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História Madness. - 13


Escrita por: heymegumi

Notas do Autor


Madness chegou aos 100 favoritos. Obrigada!~

Capítulo 13 - 13


 

            

Durante minha até então permanente estadia em Gyeongbok eu só havia tentado visitar o quarto de Donghae uma vez, o que não correu muito bem. Agora que nós tínhamos um pouco mais de contato todos os dias a curiosidade acabou sumindo, porque, na verdade, eu nunca estive interessado no quarto, mas sim em Donghae. Porém, com as coisas acontecendo mais ao meu favor e menos conforme o desejo de Dr. Seung eu tinha o poder e a autorização para ir até lá quando quisesse. Nem Minji poderia me impedir com aquela carranca desnecessária, e essa liberdade toda que um dia eu prometi obter me fazia sentir como o cafetão daquele andar. Se eu tivesse uma corrente gigante de ouro e um casaco de pele sintética com estampa de zebra eu com certeza estaria fabuloso naquela manhã de natal.        

Mas eu não tinha nada disso, então apenas vesti o meu costumeiro jaleco e me conformei com a simplicidade.

Eu não sei quem disse que "tudo o que é proibido é mais gostoso", e sempre pensei que essa frase altamente constrangedora fosse uma desculpa estúpida de adolescentes com pais super protetores. É exatamente o tipo de coisa que você imagina saindo da boca de uma garota de dezesseis anos que não conseguiu autorização para ir à festa da amiga de caráter duvidoso. Bem, tanto faz, a questão é que, não, não é só uma imbecilidade completa, esse ditado popular até tem algum sentido verdadeiro por trás. Pedir as chaves do quarto de Donghae para Minji como se eu estivesse pedindo para que me alcançasse um lenço de fato não foi tão divertido quanto invadir o instituto e roubar as chaves da gaveta. Eu não era mais o agente Hyukjae autorizado para matar, eu era só o velho e odiado pela enfermeira do próprio andar Dr. Hyukjae.

Mesmo assim ela fez uma careta quando me entregou as chaves, deixando claríssimo que estava fazendo aquilo contra sua vontade. Para ser sincero, eu já não me lembrava mais dos motivos para que nos odiássemos, só sabia que, em algum canto debaixo do tapete, eles existiam. Assim que assinei a liberação das chaves, estranhando a minha caligrafia nada caprichada perdida abaixo de tantas assinaturas elegantes de um sujeito pé no saco chamado Dr. Choi Siwon, eu fiquei um pouco apreensivo. Não por ser a primeira vez, ou por ter escrito o primeiro nome a sair do padrão daquela folha constantemente manuseada. Era só que... Eu finalmente veria Donghae da maneira como evitava vê-lo.

Eu sabia que o quarto seria ainda mais frio do que o meu, em todos os sentidos. Eu sabia que ele estaria vestindo o uniforme do hospício, ainda que o visse assim todos os dias. Eu não sabia sobre suas manias de limpeza ou se era um desorganizado, mas nada que pudesse destoá-lo do restante dos pacientes faria com que seu quarto deixasse de ser só mais um quarto em um hospital psiquiátrico. E não importava que qualidades Donghae tivesse ou o quanto me fizesse sentir diferente, nada mudaria o fato de que ele também era um paciente psiquiátrico no meio de todos os outros.

E como se não bastasse a associação turbulenta de todos os pensamentos enquanto eu andava devagar pelo corredor, rodando a chave em um dos meus dedos e respirando fundo a cada intervalo da minha respiração, eu sabia o quanto me incomodaria vê-lo amarrado. De todo o choque de realidade que eu estava prestes a receber, nenhum seria tão brusco quanto precisar desatar as tiras de couro dos seus pulsos e calcanhares.

Assim que alcancei seu quarto entrei sem hesitar. Deixei a chave em uma mesa no canto ao lado da porta e caminhei até as janelas para abrir um pouco a cortina, ignorando a reação natural de parar para analisar o cômodo. Talvez por ser natal tivessem-no poupado, e talvez ele estivesse dormindo sereno enrolado nas cobertas como havia feito quando dormira no meu colo. Talvez tivesse sido uma péssima ideia, porque com toda aquela claridade invadindo de uma vez o cômodo escuro ele provavelmente já havia acordado, e eu não conseguia me virar para encará-lo. Demorei-me um pouco observando a paisagem pela janela cheia de grades e cadeados, sentindo certa tristeza por existir tanto ferro para estragar aquela vista privilegiada do nosso lago.

