava mais agradável ou prudente manter Caroline por perto.

─ Eu conversei com Pierre, ele a levará para um hotel. Estão arrumando as coisas. Ficará até terem certeza que o prédio voltou a ser seguro.

─ Vai conversar com a Caroline? ─ Questionou, curiosa.

Fez que sim, óbvio.

─ Eu preciso pedir desculpas. Esse erro foi inadmissível. Por sorte, Máximo resolveu que gostaria somente de assustar e não cumprir um destino ainda mais fatal. Por sorte, ele não foi atrás de Kiara. Por sorte ele não encontrou a família de Raena. E nós não trabalhamos com sorte, Sarah. ─ Apontou para ela, exatamente para o IPAD ligado. Sarah quase desequilibrou. ─ Eu tenho certeza que isso não vai se repetir, certo?

Ela assentiu, mordendo os lábios tão forte quanto podia.

Dispensou-a e Sarah saiu da sala carregando seu fiel IPAD e a bolsa branca, na verdade, ela estava totalmente de branco, desde o macacão até a capa do aparelho eletrônico. Provavelmente estava vestida para lhe pacificar.

Discou o número que precisava e a senhora lhe atendeu.

Não trataria daquele incidente para Raena. Quanto menos soubessem o risco que correram, melhor. Estavam acostumando com a segurança e não deveriam perceber a movimentação.

─ Graças a Deus está melhor, querido, mas confesso que estou muito surpresa de saber que precisa falar comigo. ─ Raena disse, com seu trejeito animado de sempre.

Giuliano estava com os registros de saídas do caixa das contas da Companhia de sua família abertos. Miguel cuidava das empresas desde o momento que precisou se desligar para assumir o cargo político, porém, informalmente, mantinha certo controle sobre o que acontecia ali.

Miguel lhe notificava quando algo importante acontecia.

E aquela movimentação era importante.

Luca pediu um adiantamento de seus dividendos num valor absurdamente alto.

Fazia muito tempo que ele não tocava no dinheiro que o pertencia na companhia. Ele geralmente reinvestia os valores mensais nos últimos quatro anos e não fazia os saques, muito menos pedia um adiantamento em valores tão altos.

O conselho da companhia acatou o pedido e liberou os valores. Miguel, como o principal acionista, considerando todas as procurações que representava, também não se opôs. Todavia, lhe sinalizou imediatamente.

Como justificativa para a retirada, Luca alegou que precisava da soma de dinheiro para investir numa rede de restaurantes. Entregou os documentos da sociedade e Raena era a outra parte.

Luca fez isso para provavelmente salvar a pequena de rede de restaurantes que Raena herdou de Pepe.

─ Gostaria de poder ajudar, Raena. Sabe que me sinto responsável pelo que houve, principalmente com Máximo... Tenho alguns negócios com restaurantes, tenho uma consultora maravilhosa no negócio e tenho fundos para ressarcir os cofres defasados da reforma. ─ Abriu o aplicativo do banco, preparando-se para a transferência. ─ Podemos considerar que 170.000 euros é um bom começo para a nossa sociedade.

Raena riu.

─ Ora querido... É lógico que sua proposta é tentadora, mas já tenho um sócio e no momento, não será necessário mais nenhum euro. Além disso, eu sei que essa segurança que mantém para minha família não sai de graça e isso é um serviço caro. Considere que essa dívida que sente que tem já esta paga.

Ele negou, estalando a língua.

Luca estava se espalhando e isso era muito mais perigoso para os próprios planos.

─ Não estou disposto a ceder, Raena. Sei que Luca investiu dois milhões. Estou aberto a dispensar um valor ainda maior.

Ouviu-a  respirar fundo, impaciente.

─ Giuliano Bocarelli...─ Estalou a língua de volta. ─ Eu sei que se me ligou não é porque considera a sociedade uma hipótese. Mas só temos quatro restaurantes. Não precisa dispensar um valor tão alto. Não é um investimento que te dará o retorno que espera.

─ Expandir faz bem. Eu acredito no seu potencial de administrar, Raena. Serão dois sócios, não me oponho a presença do Luca, porém...te ofereço além do dinheiro... Tenho o banco da família disponível pra você, com melhores condições de financiamentos e renegociação...

Quase pôde vê-la revirar os olhos.

─ Eu sei que o banco da sua família é algo de muito exclusivo, Giuliano. Eu sei sobre vocês. Esqueceu que eu sou sua maior fã.

Amava o humor indiscreto de Raena, tinha que confessar.

─ Além do banco, tenho consultores de negócios, com ótimos conselhos na área. Não vai se sentir sozinha ou perdida. Sou muito bom no que faço, Raena e estou cercada de pessoas que fazem tudo o que penso acontecer da melhor forma possível. Eu confio em você e neles, juntos.

Certamente Raena estava perdida. Mais do que dinheiro, ela precisava de ajuda.

─ Sócios? ─ Concluiu, insistindo.

─ Vou conversar com Vicente.

Vicente era um sujeito prudente e veria aquela parceria com bons olhos. Era causa ganha.

─ Eu aguardarei. Meus advogados conversarão com Vicente para calcular a transação. A margem de lucros e os valores dos repasses e quando eles acontecerão. Não se preocupe com isso agora, ─ Adiantou-se. ─ Obrigada, Raena.

Ela desligou quando se despediram apropriadamente e lhe restou à última ligação da noite.

Caroline.

Houve certa demora em lhe atender, mas não o suficiente para a primeira ligação cair. A voz dela estava um pouco temerosa, mas sentiu que não era sua presença.

─ Carol, meu amor, tudo bem?

─ Não sou seu amor, pare com isso.

Riu porque não importava a gravidade da situação, Caroline continuava perseverando em lhe afastar. Ela havia seguido a vida e não tinha menor intenção de recordar que existia, como se fosse um fantasma.

Aquilo não deveria ser total verdade, mas gostaria de testa-la.

Ela ronronou, fungando. Parecia estar abafada pelos lençóis.

─ Eu soube do que houve... Eu gostaria de pedir perdão por esse erro absurdo e te certificar que isso não vai mais se repetir. Tudo bem? Espera... Você está chorando?

Caroline não disse nada. Ela ficou em silêncio, mas conseguiu ouvir a respiração descompassada dela.

─ Só estou assustada. Amanhã vou me sentir melhor.

A voz dela denotava muita fragilidade. Era lógico que ela estava assustada. Todas as vezes que Caroline tentava ir à frente, longe do que houve com Máximo, algo a levava para trás.

─ Carol... ─ Chamou-a, mas a ouviu soluçar. Soltou o ar, frustrado. ─ Você está em casa?

─ Você sabe onde estou. Sua segurança tem um preço e eu sei que sabe tudo que eu faço. Por favor... Não finja que essa situação é normal. Sabe que estou no hotel.

