1. Spirit Fanfics >
  2. Just Another Way >
  3. História de horror

História Just Another Way - História de horror


Escrita por: 4sevendevils

Capítulo 39 - História de horror


Fanfic / Fanfiction Just Another Way - História de horror

Dias chuvosos lembram-me de casa. Em Londres sempre chove, seja qual for a época do ano. Liguei para minha mãe hoje cedo, somente para saber como andam as coisas por lá, não nos falávamos desde que viajei há uma semana. Ela não disse muito, apenas mencionou de maneira breve e sem muitos detalhes que Felix foi até lá para buscar as caixas que separei com as coisas dele. Eu não perguntei sobre, acho que o melhor a fazer é dar um tempo desse assunto, por ele e por mim também. Agora estou em frente a sacada de meu quarto observando a chuva cair na piscina enquanto folheio um exemplar do jornal de ontem. Nada de muito interessante, Los Angeles as vezes se torna uma cidade pacata, até mesmo para mim. Passa da meio-dia. Isabella ainda dorme. Não a vi quando voltou essa madrugada. Ela tem trabalhado até tarde em estúdio com a banda que está produzindo. Eu geralmente fico no hotel sozinha, leio bastante e escrevo muito também. Vez ou outra Gaga aparece e me faz companhia, temos passado bons momentos juntas, apesar dela estar ocupada com as coisas de seu novo álbum sempre dá um jeito de vir e nos falamos todos os dias pelo telefone.

Conversamos por horas, contamos as estrelas, fazemos amor... depois ela espera até que eu durma e vai embora, sem se despedir para não me acordar. Gosto tanto de ficar com ela... Ás vezes passamos longos minutos em silêncio na cama, uma virada para a outra, apenas nos observando, sem dizer nada. Parece exagero, mas eu poderia passar o resto da vida desse jeito, olhando para ela, analisando o seu rosto, medindo suas tatuagens, é uma pena que o tempo passe tão depressa quando estamos assim, tão íntimas. 

Peguei o costume de lhe mandar mensagem todos os dias pela manhã, sou melhor escrevendo do que falando e ela sabe disso. No entanto, hoje ela me mandou primeiro: "Já acordou? O que está fazendo?". Eu ainda não respondi, penso demais antes de respondê-la, tenho medo de lhe mandar algo errado. Mas acho que isso deve ser normal, não? Li em uma revista que não se deve responder seu pretendente rápido demais porque faz parecer que você está a postos, apenas esperando uma mensagem da pessoa; e isso contribui para que ela perca o interesse em você. Dizem até que o melhor é dar um intervalo de duas horas ou até mais para enfim respondê-la, deve ser necessário muito autocontrole e força de vontade. Eu até tentaria se Gaga não fosse tão impaciente, se eu demorasse tanto tempo assim, aposto que ela me ligaria, ou viria até aqui saber se aconteceu alguma coisa. 

Puxo o meu celular e decido lhe enviar a resposta: "Sim! Mas não estou fazendo nada." Ao contrário de mim, ela responde em seguida e iniciamos uma conversa: 

 

G: Como não está fazendo nada? Estamos sempre fazendo alguma coisa...

F: Quis dizer que não estava fazendo nada de relevante. 

G: E quer fazer? Tenho o dia livre...

F: Claro. O que tem em mente?  

G: Posso passar para te buscar? Aí eu te conto. 

F: Pode, só me avise quando estiver vindo.

G: Ok!

 

Guardo o aparelho em meu bolso e volto-me para o quarto juntando as roupas de Isabella que estão sobre o chão. Ela é mais desorganizada que eu, quando nós nos hospedamos juntas é quase impossível encontrar qualquer coisa no meio de nossas bagunças, mas por incrível que pareça, nos entendemos muito bem e a desordem nunca foi um problema entre nós, muito pelo contrário. 

 

Acendo a luz do quarto. 