Esfreguei o rosto com as mãos antes de me virar, e Donghae já estava de olhos abertos, adoravelmente confuso e sonolento com seus cabelos bagunçados e o rosto inchado de sono. Foi quando eu percebi, para o meu alívio, que não haveria de existir ambiente no mundo que sobrepujasse a graciosidade daquele rosto ao acordar, e que não importava quão esquisito fosse vê-lo agindo como um paciente comum, ele nunca seria só um paciente comum. Nós estávamos num quarto de hospício, e nem isso conseguia deixá-lo menos bonito ou menos... Donghae.

Houve um barulho metálico quando ele piscou os olhos duas vezes com força e tentou se ajeitar na cama, mas não conseguiu. Seu tronco se ergueu um pouco para cima, mas por baixo das cobertas algo o impedia de levantar. Aproximei-me para me ajoelhar ao seu lado e abri a gaveta do criado mudo para procurar pelas chaves das amarras.

– Bom dia... – sussurrei, meio desconfortável com a cara desconfortável que ele estava fazendo. – Não gostou de me ver aqui?

Perguntei inocente, como uma mulher que pergunta se está bonita mesmo tendo certeza da resposta. Eu só queria me envaidecer um pouco quando o ouvisse dizendo que adorou minha visita, mas todas as minhas esperanças desceram pelo ralo quando apanhei as chaves no fundo da gaveta e me virei para seu rosto contorcido de confusão, era quase como se ele tivesse odiado minha surpresa. Eu não sabia no que ele estava pensando, mas com certeza não era num agradecimento pela minha presença tão cedo.

Arqueei as sobrancelhas para ele, esperando por uma explicação para aquele rosto tão azedo e aquele comportamento nada agradável, mas não recebi nada. Ergui a coberta até ver a corrente presa a um dos pés da cama e segui com a ponta dos dedos pelos anéis de metal até encontrar sua mão, e antes de descobri-la para soltar seu pulso, a segurei com força por baixo do cobertor.

– Você prefere que Siwon faça isso? – perguntei sem humor.

Donghae não me respondeu; só continuou me olhando enviesado, com a testa franzida como se eu fosse um estranho invadindo seu quarto. Joguei uma parte da coberta para cima e soltei seu pulso esquerdo. Depois fiz o mesmo com seu calcanhar esquerdo, depois o direito, sendo seguido pelos quatro cantos da cama por aquele olhar inquisidor e mal educado.

Foi estranho, e eu não vou mentir. Não é como se eu tentasse me enganar sobre quem Donghae era, e também não é como se eu fingisse não saber que, se ele estava ali, com certeza havia um motivo. Mas foi um pouco estranho. Não de uma maneira ruim. Só foi estranho, porque precisar soltar alguém que dormiu amarrado como uma pessoa mentalmente perturbada não é a coisa mais romântica a se fazer logo pela manhã.

Ajoelhei-me novamente, do outro lado, para soltar seu pulso direito. Ele não estava mais olhando para mim quando retirei a tira de couro e a deixei cair ao lado da cama, então tive a chance de estudar de perto a marca roxa em sua pele sem receber aquela expressão de repreensão. O roxo escuro em sua pele pálida era o acúmulo de várias noites dormindo amarrado, e por mais que eu não pudesse entender os motivos de preferir o castigo a tomar os remédios, Donghae já parecia meio insensível àquilo. Aproximei o rosto de seu pulso e, sem pensar, deixei sobre a pele castigada um beijo suave.

– Só vai falar comigo em véspera de natal?

Ele virou o rosto para mim imediatamente e puxou o braço antes de sentar meio violentamente na cama. Donghae não era o que se pode chamar de pessoa mais previsível do mundo, mas suas atitudes tinham uma bipolaridade meio intensa demais naquela manhã em especial. Eu estava tentando fazer tudo certo, e pelo jeito, mesmo sem perceber, estava fazendo tudo errado.