─ Mas essa situação não é normal, Carol. Eu não estou dizendo que é.

─ Pare de me chamar de Carol. ─ Ela fungou. ─ E eu não estou falando daquele doente... Isso é claramente uma coisa anormal... Estou falando de você.

─ Do que quer que eu te chame, então?

─ Srta.Martins. Está ótimo

Giuliano 0 x 1 Caroline.

─ Não somos desconhecidos, pelo amor de Deus. Não seja tão orgulhosa. Está em casa? ─ Sabia que ela estava no hotel, mas queria que ela dissesse e que se expusesse, um pouco que fosse.

─ Você sabe que sim.

─ Não. Eu não sei. Eu estou te perguntando. Quero que me diga por que o deseja.

─ O poder de escolha está com você, não comigo. Você decide se quer saber por mim ou por seus guardas e eu não posso simplesmente me desfazer disso tudo.

Suspirou, buscando resgatar a paciência que lhe restava.

─ Sente-se segura? Posso fazer algo por você?

─ Voltar no tempo e te desconhecer. É a melhor coisa que poderia me acontecer.

Giuliano 0 x 2 Caroline.

Caroline não dava trégua, mas tinha que ter paciência.

─ Eu já entendi que está desesperada. Entendo perfeitamente. Eu também fiquei. Não compreende o tamanho do desespero que tenho de saber que ficou em risco novamente, tão perto daquele desequilibrado.  Essa discussão que quer começar é boba. Não sou eu contra você, mas nós dois contra Máximo.

Ouviu-a soluçar.

─ Eu quero ficar sozinha, Giuliano.

Respirou fundo de novo. Odiava lidar com o gênio de Caroline quando ela estava assustada. Ao mesmo tempo em que ela ficava vulnerável, se tornava arisca. Com todos os outros homens do planeta, ela aceitava ser cuidada, mas não por si. Como se tivesse um anticorpo só para lhe atacar.

─ Por que não deixa de ser tão teimosa? Não quer ficar sozinha. Precisa de alguém... Precisa de mim. Diga que precisa e eu saio desse hospital para passar a noite com você. Basta dizer, Carol.

─ Pra que, pra você continuar tentando me machucar? Eu não quero ter que me proteger de você também, por favor.

Não sabia em qual sentido exatamente ela disse aquilo. Mas não adiantaria discutir e precisava ser paciente. Repetia aquele mantra repetidas vezes na mente a cada segundo que pensou em dar uma resposta ainda mais atravessada.

Precisava ser compreensivo. Ela estava assustada e não estavam na melhor fase. Aquele momento era propício para gerar confiança, estava em vantagem, tinha que mantê-la. Não podia se deixar levar pela frustração de novo.

─ Eu preciso de você... Não seja tão brava. Eu quero cuidar de você.

Ela ficou em silêncio por alguns segundos depois daquilo.

─ Como está a minha família?

Quase ficou aliviado. Ela estava mudando de foco, mas lhe tangenciando para mais longe ainda.

Giuliano 1 x 3 Caroline.

─ Bem. Eles não estão sabendo de nada disso. A não ser que queira contar. Estão seguros. Os agentes de segurança agora serão escolhidos a dedo por mim, sem confiar em terceiros. Eu sei quem são.

Pensou que Sarah havia a notificado de algo, mas aparentemente ela não havia o feito.

Caroline murmurou algo de compreensão.

─ Já encontraram os oficiais que faziam minha segurança?

─ Não. Eles desapareceram. Não acredito que vão voltar.

─ Acha que eles estavam envolvidos com Máximo?

Tinha que dizer que sim. Não poderia mentir.

─ Sim, Caroline.

─ Tomara que não voltem, então.

Caroline não era tão dura, mas os episódios sucessivos de problemas estavam a deixando cada vez mais distante.

Deixou o que o assunto ali morresse um pouco para poder inserir um novo tópico. O que levaria aquilo a algum lugar enquanto ela estivesse chorando, fragilizada.

─ Estou aqui por você. Diga que me quer por perto e eu vou, Caroline. Todo o meu poder é seu... As minhas forças são suas.

Caroline habilmente tangenciou:

─ Por quanto tempo...Por quanto tempo ainda estará disposto a dividir sua segurança comigo? Eu sei que... Que tem a polícia...Mas não confio em Máximo. Ele pode comprar, se infiltrar... Máximo precisa acreditar que estamos juntos, não é? Isso o deixa distante? Deixou pelo tempo que eu estava na sua casa, no hospital. É isso que o coloca pra longe, não é? Ele tem medo de você?

Então a compreendeu. Caroline tinha medo de que no momento que fosse embora, ou quando seu interesse diminuísse ou mesmo sumisse a exporia. Ela queria distância, mas tinha medo de ficar longe demais e acabar perto do perigo.

Era uma perspectiva muito interessante.

Não era só ele que precisava gerar aparências para alguém, Caroline também.

Sorriu.

Máximo estava lhe ajudando mais do que deveria. Caroline, por mais que quisesse se afastar, precisaria se manter por perto para não dar ideias a Máximo que estava vulnerável e isso lhe abririam várias portas.

Giuliano 3 x 3 Caroline.

─ Possivelmente, Caroline. Não chore dessa forma... Eu vou hoje. Diga que quer. ─ Ouviu-a fungar novamente.

Caroline não queria aquilo, mas estava cedendo. Sentia-a cedendo.

Giuliano 4 x 3 Caroline.

─ Estou presa a você... ─ Fungou de novo.─ Que conveniente... A vida é muito irônica.

Quase disse que estar naquela posição não era algo que realmente estivesse em seus planos, mas precisava manter o controle de suas próprias emoções ou colocaria tudo a perder.

Torceu o nariz, irritado.

Para ela era uma sacrifício necessário ter que lhe aceitar por perto e não gostava da sensação de desprezo que aquilo trazia. Mas, Caroline vulnerável e assustada, precisando de sua proteção, era a maior oportunidade que já havia recebido nos últimos meses. Não podia estragar tudo sendo orgulhoso.

Nenhuma mulher nunca lhe considerou um castigo, menos ainda uma que não tinha interesse, mas precisava engolir seu orgulho e fazer o que tinha que ser feito. Precisava dela e, pela primeira vez, Caroline acreditava que precisava de si.

Ouviu-a fungar um pouco mais.

─ Sabe o que mais me assusta... ─ Ela confessou, falando baixo. Quase trêmula. ─ As flores que ele me mandou eram girassóis... Os girassóis murchos que eu joguei pela janela aquele dia.

Giuliano se ajeitou na cama, era uma informação interessante.

─ Aqueles girassóis?