 

– Ai Florence, apaga isso – Isa resmunga – Estou com dor de cabeça. 

– Já acordou? – aproximo-me.

– Não! – ela cobre o rosto com um chapéu – Ainda estou dormindo, não está vendo? 

– Quanta grosseria! – sento-me na cama – O que foi? 

– Nada. Só tive um sonho ruim. 

– Com o que?

– Deixa para lá – ela se apoia no meu ombro – Está chovendo? 

– Sim... Lembra daquela vez que nos hospedamos aqui e passou a semana inteira chovendo? 

– Lembro – ela ri – Rob alugou aquele monte de filmes de terror e não conseguimos dormir durante dias.

– Meu Deus foi apavorante! – solto uma gargalhada – Rob nos assustou a noite toda depois que assistimos O Iluminado. Eu fiquei desesperada.

– "Eu vou esmagar o seu cérebro!" – Isa grita subindo em meu colo – Lembra? Foi engraçado.

– Foi mesmo...

– Quer fazer isso hoje? Acho que vai passar o dia assim. Vamos baixar um filme na internet?

– Hoje não dá! – mexo em seus cabelos – Gaga me chamou para... 

– Ah esqueci que fui trocada! – ela suspira – Agora você só sai com ela. 

– Não me diga que está com ciúmes – sorrio.

– Não estou não. É que quase não nos vemos durante essa semana...

– Porque você sai todos os dias e eu nem vejo quando volta. 

– Eu tenho que trabalhar! – ela diz em tom rude – Ao contrário de você que passa o dia todo namorando.

– Não estamos namoran... Quer mesmo discutir sobre isso, Isa? 

 

Ela não responde, cobre o rosto e se deita em meu colo, acariciando-me. 

 

– Desculpa! - ela diz – É que as vezes eu quero te contar as coisas e você nunca está...

 

Ficamos em silêncio. Talvez ela tenha razão, não consigo equilibrar minhas relações e acabo deixando-a de lado no meio de minhas coisas, mas não faço por mal. Isa se dedica demais a mim, sempre que preciso ela está do meu lado, apoiando-me no que for e eu detesto saber que não estou conseguindo ser a amiga que ela precisa que eu seja.

 

– Quer me contar agora? – indago-a – O que foi? 

– Nada... É só que eu... Eu e a... – ela gagueja – Ah, esquece! E como vocês estão?  

– Bem– esboço um sorriso bobo – Ela me faz companhia quando você não está.

– Vocês transaram nessa cama? – ela cai na gargalhada – Meu Deus eu estou dormindo na cama que você e a Lady Gaga... Isso é surreal. Aposto que qualquer um gostaria de estar no meu lugar agora.

– Não diga besteira – sorrio para ela.

– É verdade! Poderíamos leiloar esses lençóis na internet, imagine o anúncio: "Florence Welch e Lady Gaga fizeram amor neste jogo de cama". ​Venderia mais que nossos três álbuns juntos.

 

Isabella dispara a rir por um bom tempo e eu a acompanho. 

 

– Eu gosto mesmo dela, Isa. 

– Eu sei – ela me abraça – E eu fico feliz por vocês... 

 

Passamos alguns minutos na cama até que o meu celular vibra e eu puxo para atender. É uma mensagem de Gaga: "Estou chegando". Levanto-me e vou até o sofá, onde estão as sacolas dos vestidos que ela comprou para mim no centro da cidade. Não ligo para presentes, mas adoro isso nela, porque ela gosta de me agradar em tudo que faz e convenhamos que ela não precisa de muitos esforços, qualquer coisa já me deixa encantada.

 

Visto-me e viro-me para Isa, questionando-a: 

 

– O que acha desse? 

– É bonito... Onde vocês vão? 

– Não sei – ajeito-me de frente ao espelho – Ela nunca diz.

– E você não pergunta? 

– Não – sorrio – Não gosto de ficar perguntando.

– Você é estranha Florence!  

– Ela gosta de me surpreender, entende?

