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História Madness. - 11


Escrita por: heymegumi

Notas do Autor


Olá olá~

Obrigada por estarem presentes mesmo no último capítulo, é muito bom ter vocês aqui comigo!
Hoje é aniversário do Hyuk, então, bem... Feliz aniversário para a nossa joia. <3
Terei que ficar longe do twitter hoje, então, se quiserem falar ou perguntar algo sintam-se livres para aparecer ali no bate-papo.

Capítulo 11 - 11


 

         

A véspera de natal amanheceu fria e úmida, mas assim que despertei, antes mesmo de abrir os olhos, me enchi de um êxtase que não sentia havia muito tempo. Eu abri os olhos lentamente para o quarto iluminado pela luz amena do abajur, e a primeira coisa que consegui focalizar foi a embalagem retangular de papelão escorada no canto ao lado da porta. Meus pensamentos voaram tão depressa que não consegui me agarrar a um deles, e ainda que todos envolvessem de alguma forma as coisas que eu planejava para aquele dia e devessem me deixar animado, eu só conseguia imaginar tudo correndo de forma inesperada e sendo um verdadeiro desastre. Rolei sobre o colchão me enrolando nos cobertores pesados, e já que não consegui formular uma linha de pensamento coerente, apenas pedi em silêncio para que tudo desse certo.

Fiquei deitado por mais um tempo, usufruindo acordado dos minutos extras que eu normalmente não tinha nas manhãs que ia até o lago. Quando percebi o dia começar a clarear através das cortinas não sórdidas, mas ainda assim meio inúteis, me levantei e caminhei até a janela para abri-la e sentir, só por alguns sofridos segundos, o vento frio dar um choque em minhas bochechas quentes. Minha respiração rapidamente se tornou fumaça, e assim que em meio a um calafrio resolvi que fechar a janela seria uma escolha inteligente, os vidros se embaçaram devido ao suspiro morno que soltei pela boca. Dali eu poderia observar o lago por quanto tempo desejasse, mas que sentido faria isso se Donghae não estivesse comigo?

Tomei um banho rápido e fiz o melhor que pude com meu cabelo. Ao invés de secá-lo com uma escova, posicionei o secador em frente ao meu rosto e chacoalhei a cabeça até que estivesse somente úmido. O que quer dizer, basicamente, que ao invés de lambido e bem assentado como uma cumbuca, meu cabelo ficou meio bagunçado barra desleixado de um jeito aceitavelmente charmoso. Procurei um jeans claro, meu velho e sempre confortável casaco preto e meus costumeiros coturnos maltratados.  

Uma enfermeira que nunca havia visto antes berrava do canto do refeitório quando me sentei à mesa dos três mosqueteiros, munido de uma bandeja tão lotada que os pratos ameaçavam cair na disputa por um espaço. A voz esganiçada rebatia-se nas paredes ecoando como um assovio agudo, avisando que nossas tarefas seriam diferentes das usuais e que depois dali deveríamos ir até a sala de atividades para descobrir como ajudar, porque até onde eu sabia, o instituto dava uma espécie de baile nas noites de véspera para que os pacientes não se sentissem assim tão diferentes do restante do mundo. Era natal, afinal de contas. Logo após alguns minutos de gritaria, ela avisou que Dr. Seung nos desejou um feliz natal antes de viajar para qualquer lugar cujo nome não prestei atenção.

Minha manhã não foi tão divertida quanto achei que seria. Nós trabalhamos o tempo inteiro e perdi as contas de quantas vezes precisei subir e descer as escadas atrás de materiais e outros trambolhos que nem mesmo vi sendo usados. E como se não fosse o bastante, Jongwoon e eu fomos os sortudos escolhidos para arrastar algumas mesas do refeitório até a sala de atividades, e por mesas eu quero dizer gigantescos e mais pesados que o normal pedaços de madeira, enquanto Heeyun, Hyoyeon e Minji traziam feito damas vitorianas uma cadeira por vez com medo que suas unhas quebrassem por acidente. Eu estava preocupado que minha coluna vertebral quebrasse, equilibrando uma mesa daquele tamanho numa escada mortal, e só uma coisa era pior do que aquilo: Saber que no outro dia provavelmente seríamos nós os escolhidos para levá-las de volta.

