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História Meio Amargo - Vodca com limão


Escrita por: MxrningStar

Notas do Autor


Olá, minha gente! Tudo certo com vocês?
Olha, eu queria primeiramente agradece pelos comentários de vocês. Sério, me divirto horrores e amo o feedback que vocês dão kkkk.
Vivi pra ver uma fic Limantha onde o alvo do hate não é a Liquinha. Samantha tá precisando se benzer, porque do tanto de desgraça que vocês desejaram pra ela, deu pena da pobre kkkkk.

No mais, bora consertar essa (ou criar mais uma) bagaça?

Boa leitura!

Capítulo 13 - Vodca com limão


Já passava das vinte quando MB decidiu partir da cerveja para algo mais forte. Lica particularmente preferiu ficar na sua loirinha. Era sua margem de segurança. Estava de moto, as chances de se dar fatalmente mal caso fosse pilotar com a coordenação comprometida eram maiores. Mas mesmo só na cerveja, seus sentidos ainda insistiam em lhe pregar peças.

- Você disse que eu pareço com sua mulher... pode fazer comigo o que você faz com ela. Eu não me importo.

Ah, a audácia do ser humano.... Lica riu pelo nariz e negou com a cabeça, percebendo o leve tom de pirraça na voz da garçonete. Atendia pelo nome de Catarina – e pelo visto era uma antiga conhecida de MB – e era a cara de Samantha. Poderiam facilmente serem irmãs e não saberem. Exceto que o cabelo da moça ali tinha leves ondas, enquanto que o da Lambertini tinha um ondulado pendendo ao cacheado bem do revolto. Mas os sorrisos se assemelhavam bastante. A voz também, talvez. Ou talvez Lica já tivesse bebido demais.

Ah, se Catarina soubesse que ela não fazia nada com sua mulher... que a relação com Samantha nunca passara dos beijinhos e carícias despretensiosas demais quando convenientes....

- Eu estou de boa, mas obrigada pela oferta.

A mulher riu debochada e foi recolher algumas garrafas vazias. A atmosfera já era bem conhecida de Lica. O ar denso, a iluminação fosca dava um quê de intimismo, mesas cheias, gente feliz em suas bolhas compartilhando causos e bebidas, alguns dançando na pequena pista do outro lado, uma música soava baixinho.... As pessoas ali pareciam viver eternamente em happy hour. Pena que “happy” era tudo que Lica não estava naquele momento.

Poderia beber para aplacar o que sentia, mas se fizesse isso, corria sérios riscos de parar numa cama de hospital toda arrebentada e ainda ter que apanhar de Samantha depois. E foi ao pensar na sua esposa não tão esposa assim que seu coração deu aquela encolhida.

- Liquinha, bora dar uma animada? – MB mostrou um saquinho com alguns pequenos comprimidinhos dentro. No automático, Lica o tomou da mão dele com um puxão.

- Cria vergonha, cara, pelo amor de Deus! – ela ralhou e enfiou o saquinho no bolso – Não está bom só o tanto de copo que você já virou não?

- Qual é, Liquinha, devolve aí....

- Devolvo o caralho, MB. Se for usar essas porcarias, não é na minha frente.

- Ih... desde quando a moça virou puritana? Você também curtia uns, que eu lembro bem....

- Desde quando eu virei mãe de família e entrei na linha. Eu estava despirocada quando dividia essas coisas com você. Só me fez mal e eu quase me ferrei toda por causa disso. Se for usar, é bem longe de mim.

- Beleza, beleza... não está mais aqui quem ofereceu – o loiro ergueu as mãos em rendição – Mas e aí? – ele se recostou ao balcão e deu uma esquadrinhada no ambiente – Não vai mesmo pegar ninguém?

Lica revirou os olhos. MB não crescia não?

- Qual a parte do “eu sou casada” você não entendeu, mano?

- A parte que diz que você é casada, mas só você liga pra isso. Tua mulher está lá dando papinho pro ex e você aí, chupando dedo e vendo as oportunidades passarem.

Teria doído menos se não tivesse sido tão cruel. E MB pareceu se dar conta no segundo seguinte da besteira que havia dito. Mas o que incomodou mais é que lá no fundo ele nem estava tão errado assim. Por mais que fosse ruim, não era lá de todo uma mentira.

- Valeu aí pelo soco. Eu não estava precisando – foi o que Lica respondeu, sacou uma nota da carteira, deixou sobre o balcão e se virou para sair.

- Pô, Liquinha, foi mal. Eu não queria ter dito isso, velho.

- Mas disse, oh, panguão. Me erra! E se você aparecer de ressaca amanhã na fábrica, eu te demito.

Lica se virou de uma vez para sair e acabou dando um encontrão na garçonete, que trazia alguns copos não tão vazios assim de alguma bebida de cheiro forte. Era vodka, ela sentiu quando o restinho do líquido molhou sua camiseta e sua jaqueta.

- Caramba, desculpa! – Catarina tentou amenizar e depositou a bandeja sobre uma mesa. Correu a acudir Lica – Eu não te vi.

- Foi mal, eu também estava meio na pressa – aquilo manchava? Droga, estava cheirando a bebida! Catarina veio com um pano úmido para tentar limpar a lambança – Relaxa, eu limpo quando chegar em casa. De boa.

- Me desculpa.

- Tranquilo, essas coisas acontecem – ela esboçou um sorriso – Fica calma que eu não vou dedurar nada pro seu chefe.

- Meus boletos gradecem – a mulher brincou e riu. Lica pigarreou. Ela sorria e parecia Samantha. Que saco!

- Eu vou indo. Foi mal aí ter entrado no seu caminho.

- Pode entrar sempre que quiser – a mulher pirraçou. Arrancou um risinho contido dela.

- Eu já falei que sou casada.

- Mas eu não – ela riu maior. Era brincadeira, só podia ser. Lica viu pela cara que ela fazia, que cada sentença era proposital e um tiro no escuro. Chegava a ser cômico.

- Eu vou embora. Valeu pela companhia. Você não tem limites e isso é... interessante.

- Estamos às ordens e volte sempre! – ela alteou a voz quando Lica já ia saindo. Se virou para MB – Fofa ela, né? Pena que é tão apaixonada pela esposa. Queria achar alguém assim.

- A Lica é trouxa, isso sim – MB soltou e respirou fundo – Me vê outro desse?

Entendam: existem combinações nocivas e existem situações nocivas. Se você come demais o que não deve, passa mal. Se você faz o que não deve, vai ter que arcar com as consequências dos seus atos. E quando você não faz nada e mesmo assim precisa lidar com certas coisas?

Lica chegou à garagem do prédio, estacionou Celeste bem longe das vistas de Samantha – ou ela atropelaria sua moto na força do ódio – e ainda tentava limpar a lambança em sua roupa que o álcool da bebida do bar causara. Entrou no elevador, esfregando a mão na camisa e de jaqueta dobrada no braço. Ela não estava tão diferente do tecido branco (ou que um dia fora branco). Também cheirava a álcool. Saiu do elevador ainda tentando se limpar. Passou pela porta de casa atenta ao tecido enxugando com uma mancha de álcool em cima, que sequer se deu conta de que não estava sozinha.

- Lica? – estacou a meio caminho da escada. Samantha estava sentada ao sofá. Arthur se ergueu nos joelhos e brotou ao lado dela.

- Tia Lica! – menino correu até ela, que se afastou rapidamente. A cara dele ia direto no monte de vodka secando em sua camisa.

- Espera, espera – ela pediu – Espera aí, meninão. Eu preciso de um banho primeiro.

- Que cheiro é esse? – Samantha sentiu e se levantou, farejando o ambiente feito um cão. Parou ao lado do filho a dois passos de Lica – Isso é vodca. E com limão – ah, o olfato de uma chefe de cozinha.... – Isso era pra estar na sua roupa ou na sua garganta?