– O que foi Donghae? – sentei na ponta da cama depois de soltar um suspiro de exaustão, e ele não me deu espaço nenhum. – Se você quer que eu vá embora não é mais fácil simplesmente dizer?

Ele levantou abruptamente, me deixando sozinho com os cobertores que tinham seu cheiro, e apanhou uma muda de roupas de um armário metálico e sem graça. Pensei que me deixaria sem resposta também, mas antes de entrar no banheiro Donghae abraçou o emaranhado de tecido que segurava e me olhou firme.

– Achei que você tivesse percebido.    

Fiquei sentado por um tempo digerindo aquela resposta inesperada. Acompanhado do barulho do chuveiro correndo, permaneci na mesma postura atrofiada até perceber que aquilo não faria sentido, não importava quanto eu esperasse. Talvez fosse só o seu jeito de me dizer que o que aconteceu na véspera de natal não significava nada. O que, na verdade, estava certo. Eu não podia do nada começar a agir como aquelas garotas obcecadas que nem esperam o cara ligar de volta, o que quer dizer que, em primeiro lugar, não ter dado nem doze horas de descanso para Donghae foi no mínimo uma atitude desesperada e assustadora. E o pior de tudo é que eu não podia nem culpá-lo por agir da forma que agiu.

Peguei as chaves das correntes e as coloquei no bolso para levá-las até a enfermaria. Eu estava prestes a sair do quarto quando ouvi a porta do banheiro se abrir e Donghae chamar meu nome bem baixinho, como se estivesse envergonhado.

– Hyuk...?

Virei-me para olhá-lo, mas não disse nada, e só cruzei os braços sobre o peito esperando que ele dissesse o que queria dizer.

– Desculpe.

Acabei me sentindo mal por fazê-lo pedir desculpa. Donghae não me devia desculpas, só devia não agir como um idiota insensível, porque se eu fosse uma garota provavelmente teria colocado fogo em suas coisas enquanto chorava.

– Tudo bem. – dei de ombros, voltando a caminhar até a porta.

– Eu só não queria que você me visse assim, tá bom? – percebi um tom de irritação em sua voz. – Eu não queria correr o risco de te assustar.

Parei com a mão na maçaneta, focalizando a ponta suja dos meus tênis que um dia foram brancos.

– Me assustar? – perguntei divertido e me virei para ele. – E como você acha que conseguiria fazer isso, Donghae? Quer dizer, além de acordar com esse humor monstruoso e literalmente me colocar para correr...

Vi o fragmento de sorriso no canto de seus lábios e ele baixou um pouco o rosto tentando se manter sério.

– Seria ridículo tentar fazer com que você me veja como uma pessoa normal, mas eu não queria que tivesse me visto, sabe, amarrado...

Se Donghae soubesse o imenso alívio que ouvir aquilo me deu provavelmente não teria feito tanto mistério. Então era só isso. Soltei a maçaneta e me aproximei de Donghae a passos largos, sentindo seu cheiro de banho tomado me violar aos poucos, e o calor do corpo dele próximo ao meu fazendo tudo despertar dentro de mim.

– Seria ridículo mesmo. – sussurrei, e quando ele franziu o cenho, cutuquei sua testa para que desfizesse aquela expressão torta. – Você não é uma pessoa normal e nem nunca vai ser, Donghae. Mas eu não preciso que seja, porque gosto de você mesmo assim.

Dei uma leve risada quando percebi que ele ficou na ponta dos pés para selar nossos lábios.

– Que seja, não deve ter sido muito atraente. – resmungou, seu cabelo molhado escurecendo o tecido do meu suéter.

Donghae sorriu e girou nossos corpos antes que eu pudesse pensar em me segurar em algo, e em três passos rápidos eu estava batendo a parte de trás dos joelhos em algo duro e despencando no colchão da sua cama. A adrenalina da queda fez com que meu coração acelerasse, mas não mais do que quando percebi Donghae se aproximando de mim, aí eu pensei que meu coração fosse simplesmente pular pela minha boca.