─ Sim... Aqueles girassóis, Giuliano. Eu não sei como, mas ele os pegou da minha janela. Ele já me rondava... E estava lá junto com a imprensa, junto com a polícia e ninguém o viu entre a multidão... Ele guardou essas flores e as deixou secar e apodrecer... E o gato... O gato... Pablo Picasso, lembra dele? Você e eu corremos atrás dele e de Fifi uma vez na rua... E isso tudo relacionado a nós dois...Não foi um aviso somente para mim. Foi pra você.

Máximo usou as entrelinhas e isso era interessante, típico do El dominador. Ele estava travestido totalmente de sua identidade fora da lei e não tinha intenção de se esconder. Talvez, até estivesse sendo acobertado por pessoas muito mais poderosas que Norma.

─ Ele não vai me machucar, Caroline. Máximo não tem tanta coragem.

─ E se ele puder? Você está no hospital ainda... Conhece todos que estão aí? Todos são de confiança?

Giuliano 5 x 3 Caroline.

Proteção era um bom ponto a seu favor. Ela ainda se preocupava.

─ Você confia em mim? ─ Disse, sério.

─ Não.

Aquela palavra o fez se sentir desestimulado de mil formas diferentes, mas precisava continuar tentando. Ela estava reagindo.

Giuliano 5 x 4 Caroline.

─ Caroline, estou falando sério. ─ Revirou os olhos. ─ Acha que eu sou capaz de te machucar? Acredita que eu seria capaz de te machucar realmente? É isso que estou falando.

─ Naquele dia no hospital eu achei que sim...Naquele dia que falei de Bianca também.

Giuliano 5 x 5 Caroline.

Fechou um pouco os olhos. Aquilo era mais um balde de água fria.

─ Eu sinto muito. Gostaria de mudar o passado.

─ Ninguém pode mudar o passado, Giuliano.

─ Se eu pudesse, eu teria sido um homem melhor pra você. Eu conseguiria provar que tudo o que eu tenho é seu e que...eu estou falando a verdade quando falo isso.

─ As pessoas são o que devem ser. Era assim que tinha que ter acontecido. Mal ou bem, cumpriu seu próprio destino. Só você não era meu, Giuliano. E isso nem importa mais...

Giuliano, a muitos anos atrás, ficou obcecado por um tempo com astronomia. Vivia para observar as estrelas pelas madrugadas nas florestas de Siena. Carregando para lá e para cá um telescópio que na época servia para ver mais do que o inferno que vivia.

Era sua fuga.

Uma vez, em uma das literaturas que consumiu, viu que em alguns outros sistemas solares, seria possível ver uma estrela nascer e morrer quase que no mesmo minuto considerando a distância em anos luz.

Talvez, fossem como aquelas estrelas, destinadas a ter uma convivência, que além de não quererem, vivia e morria quase que no mesmo momento.

─ Sabia que em anos luz... Não vivemos nada?

Caroline soltou uma risada, uma risada real.

─ Sério que está pensando em astronomia uma hora dessas? Não queira ser um romântico incurável, você não é assim. Não comigo.

E mais rancor. Caroline se tornou ainda mais dura do que quando a conheceu. Não seria qualquer atitude ou fala sua que a faria ser convencida. Teria que se esforçar o dobro.

─ Estou pensando em você, Caroline. Todos os dias que te conheci desde então não houve um que você não invadiu minha cabeça e comprou um pouco que fosse do meu juízo. Todo o santo dia que tive desde aquele dia na universidade, te dou algumas horas sem que saiba que faço isso. Eu rio, eu me irrito profundamente, eu me sinto culpado... Sinto raiva, sinto ódio, sinto...e sinto...E sinto... E de repente, não fomos nada ou estamos ainda existindo.  Não consigo parar de pensar em você.

─ E consegue sim, tenho certeza. Toma um anti-psicótico e você supera. Isso é obsessão, já te falei.

Gargalhou com a impaciência dela e Caroline riu de volta. Ela se esqueceu de chorar para rir.

Giuliano 6 x 6 Caroline.

Ao menos uma vitória.

─ Tem horas, Caroline... Tem horas que eu sinto que sou capaz de te odiar...E eu sinto tanta raiva... Tanta frustração e você me irrita... É tão diferente de mim que tenho a sensação que vou explodir...

─ Saiba que a recíproca é igual.

Que bom que pelo menos ela ainda sentia. Era minimamente mais fácil assim.

Giuliano 7 x 6 Caroline.

─ Mas aí você sorri, você ri na hora que não deve, você faz uma piada com uma coisa séria... Vem o Máximo e tudo o que eu penso é que se algo te acontece eu não tenho ideia do que seria de mim... Eu quero ficar perto, mas você me manda embora e eu preciso aceitar porque você me controla, controla a minha vida desde o momento que entrou nela. Como se fosse minha doença e meu remédio.

Caroline ficou em silêncio por alguns segundos.

─ Eu te amaria se você tivesse sido um homem melhor...

Ele a interrompeu.

─ Mas eu sou de carne e osso, Caroline. Eu cometo erros que não desejaria cometer.  

─ Aquilo não foi um erro, foi um desabafo... Mas não importa. Não quero ser rancorosa, quero te tratar bem e se insistir nesses seus sentimentos, vou precisar te lembrar de constantemente o porquê não. ─ Ela mudou de assunto. ─ Não acho que você é igual a Máximo... Não são iguais. Se for isso que te preocupa. Eu confio em você, pelos menos por hora.

─ Então confie em mim que não vou deixar Máximo te machucar, ou mesmo me machucar... E confie que eu não vou te machucar. Não se ocupe de mim, ele não tem todo esse poder. ─ Garantiu. ─ Se confia em mim, eu provo que sou digno da sua confiança.

─ Não vamos conversar novamente, Giuliano, mas...

Ele a interrompeu.

─ Por que faz isso conosco? Por que você não tenta não ser tão rígida comigo e com você mesma e deixa esse término de lado? Aceita que está com medo... Que precisa de mim... Não aceitaria minha ligação se não se sentisse segura falando comigo. Aceita minha presença nesse hotel, Carol. Abre essa porta quando eu bater...

Giuliano 9 x 6 Caroline.

Esse era o erro que Caroline não poderia deixar continuar acontecendo. Relutou em atender, mas o deixou entrar. Giuliano, era extremamente persuasivo e sempre estava buscando uma fraqueza sua e por mais que se fechasse, ele encontrava uma brecha.

Precisava cortá-lo de novo.

Mesmo que seu coração estivesse implorando por segurança, pela voz, pelo os olhos, pelos braços, pelo cheiro dele. Não podia. Não colocaria tudo a perder. Nem mesmo por Máximo, nem por si.

Uma lágrima caiu quando respirou fundo, negando.