- N-não... Eu não bebi. Quer dizer... – se embananou na resposta – Bebi um pouco, mas isso aqui não. Eu só....

- E veio pilotando aquela coisa depois de beber umas? – Samantha percebeu Arthur parado ali, olhando com curiosidade de uma para a outra – Filho, bora pro quarto, hum?

- Eu posso comer mais torta? Estava gostosa.

- Vem, eu te sirvo mais um pedaço. E pra sua sorte, hoje eu te deixo comer no quarto vendo TV.

- Oba!

- Mas sem lambança na cama. A roupa foi trocada hoje e ninguém tem tempo pra ficar limpando as melequeiras que o senhor fizer onde não deve – ela meio ralhou, meio alertou e seguiu para a cozinha com Arthur tagarelando. Deixada de lado, Lica seguiu escada acima até o quarto. Já foi se desfazendo da camisa assim que fechou a porta. Levou ao nariz e tonteou com a quantidade de álcool que inalou. Tirou as botas, jogou as meias no cesto de roupa suja e já ia para o cós da calça, quando ouviu duas batidinhas na madeira e Samantha meter a cara para dentro. Sem nem esperar um convite (elas não tinham disso), ela entrou e ficou ali parada. Lica hesitou entre continuar tirando a roupa ou ficar como estava.

- Você bebeu e depois saiu na moto – a Lambertini não questionou, mas afirmou na tentativa de continuar o assunto Cruzou os braços na melhor pose questionadora que conseguiu impor, embora não conseguisse meter medo em ninguém.

- Umas duas cervejas – Lica achou por bem explicar. Nem sabia por quê. Não devia satisfações a ninguém, muito menos a Samantha.

- Só cerveja? – Samantha quis se certificar e pegou a camisa jogada sobre o aparador da cama – Aff, Lica, dá pra sentir o cheiro disso aqui lá da esquina – fez uma cara de nojo – O que foi que você andou fazendo pra terminar assim?

- Eu saí com o MB e isso aqui – pegou a camisa das mãos dela, indo jogar no cesto de roupa – Foi um acidente de percurso.

- Saiu... com o MB? Você... ‘cê podia ao menos ter avisado, né? Eu preparei um jantar, você demorou... Eu fiquei preocupada. Te mandei mensagem, mas você nem visualizou, te liguei e você não atendeu....

Ah, quem via aquilo de fora podia até pensar demais. Direitinho a briga de marido e mulher (ou de mulher e mulher mesmo) com um reclamando que o outro sumiu e jogando queixas na cara. Seria aquilo uma DR? Bom, pra se ter um D, precisa primeiro do R, certo? Lica quis rir. Na verdade, quis não. Riu. A situação era engraçada, para não dizer esquisita ou trágica.

Mas pelo visto, só ela viu graça. Samantha seguia de cara fechada.

- A gente... a gente foi em um bar... – Lica não aguentou. Gargalhou. Riu que se sacudiu sob o olhar inquisidor e intrigado de Samantha. Deus do céu, o que diabos era aquilo? Ela, Lambertini, podia dar papo para o ex, e ela Heloísa, não podia sair para beber com um amigo? Oh, céus....

- Lica...? Qual a graça disso? Porque eu não estou vendo nenhuma.

- Nenhuma – Lica respondeu e respirou fundo para se recompor – É só que... – ah, foda-se. Ela estava sem filtros. Talvez tivesse bebido um pouquinho além da conta ou a vodca que derramara em sua roupa tinha lhe afetado – Quem te vê falando assim até pensa que você se importa.

E aí, ela desatou a rir de novo. Riu que teve que se apoiar na parede. Samantha, por outro lado, se mantinha impassível. Mas dizer que não lhe atingiu, seria uma mentira.

- É por causa do Gustavo, não é? – ela seguia rindo – Lica, para de rir, caralho! – Samantha deu com a jaqueta nela. Heloísa se encolheu – Poxa, eu quero conversar com você. Conversar sério. Tem umas coisas que a gente precisa falar, mas não dá pra fazer isso com você rindo feito uma hiena. Que merda tinha nessa cerveja?

- Desculpa, eu... – Lica pigarreou e tentou manter a pose – Foi mal. Vai lá, pode falar. Continua da parte que você não parou hoje, porque não queria me contar que encontrou com o Gustavo.

- Acidez agora não – Samantha exigiu – Eu ia te contar, só não queria fazer isso no meio do nosso almoço. Minha intenção era conversar com você agora, mas desse jeito, fica difícil. Você chega em casa quase meia noite, fedendo a bebida e claramente sob efeito de gás hilariante. Que merda foi que te deram?

- Eu já parei de rir – Lica se aprumou, mordendo a bochecha para manter a compostura – E isso aí foi um acidente. Eu esbarrei na garçonete na saída e derramou bebida em mim. Por incrível que pareça, Samantha, eu não saio por aí enlouquecendo não. Você devia saber.

Lica estava cansada, exausta, só queria tomar um banho e se livrar daquele cheiro horrendo de bebida pairando no ar. Abaixou a calça e a jogou longe. Samantha foi lá recolher, dizendo que esperaria ela terminar o banho, perguntando se ela tinha comido algo e anunciando que havia preparado o jantar. Mas essa última frase não chegou a ser concluída.

Ao desavessar a calça de Heloísa e sacudi-la, um pacotinho transparente voou longe. No automático, Samantha foi lá pegar e até iria deixa-lo por ali, se não tivesse visto o que havia dentro. Quatro comprimidinhos mínimos, coloridos e claramente algo não receitado por um médico. Ela conhecia aquilo: era bastante comum nas festas que costumava frequentar vez ou outra com os colegas de faculdade em Paris. “É pra energizar”, diziam. E o que se via em seguida era gente sem senso dos próprios atos, cometendo loucuras para depois quererem morrer quando caíam em si ante a ressaca moral e física.

Lica não seria capaz. Não com ela ali dentro. Não com Arthur do outro lado do corredor. Mas Samantha também não se furtaria de saber. Se a ideia ali era conversarem e colocar os pingos no I’s, ficar calada é que não adiantaria.

- Lica – ela chamou e entrou no banheiro cautelosamente sem sequer se preocupar com o que veria. Pouco se importou se se molharia. Pouco se importou com a nudez da mulher a poucos passos de si (e não, ela nunca havia visto Lica totalmente descoberta. Roupas íntimas, já, biquíni também. Mas a intimidade que dividiam nunca lhe dera tanto).

Samantha se recostou à pia esperando que ela atendesse ao seu chamado. Mas Lica não a vira ali, só ouvira seu nome ser pronunciado. Abriu a porta do box para meter o rosto para fora e responder, mas acabou se mostrando inteira como veio ao mundo para ela.

- S-Samantha? – Heloísa desligou o chuveiro nas pressas e quase escorregou ao se esticar para pegar o roupão – Quê...?

- Você quer me explicar o que é isso? – ela mostrou o saquinho de MB e Lica, atordoada entre conseguir se cobrir e se atinar do que acontecia, sequer percebeu o brilho questionador nos olhos dela.

Demorou alguns segundos para ela perceber o que Samantha segurava. Soltou o ar pesado.

- Isso não é meu – disse o óbvio. Mas não parecia tão óbvio assim. Não para Samantha. A resposta lhe pareceu incompleta.

- Certo. E o que isso fazia no seu bolso?

Lica terminou de fechar o roupão sussurrando um “MB, eu te mato” e desviou de Samantha. O box de um banheiro não era exatamente o lugar ideal para uma discussão. E elas estavam claramente começando uma. Não que Heloísa quisesse, mas Samantha, pelo visto, queria. E muito.

- É do MB – explicou, amarrando bem o nó do roupão – Ele me ofereceu, mas eu não aceitei.