Durante uma pequena pausa, descolei um café quente no refeitório que me fez sentir ainda mais calor – eu cheguei a suar, e isso em Damyang é uma espécie de sensação única – e me sentei no braço da poltrona onde Donghae costumava ler, assistindo Hyoyeon planejar suicídio quando subiu com seus enormes saltos na escada bamba de metal. Suas pernas chacoalharam um pouco e ela me olhou rindo quando conseguiu manter-se estática no topo dos degraus, grudando com um sucesso meio perigoso a letra "F" no topo da parede.

– Rir de mim não está ajudando, Hyukjae! – ela reclamou. – Já que você não está fazendo nada, venha me ajudar.

– Eu estou transformando oxigênio em gás carbônico. – respondi, bem sério. – Isso não é não fazer nada.

– Isso é respirar.

– Meu organismo está desempenhando milhões de funções para me manter vivo. Ainda acha que não estou fazendo nada? Eu estou, tipo, vivendo, isso por si só já é bastante coisa.

Mesmo assim fui ajudá-la, já que não era muito justo usar minhas funções involuntárias como desculpa e antes que ela acabasse realmente caindo e rachando a cabeça no chão. Alcancei o "E" em vermelho enquanto segurava a escada para que ela não despencasse.

– Não quer que eu faça isso? – perguntei só por medo que um acidente acontecesse e eu acabasse o dia com um salto fino atravessando meu olho.

– Viver e respirar já exige muito, só me alcance o resto e segure bem essa escada.

– Simultaneamente! – entreguei a ela a letra "L".

– O quê?

– É impossível respirar se você não estiver vivo, assim como não é possível viver se você não respirar. – expliquei, mas Hyoyeon deve ter se perdido no meio porque me olhou com a expressão contorcida, fazendo um gesto para que eu entregasse de uma vez a letra "I".

– Você por acaso está chapado, Hyuk?

Ela puxou a letra "Z" da minha mão para colá-la na parede formando a palavra "Feliz", e eu entreguei o grande "N" vermelho de papel.

– Nós gostamos desse baile? – perguntei, apontando para o "N" que havia ficado incrivelmente torto.

– É estranho... Meio sombrio. Acho que o natal de verdade fica para fora dos portões, no centro de Damyang, junto com as famílias, o chocolate quente e o coral de crianças adoráveis que cantam na praça. O que sobra para nós é um monte de lembranças, e para os pacientes... Nem isso.

Era a segunda vez que eu via Hyoyeon séria daquela forma, e vê-la falar sobre família, chocolate quente e coral num feriado especial e com aquela expressão vaga no rosto me fez pensar que talvez alguém estivesse esperando por sua companhia naquela noite. Bem, eu sabia exatamente qual era a sensação. Minha mãe também deveria estar prestes a descobrir.

– Nós ficamos aqui ouvindo cantigas tristes e pensando na história de cada um. Alguns pacientes nem mesmo sabem o que está acontecendo.

– Deve ser uma droga. – falei.

– É uma droga, como todo o resto dessa droga de lugar. Não deveria assim, não é? – percebi que Hyo começou a estapear a parede ao grudar a continuação da palavra, escrevendo de maneira apressada um "Natal" meio torto, mas não reclamei, porque nós dois sabíamos que ninguém prestaria atenção naquilo. – Enquanto o resto do mundo vai aguentar parentes chatos e sorrir para primos de vigésimo grau, nós estaremos aqui cercados por lunáticos que não dão a mínima para isso. Enquanto o resto do mundo vai ganhar aquelas meias totalmente decepcionantes de presente de natal daquelas tias velhas, nós vamos ganhar uma merreca de hora extra. E sabe o que é pior, Hyuk?

Ela desceu alguns degraus da escada para sentar-se na minha altura e eu balancei a cabeça negativamente.