– Entendo – ela ri, enrolando-se no edredom – Divirtam-se então, eu vou dormir mais um pouco. 

 

Termino de me arrumar, despeço-me de Isabella ajeitando-a na cama, pego minha bolsa e desço as escadas para esperar por Gaga na recepção. Sento-me no sofá, cruzo as pernas e observo-me através do visor do celular. Edward para em minha frente e me encara em silêncio, o que me incomoda.

 

– Você nunca tem nada de útil para fazer? – pergunto-o – Está sempre se intrometendo onde não deve...

– Bem, eu sou pago para isso – ele se senta ao meu lado – Para observar o mundo das pessoas...

– Grande trabalho – digo em tom de ironia – Meus parabéns, Edward!

– Você deveria pensar melhor no que diz – ele me encara – É o meu trabalho, eu não tenho culpa dos seus envolvimentos amorosos, não leve isso para o pessoal, querida.

– Quanto Felix te pagou para isso?  

– Isso é uma informação confidencial – ele ri com sarcasmo – Vocês ainda estão juntos? 

– Não. E eu não preciso dizer qual o motivo, não é? 

 

Ele acende um cigarro e murmura alguma coisa inaudível. Edward me irrita, seus argumentos me tiram do sério. Como as pessoas podem achar normal uma coisa dessas? Pagar outro para vigiar quem ama. Que tipo de amor é esse? Baseado em tanta desconfiança e mentira. É difícil entender alguns tipos de relacionamentos, tem gente que se sujeita a cada situação por acreditar em uma falsa felicidade... Eu sempre tive os pés no chão quanto a isso, se me submeto a alguma coisa é por medo de magoar o outro e não por esperar alguma coisa dele. Mas eu nunca havia passado por algo parecido, meus namoros sempre foram felizes, apesar de conturbados. Felix era o mais tranquilo de todos os homens que namorei e por isso me surpreendeu tanto, mas isso prova que independente da personalidade, homem com ego ferido é capaz de qualquer coisa.

A chuva diminui. Entre um carro e outro avisto um suburban vermelho encostar na portaria. Gaga desce do veículo. Ela usa uma roupa engraçada: calça larga, tênis allstar, blusa de moletom com capuz e óculos escuros, quem a vê desse jeito custa a acreditar que é a mesma que dança e canta tão deslumbrante nos palcos. Ela acena para mim e também acende um cigarro, cobrindo-se da chuva. Caminho rapidamente até ela que me cumprimenta com um beijo discreto no canto da boca.

– Faz tempo que você estava esperando? – ela pergunta. 

– Não, uns cinco minutos. Você voltou a fumar? 

– Cigarro não – ela ri – Isso aqui é meio difícil, preciso de algo para relaxar, entende?

– Sei... 

 

Entro no veículo, ela também. Ouço um grunhido estrando, olho para o banco de trás e me surpreendo ao ver Gustav encolhido lambendo o estofado. 

 

– Que coisa mais fofa! – estico o braço brincando com o animal – Ele está enorme, não está? 

– Sim, mas acho que não vai crescer mais do que isso...

– Por que ele tem essa cara engraçada? 

– Pergunte a ele – ela ri e dá a partida em seguida – Vamos? 

 

Aceno que sim com a cabeça e seguimos pela Hollywood Boulevard, uma das mais famosas avenidas da Califórnia. É nessa rua que se concentram os pontos turísticos mais procurados de L.A, como o Museu Madame Tussauds, O Hard Rock Café e o parque temático da Universal Estúdio. Já visitei todos, são lugares interessantes. Gaga está em silêncio, parece centrada em dirigir. Ela abaixa os vidros, solta a fumaça e sorri para mim em seguida, apoiando uma das mãos em minha coxa. Conforme seguimos pela rodovia a vegetação se torna mais densa e os enormes coqueiros são substituídos pelos altos relevos que estão neblinosos por conta da garoa. Tenho sempre um frio na barriga quando saímos juntas, achei que com o tempo fosse diminuir, mas só aumenta. Não sei como isso é para ela, porém de minha parte torna-se cada vez mais intenso, não perco a vontade, nada perde a graça e há sempre uma expectativa durante esses encontros porque nunca sei para onde iremos. Ela gosta de manter o mistério e eu gosto de ser surpreendida. 