─ Por que eu não sinto mais nada de bom por você, Giuliano. ─ Disse num tom indignado, sério demais. Num fingimento que não sabia de onde tirava forças. ─ E eu juro que luto todos os dias para manter o respeito que nutro por você, pelo Louis. E cada minuto perto, me deixa ainda mais certa de que eu estou correta. Eu agradeço pela segurança, sou muito grata por ela... Mas vamos cumprir o tempo que falta até sua estadia em Trento acabar e a até Máximo encontrar outra coisa para perseguir e então acabou.

Giuliano 9 x 7 Caroline.

─ Não sente nada por mim? ─ Perguntou ironicamente, por impulso.

─ Se bater na minha porta, eu te deixo fora dela.

Giuliano 9 x 8 Caroline.

Giuliano discordava, ela era transparente demais e ainda via uma fagulha ali que só precisava ser acesa. Mas, ainda sim, não correria o risco de realmente ficar do lado de fora. Não era o tipo de pessoa que implorava.

Não imploraria. Não iria se sujeitar aquilo.

Era humilhação demais.

Desejou dizer que acabar aquela relação de uma vez era a coisa que mais sonhava, mas não poderia. Tinha que ser um homem apaixonado e seria. Cumpriria o papel que fosse para agradá-la até que fosse seguro estarem livres.

Ela era seu alvo. Como um dia o cargo de presidente do partido foi, como as eleições gerais, como ser primeiro-ministro... E não desistia, não retrocedia e não estava disposto a perder mais do que já havia perdido por uma mulher temperamental de coração partido.

Tinha que ser racional. E seria.

Caroline, nem mesmo fragilizada baixava a guarda e isso precisava de medidas mais drásticas.

Ainda mais.

Então sorriu, irônico. Aceitando as consequências e os sacrifícios daquela missão.

Tomou a ligação de novo e as rédeas da situação. Se insistisse um pouco mais, ela cederia, sentia que sim. Se não ali, em outro momento. Uma hora ela cederia.

─ E eu sairia... Sairia pra ficar com você. Eu saio agora se eu quiser. Por você.

─ Você não pode sair do hospital... Não comprometa seu tratamento por ego ferido. ─ Atacou. Se não fosse assim, Giuliano continuaria tentando e ficariam naquilo até que um dos dois cedesse. ─ Não me ama, mas gostava que eu te amasse e é isso que sente falta, de alguém que te olhe com o mesmo orgulho, afeto e admiração. Você é carente e egoísta, sente falta do que eu te oferecia. Não de mim. Quem ama não faz o que você fez. E insiste porque é teimoso e inconveniente.

Giuliano 9 x 12 Caroline.

Realmente não esperava aquele ataque e demorou alguns segundos esperando seu cérebro raciocinar como resolver.

─ Eu te ligo em breve, quando tiver mais informações.

─ Eu agradeço se passar tudo por Pierre.

Giuliano 9 x 13 Caroline.

Ignorou-a, mesmo que aquilo tivesse sido outro ataque evidente.

Pierre não ficaria em seu caminho. Nem mesmo os cacos de Caroline ficariam em seu caminho.

─ Existem assuntos que são só nossos, Caroline. E uma noite dessas vou bater na sua porta e antes que abra, eu arrombo. E no meio dos nossos assuntos existe você, que é minha. Eu já te disse... Você vai dizer sim pra mim... no altar e na sua cama.

O jeito sombrio da fala dele fez Caroline arrepiar-se inteira. Aquele tom lhe fazia questionar a própria sanidade mental.

Giuliano 10 x 12 Caroline.

Não deu espaço para que ela se defendesse, mas ainda ouviu um “ora, seu...”

Giuliano atirou a almofada na porta.

 Havia sido uma derrota por pouco em suas contas.

Caroline definitivamente não ficaria em seu caminho. Não perderia todo o prestígio e força que tinha na fraternidade por sua resistência.

Se ela queria um homem que pudesse confiar, ela teria. Daria vida a esse personagem e ao enredo por trás dele, tudo o que mais precisasse.

─ Eu disse que será minha esposa e você será, Caroline. Nem mesmo saberá o que te atacou até estar na minha cama, marcada por mim, completamente minha e sem uma peça de roupa sequer. Aí veremos Caroline quem terá vencido essa guerra.

Trento, 23h12min da noite.

Karine estava adormecida em seu sofá. Foram ver um filme e a menina dormiu na metade, segurando um balde de pipoca. Levantou devagar para não acordá-la e foi tomar a medicação. O ansiolítico que vinha mantendo sua cabeça minimamente no lugar, mas tinha que confessar que a outra parte responsável por não enlouquecer era a protegida de seu pai.

Karine era uma ótima companhia a maior parte do tempo. Ela era uma menina muito inexperiente e um tanto mimada e superprotegida, mas que havia tido a redoma de vidro estourada da pior forma possível.

Alessa não tinha tempo ou energia maternal o suficiente para dar atenção que aquela menina traumatizada precisava. Enrico havia lhe pedido encarecidamente para que suprisse um pouco da ausência de afeto que a menina precisava e não foi nenhum sacrifício.

Ela estava virando quase uma irmã mais nova que nunca teve.

Voltou para o sofá e a chamou.

─ Vai para cama...

Karine lhe olhou por alguns segundos confusa.

─ Quase achei que fosse a mamãe me chamando... ─ Os olhos se encheram de lágrimas. ─ Desculpa.

Fez um carinho no ombro da menina.

Não era a primeira vez e nem seria a última que Karine confundiria qualquer voz feminina que ouvisse com a da mãe. Aconteceram várias vezes em Roma com Alessa e com a governanta da casa.

Não só perdeu a mãe. Mas era vítima da ambição da família dos pais que só pensavam em dinheiro. Os bens de Roberta estavam bloqueados devido as investigações, logo, a menina não tinha absolutamente nada além da bondade do padrinho, e o pior de tudo, Karine estava descobrindo aos poucos que Roberta estava muito longe de ser uma pessoa idônea e de caráter.

─ Tudo bem... Eu vou dormir já e você pode ir para a cama.

O escritório que transformaria em quarto de hospedes ainda estava em reforma e enquanto isso estava dividindo a cama com Karine e também não foi a primeira vez. Na noite do velório, Karine acordou aos gritos dizendo que viu a mãe afogada em um sonho e deu a ela um espaço em sua cama para que ela se sentisse segura dormindo com alguém.

Quando Karine trancou a porta do quarto, desabou no sofá.

Parecia que havia envelhecido 10 anos na última semana. Quando estava quase cochilando novamente, ouviu seu telefone tocar. Abriu um pouco os olhos e viu o nome de Giuliano.

O coração apertou.

Fazia dias que não o atendida, mais dias ainda que não o via.

Tinha que confessar a si mesma que ficou levemente decepcionada quando ouviu o nome de Caroline como sendo o primeiro que ele disse que precisava ver no hospital, mas não foi isso que a afastou.