- Tinha que ser aquele sem noção – Samantha resmungou – E qual é a de andar com essa porcaria nas suas coisas? Se te parassem numa barreira, você ia presa.

- Eu nem pensei nisso, só tomei dele. Se você não está acreditando, eu não posso fazer nada – Heloísa nunca alteava a voz. Nunca. Mas Samantha ali estava pedindo ou ao menos lhe pareceu isso – Ele me ofereceu, eu recusei e tomei dele, porque ele ia usar. E você sabe como é o MB. Ou não – e aí ela se recordou de que quando Samantha chegara, já pegara o bonde andando – Ele teve problemas com isso aqui e outras coisas mais na adolescência. Eu... eu também tive.

Samantha franziu o cenho e mudou o peso de perna. As defesas que estava erguendo começando a querer baixar. Ficou em silêncio.

- Ele quis usar, eu não deixei e tomei dele. Guardei no bolso e não prestei atenção. Era pra eu ter jogado fora.

- Eu não sabia que você..., que vocês....

- São coisas que eu prefiro não sair por aí contando – Lica atalhou – Não acrescenta nada no meu currículo. E é uma pena eu ter que mencionar isso pra você acreditar que eu não usaria esse troço.

Samantha se calou nocauteada.

- Desculpa.

- Não me acusa mais de nada sem antes me perguntar ao menos o que aconteceu – não era um pedido, era quase uma súplica. Coisa de quem talvez, só talvez, já tinha sido acusada demais. Samantha franziu o cenho.

- Me desculpa, eu... – ela passou a mão pelos cabelos exausta – Foi mal, eu perguntei sem pensar. Fiquei tensa com a possibilidade disso aqui te causar problema.

Limitando-se a assentir, Lica retornou para o banheiro, jogou os comprimidinhos no vaso e deu descarga.

- Eu trouxe salmão do restaurante – Samantha anunciou uma oitava acima de seu tom para ser ouvida sobre o barulho do chuveiro – Se você quiser, eu posso pôr pra esquentar.

- Sem fome, Sammy. Valeu – Lica anunciou. Não viu o apertar de olhos e o morder de lábios da Lambertini para não soltar um impropério de indignação consigo mesma. Pisara na bola com Heloísa duas vezes em um único dia. Seu estômago embrulhou.

Agora quem não queria comer era ela.

Quando Lica saiu do banho de cabelos molhados, fresquinha e cheirando a sabonete francês, amém, encontrou mãe e filho muito bem acomodados à mesa de jantar. Arthur devorava um pedaço de quiche, ao passo que Samantha bebericava um suco.

- ... É esquisito, porque as pessoas dizem coisas que eu não entendo. Eu penso que quer dizer algo, mas não é aquilo que eu pensei.

- Tá legal, me dá um exemplo – Samantha aprumou a postura.

- Sem pé nem cabeça. Como uma coisa pode ser sem pé nem cabeça? Coisas não tem pé, muito menos cabeça. Quer dizer, mesas e cadeiras têm pés... mas não tem cabeças.

Samantha riu uma risada gostosa, o som preencheu o ambiente e acabou indo atingir om certo coraçãozinho bobo e teimoso.

- Sem pé nem cabeça significa sem sentido, filho – ela explicou bem explicadinho – Algo que não é certo porque não tem sentido nenhum. Por exemplo, colocar sal no meu suco. Vai ficar horroroso e não faz sentido nenhum. É uma ideia sem pé nem cabeça.

- Aaaah... entendi – Arthur pôs uma carinha pensativa e soltou – É igual eu dizer que ainda estou com fome e quero mais torta de morango. Você vai dizer que não, porque eu já comi um pedaço e jantei.

O menino era esperto. Jogou o verde para colher o maduro. Mas enquanto ele ia, Samantha já estava era voltando. Mãe é mãe.

- Exatamente. Estar com fome depois de ter devorado metade da cozinha é sem pé, sem cabeça e sem membro nenhum! – ela fez cócegas no filho – Não tenta me enrolar, que se comer demais essa hora, acaba passando mal.

- Eu estou com fome – Lica anunciou para se fazer ser vista. O apetite voltou depois que viu a maravilha que era a quiche que Arthur comia. O cheiro estava delicioso – E isso não é sem pé nem cabeça, é só meu estômago querendo roncar.

- Tia Lica, você quer torta de morango? Tem, sabia?

- Eu queria saber quem é que te ensina essa esperteza toda, João Arthur – Samantha estreitou os olhos e percebendo o riso cúmplice entre o filho e Heloísa, nem precisou ir longe para chegar a uma resposta – Chega de torta por hoje. Amanhã eu ponho um pedaço pra você levar pra escola. Agora, passa pra cama.

- Ainda falta um pedaço – o menino enfiou o garfo no restinho da quiche e levou à boca – Isso é gostoso, mamãe.

- Boca cheia também é uma maravilha – ela se pôs de pé para recolher as louças do filho – Termina e vai escovar os dentes. Depois, cama. Eu vou passar lá pra checar se você não me enrolou.

Arthur assentiu, terminou de engolir o que comia, deixou um abraço apertado e um beijo na mãe e despediu-se de Lica com um high-five.

- Boa noite, meninão. Dorme bem.

- Boa noite, tia Lica. Deixa torta de morango pra mim.

Negando com a cabeça, ela se pôs a abrir a geladeira atrás de qualquer coisa para forrar o estômago. Os petiscos que provara no bar mais cedo não lhe sustentariam até a manhã seguinte.

- A quiche está no forno e tem o salmão na geladeira. Se quiser, é só esquentar – Samantha ensaiou um começo de diálogo.

Lica se serviu de água, roubou uma uvinha da geladeira e tirou a travessa de salmão ao molho de maracujá lá de dentro para se servir. Tudo sob o olhar atento de uma Samantha terminando de enxugar a louça de Arthur e se recostando de braços cruzados ao balcão.

- Vai ficar aí de vigia? – Heloísa brincou.

- Eu queria só desfazer essa tensão esquisita que está pairando aqui – e ela foi direto ao assunto – Me desculpa pelo lance lá no quarto. Eu não tinha o direito de te julgar ou te acusar de qualquer coisa sem antes te ouvir. Foi cruel da minha parte e bem desnecessário também. Só me subiu à cabeça uma ideia maluca de você usando aquelas coisas e eu me deixei levar.

- Tempo de convivência suficiente pra saber que eu nunca faria isso – foi tudo que Lica disse. Colocou o prato no micro-ondas, digitou o tempo e se virou para Samantha – Eu nem lembrava daquela coisa no meu bolso, Samantha. Era só ter esperado eu terminar meu banho e me chamado pra conversar. Uma pergunta e a situação se resolvia.

- Eu sei, me desculpa – podia ser menos pior? – Eu já reconheci que pisei na bola e me precipitei. E confio em você, Lica. Agora... eu fiquei assustada de saber que você já teve problemas com essas coisas antes.

Lica fungou e engoliu no seco.

- Adolescência conturbada – foi tudo que disse, mas meias palavras não bastavam a Samantha.

- Você quer me contar? – ela foi cautelosa e se recostou à parede da cozinha de braços cruzados. Lica retirava seu jantar do micro-ondas e procurava o suco dentro da geladeira.

- Basicamente uma família fodida, relações complicadas e tentativas de fuga – ela suspirou e se acomodou ao banquinho diante do balcão – O Edgar conseguia ser bem intragável na maioria das vezes e minha mãe, por mais que seja uma mulher foda, parecia presa num comodismo que a impedia de fazer muito.

- Ele te fazia alguma coisa? – Samantha se preocupou em verdade. Lica se limitou a dar de ombros.