Subimos uma imensa ladeira e entramos em uma rua discreta no meio de poucas árvores, ela estaciona de frente a um penhasco e abaixo do enorme letreiro do Griffith Park. Apesar da chuva, a vista é linda. O lugar é uma enorme reserva natural no meio da cidade, um parque típico repleto de grandes áreas verdes e trilhas; muito utilizado para cenários cinematográficos e é um dos poucos parques que nunca visitei. 

 

– Lá embaixo é mais lindo ainda – ela retira os óculos – Mas com essa chuva é impossível.

– Parece um lugar legal! – observo da janela – Você vem muito para cá?

– As vezes, quando quero pensar... – ela se aproxima, beijando-me na boca – Como você está? 

– Bem! – sorrio – Senti a sua falta...

– É bom saber disso. Está com fome? – ela puxa uma sacola do porta luvas – Minha mãe que fez. 

 

No recipiente há uma porção de bolinhos de brócolis com arroz integral. O cheiro está bom e o gosto também. Cynthia cozinha muito bem, acho que cozinhar é parte de sua cultura familiar, o que é diferente da minha, em casa quase não cozinhamos. Gaga nem toca na comida, está calada demais e vindo dela isso é preocupante. Viro-me para ela, seguro a sua mão e a indago:

 

– Aconteceu algo? Você está tão quieta...

– Não é nada – ela se levanta, sentando-se no meu colo – Só estou preocupada com as coisas do álbum. Quero para de pensar nisso... Consegue me distrair um pouco? 

 

Suas mãos puxam o meu rosto e ela me beija, um beijo de movimentos rápidos e desesperados, quase que supérfluos. Ela para com brutalidade e retira a blusa, parece ter pressa. Acho sua atitude um tanto quanto estranha e a contenho quando ela volta a tentar me beijar outra vez: 

 

– Acho melhor não – seguro seu rosto – Você está bem? Quer conversar?

– Não – ela apalpa os meus seios, descendo pela minha barriga – Não quero falar de trabalho, eu já passo tempo bastante pensando sobre. 

– Então vamos falar de outra coisa.

– Não quero falar, Florence – ela desce as mãos para as minhas pernas afastando o tecido do meu vestido – Quero fazer outra coisa, só fica quietinha, ok?

 

Gustav late, raspando as patas sobre o estofado.

 

– Stef não podemos fazer isso... com ele aqui – aponto para o animal – Ele está olhando...

– Ele não sabe o que estamos fazendo – ela me beija aos risos – É só um cachorro, meu amor.

 

O filhote late novamente e eu desvio o meu rosto.

 

– Não dá! – afasto-me – Eu não consigo! Podemos fazer isso outra hora?

 

 Ela para. Inclina o banco para trás, se deita do meu lado e pega Gustav, colocando-o em meu colo. 

 

– Ok, você venceu – ela ri – Sobre o que quer conversar? 

– Ele é tão bonitinho, não é? – esfrego os pelos de Gustav que se encolhe nos meus braços – Ele dá muito trabalho?

– Não, até que ele é calmo e pelo visto gostou de você! – ela se deita em meu ombro – Pode me fazer carinho também? 

– Claro! 

 

Abraço-a e acaricio a sua cabeça. Ela me beija no pescoço, de olhos fechados, parece cansada e incomodada com algo que não quer me dizer. Eu não a questiono novamente, não quero deixá-la irritada. Depois de alguns minutos nessa posição ela segura as minhas mãos e me questiona:

 

– Por que você usa tantos anéis? 