Miguel tinha razão e ele tinha poder demais para que pudesse ignorar.

Giuliano tinha que estar totalmente focado para reconquistar Caroline depois do desastre de Milão. Não podiam alimentar mais uma vez aquela fantasia, principalmente depois do trauma de perderem mais um bebê juntos.

Ele, em nenhum momento, lhe pressionou ou perguntou o porquê foi tão descuidada, não lhe acusou de absolutamente nada, e do contrário, desejou o bebê que não sobreviveu como se tivessem tal regalia e ainda por cima, lhe procurava e buscava sua presença para manterem o que Miguel já tinha dito que era impossível.

A organização já tinha sua escolhida e nem mesmo Giuliano poderia escapar daquele destino.

─ Laura!

Achou que estivesse louca, mas era a voz dele atrás da porta.

Correu para abrir, antes que Karine ou os vizinhos ouvissem.

Giuliano estava de moletom, coberto por um capuz, na sua porta. Ainda estava um pouco pálido e mais magro, mas era ele. Vivo e em carne e osso como se não tivesse quase morrido.

─ Não era para estar no hospital?

─ Vou receber alta em dois dias. ─ Disse, estudando seu corpo e seu rosto.

Levantou tão no susto que não se deu conta de colocar algo que cobrisse seu baby-doll de seda semitransparente e agora estava seminua na porta.

─ Você fugiu do hospital?! ─ Arregalou os olhos, raciocinando.

─ Tecnicamente, sim. ─ Deu um passo para dentro do apartamento, indo para a mesa da sala. Laura segurou seu braço, impedindo e lhe levando para a cozinha próximo ao corredor do quarto. ─ O que foi? Quem está aqui?

Ela fez um gesto para que falasse baixo.

─ Karine. Karine está no meu quarto.

─ A filha de Roberta? ─ Ele fez um olhar de total confusão, vendo a porta do escritório cheia de latas de tinta.

─ Meu pai assumiu a guarda dela. Minha mãe é a pessoa menos sensível do mundo e eu achei melhor que ela ficasse comigo por alguns dias.

Giuliano achou a situação no mínimo irônica. Enrico deveria ter sido responsável por assinar a execução de Roberta e agora estava com a guarda da filha dela. Certamente Laura não sabia disso, como também não sabia que ele a supervisionava diretamente desde o momento que ela iniciou na organização.

─ Deus...

─ O que veio fazer aqui, fugindo do hospital?

─ Eu queria te ver, ter certeza que está bem, como está com tudo o que aconteceu... ─ Abraçou a cintura dela com uma mão, e tocou a bochecha com outra. ─ Por que não me atendeu?

─ Porque temos obrigações, Giuliano. ─ Disse séria. ─ Você e a...e a sua futura esposa precisam se resolver e nesse momento o que passamos está nos atrapalhando e atrapalhando o progresso dos nossos objetivos.

─ Que se dane os objetivos com Caroline. Miguel não tem o direito de interferir nisso, ainda mais com o nosso bebê no meio. Ele me prometeu um tempo, precisa cumprir.

─ Não... Por favor... Não faça isso. ─ Insistiu. ─ Não vamos confundir as coisas mais uma vez. Temos um objetivo e nossa relação ultrapassou a sua com a Carol. Foi minha causa que as coisas entre vocês não deram certo... Não podemos correr o risco de fracassar novamente e muito menos de sermos vistos.

Giuliano a olhou sério, compenetrado em lhe avaliar como se estivesse procurando um defeito em uma peça de carro.

─ O que está me dizendo Laura? Sempre fomos eu e você, antes dela, antes de qualquer objetivo... A nossa parceria sempre foi mais forte do qualquer outra coisa.

“Parceria”. Aquela palavra embrulhou o estômago de Laura. Não conseguia vê-lo só como um parceiro. E mesmo que ele não dissesse aquelas palavras, ou mesmo não fosse naquela profundidade, também sabia que não eram só amigos.

─ Giuliano...Vamos manter as coisas como estão, pelo menos até se casarem.

Ele sorriu de canto.

─ Tudo bem... Seremos somente o que você quiser. Mas, saiba, que eles não tem o poder que você tem nessa situação. É você quem decide e dá a última palavra, Laura.

Ela não saiu dos braços dele, nem mesmo se quisesse teria forças, e o abraçou ainda mais forte.

─ Eu preciso de tempo... Preciso lidar com a perda do nosso bebê, com a Karine, com a minha mãe, com a organização. Preciso digerir isso e preciso viver isso sozinha.

─ Por que passar por isso sozinha quando eu estou aqui? Quando estou lidando com a mesma coisa?

Não tinha uma resposta do porquê, mas era o que precisava fazer, o que sentia que devia  naquelas circunstâncias. Diante do seu silêncio, Giuliano lhe soltou um pouco, mas não suficiente para não colocar a cabeça no peito dele.

─ Volta para o hospital... Termina seu tratamento. Eu vou ficar bem. Vou cuidar para que a Caroline esteja pronta quando você quiser começar.

Giuliano resmungou sozinho.

─ Ela está ainda mais intragável. Falei com ela hoje à noite. Veio com umas ideias de que estou insistindo por ego, que amava o que ela sentia por mim, não... Essas baboseiras que falam em séries adolescentes. Isso é coisa do Willfred. Tenho certeza que é ele dificultando a minha vida.

Reclamou, irritado.

─ O que esperava? Que ela estivesse totalmente aberta aos seus avanços como se não tivesse destruído o coração dela na única oportunidade que recebeu? E certamente Willfred tem algo com isso, o simples fato de que ele existe e torna você um homem normal que só a machucou se comparado a ele ou a qualquer outro.

A expressão dele foi de desdém.

─ Se ela se abriu para mim uma vez, fará isso de novo. ─ Estalou os dedos, pensativo. ─ Mas, vou precisar de um apoio a mais das circunstâncias. Preciso somente deixa-la viver um pouco mais com a ausência, deixa-la na dúvida se ainda estou aqui pra depois fazê-la se sentir aliviada com a minha presença. Ela não pode achar que me  terá correndo atrás dela o tempo inteiro. Só a minha sombra será suficiente. Tivemos um diálogo difícil hoje. A mulher não cede de jeito nenhum!

Laura balançou a cabeça negativamente.

─ Não estou querendo te desanimar, mas você só não é o primeiro lugar na razão do desconforto da Caroline porque o Máximo existe.

Ele fez um sinal de que ela tinha compreendido a ideia e Laura girou os olhos.

─ Máximo me fez um favor hoje. Resolveu que queria assustá-la e me afrontar... Vamos terminar o que começamos e agora vou fazer dar certo. Se eu explorar essa situação direito, vai me ajudar muito mais do que atrapalhar. Caroline ficará vulnerável e assustada e eu... O único que pode defendê-la.