- Abuso psicológico e tratamento nada gentil. Pro Edgar eu sempre fui a filha problema – aquele salmão estava de fato uma delícia. Pena que a conversa não ajudava – E ele fazia questão de deixar clara a insatisfação dele comigo. Eu nunca fazia nada direito, eu nunca era suficiente, nada do que eu tentasse era bom pra ele. Eu decidi tacar o foda-se e enlouqueci com quem me entendia. O MB sempre teve umas amizades duvidosas e elas foram o caminho pra mais saquinhos de comprimidos.

Samantha assentiu e suspirou.

- O que aconteceu pra você parar com isso?

- Uma overdose uma festa – Lica soltou com tanta naturalidade, mas nem o tom ameno que ela usou detiveram o susto de Samantha. A Lambertini foi se sentar no banquinho diante dela e quase caiu.

- Você teve uma overdose?

- Dezessete anos, minha mãe tinha ido passar férias na França com o caso dela, meu pai vivia levando a amante dele lá em casa... não tem psicológico que aguente relações parentais tão saudáveis – ela debochou – Eu endoidei e resolvi dar uma festa. A coisa saiu de controle e no dia seguinte eu acordei no hospital tomando soro na veia e com uma baita dor de cabeça. O exame atestou que eu tinha usado o que não devia e seu Edgar deu um piti porque perdeu a partida de tênis e a conta do atendimento foi alta.

- Que horror. A filha mal numa cama de hospital e ele preocupado com jogo de tênis? Que espécie de gente é essa?

- Meu pai – Lica soltou simplesmente, espetando um pedaço do peixe – Esse foi meu fundo do poço. Ou não... lembra aquela vez em que eu aparecei com a cara vermelha na faculdade? – Samantha assentiu – Seu Edgar me deu um tapão porque descobriu que a gente ia se casar.

- Certo, e você apanhou porque resolveu embarcar nessa maluquice de me pedir em casamento – ela afirmou e quis dar uma sacudida em Lica – Eu queria entender qual o seu problema, Heloísa.

- Nenhum. Eu só fiz o que achei certo. Você estava precisando e era minha amiga. E acredite, Samantha, te pedir em casamento foi fácil.

- Por que? – das mil vezes que havia ouvido aquilo da boca de Lica, ela nunca se interessara em perguntar o motivo. Ali, saiu naturalmente.

Só que Heloísa foi pega de guarda baixa. Ficou cinco segundos em silêncio com os sentidos tentando se recompor e soltou o óbvio.

- Nós já éramos amigas. Não foi nenhum sacrifício.

A Lambertini assentiu e suspirou.

- Que bom que você saiu dessa.

- Você me pegou em uma fase boa – ela brincou e bebeu do suco – E eu não pretendo voltar pra fase ruim. Fica a dica.

O que se seguiram foram breves segundos de silêncio onde Lica se limitou a comer e Samantha a ficar por ali ora observando-a, ora olhando em volta como se estivesse dando voltinha para chegar aonde queria. E Heloísa percebeu.

- Você disse que queria conversar – ela mesma atalhou. Terminou o salmão e se levantou do banquinho para roubar um pedaço da torta de morango na geladeira.

- Quero. Aliás, preciso – Samantha suspirou agastada e retorceu os dedos. Lica relanceou o gesto nervoso dela e não se furtou.

- Tudo bem? Tem alguma coisa a ver com o Gustavo? Porque eu realmente não queria ter uma indigestão agora.

Ácida. Samantha sentiu Lica subindo todas as suas defesas, mas também não tinha muita opção. Ou colocava para fora, ou a culpa lhe consumiria. E sua avó tinha razão: era questão de respeito e princípios. Com Heloísa e com ela mesma.

- Tem sim. Eu queria continuar o assunto do almoço. Ao contrário do que você pensou, eu ia contar o que houve, só que não queria estragar sua refeição. O que não adiantou muito – ela apontou para as louças sujas e a travessa de torta sobre o balcão – Eu cruzei com ele na chegada da escola do Arthur. Aparentemente os dois têm assunto e o Gustavo usou isso pra se demorar além da conta.

- E você permitiu que ele se demorasse – Lica concluiu e levou um pedaço da sobremesa à boca. Estava divina, pena que, mais uma vez, a conversa tornava tudo amargo demais – Tem mais alguma coisa que você queira me contar? Ele te importunou? Disse algo com o Arthur?

Samantha vivia um embate interno, mas sabia que seu bom senso prevaleceria. Arriou os ombros e foi pelo caminho mais óbvio.

- Olha, Lica, eu não imaginava que pudesse acontecer, mas aconteceu. Eu não queria, mas quando vi, já tinha.... – Lica parou dois segundos o garfinho de sobremesa a caminho da boca antes de abocanhar mais um pedaço – Tem horas que a gente não consegue agir com a cabeça e quando percebe, a merda já foi feita.

- Se você quiser resumir, pode, Samantha – ela bebeu água e suspirou – Ele tentou alguma coisa e você cedeu, não foi?

- Ele me beijou – ela soltou em fôlego só – Foi um lapso, mas... foi.

Lica assentiu com a cabeça, porque era tudo que conseguiria fazer. Já devia imaginar que isso aconteceria. Pela reação que Samantha tivera na festa de abertura de seu restaurante, ela estava meio que esperando a hora que isso iria chegar. Qualquer um, mesmo que desconhecendo a história toda, saberia ao mero olhar que ela se desmontava inteira quando Gustavo estava por perto. Que todas as armaduras e defesas caíam por terra. Que talvez, e não só talvez, o sentimento de raiva alimentado durante todos esses anos tivessem dado lugar a outra coisa quando Samantha pôs os olhos em seu ex e pai do seu filho.

Primeiro uma conversa. Agora, um beijo. O que viria depois? Gustavo se pavoneando pela casa delas aos finais de semana convivendo com Arthur depois que descobrisse que era o pai do menino? Era uma merda constatar que aquele palerma ainda tinha lugar cativo na vida de Samantha. Lica quis rir como riu mais cedo lá no quarto. Quis gargalhar na cara da própria desgraça. Deus do céu... estava casada com uma mulher que não lhe via como mulher e que claramente andava cedendo às investidas de um filho da mãe sabe-se lá porque.

Ou Lica talvez soubesse e doesse admitir. Talvez Samantha nutrisse por Gustavo um sentimento semelhante ao que ela nutria por ela, Samantha. A questão era: aquele desgraçado era capaz de sentir o mesmo por ela? Que ele estava disposto a ocupar um lugar de privilégio na vida da Lambertini, isso era fato. Mas ele merecia? Samantha ao menos pensara nisso quando cedera? E ela, Heloísa? Onde entrava nessa história? Mera audiência?

- Você vai mesmo permitir que o cara que te fez sofrer e transformou sua vida num inferno chegue e se abanque assim – não era uma pergunta, o que só aumentou mais a dor da coisa. Samantha engoliu no seco – Parabéns pra você. Mas sabe de uma coisa, Samantha? – Lica se virou para ela e estreitou os olhos como se a analisasse. Era puro deboche – Eu não pretendo ficar e assistir a esse circo dos horrores de camarote.

- Lica....

- Sobre o beijo – ela a cortou sem dó nem piedade – De boa. A boca é sua, você beija quem quiser. Se você pensa que me traiu, fica tranquila. Esse tipo de coisa só acontece quando tem algum tipo de sentimento envolvido, o que não é o caso aqui. Você fica com quiser e eu também. Não são esses os termos?

Samantha se encolheu. Doeu uma vez anos atrás quando Heloísa ouvira isso da boca dela lá em Paris depois de beijar uma desconhecida em uma saída aleatória. Ela não se importava. Lica sim. Hoje? Heloísa via que talvez a Lambertini estivesse certa e se importar fosse perda de tempo.