– O pior é que eu nem mesmo consigo achar isso um desperdício de feriado, porque de certa forma, nós somos a única família que as pessoas daqui terão hoje. – naquele momento Hyoyeon me pareceu extremamente inteligente, generosa e maternal. – Esse é o sentido do meu natal... Dar alguma coisa sem esperar receber.

Enquanto ela reclamava sobre não estar presente para sorrir para os primos desconhecidos, sobre as meias decepcionantes que não ganharia e sobre não termos um coral de crianças adoráveis, comecei a pensar que talvez existisse um pouco de Heeyun em todos nós, porque eu também estava achando tudo aquilo um saco. No entanto, depois de ouvi-la dizer com tanta sinceridade refletida em seus olhinhos amendoados que não achava aquilo um desperdício, senti um pouco de vergonha por até então agir com indiferença para um baile que, tudo bem, não teria lá uma grande importância.

Mas não era isso que realmente importava. Não era o reconhecimento que ganharíamos por sacrificar um dia de descanso com a família em prol de organizar um fracasso de festa para pessoas que nem mesmo entendiam o sentido daquilo tudo. Não era relevante se todos entenderiam nossos pequenos esforços ou se aquela seria a melhor festa de natal de toda Damyang. O que importava é que déssemos tudo de nós por aqueles que não tinham nada, e por um segundo, me senti terrivelmente egoísta.

– Eu estava pensando assim até um segundo atrás... – confessei, oferecendo-a uma mão para que ela descesse sem se machucar.

– Assim como?

– Que esse não é exatamente o tipo de natal que eu esperava.

– Esse não é o tipo de natal que ninguém espera, Hyuk.

– É... Mas vale a pena.

– Vale.

Fiquei sozinho na sala de atividades com algumas decorações para pendurar quando Hyoyeon correu para a cozinha ajudar a preparar a ceia, e só então percebi que ela esteve assim o dia inteiro. Correndo para lá e para cá e se fazendo útil até mesmo em situações perigosas como uma escada bamba de metal, enquanto eu, reclamando de tudo, procurava por qualquer cantinho livre para descansar escondido. Arrastei a escada pelo piso envernizado até a porta e me equilibrei ali, perguntando-me como ela conseguiu fazer aquilo usando salto alto. Tive que usar os dentes para achar a ponta da fita crepe, e me virando do jeito que pude, colei na entrada uma decoração felpuda de cor verde.

Quem sabe mais para frente não seríamos nós ali? Quem sabe num futuro próximo ou nem tão próximo assim nós não fossemos os pacientes lunáticos, dependentes daquela companhia só possível por obrigação? Fiz questão de fechar os olhos, sentindo a instabilidade daquele objeto traiçoeiro ameaçando me jogar para fora a qualquer instante, e pedi desculpa em pensamento para quem quisesse aceitar. Eu não acreditava em um Deus como a maioria das pessoas, mas acreditava que o carma estava sempre à espreita, só esperando para fazer suas retribuições.

 Durante o resto da tarde eu tentei ser tão útil quanto Hyoyeon, ainda que fosse um pouco difícil, porque ela se materializava em todos os cantos e parecia um furacão de utilidades rodopiando pelo instituto. Acabaram me explorando quando perceberam que agora eu estava disposto a ajudar com um sorriso no rosto ao invés da carranca contorcida, mas eu não me importei, desejando apenas que se um dia eu estivesse preso em um daqueles quartos, uma Hyoyeon existisse para me preparar coisas de boa vontade. Eu subi e desci mais incontáveis vezes, arrastei a escada de metal por todos os cantos e até me arrisquei a ajudar na cozinha, enfeitando com pasta americana alguns biscoitos em formatos natalinos. Eles ficaram tão feios que acabei pedindo para Jongwoon comê-los antes que notassem minha falta de habilidade.  

Fiquei tão ocupado até o sol começar a se esconder que por breves momentos me esquecia da minha tarefa mais importante. Quando tudo parecia estar sobre controle, quando a mesa já estava posta, a decoração pronta e todos foram dispensados até a hora do baile, me desesperei por saber que eu tinha tão pouco tempo para preparar o meu natal, e corri até um armário abarrotado de coisas no primeiro andar. Abrir aquela porta foi realmente assustador, porque havia uma infinidade de coisas prestes a cair sobre mim caso eu puxasse qualquer objeto sem o devido cuidado. Era um armário de ferramentas que mais me pareceu um buraco negro, mas eu senti que naquele amontoado de tralhas estaria o que eu precisava.