─ Se você provar muito claramente, Giuliano. Em todo o resto, Willfred com certeza vai se provar melhor que você, até mesmo o Luca.

─ De que lado está, Laura? ─ Sorriu, duvidoso.

─ Do seu, mas eu conheço a Caroline melhor que você. Deixou aquele conflito de Milão esquentar demais e depois congelar. Junto com isso esfriou o coração da Caroline. Mas estamos juntos. Nós vamos fazer isso, juntos.

“Vamos fazer isso juntos, mesmo que seja a única coisa que possamos fazer” Laura pensou.

─ Máximo não ficará preso se o colocar na cadeia... ─ Ela continuou, alerta.

─ Ele não vai para cadeia quando eu colocar as mãos nele, ele vai para o inferno.

Laura sorriu um pouco, concordando.

─ Você só tem mais uma chance. Não pode correr o risco de perder o controle e o plano recomece. Caroline não vai tolerar. É melhor ir, agora. Antes que isso se torne perigoso para os nossos planos.

Giuliano não quis concordar, mas não estava disposto a discordar totalmente, então só assentiu. Ele ajeitou o capuz e saiu do apartamento, entrando no elevador de serviço tão rápido como chegou.

Assim que as portas se fecharam, Laura sentou no chão ao lado da porta e torceu para que Karine não lhe ouvisse soluçar.

Um dia, depois que a organização decidisse que era suficiente, quem sabe poderiam ter mais tempo para descobrir o que sentiam um pelo outro. Mas não ali, não naquele momento e o tempo iria limpar as arestas.

***

Menos de dez minutos depois que ele saiu sua porta soou de novo. Não achava que era Giuliano, na verdade, tinha ideia de que seu mais novo carrasco passaria por ela quando abrisse.

Miguel.

Era para ser um anjo, mas era seu demônio particular.

─ Recebeu meu sobrinho depois das minhas recomendações?

Ficou de pé, esperando que ele olhasse seu apartamento, buscando provas de que poderia estar mentindo.

─ Eu o coloquei pra fora. Reforcei a missão que temos em conjunto e disse que iria preparar Caroline. Estou fazendo tudo que me mandou Miguel. Eu recusei as chamadas, evitei contato... Eu fiz tudo o que me pediu.

Ele colocou um pé na frente do outro e sorriu, satisfeito.

─ Bom saber que podemos ser amigos, Laura. Mas, não vim aqui para perturbar as feridas do seu coração.

Laura esfregou o rosto, cansada.

─ O que quer? Diga de uma vez, Miguel. O que mais quer de mim?

─ O protocolo de desintoxicação que salvou a vida de Giuliano. Ele não saiu do nada, não é?

Laura respirou fundo, jogando a cabeça para trás e esticando as pernas. Era quase uma birra.

─ Não criei nada para matar Giuliano. Você conhece meus protocolos, você já comprou minhas formulas. Sabe que sou criteriosa com os alvos. Trabalho de forma individualizada e jamais sou contratada sem saber o alvo. Não tenha dúvidas de que se eu tivesse criado a dose, Giuliano teria morrido em no máximo três horas depois do contato com o agente infeccioso.

─ Eu sei que não o criou. Não dessa vez. Mas, não cria nada que não tenha um antídoto. Esse é o sucesso do seu negócio. Você vende o veneno para o assassino por um valor e o antidoto para a vítima pelo dobro.

Ela se ergueu, pegando o notebook.

─ Não tenho culpa se a vítima quer pagar o dobro para viver. ─ Deu de ombros, mostrando a tela ligando.

─ Hera, como sabia o antídoto?

Ela esfregou a cabeça novamente, cansada só de pensar naquela confusão.

─ Eu o criei. Criei o protocolo inteiro. Infecção e desinfecção há mais ou menos 9 anos. Quando estava no programa de mestrado de biomedicina do Texas. Eu era uma estudante, numa pesquisa chata com um orientador péssimo que me obrigava a trabalhar com um fungo que era sua obsessão. São doses alternadas de Chumbo, administradas por via aérea ou por toque... Doses pequenas e grandes, administradas de dois em dois dias durante uma semana. O corpo não tem tempo de tentar reaver a intoxicação. As doses acumuladas causam perturbação neurológica, agitação física, dor no corpo e sintomas gástricos. Passa-se por uma gripe ou estresse.

─ Isso eu percebi, Giuliano estava perdendo o juízo perfeito, o filtro social alguns dias antes de adoecer de fato.

Laura assentiu, concordando.

─ Depois é administrado o fungo da paracoccidioidomicose... Eu o modifiquei, O meu professor do mestrado na área biomédica tinha a intenção de fazer do fungo, por sua capacidade de penetração nas células, um agente carreador de medicação para o câncer. Mas, obviamente, deu errado porque ele é idiota e isso nunca daria certo. Eu o modifiquei para esse fim, mas não funcionou nos testes em vitro e a pesquisa perdeu financiamento.

─ Então você o vendeu... Vendeu para matar pessoas.

─ Eu precisava de dinheiro para manter o laboratório e pegar meu título. Eu precisava me ajudar e ajudar quem não tinha culpa daquela bagunça. Eu estava desesperada, Miguel. Criei o protocolo de intoxicação por um acaso... ─ Colocou as mãos na cabeça. ─ Até que um dia, pessoas apareceram. Interessadas no fungo modificado. Eu os vendi, sem saber que do que se tratava. Peguei o dinheiro e criei uma empresa fantasma para ser financiadora do laboratório.  Outros vieram, mais e mais compradores. Só o fungo era mortal, mas começaram a comprar por tudo. Todo o protocolo, então o vendia.

Miguel assentiu, ouvindo tudo com uma atenção que parecia estar hipnotizado.

─ E depois?

─ Eu havia criado o antidoto, sabia o que usar para reverter. Mas, uma vez que o fungo entra em contato com o corpo intoxicado por chumbo é difícil conter. A pessoa tem três dias de vida, no máximo. É muito rápido. Depois disso, mesmo com o antídoto, fica difícil recuperar-se das lesões. No final do segundo dia, surgem as feridas no corpo... O corpo entra em sepse e aparece um quadro de meningite porque o fungo ascende até o cérebro. E então são mais doze horas.

─ Meu sobrinho chegou além desse limite, Laura.

─ Giuliano teve sorte. Chame-o de milagre a partir de agora, Miguel. Giuliano é um milagre.

─ Mas me conte mais, conte sobre como você não tem nada a ver com o envenenamento do meu sobrinho.

Ela cansou-se mais.