- Me perdoa, Lica. Eu não sei o que me deu e admito que o que eu fiz foi errado e desrespeitoso com você. Não vou me eximir da culpa, mas eu posso te garantir que não vai acontecer de novo.

- Eu sei o que te deu. E você também – ela seguia esquadrinhando o rosto de Samantha em um raio X usando o deboche como defesa e ataque. Riu em escárnio – E eu te garanto, Samantha, vai voltar a acontecer porque pelo visto você só tem a pose de mulher decidida e dona de si. Só que ainda é governada por aquele palerma. Se desmonta toda perto dele como se gostasse de viver no martírio. “Ih, olha lá o cara que fodeu comigo... vou lá dar corda” – Smantha se afastou como se sequer reconhecesse Heloísa ali. Nunca a vira falar daquele jeito. Ela parecia torturada – Isso tudo é uma grande merda, sabe? E você está se saindo uma péssima jogadora no joguinho que você mesma criou – imitou um falsete – “Vou me vingar de todo mundo”. Aí vai lá e beija o panguão! Que sadomasoquismo é esse? Parece que tem prazer em se torturar – Lica se virou para a pia, terminou de lavar o último talher e o jogou sem delicadeza alguma no secador – Seguinte: isso aqui pode não ser um casamento de verdade, mas eu sou. Não vou ser corna e virar chacota na mão daquele filho da puta. A gente vai amanhã mesmo no cartório e pede a porra do divórcio pra você fazer o que tem vontade.

- Você fala como se eu não me importasse com isso aqui – Samantha apontou para o espaço entre elas, mas estremeceu quando ouviu a palavra “divórcio” – E eu estou colocando tudo em pratos limpos justamente porque me importo, Lica. Eu não quero te magoar, embora já tenha feito isso. Eu só preciso pôr minhas ideias no lugar e tomar de novo o controle da minha vida. E que você me perdoe pelo que eu fiz hoje. Você tem a minha palavra que nã....

- Não promete o que você não sabe se vai conseguir cumprir, Samantha Lambertini! – Lica foi mais rápida e riu em escárnio interrompendo-a. Sua vontade era dar umas sacudidas nela e perguntar qual o problema. Em lugar disso, limitou-se a apertar a borda da pia com as mãos tamanha a raiva que sentia. Apertou tanto que os nós de seus dedos ficaram brancos. E Samantha viu, poque engoliu no seco – Sério, nem se atreve, nem tenta. Não pra cima de mim, eu não te conheci agora. São sete anos na porra! – a Lambertini se encolheu – E sobre esse beijo, não tem o que perdoar. Isso aqui não é um casamento – ela enxugou a mão no pano de prato e jogou-o em um canto qualquer embora sua vontade fosse cometer um crime usando ele – Você sempre deixou isso claro, mesmo que não precisasse. Eu sei o lugar que ocupo na sua vida.

- Lic....

Mas Heloísa a interrompeu novamente. Ergueu a mão em um gesto imponente.

- Uma vez você falou que não se importava se eu saísse com outras pessoas. Bom, eu também digo o mesmo – ela deu de ombros – Pode sair e beijar, talvez até foder com quem quiser – Samantha se assustou porque nunca tinha ouvido Lica falar naqueles termos. Não tão curta e grossa com ela – Eu só te peço uma coisa, Samanthinha do meu coração... seja honesta comigo como eu sou com você, hum? Eu posso ser legal na maioria das vezes, mas não confunda gentileza com idiotice. Não tem ninguém trouxa aqui. O caminho é simples. O cartório é aqui mesmo no bairro.

- É isso que você quer? Separar? – Samantha questionou completamente acabada.

- Sei lá, eu não faço nem ideia do que quero. Mas você pelo visto sabe – Lica jogou para ela – Me avisa o quanto antes o que ‘cê decidir que eu falo com o Gabriel sobre a papelada. Até lá, você vive sua vida e eu a minha. Boa noite, Sammy.

Sem dizer mais nada, Lica se retirou sob o silêncio de Samantha.

E se a coisa já estava esquisita, ela degringolou de vez. No dia seguinte, Samantha acordou estranhando o silêncio da casa. Arthur já apareceu ao pé da escada arrumado para ir para a escola. Deu tempo da Lambertini preparar o café, deixar o filho comendo, descer arrumada e nada de Heloísa dar o ar da graça. Claro que ela tomou a liberdade de ir checar no quarto dela. E encontrou o lugar vazio, a cama feita e nem sinal de gente lá dentro.

Bufando e se sentindo o pior ser humano do mundo, Samantha ligou, mas Lica não atendeu. Mandou mensagem perguntando onde ela estava, se já havia saído e se estava tudo bem. Perguntar se estava tudo bem era piada. Ela riu depois que já havia enviado a mensagem. Claro que não estava tudo bem. Estava tudo uma merda e era tudo culpa dela.

Sentindo o peso de cem toneladas nos ombros, Samantha saiu de casa levando Arthur e se achou que seu dia já tinha começado ruim, ele piorou mil vezes quando deu de cara com Gustavo, o próprio, rindo um sorriso ridiculamente grande e vindo em sua direção.

- E aí, campeão! – trocou um high-five com Arthur.

- Oi, Gustavo – o menino parecia feliz em vê-lo e Samantha sentiu seu café querendo voltar garganta acima. Se despediu de Arthur, deixou o menino em segurança no pátio da escola e quando saiu de volta para o carro, Gustavo continuava lá como se aguardasse por ela.

- O que ‘cê está fazendo aqui? – já não foi dando brecha.

- Eu tra....

- Olha só, Gustavo, me erra, beleza? – não esperou nem ele concluir – Eu sei, você trabalha aqui perto, então vai pra porra do seu serviço e me larga de mão! Caralho, todo dia isso! Eu não quero ver você, eu não quero saber de você e....

- Não foi o que pareceu ontem – ele jogou charme. Mas ela já estava vacinada. Ou ao menos esperava isso.

- Ontem foi um lapso, um erro, um passo em falso. Não era pra ter acontecido, eu me arrependi e não vai acontecer de novo. Caralho, qual a parte do “me deixa em paz você não entendeu?” – exasperada, Samantha passou a mão pelos cabelos e bufou.

- Você não está bem – ele atestou e chegou mais perto. Samantha prendeu o ar. Gustavo amansou a voz – Samantha....

- Samantha? – se fosse combinado, não teria dado certo. Ela buscou com o olhar e esticando o pescoço a origem da voz. Lica desembarcava da moto estacionada mais à frente perto do Grupo. Deixou o capacete no guidão e se aproximou parecendo resoluta.

Deus perdoa, mas depois de passar a noite em claro pesando e pensando em tudo que fizera na vida, revendo e recalculando que lugar queria e iria se permitir ocupar na vida da mulher que amava, decidiu por A mais B que só sairia daquela história se Samantha lhe dissesse para fazer isso. E até lá, não iria recuar enquanto via alguém, que claramente não merecia, tentar chegar e sentar na janela. Gustavo não merecia Samantha e ela não merecia aquele idiota na vida dela.

Desculpa mundo, mas é como dissera Tina: casada com ela, Lica já era. E por mais que não fosse um casamento em realidade... bom, nada impedia que se tornasse um. Se Samantha quisesse, ela estava ali pronta para mergulhar junto. Mas para que a outra parte desse uma resposta, precisava antes saber de suas intenções. Lica as mostraria e foda-se Gustavo. Foda-se o mundo.

Em passos firmes, chegou perto, se meteu no meio dos dois e fez o que vinha ansiando havia anos. Deixou-se ver.

- Quase que a gente se desencontra – foi o que disse, antes de tomar Samantha para si com tudo, com ânsia e com todo o desejo que levava dentro. Apossou-se da boca dela como quem marcava território e talvez o estivesse fazendo. Pega de surpresa, a Lambertini não teve muito tempo de resistir a qualquer investida dela. Deixou-se enlevar pelo perfume francês, pelo toque firme e decidido, pelo roçar lascivo de lábios e pela língua atrevida de Lica pedindo passagem. Levada por sabe-se lá o quê, ela cedeu.