– Me sinto nua sem eles – respondo-a – Esses foram presentes do meu pai.

– E o que ele faz? Você nunca me falou sobre o seu pai.

– Ele trabalha com marketing, publicidade, essas coisas, mas nunca entendi direito o que ele faz.

– E a sua mãe? 

– Professora! – sorrio – De história da arte. Eu tenho a mesma formação, mas fiz por hobby, não levo jeito para ensinar ninguém. Você estudou alguma coisa? 

– Até tentei – ela solta uma gargalhada – Passei um ano na Tisch School em Nova York, mas desisti, aquilo não era para mim. Eu sempre detestei a escola, sabe? Eu estudei em um colégio católico para garotas durante a minha adolescência, e aquilo era um verdadeiro inferno.

– Por que? – encaro-a – O que acontecia de tão horrível? 

– Eu era o patinho feio da turma – ela esfrega os olhos – As garotas zombavam do meu corpo, do meu cabelo, não era muito legal. 

– Já vi fotos suas de quando era criança e você não era nada disso.

– Bem, elas achavam...

– Eu também não tinha muitos amigos na escola, sempre fui muito tímida e de poucas palavras, mas em Londres não temos muito esse hábito de praticar bullying, pelo menos, não tínhamos na minha época.

– Sorte sua...  As mais velhas eram as piores – ela se senta – Elas inventavam histórias terríveis para nos assustar durante os intervalos e de fato aquele lugar tinha uma energia estranha. 

– Como assim? – pergunto. 

– Uma vez a cada seis meses, nós acampávamos no colégio – ela diz em um tom baixo e assustador – Passávamos essas noites acordadas, falando de garotos e imitando os nossos ídolos favoritos, mas sempre ouvíamos barulhos estranhos que vinham do pátio e do jardim onde ficava a capela ...

– Ah para com isso! – solto uma gargalhada alta – Está tentando me assustar?

– Deixa eu terminar de contar? – ela ri e fecha a cara em seguida, continuando – Certa vez uma das garotas do primeiro ano, nos contou que na década de 50 a escola era um convento de freiras, o maior de Nova York. Uma delas, no entanto, se apaixonou pelo padre e passou a frequentar o quarto do homem durante a noite, até que ambos foram descobertos pela madre superiora, que a castigou prendendo-a no porão e a torturando durante cinco dias e cinco noites alegando que ela estava possuída por uma presença maligna. A freira não resistiu e acabou tirando a própria vida, enforcando-se com o próprio rosário. Dizem que quando foram demolir o porão encontram um hábito em decomposição e os ossos da freira curvados sobre os ossos de um feto.

– Ela estava grávida do padre? – pergunto espantada – Que história horrível, de onde inventou isso?

– Dizem que ela ainda está lá – ela abaixa ainda mais o tom – Chorando pelos corredores, com uma criança ensanguentada nos braços.

– Que horror! – encaro-a .

– Bizarro, não? – ela solta uma gargalhada alta e assustadora – Eu tive uma ideia...

 

            Ela sai do meu colo e pula para o banco do motorista dando ré até voltarmos para a rodovia. Acho a cena engraçada, mas não digo nada. Ela veste a blusa, o capuz e me encara maliciosamente enquanto da partida no carro novamente. Eu e Gustav permanecemos acuados no banco do passageiro. Está anoitecendo e a paisagem bucólica torna-se agoniante no escuro. Gaga volta a ficar em silêncio e isso me deixa apreensiva. Onde vamos? E de onde ela tira essas histórias tão mórbidas? É difícil tentar entender as coisas que ela pensa e quando acho que já a conheço o suficiente ela me surpreende outra vez. 

 

O relógio aponta sete horas da noite quando cruzamos a divisa de Los Angeles e Santa Clarita, adentrando na cidade. Ela diminui a velocidade e para ao lado de um enorme cercado no meio da zona florestal. Um homem se aproxima e bate no vidro:

 

– Identidade, por favor!