─ Eu não sabia o que fariam com aquilo até ter visto uma epidemia de pneumonia sem causa num extremo norte do Nepal. Eles pegaram o fungo e mataram crianças, inocentes. Em massa. Envenenaram um rio com chumbo e soltaram no ambiente o fungo.  Pagaram laboratórios para fingirem não conseguirem identificar o que estava as matando e depois colocaram a culpa em agrotóxicos que uma empresa usava para plantar arroz. A empresa foi fechada, pessoas ficaram desempregadas, o dono se matou e milagrosamente uma multinacional a comprou a preço baixíssimo. Foi aí que eu entendi.

─ Entendeu que poderia fazer mais dinheiro sem ser descoberta e com muito mais tecnologia e através do perfil genético poderia correr menos riscos?

─ Foi aí que eu entendi que poderia direcionar o que sabia fazer para quem de fato merece. ─ Corrigiu. ─ Se eu não o fizesse, outros fariam. Eu faço melhor, Miguel. E seleciono quem merece. Eu não mataria o Giuliano... Não fiz nada contra ele...Mas tenho uma pista de quem pode ter usado a formula que eu criei.

─ Então não vende mais essa formula?

Laura negou.

─ Eu juro. Não a uso mais. Mas, alguém que a comprou há anos atrás, deve ter tentado replica-la e quase conseguiu.

─ Alguns de seus ex-clientes, imagino?

─ Pode ter sido qualquer um. Alguém que comprou, ou mesmo alguém que periciou os corpos e percebeu... Pode ter sido qualquer pessoa.

─ Precisa passar a lista dos seus clientes desse período, Laura. Acho que assim fica mais fácil achar quem fez a fórmula que quase matou o Giuliano.

Laura tinha uma pista, mas precisava tomar cuidado com o que diria.

─ Não sabe quem fez isso?

─ Sim. Eu sei. Mas, não posso provar até que encontre quem administrou a fórmula e os confrontar.

Laura assentiu.

─ Eu tenho um imitador...Mas tenho uma pista. A última pessoa que foi assassinada com o composto... Um perito muito esperto percebeu o composto. Tentou replica-lo, e invadiu meu laboratório na Toscana para roubar o fungo.

─ Ele conseguiu?

─ Em partes. Não roubou o fungo, mas conseguiu mais do que isso... Conseguiu descobrir como eu o modificava.

─ Ele esta vivo?

Negou. Foi até o quarto, trancou a porta e voltou.

─ Mas, acredito que ele tinha um parceiro. Vi-o falando com alguém no telefone. Não sei quem era, mas ele guardou essa fórmula todos esses anos e resolveu utilizar agora, vendendo pra quem quis matar Giuliano.

─ Sabe algo desse homem?

Ela assentiu. Anotou um endereço na agenda.

─ A esposa dele. Eu paguei a escola da filha dele por anos, sem que soubessem. Ele só estava tentando conseguir dar uma vida decente para a família. Não pude deixa-lo seguir vivo, mas assegurei a família. Talvez ele tivesse um amigo que ela deva saber quem é.

Miguel concordou, pegando o papel.

─ Quem foi seu último caso? Vai me ajudar se eu souber por onde começar.

Laura baixou o rosto, de repente tomada por uma tristeza e angústia como se a própria morte tivesse entrado em suas entranhas e lhe tomado à alma.

As lágrimas caíram e veio um choro compulsivo e dolorido saindo de sua garganta. Uma dor profunda que estava a matando há sete anos. Seu segredo mais dolorido, a mentira mais lancinante que já contou.

─ Eu não sabia... ─ Soluçou. ─ Não sabia quem era... Até... Até vê-la. O corpo dela... Não teve chances... Já estava desgastado pela doença... Ela não suportou nem mesmo o primeiro dia de infecção e eu tentei Miguel... Eu fui até Siena para tentar reverter o quadro... Eu tentei! ─ Ela agarrou os ombros do homem. ─ Eu juro que eu tentei! Eu juro...

A expressão de Miguel foi se modificando. As informações soltas se juntando. Aquela dor, a expressão de culpa que Laura esboçava, como se conhecesse, como se estivesse lhe pedindo desculpas. Como se tivesse lhe pedindo perdão.

─ Por que está se explicando pra mim, Laura?

─ Eu tentei tudo, Miguel. Entrei naquela UTI. Ela me viu tentando salvar a vida dela... O olhar dela... O olhar dela me pedindo socorro e ao mesmo tempo convencida de que...de que não tinha chances... Ela me viu. Ela implorou para viver, para que eu tentasse... Ela me falou o nome do filho. ─ As lágrimas caíram ainda mais. ─ Duas vezes. Ela queria viver...Por ele. Ele era só um bebê... Um recém nascido. Ela queria tanto ser mãe... Ela queria tanto, Miguel!

Miguel sentiu o coração batendo forte. Sabia quem era. Sabia de quem ela estava falando.

─ Ela? Por que está me olhando assim, Laura? ─ Ele a sacudiu, angustiado. ─ Por quê? O que você fez? O que fez Laura?!

Ela sentou no chão, desesperada.

─ Eu não sabia quem era... Até vê-la. Até ver você... Até ver o Giuliano. ─ O olhar dela ficou ainda mais triste.

─ Quem você matou, Laura? Quem?! ─ Quase gritou e ela se agarrou com seu pulso. Segurando-o. ─ Onde você me viu? Onde estavámos?! Fale!

Miguel lhe soltou e ela caiu ajoelhada. O homem se afastou possesso de um desespero que tinha causa, motivo, nome e sobrenome.  O olhar de Laura lhe disse, mas se recusava a ouvir.

─ Diga o nome da mulher que você assassinou, Laura! QUEM FOI?!

─... Bocarelli... ─ Os lábios tremiam, sem forças de organizar os sons. ─ Bocarelli...

─ Diga o nome completo! Diga o nome da mulher inocente que você matou, do bebê que você maculou. Da família que nunca, NUNCA, teve condições de existir, por sua causa!

Ela se encolheu, agarrando os joelhos e Miguel colocou as mãos no rosto, sentando no sofá e cobrindo a boca aberta.

─ Bianca Bocarelli... Bianca Bocarelli.

Ele colocou as mãos na cabeça.

─ Meu Deus! Todo esse tempo, eu nunca pensei num absurdo desses, Bianca... Bianca foi envenenada, assassinada! Meu Deus!

Ela assentiu, num misto de dor e alívio de não ser mais a única a carregar aquele fardo.

─ Ela foi à última vítima. Meu composto assassinou a mãe do Louis, reduziu seus dias há horas e destruiu a vida de um bebê e do homem que eu amo. E não há um dia na minha vida que eu não me culpe, que eu não pense no Louis e que eu não tente consertar o que eu fiz. ─ Chorou. ─ Tudo que eu faço por ele... Tudo que eu fiz pelo Giuliano é pouco diante do que eu causei.

Miguel não sabia nem mesmo se sentava ou levantava. Estava apático, desesperado, as lágrimas caiam mas parecia mais irado que triste.