            

 

Minhas roupas estavam fedendo suor quando subi para o dormitório a fim de finalmente tomar um banho e me trocar. É claro que, como de costume, eu estava atrasado e só pude tomar uma chuveirada rápida ao invés do longo e merecido banho. E também é claro que eu precisei me apressar em encontrar alguma coisa um pouco mais especial para vestir, o que causou uma bagunça de dimensões gigantescas em meu guarda-roupa. Metade das minhas coisas estava jogada para fora, espalhadas pelo chão e em cima da cama, até mesmo a cueca de Donghae acabou aparecendo em cima da escrivaninha. E não, eu nunca tive coragem de devolvê-la, porque não importa quando, onde e como, a situação seria completamente constrangedora. 

Se naquela noite não estivesse tão frio eu poderia ter arriscado usar algo não tão genérico, mas depois de abrir a janela, ainda só com a toalha amarrada na cintura, e sentir as gotas espalhadas pelo meu corpo quase congelarem, precisei optar por meus coturnos quentinhos e pelo meu casaco verde militar. Peguei um casaco extra para deixá-lo no banco do lago antes de ir para o instituto e fiz a mesma coisa de bagunçar o cabelo para não parecer um índio albino. Antes de sair eu dei uma conferida no espelho, me sentindo meio idiota depois de dar um sorrisinho para o meu próprio reflexo.

Seria totalmente vergonhoso se eu confessasse que estava nervoso, então vou manter isso em segredo. Mas a cada degrau que subia em direção à sala de atividades, algo em meu estômago se agitava e se embrulhava me fazendo perder a fome que até poucos minutos atrás quase me consumia. Minhas mãos começaram a suar tanto que eu precisei esfregá-las no jeans algumas vezes para que secassem, e minha boca ficou tão seca que parei por uns instantinhos e respirei fundo, tentando entender porque diabos eu estava nervoso como uma adolescente. O que foi... Completamente inútil, afinal, pensar no motivo só me deixou mais inquieto ainda.

Entendi perfeitamente o significado da palavra sombrio quando entrei na sala de atividades, e de todas as festas de natal em que já estive, aquela sem dúvida era a mais distante de uma bela memória de natal. As cantigas tristes não eram apenas tristes, mas desoladoras, como se propositalmente feitas para que ninguém tivesse vontade de sequer levantar da cadeira. E tudo bem se tocassem uma ou duas músicas mais melodiosas e dramáticas, mas um cd inteiro delas era a forma perfeita de se arruinar um natal. O clima não estava muito bom quando cheguei, provavelmente porque todos ali – excluindo Hyoyeon – estavam pensando na família e em tudo de mágico que acontecia fora de Gyeongbok.

Acabei ficando com raiva por tanto trabalho ser recompensado em dezenas de cara de paisagem e nenhum espírito natalino, de forma que me senti no direito de andar até o aparelho de som, tirar aquele cd infame e de preferência escondê-lo onde ninguém pudesse encontrar e plugar meu celular num cabo pendurado. Eu não tinha nenhuma música de natal, mas que se danassem todas elas, o indie que começou a tocar num ritmo animado era muito mais adequado do que aquela aura de suicídio coletivo.

Ninguém reclamou, e assim que me virei para cumprimentar algumas pessoas e começar a desejar feliz natal antecipadamente, já que eu planejava sair dali antes da meia noite, vi o motivo de todo meu nervosismo sentado na velha poltrona de couro marrom com as mãos enfiadas nos bolsos.

E eu não sei aquilo foi um desarranjo no ritmo do meu coração, mas senti uma batida falhar sofregamente ao vê-lo ali, envolto por um silêncio condizente que só pertencia a ele. Era como se, de repente, a música e a conversa desaparecessem e nós mergulhássemos numa quietude nossa, onde conseguíamos nos entender mesmo que não completamente. E era como se não fossemos quem éramos, como se Donghae fosse alguém comum e como se não tivéssemos nos conhecido em um hospício. Eu bem queria que nossa realidade fosse diferente, mas não era. E talvez, quem sabe, nós nunca teríamos nos encontrado se não fosse dessa forma.