 

Gaga lhe entrega um crachá e ele libera a passagem para o carro. O lugar é estranho, pouco iluminado e cheio de mato. Passamos por uma casa enorme de madeira no estilo colonial e ela abaixa os vidros.

– Eles demoraram quatro meses para construir isso tudo – ela diz – Acredita? 

– Que lugar é esse? – indago-a – Está frio aqui.

– Veste a minha blusa! – ela retira jogando para mim em seguida – Vou estacionar aqui e vamos andando.

 

Jogo a sua blusa em meus ombros e desço do carro com dificuldade carregando Gustav nos braços. Gaga segura a minha mão e atravessamos uma pequena trilha no meio da lama. Há um constante cheiro de fumaça e uma leve movimentação ao redor da casa. Caminhamos até a área de trailers, e um específico tem o nome dela. Ela puxa as chaves do bolso e me convida a entrar.

 

– É aqui que eu me preparava para entrar em cena – ela diz – Não queria conhecer um set de filmagem? 

– Não desse jeito assustador – solto uma gargalhada – Mas aqui parece legal...

 

Observo o espaço. O trailer tem poucos móveis, apenas um sofá, TV e uma penteadeira. Na cadeira, diversas roupas antigas e acessórios se misturam, sento-me no chão revirando-os. Um manequim carrega um cajado e uma peruca ondulada castanho escuro. Levanto-me e olho no espelho, há um papel enorme com os dizeres: " AHS Scathach-episódio 4". Gaga está sentada no sofá com o cachorro encarando-me. 

 

– Scathach era inglesa, como você – ela conta – Diz a lenda que ela embarcou clandestinamente em um navio colonizador e os soldados quando a descobriram tentaram queimar ela viva. Culparam-a de bruxaria por seu culto a deuses antigos e de fato ela era... E era a mais poderosa de todas. Ela conseguiu fugir pela floresta assim que o navio chegou em terra firme e assassinou todos os soldados. 

– E depois? – sento-me ao lado dela.

– Ela conheceu um líder colonial e o tornou imortal assim como ela, a aldeia se mudou para a Carolina do Norte e passou a oferecer sacrifícios a grande bruxa, estes envolviam crianças e animais brutalmente assassinados em rituais macabros na floresta.  

– É a sua personagem? 

– Sim – ela liga a TV – Aquela sou eu!

 

Apoio-me no braço dela enquanto observo atentamente. Ela aparece no escuro ao lado de outros atores. Seu rosto está ensanguentado e totalmente sujo. A cena é perturbadora: um homem veste uma cabeça de porco e gira amarrado sob uma fogueira enquanto leva golpes de facão.  

 

– Isso é bizarro! – cubro o meu rosto – Como conseguiu gravar? 

– Bem, a história é interessante... E eu gosto desse lado macabro do cinema.

– Eu não conseguiria – solto uma gargalhada – Eu levo essas coisas espirituais muito a sério, sabe? Não dá para ficar brincando com essas coisas.

– É só uma lenda, Flo – ela me encara – Não existe de verdade, é ficção.

– De qualquer jeito isso não deve fazer bem, nunca ficou atormentada com isso? 

– Não... Sabe o que mais gosto em Scathach? – ela se aproxima beijando-me – Ela tinha um apetite sexual insaciável... 

– Vocês tem isso em comum então... – deito-me em cima dela – Mas eu não quero que Gustav veja esse tipo de coisa. 

– Se eu soubesse tinha deixado ele em casa – ela suspira.

– Não diga isso... Ele é uma gracinha.

– Eu não gostei de dividir sua atenção com ele.

– Não seja tão...

 

– Gaga, está ai? –Alguém grita o seu nome do lado de fora, interrompendo-nos.

 

– Eu já volto – ela diz – Não saia daqui!