─ O que você fez? Acha que tentar roubar a vida dela, vai te salvar? Redimir você?! Não esperou nem mesmo um ano e estava ocupando a cama do meu sobrinho. Quer que eu acredite que se sente culpada? De verdade?

─ Não ─ Chorou ainda mais. ─ Por favor... Tudo o que aconteceu depois não foi de caso pensado. Eu fiquei em Siena, me aproximei por culpa... Tentei dar apoio ao Giuliano, a cuidar do Louis... Não fiz de propósito, tudo o que aconteceu depois não foi proposital, eu juro!

─ Jura? Você foi à pessoa que mais se beneficiou. Você nunca contou para o Giuliano o que fez. Nunca! Teve toda a oportunidade e confiança do mundo para contar. Mas não o fez, menos ainda tentou fazer justiça por ela.

─ O que você queria que eu fizesse, Miguel? Eu não sei direito quem me contratou, não sei quem comprou o composto, não faço ideia! Não poderia fazer justiça mesmo que eu quisesse.

Miguel levantou do sofá e pegou pelo braço, colocando contra a parede.

─ Sabe porquê não faria? Porque só pensa em você. Porque sabia, que se contasse pra alguém a verdade, iria se colocar em risco. Você não ama o Giuliano, você ama não se sentir só e sabe, que se ele souber a verdade, é isso que vai acontecer. Não é?

─ É mentira! ─ Implorou, tapando os ouvidos. ─ Pare de me torturar Miguel. Eu já te disse tudo. Por favor.

─ Você sabia esse tempo todo que Bianca foi assassinada e nunca contou para ninguém. Nunca contou pra o Giuliano... Você deixou que a morte dela passasse impune, Laura!

─ Por favor! ─ Ela se encolheu na cadeira, chorando. ─ Eu fiz o que eu pude, Miguel!

─ Não foi o suficiente. Não foi tudo o que podia. Mentirosa. Aproveitou-se de toda essa situação para se aproximar, para roubar a vida que ela perdeu. ─ Acusou.

Laura não tinha condições mais de se defender, mas tinha para acusa-lo de volta.

 ─ Você só quer a verdade para provar ao Giuliano que eu valho menos que a Caroline, para retirar dele qualquer motivação para ir contra o que você e seus irmãos desejam. Você e eu, somos iguais! Se acha que fiz algo tão brutal de propósito e me aproveitei da situação, então está se aproveitando do que escondi para conseguir o que quer. Somos iguais!

Miguel sorriu enviesado, apertando o braço dela.

─ Eu? Igual a você? Eu matei a mulher que meu sobrinho amava, tirei a mãe de um bebê, o deixando órfão e carente para o resto de sua vida? Não, eu não sou.

─ Cala a boca, Miguel! ─ Tapou ainda mais os ouvidos. ─ Eu vendi o composto, não sabia pra quem ele iria até... Não pude fazer nada, Miguel. Eu não pude.

Miguel continuou:

─ Tudo bem... Ok. Você não sabia, mas se você amasse o Giuliano como diz, iria até ele agora e contaria a verdade, mas não vai. Porque prefere mantê-lo por perto num engano, do que reconhecer o erro que supostamente se arrepende, porque você não se arrepende. Com Bianca fora do caminho, Giuliano desesperado e uma criança perdida, você conseguiu ser todo o apoio que ele tinha. Você fez tudo isso, em causa própria e não se arrepende de nada!

Laura negou, engolindo as lágrimas.

─ Vai contar a ele? Contar o que eu fiz? Vai, Miguel. Conta. Conta pra o Giuliano o que aconteceu. Explica pra ele como ela morreu, põe essa conta no meu nome e prova pra o Giuliano que ele está sozinho e que a Caroline é tudo o que ele tem. Encerra esse jogo doente da organização e me expõe, afasta, distorce e humilha como a assassina que eu sou... Mas, lembre-se que o Giuliano confia menos em você do que em mim. E que nessa balança de crimes, você é igual ou pior! Condiciona seu sobrinho a um casamento sem amor, por poder e quer julgar minhas decisões para protegê-lo? Você não é melhor do que eu! Ou acha que essa história de Máximo, tão conveniente, me convenceu? Quem protegeu Máximo e o ajudou nessa história da universidade? Quem, Miguel?

Miguel a estudou, observando as maças do rosto dela vermelhas de ódio.

─ Não se atreva a dizer nada, Laura! Não sabe de nada.

Ela secou o rosto, indignada.

─ Claro que eu sei. Eu sei exatamente como vocês funcionam. Criaram o contexto e sob a sua proteção, Máximo se infiltrou na segurança da sua família para jogar Caroline no colo do seu sobrinho. Brincando com a vida de pessoas inocentes, como a Kiara, que nada tem a ver com essa bagunça. Confessa pra ele, também. Fala, Miguel. Fala dos seus jogos de manipulação com o seu sobrinho e com a Caroline, prova que é melhor que eu! Ninguém entre nós é bom ou presta. Nem eu, nem você.

─ Afaste-se do meu sobrinho... Ou eu mesmo conto a verdade, Laura.

─ É assim que prova que o ama? Ajudando-me a esconder essa mentira mais uma vez? Por quê? Por que desconfia, como eu, que alguém da própria família comprou o composto e quer protege-la não é?

Miguel tropeçou no tapete, se afastando.

Não podia dizer nada a Giuliano. Não podia fazê-lo mexer naquela história e encontrar o autor daquela tragédia.

Engoliu os soluços.

─ No fundo... No fundo realmente somos iguais. Todos nós. E é assim que funcionamos, escondendo coisas que podem nos matar porque é melhor que mate a nós do que destrua ainda mais outros inocentes.

Então ele se foi pela porta. Deixando-lhe sozinha, agarrada ao próprio corpo, trêmula e com as feridas expostas sem ter quem as estancasse.


Notas Finais


Olha... Esse capítulo de longe é um dos mais esclarecedores de toda a história. Muitos pontos sendo fechados e outros abertos e vocês conheceram alguns personagens em sua forma mais crua possível. A cena que mais me doeu foi a confissão da Laura... Essa doeu. Doeu mais do que eu imaginava porque eu sentia a dor desse segredo nela em todos os capítulos. A Sarah que escondeu a filha, o Miguel que engana o sobrinho, o Giuliano que engana a Caroline... Todos que se protegem e tentam se proteger para continuar sobrevivendo... É doído. E cara, acho que está começando a entender a conexão com o passado! Olha... Tudo começando a se encaixar hihihihihihi.
De longe, a cena mais divertida foi o Giuliano levando patada hihihiihiihihi. E vocês sentiram né? Sentiram a Kiara e o Pierre <333333 Ah, eu amo!
Mas, pra vocês, qual a preferida?
Contem aí nos comentários, falem as teorias!
Beijos, Deus os abençoe!


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