Caminhei lentamente em sua direção, ignorando alguém que me chamava à plenos pulmões, e naquele curto instante só havíamos Donghae e eu. Não consegui evitar um sorriso cravando-se permanentemente em meu rosto ao vê-lo usando minha touca preta, e dessa vez, nada do uniforme azul sem graça do instituto. Ele estava de jeans escuros e apertados e um moletom cinza que, de uma maneira que jamais saberei explicar, apesar de simples, nele ficava unicamente fantástico. Conforme fui me aproximando algo em mim resolveu efervescer, e quando já estava próximo o bastante para ser notado por Donghae minhas mãos começaram a suar novamente.

Agachei-me diante da poltrona, ficando um pouco mais baixo que ele, e quando ergui o rosto para poder vê-lo senti mais uma vez o embrulho e o nervosismo e as reviravoltas e o suor e a inquietude e a confusão de sentimentos fazendo uma festa não permitida dentro de mim. Sem vírgulas, sem pausas. Nossos olhares se firmaram no mesmo instante, como se fossem imãs na procura inevitável um pelo outro, e para meu desespero, Donghae me presenteou com um sorriso infantil tão genuíno e natural que tive medo de não conseguir pensar em mais nada. Além da forma como seu rosto impecável assumia o sorriso lindo adornado naqueles lábios inquietantes, além dos olhos desenhados e coloridos em um marrom rútilo, morno, profundo, hipnotizante. Além de como me deixava bobo sem fazer esforço algum, não havia nenhum outro além.

– Eu fiz planos para hoje... – minha voz soou incerta e trêmula, embargada no desassossego que já fazia parte de mim. – E eu não sei se você quer ir, mas eu gostaria que fosse, porque passei o dia inteiro sendo egoísta e pensando só nisso.

Levantei antes que pudesse ver a resposta em sua expressão, e antes de me dirigir ao mar de pessoas encolhidas numa confraternização no canto da sala, só senti os dedos quentes de Donghae resvalando nos meus.

Presumi que aquela noite fosse o episódio especial não-incomode-o-Hyukjae, porque assim que me juntei aos três mosqueteiros percebi que todos tinham no rosto um olhar inquisidor, mas ninguém disse ou perguntou nada. Nem mesmo quando notei que estava olhando demais para a poltrona e resolvi desviar minha atenção para o assunto da roda, Heeyun parecia mal caber em si para me dizer algo, mas conteve-se de uma maneira meio angustiada.

Graças a minha visão periférica que não era de tão boa qualidade pude ver Dr. Siwon rondando a sala, conversando com alguns funcionários e pacientes, e depois de dar voltas como um peão ele finalmente foi até Donghae, o que, eu sabia, era seu objetivo desde o início. Ele sentou no braço da cadeira e disse algo que infelizmente não pude ler, mas seja o que fosse eu estava reprimindo com bastante dificuldade a vontade de caminhar até lá e arrancar aquele médico arrogante de cima de Donghae. E não era ciúme, eu só me sentia incomodado com a maneira como Donghae parecia desconfortável sempre que Siwon ameaçava tocá-lo.

Tudo bem. Um pouquinho de ciúme.

– Hyo... – sussurrei em seu ouvido, chamando-a até um cantinho da sala. – Preciso de outro favor.

– Ai meu deus Hyukjae, lá vai você se meter em mais problemas. Não fique esperando um milagre de natal,  se você aprontar mais alguma coisa com certeza vai ser mandado embora!

Dei risada porque ela se pareceu muito com a minha mãe.

– É bem simples. Se Dr. Siwon perguntar qualquer coisa sobre mim, diga que me viu subindo. E se ele perguntar qualquer coisa sobre Donghae, diga que o viu indo ao banheiro. Tudo bem?

Hyoyeon abriu um sorriso como quem entende um raciocínio depois de muito pensar.