 

Ela desce do trailer e fecha a porta. Corro até o espelho e mexo nos acessórios e maquiagens na penteadeira. Gaga demora a voltar. Olho pela janela, mas não a vejo. Abro a porta devagar e ouço um barulho estranho vindo do meio da Floresta.

– Stef! – chamo pelo nome dela – É você?

 

Ela não responde. Eu me aproximo da mata. Os barulhos se intensificam.

 

– Stefani isso não tem graça! – grito outra vez – Já pode parar!

 

Outra vez não há resposta. Olho ao redor. Tudo está escuro. O jeito como as arvores estão posicionadas é agoniante, a natureza sabe bem ser assustadora as vezes. Não gosto de mexer com essas coisas justamente por acreditar nelas, forças malignas existem, bem como as boas e deveríamos levá-las mais a sério. Observo de olhos arregalados o mato se mover sorrateiramente enquanto os barulhos enigmáticos ecoam. De fato estou assustada, mas tento manter o controle. Caminho de costas, afim de voltar para o trailer, dou um passo após o outro devagar até que sinto as mãos geladas de alguém tocar os meus ombros. Assusto-me e solto um grito alto, levando as mãos aos olhos instintivamente.

– Sou eu, Florence! – Gaga diz soltando uma alta gargalhada – Te assustei?

– Meu Deus! – respiro ofegante – Eu... Eu quase tive... Está tentando me matar de susto?

– Desculpa! – ela ri – Precisava ver a sua cara de assustada.

– Isso não tem graça nenhuma – esfrego os olhos – Esse lugar me causa arrepios.     

            – Eu não fiz por mal – ela me abraça – Não sabia que você era tão medrosa desse jeito.

            – De onde vem esse som?

            – Das caixas, lá em cima – ela aponta – Faz parte da cenografia, eles estão gravando por aqui. Você está bem?

            – Acho que sim – coço as mãos compulsivamente – Meu coração quer sair pela boca!

            – Deixa eu ver – ela me apalpa ainda rindo – Está acelerado e você está suando frio. Quer sair daqui? Eu vou te levar para conhecer o resto.

 

            Voltamos para o trailer para pegar Gustav e depois visitamos a área de gravação. Um grupo de atores está em cena. Há diversas câmeras enormes, muita fumaça e jogo de iluminação, tudo parece mágico, exceto pela quantidade de sangue e violência no cenário. Gaga me explica sobre o resto do enredo e as ligações com a colônia de Roanoke, o que me deixa ainda mais apavorada e com vontade de sair correndo daquele lugar, o ambiente é mórbido demais e tem uma energia extremamente pesada.

 

            Deixamos o local por volta das dez e meia. Gaga me leva de volta para o hotel e por lá também não há quase nenhum movimento.

 

            – Isa está trabalhando a noite – lhe digo – Você não quer subir e...

            – Ainda está com medo? – ela ri – Quer que eu fique até você dormir?

                – Se você puder... Eu... É... Mas... – gaguejo.

                – Eu fico com você! – ela me beija – O tempo que precisar.

           

Subimos para o quarto.

 

Tiro a roupa e me encolho na cama. Gaga se deita ao meu lado e coloca o filhote no meio de nós duas.

 

– É só uma história de horror, amor – ela me acaricia – Uma lenda boba...

– As lendas se originam de alguma coisa, não? – soluço – Olha, não me assuste mais daquele jeito, eu fiquei apavorada.

– Desculpa! – ela me abraça forte – Não precisa chorar.

 – Eu sou medrosa demais, não sou? – sorrio encarando-a – Você é toda corajosa e eu...

– Eu tenho os meus medos também.

– Quando você for embora pode deixar as luzes acesas?

– Eu não vou embora – ela sussurra em meu ouvido – Eu e Gustav vamos ficar aqui e te proteger durante toda a noite...

 

Seguro os seus braços com força e escondo o meu rosto debaixo de sua cabeça. Ela me faz carinho e me beija no rosto até que por fim consegue me fazer dormir.        

 

 



Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...