– Desculpe estragar sua fantasia, mas você não é exatamente o tipo de pessoa não-atraente. Mesmo amarrado a uma cama, eu não sei se tem muito o que você possa fazer pra ficar não-atraente.

Ele sorriu novamente ao me ouvir, e seus olhos rasgados se apertaram mais, como se duvidasse do que eu disse. Deslizei um pouco pela cama até que minhas costas estivessem apoiadas na cabeceira, mas Donghae não se moveu do seu lugar e eu comecei a me dar conta de que talvez tivesse entendido a situação errado. E então eu mandei tudo pro inferno e impulsionei o corpo para fora só o suficiente para agarrar uma de suas mãos e puxá-lo com força.

Não dei tempo para que ele dissesse nada, e no momento em que Donghae caiu no meu colo com cada uma de suas pernas na laterais do meu corpo, capturei seus lábios com volúpia. Beijei-o com uma necessidade que só descobri existir no momento em que sua língua deslizou de encontro a minha, e o meu desejo só se acendeu ainda mais quando suas mãos frias me puxaram pela nuca na mesma intensidade com a qual as minhas mãos o seguravam pela cintura. O ouvi soltar um suspiro delicioso quando cravei meus dentes em seu lábio inferior, e as unhas curtas arranhando o início das minhas costas e a pele a mostra do meu ombro me fizeram estremecer debaixo do seu corpo.

Mordi de leve o contorno do seu maxilar antes de descer meus lábios para o pescoço úmido pelas gotas que pingavam do seu cabelo. Donghae pareceu tão entregue quando meus dentes escorregaram pelo lóbulo de sua orelha que precisei me lembrar da situação em que estávamos, e se eu fosse um pouco mais longe provavelmente não conseguiria voltar. Abri os olhos justamente quando Donghae aproximava o rosto do meu novamente, os lábios tão violentamente vermelhos e molhados, entreabertos e chamando pelos meus. Ele tinha naquele instante a expressão mais lúbrica qual já pude observar, e eu uma insaciedade que experimentava pela primeira vez.

E a vontade de saciar tudo o que eu sentia começou a tomar uma forma meio preocupante, principalmente quando, ao se ajeitar mais para cima, Donghae sem querer esfregou nossos quadris lentamente e eu não consegui segurar um resmungo de satisfação. Meu corpo ergueu-se em resposta na busca por mais daquele contato, um calafrio ameaçando ser verbalizado quando uma mordida em meu pomo de adão me fez levar a cabeça para trás.

Precisei de muita, muita força de vontade para chamar a atenção de Donghae, e apesar de tudo em mim gritar enlouquecidamente, tentei afastar todos os pensamentos incitantes sobre estarmos em uma cama, num quarto trancado, e sobre a camiseta do uniforme ser tão fácil de retirar, e sobre o corpo dele reagindo da mesma forma que o meu, de uma forma tão certa em um momento tão errado... Ele segurou a cabeceira da cama com as duas mãos quando o chamei, prendendo-me entre os seus braços, e ao ver seus olhos queimando naquela sofreguidão familiar, senti vontade de mandar tudo pro inferno pela segunda vez naquela manhã.

– Agora por exemplo, você está dolorosamente atraente. – sorri, assustado com a forma como meu coração ricocheteou contra o meu peito, e contornei sua boca inchada e deliciosamente rubra com meu polegar.

– Você também. – ele sorriu e olhou para baixo, mais especificamente para toda a vontade expressa ali. Minha risada ecoou pelo quarto parcialmente vazio e eu provavelmente corei com uma velocidade assustadora.

Donghae também riu e corou, logo depois escondendo o rosto em meu pescoço enquanto nossas respirações e, bem, outras coisas também se acalmavam. Eu o abracei apertado, estranhando a sensação quente e confortável que era tê-lo perto de mim e não querer mais soltá-lo. Porque quando eu o abraçava, era como se estivesse segurando o mundo inteiro entre os meus braços. 