– É isso mesmo que eu estou pensando? – ela arqueou as sobrancelhas. – Essa coincidência de vocês dois não estarem aqui ao mesmo tempo por acaso tem alguma coisa a ver com vocês estarem juntos enquanto não estão aqui?

Meu cérebro deu um nó, então só assenti com a cabeça e pedi para que ela repetisse o que deveria dizer a Siwon caso ele notasse nosso sumiço. "Você subiu e Donghae foi tirar uma água do joelho. Tá, entendi, eu enrolo o pé no saco. Pode ir. E bom natal."

Aproveitei que Siwon estava distraído tentando entender porque o cd estava fora do aparelho e porque havia um celular – o meu – conectado ao som e cutuquei Donghae nos ombros, chamando-o com uma mão quando ele se virou na poltrona para me olhar. Por um milésimo que mais se pareceu com uma hora, senti medo que ele simplesmente negasse com a cabeça e permanecesse sentado em seu lugar. Nada me dava a garantia de que ele aceitaria, e nada me dava a garantia de que Donghae gostava de passar tempo comigo. Até porque, se gostasse, ele provavelmente aceitaria tomar os remédios. No entanto, ele se virou na poltrona apenas para tomar impulso e se colocar em pé, me seguindo quando saí em disparada pela porta da sala.

Nós saímos não muito furtivamente, mas ninguém pareceu interessado no que faríamos. E agora que eu estava sozinho com Donghae, prestes a fazer a coisa mais certa ou a coisa mais estúpida do mundo, fiquei meio sem reação. Eu havia pensado muito naquilo, mas não é como se acreditasse que realmente daria certo. Pedi para que ele ficasse ali só por um instante e corri como um maratonista até a cozinha para apanhar a térmica que havia deixado perto dos fornos para que não esfriasse tão depressa. Quando voltei, antes de me virar para descer as escadas correndo, Donghae inesperadamente segurou minha mão livre.

Estanquei diante dos degraus, meio incrédulo, meio arfante, meio comovido. Ele olhou como uma criança para nossas mãos enquanto forçava seus dedos macios entre os meus, embrenhando-os apertados para que não nos soltássemos, e eu infelizmente não tive o tempo que gostaria para apreciar aquela atitude, logo voltando a mim e me dei conta de que Siwon poderia aparecer no corredor para procurar qualquer um de nós. Eu puxei Donghae pelas escadas, tomando cuidado para não ir muito rápido, nosso contato firme na ponta dos meus dedos me provando que aquilo estava acontecendo de verdade.

Saímos para a noite fria, recebidos por uma brisa gelada que fez Donghae tremer um pouco. Puxei-o pelo caminho que fazia todos os dias, arrastando-o um pouco depressa pelo caminho de pedrinhas até que estivéssemos pisando na grama. Até então o natal não estava sendo totalmente branco, de forma que a neve fina derreteu rapidamente em contato com a sola de nossos sapatos. Foi ali que soltei sua mão, deixando-o livre enquanto eu caminhava até o banco para largar a térmica e pisar em um pequeno interruptor que fez minha surpresa se acender.

Nada havia me preparado para aquilo, e conhecendo tão pouco da personalidade incerta de Donghae, eu não sabia exatamente que reação esperar. Num momento eu estava parado, aflito, sem saber direito o que fazer com as mãos e querendo que um rompante do destino trouxesse algo a mais, porque de repente aquilo não pareceu suficiente. Foi como se o mundo estivesse completando mais uma volta enquanto eu esperava com o coração na mão ver qualquer traço de expressão no rosto um pouco longe de mim. Eu queria só um sorriso, que não era só um sorriso. Era o meu sorriso.

Milhões de possibilidades contrárias àquilo que eu esperava começaram a surgir em minha mente, e quando eu estava bem próximo de me sentir um idiota convencido por achar que uma surpresa brega seria algo fantástico, meus olhos se prenderam na figura de Donghae, andando calmamente em minha direção até parar diante de mim.