Quando deu por si, lá estava Samantha com uma mão nos cabelos dela e a outra nas costas, trazendo-a para si. Lica, em um aperto decidido, colou-a completamente ao próprio corpo e eles de moldaram tão perfeitamente.... E Samantha? O calor absurdo que ela sentia lhe incendiando cada poro simplesmente não condizia com a temperatura daquela manhã. A sensação de vácuo ao redor também nada tinha a ver com as buzinas e barulhos dos carros indo e vindo na frente de uma escola. Parece que por alguns segundos o mundo inteiro à volta dela deixou de fazer sentido. Só havia Heloísa, o toque dela, o beijo dela.

Só arrefeceram na carícia quando o ar se fez extremamente necessário. Lenta e languidamente, as bocas se separaram. A de Samantha estava inchada ante o ataque que sofrera e ela ofegava em necessidade. E Lica, coitada, parecia ter levado um bofete na cara de tão vermelha que estava. De olhares conectados, a princípio, a Lambertini ainda demorou uns cinco segundos para entender o que tinha acontecido.

Lica nunca lhe tocara daquele jeito, nunca marcara território assim. Era encenação por conta de Gustavo? Porque a ela não pareceu tanto com uma não. Pelo contrário.... Deus do céu, ela estava com o corpo e a alma fervilhando. Alguém lá em cima podia ter só um pouquinho de piedade?

Foram tiradas daquele torpor com o primeiro toque da campainha da escola soando. Samantha pigarreou, desviando finalmente das íris em fogo de Lica. Ajeitou o cabelo e a postura até que seu olhar cruzou com o de um Gustavo atônito e duro feito um poste observando-as.

Ela nem chegou a dizer nada. Lica foi mais rápida.

- O que você quer com a minha mulher?

O coração de Samantha veio na boca e voltou. Não era nem pelo teor da frase em si, mas pela forma como ela foi proferida: com autoridade e decisão. Era normal ela se sentir com a consistência de gelatina ao ouvir Lica reivindicá-la daquele jeito? Clamá-la sua? Só podia estar alucinando.

- Eu estava passando e.....

- Olha só, Gustavinho – ela o atropelou de novo com deboche – Se manda, beleza. Vai procurar seu rumo e deixa minha mulher em paz. Não tem nada pra você aqui e nem vai ter. Ou eu vou ter mesmo que chamar a polícia pra te mostrar o caminho do seu serviço? Todo dia isso, meu irmão, quem que aguenta?

Samantha olhava para ela embasbacada. O que tinha acontecido no intervalo entre a noite de ontem e a manhã de hoje? Lica parecia resoluta a ponto de meter a mão em Gustavo se ele chegasse muito perto. Era normal seus hormônios se inquietarem tanto com isso? Socorro, ela estava enlouquecendo!

- Eu só estava passando, Heloísa.

- Então pode ir embora.

- Não precisa usar esse tom, eu não estou fazendo nada de mais – ele proferiu.

- Lica, vambora – Samantha bem que chamou para evitar que a cena chamasse atenção, mas Heloísa mesma não saiu do lugar.

- Sabe. Às vezes eu olho pra você e fico me perguntado que espécie de pessoa carente e necessitada você é que precisa ficar cercando mulher casada. É pra se sentir desejado? – Lica o peitou. Gustavo se encolheu e ela parecia duas vezes maior – Eu sei do que aconteceu ontem aqui.

- Lica, pelo amor de Deus! – Samantha implorou.

- Sabe? – Gustavo se assustou e riu parecendo nervoso – Olha, antes que você me trucide, eu só queria dizer que....

- Não precisa dizer nada. Isso realmente é o tipo de coisa que não me atinge. Um beijo é porra nenhuma perto de uma aliança na mão, um filho e sete anos de casamento.

- Meu Deus – Samantha proferiu em um murmúrio, porque outra coisa não podia externar tão bem seu estado de espírito naquele momento. Mas se enganou se Lica tinha terminado.

- Deixa a Samantha e o Arthur em paz e se eu souber que você andou cercando os dois de novo, você vai ter que se entender com a polícia, beleza? – o homem engoliu no seco – Beleza – ela mesma tratou de responder.

- Lica, vem cá – Samantha saiu praticamente arrastando-a pela calçada até o carro – O que foi que te deu?

- Cansaço? Eu não vou deixar que você caia na lábia daquele filho da puta de novo, Samantha – ela estava com raiva – Nem que pra isso eu tenha que te agarrar em público e jogar o jogo dele.

- Então foi por isso essa coisa toda? Pra colocar o Gustavo pra correr? – ela se decepcionou? Deus do céu, Samantha não sabia mais nem o que sentir.

- Não, eu te beijei porque eu quis mesmo – Lica sequer se deu conta do que havia dito. Fungou e deu uma olhadinha ao redor. Não viu Samantha franzindo o cenho nem a expressão de confusão tomar de conta do rosto dela.

- Você quis me beijar? – ela perguntou tentando processar a informação.

Era preocupante sim, porque era a segunda vez que acontecia em intervalos de tempo mínimos. Primeiro, na cozinha de casa. E agora, ali. Se bem que da primeira vez, foi ela mesma, Samantha que tomou a iniciativa, o que só tornava a coisa ainda mais confusa. Mas poxa, só queria entender que raios de força invisível era aquela que parecia puxá-la na direção de Lica. Era como se quando estavam juntas, só existisse ela e mais nada ao redor. Como se todo o resto não fizesse sentido, como se....

Samantha se perdia nessa névoa que parecia envolve-la e entorpece-la, seus sentidos se confundiam, seu corpo lhe pregava peças e sua mente parecia derreter. Queria entender aquele arrepio na pele, aquela dificuldade em olhar nos olhos de Heloísa sem se deixar sucumbir por tudo que havia lá dentro. Lica lhe olhava e ela sentia certeza, uma força absurda que sequer sabia de onde vinha, se sentia leve e... bem. Era isso, ela lhe fazia sentir bem. Era fácil, na mesma proporção em que era assustador, porque isso não deveria estar acontecendo. Não dada à situação em que se encontravam.

Samantha queria se convencer de que era físico, mas diante de tudo, começava a se questionar se aquele monte de peça que sua mente andava lhe pregando em relação a Heloísa não era algo além de hormônios inquietos diante de uma mulher linda e bem resolvida. O tum-tum-tum acelerado quase lhe chegando aos ouvidos insistia em lhe lembrar que seu coração era um idiota e que reagia de forma idiota a coisas mais idiotas ainda. Ceder a Lica? Alguma vez na vida Samantha cogitara aquilo? Se não, então porque diabos parecia estar acontecendo?

- Você ficou chateada, não foi? – Lica capturou errado o que havia no olhar dela e o seu silêncio. Samantha permanecia muda, ainda tentando lidar com o turbilhão de emoções que levava dentro, então não era como se tivesse algo coerente a dizer. Um erro, porque Heloísa interpretou sua inércia como um tapa na cara. Os ombros arriaram e o rosto dela se contorceu em uma expressão perto de angústia – Me desculpa se eu te encabulei. Não pensei que... puta merda, Samantha! – passou as mãos pelos cabelos parecendo transtornada – É isso que você quer mesmo, não é? Aquilo, eu quero dizer – apontou na direção por onde Gustavo havia sumido.

- Lica...

- Claro, eu devia ter me conformado com o que já sabia. Tentar reverter as coisas é perda de tempo – ela a atropelou.

-Lica...

- Olha, quer saber? De boa. A gente vai ao cartório ainda hoje e resolve isso – abriu os braços em desalento.