Nosso silêncio era embalado pelo som gentil e parco das nossas respirações ritmadas, e eu podia mesmo permanecer o dia inteiro com Donghae grudado em mim como um coala se gruda em um tronco, apenas sentindo seu cheiro adocicado amansar todas as minhas inseguranças sobre ele, mas não queria que ele tivesse qualquer motivo para insegurança. Nosso pequeno desentendimento já estava resolvido, mas eu não queria deixar restarem dúvidas, por isso sussurrei por ele e quando fui respondido com um "hmmm" sonolento, espalmei minha mão em seu rosto e o obriguei a se afastar um pouco para conseguir me olhar.

– Foi esquisito. – confessei, repuxando o lábio inferior numa mordida superficial de nervosismo. – Mas só foi esquisito porque eu nunca te vi e nunca vou te ver como um paciente de verdade. Foi esquisito porque, para mim, você é totalmente diferente disso aqui. – desviei os olhos por um segundo, porque o olhar de Donghae sempre era intenso demais. – Sabe? Diferente do que as pessoas acham que você é.  

– Karma é um saco.

– O que?

– Karma. Eu passei esse tempo inteiro pensando que nada de bom me aconteceria aqui, e agora que você chegou eu preciso engolir isso de volta.

Eu não era um homem meloso. De verdade, apesar do que possa parecer, eu não era um homem de grandes declarações e atos incrivelmente românticos. A não ser que eu esteja errado sobre mim mesmo, eu era mais sucinto e discreto do que galanteador e exibido, e pelo visto, Donghae também. Então acho que foi uma forma dele demonstrar seus sentimentos meio subliminarmente, e eu só pude achar adorável e deixar um beijo bem em seu ouvido quando ele voltou a encostar a cabeça no meu ombro.

Fui pego em nosso silêncio pensando novamente no novo Donghae que eu descobria aos poucos. Ele era uma novidade para mim? Ou então era só uma nova página que eu começava a ler? Eu nunca saberia dizer se era uma consequência dos acontecimentos ou se realmente consegui desdobrá-lo como uma folha que não se deixava ser lida, mas eu gostava bastante do novo Donghae. Eu gostava da maneira como ainda havia a sensação de não conhecê-lo por completo, e da sensação de que eu nunca viria a conhecê-lo por completo. Eu gostava do jeito como seus olhos continuavam me dizendo milhões de coisas que ele nunca colocaria em palavras, e eu gostava de não precisar de uma longa conversa para entender ao menos um pouco do que ele queria, porque eu tive bastante treino para isso.

Talvez eu o interpretasse de maneira errada mesmo depois de tanto tempo tentando escutá-lo por um olhar cheio de intenções e informações e dizeres obscuros. Talvez eu só pensasse que conseguia entendê-lo, mas era só disso que eu precisava. Só do conceito de conseguir desvendá-lo pouco a pouco. Só da ilusão de que ele me permitiria no singelo de um olhar desenredar as divergências e desarmonias que o faziam tão... Ele.

Eu não precisava e nem queria um manual de instruções sobre Donghae, porque a ideia de experimentá-lo e errá-lo e experimentá-lo de novo era muito, muito mais tentadora.

 

   

 

Eu estava pensando a curto prazo. O que, vindo de mim, não era nenhuma novidade já que planos não faziam muito o meu estilo. É meio idiota você fazer planos para uma vida inteira quando sabe da grande probabilidade de que deem errado. Imagine minha vida inteira programada, e agora imagine uma vida inteira levando tombo atrás de tombo. De qualquer forma, foi a primeira vez que pensei em não pensar a curto prazo, por que eu finalmente tinha algo que valia a pena ser considerado a longo prazo? Pode ser, tanto faz. Apesar de não saber exatamente quanto tempo de Gyeongbok me restava, havia coisas ali dentro que eu desejava levar além da minha estadia. Tipo, eu estava finalmente me dando bem, e me apavorava a ideia de que isso podia ser um efeito Gyeongbok. Eu não queria que minha vida desmoronasse novamente quando desse o fora dali.

Foi uma coincidência eu estar pensando nisso na manhã que Hyoyeon chegou correndo no refeitório, segurando meio desajeitada alguns tantos envelopes que não poderiam ser só dela. Ela se sentou conosco e largou tudo em cima da mesa, fazendo com que os papéis se espalhassem entre nosso almoço. "Correspondência", ela me avisou antes que tivesse a chance de erguer as sobrancelhas questionando porque estávamos de repente comendo em um mar de cartas.