O som do meu coração batendo louco em meu peito preencheu meus ouvidos, tornando o silêncio que nos cercava só um zumbido abafado envolto num embalo de batidas furiosas. Nós estávamos parados bem próximos, mas Donghae não estava olhando para mim. Ele olhava para a cortina de luzinhas de natal amareladas caindo dos galhos da árvore sobre nós, formando uma cascata desforme em volta do banco, e eu torcia para que um curto circuito não nos matasse. Depois percebi seus olhos presos ao teclado já posto em seu apoio, logo em frente ao seu lugar no banco, e eu esperava com uma angústia desesperadora que ele não achasse que eu estava menosprezando seus talentos.

O medo de que aquilo houvesse sido exagerado ou simples demais, de que aquilo realmente fosse brega e de que ele estivesse achando tudo aquilo muito ridículo me impediu de apreciar como devia a beleza do nosso pequeno mundo particular. Eu estava tão preocupado pensando no que havia feito de errado que demorei a perceber que Donghae agora me olhava, e antes que pudesse focalizar seu rosto senti mais uma vez seus dedos procurando os meus. Pateticamente cobertas por um suor gelado, minhas mãos estavam meio trêmulas, e ele com certeza notou.

Devo ter piscado rápido demais quando o vi sorrindo abertamente, mostrando-me seus dentes como uma janela para uma paisagem ainda mais maravilhosa do que aquela que víamos todos os dias. E ele sorria com os olhos. O contorno impecável dos seus olhos rasgados moldando-se tão perfeitamente que tive medo de perder o ar por um segundo. A verdade é que, eu tenho certeza, não existia nada mais lindo do que vê-lo sorrir. Não existia nada que pudesse me tirar do eixo com tanta força do que ver aquela simples emoção em seu rosto, exposta de um jeito tão adorável que chegava a dar certa raiva por só poder perpetuar a imagem em minha memória.

Como se não bastasse, ao me ver completamente atônito, Donghae soltou uma risadinha silenciosa e tudo que pude ouvir foi o sopro de ar saindo de seus pulmões.      

Ele conseguia me deixar feliz com tão pouco...

Puxei sua mão para que nos sentássemos no banco e o ajudei a vestir o casaco extra que havia deixado ali antes do baile. Já que provavelmente Donghae não esperava sair do instituto, o moletom cinza não era suficiente para a temperatura amena que fazia ali fora. Não precisei pedir para que ele experimentasse o teclado, pois quando me abaixei para alcançar a térmica o ouvi arriscando as primeiras notas.

– Feliz natal, Donghae. – me ouvi dizendo. – Eu não sabia o que comprar, então, desconsidere se essa foi uma péssima escolha.

Ele não pareceu dar bola para minhas palavras, sua atenção escapando de mim quando começou a deslizar os dedos pelas teclas, uma melodia natalina escorrendo devagar pelo vazio a nossa volta, enchendo-me com a certeza de que era exatamente isso que eu esperava para o meu natal. Virei meu rosto sem medo de encarar o perfil sereno, os olhos baixos cuidando para que não errasse nenhuma nota, os lábios entreabertos numa respiração calma e ritmada aos dedos ágeis. A luz amarela banhava muito pouco de seu rosto, cintilando na pele pálida como uma moldura quase celestial. E enquanto Donghae parecia absorto demais no meio dos tons da música, eu me sentia meio encabulado por simplesmente não conseguir parar de olhá-lo.

O som cessou. Donghae ajeitou-se no banco, meio virado para mim. Meus olhos fugiram de seu rosto e nós encaramos o lago por um longo tempo. A superfície congelada refletindo de um jeito magnífico nada além do brilho da lua escondida e os pequenos pontinhos amarelos pendurados acima de nós. Novamente meu coração acelerou, e antes que eu pudesse prever qualquer coisa, as palavras saíram da minha boca.

– Donghae eu... – uma urgência esquisita fez com que eu fechasse os olhos e soltasse um suspiro. – Eu... Eu me importo com você. Muito. Eu...

Seus dedos em meu maxilar subiram numa carícia em minhas bochechas, e eu abri os olhos quando ele virou meu rosto para olhá-lo. Aquele olhar era tão intenso, tão assustador, tão cheio de mistérios, e eu não conseguia pensar em nada além de me perder para sempre nas íris tépidas.