- Lica, não....

- Me desculpa por isso. Eu nã....

Mas Lica não teve tempo de continuar. Empurrada por uma mão invisível, ou só se deixando levar pelo ímpeto, Samantha, à semelhança do que fizera na cozinha de casa, envolveu a nuca dela com decisão e a trouxe para si, colando as bocas. Não houve pressa nem sofreguidão. Foi só uma tentativa desesperada de fazê-la calar. Permaneceram ali de lábios grudados com a Gutierrez de olhos arregalados, visivelmente assustada. Até que sentiu a boca de Samantha se mexer. Permitiu-a em uma troca sutil, um leve roçar.

- O que você está fazendo? – Lica inquiriu quando se separaram – Eu não entendo. Uma hora você me agarra e na outra você dá trela pro Gustavo.

- Eu não sei. Uma hora você joga um monte na minha cara, fala em divórcio e na outra vem me agarrando e dizendo que eu sou sua – foi o que Samantha respondeu – Eu... estou confusa, Lica. Confusa com tudo, confusa com você.

Resposta errada, Lambertini. Lica riu sem humor nenhum e se afastou. A corrente de vento frio que perpassou entre elas fez a pele de Samantha arrepiar em abandono.

- Eu queria que você não estivesse – Heloísa proferiu, os olhos dardejando-a. Sem querer e sem aguentar mais prolongar aquilo, ela pigarreou e ajeitou a postura – Eu venho pegar o Arthur no fim da aula e levo ele pra te encontrar. Não vou poder almoçar com vocês hoje, porque tenho uma reunião meio urgente.

- Problemas?

Lica acenou positivamente.

- Um lote perdido – informou – Problemas na logística de armazenamento.

Samantha franziu o cenho.

- E isso é comum?

- Não – Lica respondeu e soltou pesado o ar. Só aí a Lambertini viu o quão abatida ela parecia estar – Mas eu vou resolver. Eu espero.

- Certo – e calou-se aí.

- Até mais tarde.

Sem mais, Lica acenou e se retirou, mãos nos bolsos até chegar à moto. Samantha assistiu-a pôr o capacete, montar naquela coisa horrorosa e sair com o pneu roncando raivoso.

Por dentro era só exasperação. O coração, acelerado além da conta para o que o momento pedia e a mente confusa demais para o que seu corpo poderia aguentar. Sem mais, Samantha marchou de volta para o próprio carro, mas naquela manhã, seu destino seria outro. Deixou o restaurante a cargo de Tato e rumou para seu porto seguro. Queria um alento e sabia bem onde procurar.

(...)

- A Samantha não quer nada comigo, Tina – Lica entoou desgostosa e mordeu uma barrinha de chocolate crocante. Haviam mais cinco espalhadas em sua mesa – Ela quer dar papo pra aquele merda. Fim.

Deu de ombros e abriu notebook. Meter a cara no trabalho era a melhor coisa a fazer.

- Eu acho que você está se precipitando.

- Acorda, Cristina! Ela beijou o Gustavo. Os dois se beijaram. Se isso que nós temos fosse sério mesmo, eu poderia me considerar uma mulher traída pela minha própria esposa. Aliás, falando de verdade... – doeu. Lica fez uma careta – Eu sou muito uma merda mesmo. A mulher com quem eu sou casada beija outro cara e eu nem posso sair me queixando porque fui eu que inventei essa história toda. Isso existe? Da minha esposa ser minha, mas não ser minha?

- Bom, sendo sua ou não, a Samantha te faltou com o respeito, Lica. E ok que ela te contou, mas poxa... isso não anula o que ela fez. E ela beijou o filho da puta que desgraçou a vida dela. Que Síndrome de Estocolmo é essa?

Lica parou dois segundos para refletir. Encarou o vazio enquanto mastigava devagar, os olhos estreitos ao passo que sua mente processava o turbilhão que levava dentro.

- A Samantha ainda gosta do Gustavo – concluiu o óbvio – E por mais que o tempo tenha passado, quando o sentimento é de verdade, ele não esfria, sabe? Eu sei bem disso, porque no fundo, é o que eu sinto por ela – riu com desgosto – Às vezes eu acho que estou atrapalhando.

- O quê?

- A vida da Samantha, sabe? Esse casamento, esse contrato que a gente tem não faz mais o menor sentido – entoou desanimada e se encolheu na cadeira – Eu beijei ela e... – encarou novamente o vazio – Não deu em nada. No começo, parece que ela se chateou. Depois me beijou de novo e disse que está confusa.... Eu não sei se estou a fim de lidar com a indefinição dos outros, Tina. Sete anos depois era de se esperar que a Samantha tivesse conseguido se desamarrar do que viveu aqui, mas pelo visto a gente se enganou. E eu, que tentei remendar um desastre porque gamei nela, só me lasquei inteira. Às vezes eu me questiono se isso tudo não foi só perda de tempo.

- Lica, não fala assim – Tina se inclinou sobre a mesa, buscando o olhar da amiga – Olha em tudo que você ajudou a Samantha. Olha a mulher que ela é hoje. E é tudo graças à sua ajuda, ao seu cuidado. Não foi perda de tempo. Ela só está onde está hoje por conta do talento dela somado às oportunidades que você conseguiu apresenta-la.

- Beleza, eu ajudei a Samantha a vencer na vida – Lica riu desanimada – Mas nada do que eu fiz foi suficiente pra ela... – não conseguiu completar. Doía que dilacerava e ela estava cansando daquilo.

- Te olhar – Tina completou por ela. Lica se encolheu mais.

- Eu também preciso ter amor próprio. Não dá pra ficar vivendo minha vida em função de uma pessoa que claramente não quer. Ou não tem certeza se quer. Eu nunca forcei nada, sabe? Nunca insisti, nunca nem falei pra Samantha o que eu sinto, o que eu realmente desejo lá no fundo... por respeito e pra não estragar nossa amizade.

- Você só se casou com ela, deu seu nome, deu apoio, cuidado, ajudou quando ela mais precisava – Tina concluiu – Se isso não é dizer o que você sente, eu não sei mais o que é?

- E agora eu pergunto pra você – Lica engoliu no seco – Adiantou? – silêncio. Tina ficou muda – Não é por minha causa que ela vacila. É pelo passado mal resolvido dela. Sabe, eu acho que foi esse meu erro: ter me metido em uma história que não era minha. Talvez se eu tivesse deixado que a Samantha e o Gustavo lidassem sozinhos com a situação, eu não estivesse aqui e agora.

- E aí talvez o Arthur nem existisse e a Samantha estaria chorando as pitangas, humilhada pelo canalha do ex.

- Ou talvez eles tivessem se acertado – Lica foi por outro caminho e seu coração doeu – Você já viu como o Arthur e o Gustavo se dão bem? – ela engoliu no seco – E se ele de fato aprendeu com os erros e virou gente? E se for mesmo ele a dar tudo que a Samantha quer e precisa? Aí mesmo que eu e meu caminhãozinho vamos ser tirados de tempo.

- Lica, para de trabalhar com “e se” e possibilidades. Foca no real, no que está acontecendo.

Heloísa limitou-se a suspirar e abrir outra barrinha. Não disse mais nada, mas riu parecendo ironizar a fala da amiga. Ela não via que o que ela dizia não eram bem possibilidades, mas o caminho que as coisas estavam tomando a partir de certas atitudes de Samantha?

- Eu preciso voltar ao trabalho – ajeitou uns papéis em sua mesa – A gente perdeu um lote inteiro de chocolate porque a câmara fria deu defeito. A revisão que fizeram mês passado foi dinheiro jogado fora.