Primeiro eu quis saber quem diabos ainda envia cartas. Eu sabia que não teria nada de Shindong ou de mamãe porque me comunicava – não tão constantemente quanto eles gostariam – por telefone e internet. Depois eu quis saber, novamente, por que estávamos interrompendo o almoço, provavelmente a minha parte mais querida do dia, em prol da correspondência que nem era minha. Logo imaginei se era possível receber spam por correio, porque aí sim, haveria um bom número de envelopes endereçados a mim perguntando se eu desejava ganhar um milhão de reais ou aumentar o tamanho do meu pênis. Um dos presentes do doce azar era a incrível propensão a uma chuva inumana de spam, é quase como se meu endereço de e-mail fosse público e viesse com um aviso "interessado em spam, por favor, me envie todo o tipo de baboseira disponível na internet".

Os três mosqueteiros deixaram de lado a nossa refeição para fuçar nos envelopes enquanto eu, meio ofendido e derrotado, fiz questão de não soltar os talheres. Se aquela era uma época feliz do ano, eu não sabia, mas pela cara que Jongwoon fez ao achar uma carta com seu nome provavelmente o dia da correspondência era parecido, na minha opinião, com o dia do pudim ou coisa parecida. 

– O que você tem contra cartas? – Hyoyeon perguntou meio ácida porque eu, aparentemente, estava cortando o barato dela.

– Nada. – larguei os talheres para dar uma fuçada e fingir qualquer interesse. – Só achei que elas tivessem sido esquecidas quando Graham Bell nos presenteou com algo chamado telefone.

– Não tem nada de ruim em um pouco de tradicionalidade. – ela resmungou, mais para si mesma do que para mim.

– É que eu vivo em um mundo onde, por mais mágico que pareça, existe uma ferramenta chamada internet. Ela reduz os riscos da informação chegar depois do destinatário ter morrido.

– Ele deve estar chateado porque não recebeu nenhuma. – Jongwoon cutucou Hyo com o braço e os dois começaram a rir.

Eu não estava entendendo o lance com as cartas e porque elas ganhavam um valor especial ali, mas não disse mais nada. E eu devo admitir, elas até pareciam legais quando abraçadas com tanta vontade por seus donos.

– Eu troco cartas com a minha melhor amiga, é divertido e rústico.

– E o mais legal é que se ela resolver contar que está grávida, o filho já vai ter nascido quando a carta chegar. – ninguém achou muita graça do meu comentário, então eu ri sozinho.

– Você é um idiota. – Hyoyeon reprimiu um sorriso, e seus olhos se arregalaram minimamente ao achar algo perdido entre os envelopes. – E por ser um idiota não vou entregar as duas cartas que chegaram para você!

No mesmo instante arranquei das mãos de Hyoyeon os envelopes de cor avermelhada, num tom bordô muito elegante, e ao passar os olhos pela caligrafia fina não reconheci os traços da letra.

– No mundo das cartas você precisa abrir pra ler a mensagem. – Jongwoon comentou graciosamente irônico, e ele e Hyo começaram a rir novamente.

No meio tempo Heeyun achou as correspondências endereçadas a ela e se levantou sem dizer nada, e, para ser sincero, não é como se eu tivesse reparado na sua presença até então.

Abri um dos envelopes com cuidado, por mais que a curiosidade me fizesse ter vontade de rasgar tudo. Eu estava pronto para um folheto imobiliário ou um informativo sobre um feirão de carros quando puxei a folha densa e a fiz deslizar para fora até que a mensagem pudesse ser lida. No topo, meu nome estava impresso em uma fonte adornada em um tamanho aceitável para qualquer míope, e logo abaixo uma mensagem curta e direta trazia informações de data, horário e local.

– É um convite? – quando dei por mim, Hyoyeon estava praticamente sentada no meu colo tentando ler o que estava escrito. – Não acredito que Hyukjae recebeu um convite para uma festa e eu não!