– Eu me importo de verdade. Você não é um animalzinho de estimação. Eu sinto ciúmes. Eu bateria em mil caras por você. Desde que você sorriu para mim eu... Ah, eu não consegui tirar aquilo da cabeça. Eu nunca deixei que outra pessoa tocasse na touca que minha mãe fez para mim. O dia inteiro eu pensei nesse momento, e eu não sei o que isso significa, e eu não sei nem o que estou dizendo agora, embaralhando tudo desse jeito... Mas eu me importo com você. Você só precisa saber disso.

Meu coração pulava em um ritmo alucinante, incerto. Meu corpo pareceu amolecer quando resolvi tomar ar depois de cuspir tantas palavras desconexas em um período tão curto de tempo. Eu agradeci por estar sentado, porque meus joelhos fraquejaram de uma forma tão infantil que eu despencaria se estivesse de pé. E eu nem mesmo sabia o que estava fazendo, só tinha aquela certeza urgente saltando em meu peito, implorando para que eu proferisse incoerências de uma forma totalmente desajeitada.

E aqueles olhos diante de mim... Os quais eu jamais saberei descrever. Estavam marejados, brilhando ainda mais intensos, coloridos com a transparência de algumas lágrimas que não caíram. Não pensei nos motivos para que Donghae estivesse daquela forma, se eu havia o machucado ou se ter dito que ele não era um animalzinho de estimação havia o comovido. E como eu poderia saber, quando não entendia nem mesmo o que estava acontecendo dentro de mim?

Só vi o borrão de um sorriso quando Donghae se aproximou de mim, trazendo seu rosto para tão perto que com a ajuda do vento pude sentir o cheiro terno de sua pele violando os meus sentidos com uma força assustadora. Sua mão ainda em meu rosto deslizou delicadamente até minha nuca, puxando-me para as incertezas que quase me afogavam. Eu permaneci de olhos abertos, viajando em cada mínima linha do rosto que me deixava tão próximo da insanidade, com medo que qualquer movimento meu pudesse fazer com que aquele momento desaparecesse.

Fechei os olhos quando vi Donghae fazer o mesmo, e tudo em mim pareceu parar. Eu sentia seu hálito quente afagando meu rosto, os dedos meio trêmulos em minha nuca se movendo gentilmente em um carinho que me deixou febril, e só a ideia de sua boca tão vermelha estar próxima a minha me fez quase louco. Procurei sua cintura com minha mão, agarrando o tecido do casaco que ele vestia antes de sentir nossos lábios se roçando na procura um pelo outro. Naquele instante tudo deixou de fazer sentido, exceto a maneira como eu ansiava por ele.

Ele pressionou a boca contra a minha num encaixe tão perfeito que parecíamos moldados, num contato tão certo e necessário que eu desejava ser infindável, e quando achei que tinha liberdade para aprofundar o beijo, senti Donghae distanciando-se de uma maneira quase dolorosa. Por segundos que pareceram uma pequena eternidade, ele deixou o gosto doce do seu beijo em meus lábios.

Permaneci de olhos fechados no receio de abri-los e perceber que eu estava em um sonho lúcido. Minha boca formigava na expectativa de senti-lo mais uma vez, meus dedos fortemente agarrados a ele impedindo que saísse de perto de mim, e a única coisa que me restou do rápido beijo foi a sensação deliciosa que seus lábios úmidos havia deixado nos meus. Com o peito apertado, o calor incontrolável e a felicidade que parecia grande demais para ser só minha, resolvi encarar minha realidade e o peguei sorrindo para mim de um jeito meio arteiro.

– Feliz natal, Hyukjae.

Eu não havia pedido por um milagre de natal, mas talvez as melhores coisas realmente aconteçam quando nós não estamos as esperando.

 


Notas Finais


Estou com a levíssima impressão de que por uma travessura do destino (e pela falta de experiência da escritora) o capítulo possa ter sido um pouco decepcionante.

Bom... Até semana que vem!


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