Tina franziu o cenho. Não era a primeira vez que ouvia Lica falar sobre as finanças da fábrica em um tom preocupado. Outro dia, pegara a amiga rolando umas planilhas ao computador como se quisesse decorar os números dela. Na ocasião, recebera de resposta que “os olhos do dono é que engordam o rebanho”. Mas nem Lica riu direito da própria piada.

- Tudo certo por aí?

- Tudo – respostas sempre curtas era o que ela recebia. Aliás, era o que todo mundo sempre recebia quando o assunto era a administração dos negócios da Melken. Lica nunca falava muito sobre a parte administrativa e financeira da fábrica com ninguém, exceto com MB. Dizia sempre que estava tudo nos conformes e que o que que interessava era a parte boa, leia-se, os produtos que saíam das cozinhas da empresa. De resto, ela sempre recaía na mesma justificativa: é muito termo técnico e assunto chato. Daí os “tudo certo”, “tudo tranquilo”, “só resolvendo uma coisinha aqui”. Detalhes? Lica não era de muitas palavras quando se tratava de seus negócios exceto com quem fazia parte deles.

Tina franziu o cenho, mas também não insistiu, sabendo que ela não falaria mesmo.

A manhã foi se arrastando a passos lentos, mas tão lentos que por vezes o relógio parecia parar ou andar para trás. Mas enquanto uns enfiavam a cara no trabalho, outros se faziam de cegos e surdos para a vida lá fora. É que tinha hora que ela era confusa demais a ponto de cansar a gente. Samantha estava cansada. Completamente exausta, pedindo arrego.

Não era à toa que ficar quietinha na sua, deitadinha na rede armada no quintal de sua avó enquanto ela ia e vinha nos afazeres de casa, era a melhor coisa do mundo naquele momento. Seu antídoto.

- Pediu demissão do próprio restaurante e eu não soube? – Arlete brincou enquanto tirava algumas roupas do varal – Você não devia estar cozinhando pros seus clientes essa hora?

- Dever eu devia, mas cadê que tenho cabeça? – Samantha brincava com uma mecha de cabelo distraída – Resolvi tirar folga hoje. Bora ver como o Tato se vira sem mim por lá.

Arlete deu uma olhadinha debochada para a neta e conseguiu arrancá-la um sorrisinho.

- Samantha, Samantha... eu te conheço. Você não saiu daqui, mas é mesmo que tivesse saído. O que foi que você andou aprontando, hum?

- A vida que apronta pra mim, vó – ela brincou e revirou os olhos – Eu estou exausta, só isso. Cansada de ter que lidar com o que sinto, com as minhas vontades e com o que acontece na minha vida. Sério, tem hora que ela parece se revoltar, sabe? E aí sai atirando pra todo lado, inclusive comigo na linha de fogo.

- Sua vida? Atirando pra todo lado? Atirando em você? – a mulher pirraçou.

- Exatamente – e Samantha fez um floreio engraçado, soltando um suspiro e encarando o céu. O azul limpo, sem nuvens, dava sinal de dia quente.

Ela sempre amara o calor. Lembrava-se de pequena: sempre fora adepta de atividades ao ar livre justamente porque podia apreciar o céu, sentir o vento e a quentura na pele. O sol sempre lhe fora sinônimo de vida, de reposição energética. Não era à toa que ficar ali curtindo o calorzinho da manhã em uma rede ao ar livre lhe parecia tão aprazível. Deus perdoa e Tato também, mas aquilo ali sim lhe carregaria as energias e lhe ajudaria a colocar a mente no lugar, não ficar dando ordens em uma cozinha e correndo para lá e para cá. Queria e precisava de um tempo só para si.

- Você não viria se enfurnar em casa sem motivo, Samantha – Arlete buscou o olhar da neta – O que foi que já aconteceu?

Samantha soltou um muxoxo e resolveu desabafar. Não só que estivesse precisando, mas se a avó pedia....

- Você já olhou pra Lica?

- Tinha que ser ela.

- Sério, vó. Ela do nada resolveu marcar território. E não é que eu esteja reclamando, é só que... ela podia me avisar antes, sabe? Ninguém chega beijando os outros do nada e fica por isso mesmo.

- Beijando? – Arlete parecia uma velha fofoqueira de calçada. Arregalou os olhos e correu para a neta, largando por ali o cesto de roupas – Ela te beijou filha?

- Duas vezes – Samantha meio choramingou – Quer dizer, na primeira vez a sério mesmo, fui eu que tomei a iniciativa... mas não sei o que deu em mim.

- Ai, filha... – Arlete juntou as mãos em uma prece e riu feito uma criança que acabara de ganhar o melhor e maior presente do mundo – Vocês finalmente estão se entendendo....

- Um-hum – Samantha negou com a cabeça apressada – Tem nada de entendimento, vó. Pelo contrário. A Lica me beija e eu fico confusa, porque ela não devia me beijar, mas ela... me beija.

Arlete franziu o cenho e respirou fundo.

- Ué, mas qual o problema? O que tem de errado nisso? – ela também queria essa resposta. Ficou em silêncio e a avó teve sua deixa – Não tem nada de errado nisso, Samantha. É você que fica procurando chifre em cabeça de cavalo. Meteu na cabeça que se se envolver com alguém de novo, vai dar em desastre... e fica aí se maldizendo porque beijou sua mulher. Catando coisa errada onde não tem. Tem medo de sentir, que quando sente, entra em pânico.

- Valeu pela força, vó. Era tudo que eu precisava – Samantha ironizou e resolveu mudar o rumo daquela conversa – Vai almoçar o quê? Quer que eu prepare alguma coisa? – a menina-mulher seguiu para a cozinha e já entrou vistoriando os armários.

- Mas era só o que me faltava! Pode ir dando meia volta, Samantha! Na minha cozinha, mando eu! – e Arlete saiu fechando as portas que ela abria. Mas já era tarde. A neta tinha a cara enfiada na geladeira aberta – E fecha isso! Gasta energia, sabia?

- Eu vou preparar seu almoço hoje – não era uma pergunta.

- Vem cá, você não tem um restaurante pra tocar não? Tem que ficar fazendo festa na minha cozinha?

Quem dera tivesse sido festa mesmo. Antes fosse. Entendam: existe uma coisa chamada Lei de Murphy no mundo que diz que se uma coisa está ruim, não se preocupe porque ela pode sempre piorar. Tem hora para tudo, inclusive para as coisas degringolarem de vez. Samantha sentia como se estivesse passando por um teste e sendo posta à prova: Lica para lhe fazer chegar aos limites de seu corpo e de sua sanidade; Gustavo lhe fazendo ver aonde ia sua paciência e resiliência; Arthur, que demandava uma energia absurda para acompanhar seu ritmo; sua vida profissional e a necessidade de estar sempre em padrão de excelência.... E o diabo ainda não tinha saído da garrafa. Porque quando saiu.... Ah, quando ele saiu.... Aí sim Samantha Lambertini teve que mostrar se de fato aguentava o rojão.


Notas Finais


Acharam movimentado? O movimento apenas começou e ele não é sexy não kkkkkkkkkk.
Olha, tenham paciência com a menina Samantha, porque ao menos ela teve a decência de contar pra Lica o que aconteceu e tentar remediar. Tenham raiva é de quem fica causando o caos na vida alheia: o Gustavo vive rondando e não ignorem isso. O caba é insistente. Que bom que a Liquinha resolveu agir de novo e não ser corna muda, né? kkkkk.
A mulher falou foi com gosto, jogou um monte na cara pra ver se a outra lesada acorda. Não se iludam: a Samantha uma hora acorda pra vida. Talvez já tenha feito isso com o tranco e a ameaça de divórcio que recebeu.
Apostas: separam ou não? Liquinha já dei a deixa rsrs.

PS: Catarina, seja bem vinda.

No mais, eu agradeço pela leitura e nos vemos no próximo capítulo!


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