Quando terminei de puxar a folha, um pequeno bilhete dobrado caiu na mesa.

          

"E aí, Hyuk? É um convite para a exclusivíssima festa de ano novo do hotel. É um baile de máscaras, então trate de aparecer bem elegante! Ah, estou mandando um convite a mais para sua amiga cujo nome eu esqueci, não é muito descolado um cara da sua idade aparecer sem uma acompanhante.

OBS: Você tem que chegar mais cedo para me ajudar a arrumar as coisas.

Sunny."

    

– Um baile de máscaras? – perguntei para o bilhete antes de Hyoyeon arrancá-lo da minha mão.

– Do hotel? Hyuk, essa festa de ano novo é exclusiva! A cidade inteira vai!

– Como ela pode ser exclusiva se a cidade inteira vai?

– Você entendeu. – Hyo deu de ombros, e não, eu não tinha entendido. – Todas as famílias de prestígio vão, é um ótimo lugar para você arranjar um bom partido.

– Em que século nós estamos? Porque, sério, de repente parece que nós estamos em mil oitocentos e alguma coisa. – apanhei o outro envelope e o entreguei para Hyoyeon. – Você também ganhou um.

Damyang parecia ser o tipo de cidade que, apesar de aparentar ser desenvolvida, ainda resguarda certa quantidade de tradição. Bailes de máscaras eram uma coisa mais européia do que asiática, mas ouvir sobre como a festa de ano novo era uma coisa séria e conservadora me fez ponderar sobre como parecíamos estar em um filme antigo. E se Hyoyeon não tivesse ganho um convite também, eu provavelmente teria oferecido o meu a ela, porque sua alegria duradoura era muito mais sincera que a minha. Ela ficou um minuto inteiro abraçada ao convite enquanto eu tentava terminar de comer minha comida fria.

Aquele convite descansado na mesa me encarando de volta sempre que passava meus olhos sobre ele me remeteu ao que eu estava pensando antes de Hyoyeon chegar e a história da correspondência começar. Era minha chance de começar a pensar a longo prazo, eu só não sabia direito como tocar no assunto...

– Eu estava pensando em levar Donghae. – disse simplesmente, como se dissesse que meu kimchi havia esfriado.

A reação de Jongwoon foi discreta para qualquer pessoa, mas não para uma pessoa excessivamente discreta como ele. Seus olhos se arregalaram tanto que fiquei com medo que caíssem dentro do seu prato, e quanto a Hyoyeon, bem...

– O QUÊ? – ela engasgou com um gole de suco. – Hyuk, você está louco? Perdeu o juízo?

– Não é tão absurdo se você pensar um pouco sobre isso. Eu já o sequestrei uma vez.

Nós estávamos de volta a cena em que todos me olham com cara de dó por algum motivo. Eu já havia dito que odiava quando me tratavam como se eu estivesse prestes a morrer, mas nunca adiantava, e Hyoyeon sempre começava a usar aquele tom de mãe preocupada em não magoar o filho. Depois ela vinha bater nas minhas costas como se estivesse me consolando, o que era mil vezes pior.

– Hyuk... Isso é diferente.

Eu sabia que era diferente, e eu sabia que parecia absurdo, uma ideia completamente ridícula. Mas as outras também foram ideias ridículas, que sem muito pensamento antecedente acabaram dando certo de alguma forma.

– Não é tão diferente assim se ninguém ficar sabendo.

– Sequestrar Donghae e mantê-lo dentro do instituto é uma coisa, mas querer tirá-lo daqui é arriscado demais. – Jongwoon apoiou o cotovelo na mesa e usou a mão fechada como encosto para sua cabeça.

– Eu nunca vou entender como você conseguiu se safar de socar um funcionário, Hyuk, mas querer tirar Donghae de Gyeongbok é no mínimo um crime. Um de verdade. Se descobrirem que você fez isso é capaz de ser preso. – ela finalmente deu duas palmadinhas nas minhas costas. – E eu é que não vou te visitar numa cadeia, meu amigo.

 – Vocês tem razão.

Soltei um suspiro derrotado. Eu não estava em posição de abusar da sorte.

Ou estava?  


Notas Finais


Até semana que vem!


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