Nosso apartamento, 11h23.
O sofá a essa hora já deveria estar com o formato de meu corpo delimitado nas almofadas que o revestiam. A televisão, que estava parada em um canal encarregado de passar filmes, agora transmitia uma comédia. Os personagens riam escandalosamente de alguma piada, que talvez se eu estivesse em qualquer outro momento, poderia ter visto algum tipo de graça.
Meus olhos não conseguiam se fechar por muito tempo e eu não consegui dormir por uma noite inteira. Sempre que a escuridão provinda do fechamento de minhas pálpebras vinha à tona, eu apenas via Hoseok, e só de saber que eu não tinha qualquer posição sobre onde ele poderia estar me deixava enjoada de tanto nervosismo acumulado.
O princípio do filme era provavelmente espalhar uma essência feliz, mostrar como a vida é cheia que diversões aleatórias em meio às coisas monótonas, mas eu não conseguia me focar por muito tempo. Todo aquele amarelo, a cor simbolizante da alegria, não conseguia passar por cima do azul escuro que me revestia. Minha cabeça doía pela falta de descanso e meu corpo estava dolorido pelos músculos tensos. O interior de minhas bochechas tinha aos poucos as pelinhas arrancadas, e por agora apenas havia dor quando os dentes pressionavam o local.
Nada naquele momento fazia sentido. Hoseok teria me avisado caso fosse passar a noite fora, mas não fez isso. Ele realmente não havia atendido às minhas chamadas, não deu noticias para Jungkook e nem sequer deixou uma mensagem de “Estou bem”.
Não conseguia entender se ele estava bravo ou triste, como Jungkook havia me dito ontem pelas mensagens. Eu apenas queria ter noção do que estava acontecendo, do que ele poderia estar pensando naquele momento. Meus dedos inquietos começaram a cutucar uns aos outros e foi em meio a pensamentos preocupados e olhares sem foco nos dedos que senti falta de algo: O anel de compromisso que o Jung havia me dado.
Meu cenho se franziu e meu corpo se pôs a ficar sentado no estofado cinza. Naquele momento eu havia conseguido arranjar algo que conseguisse me distrair dos pensamentos incessantes ligados a Hoseok.
Tentei lembrar-me se em algum momento havia o tirado para tomar um banho, ou quem sabe para cozinhar alguma coisa, mas nenhuma lembrança me vinha à cabeça. Foi de tanto forçar a mente que a imagem de Jimin pegando-o no dia em que fomos ao jogo de boliche veio à tona. Engoli em seco ao me tocar de que ele não havia me devolvido, e após tantos dias se passarem e eu não havia me tocado do vazio ao redor do meu dedo anelar.
Minha mão alcançou o celular e no momento em que abri a aba de mensagens que usava para conversar com Jimin, um barulho característico de metal friccionando com outro metal se fez presente no local. Meu rosto se virou na direção da porta principal do apartamento, e foi completamente visível de eu não estava em um sonho efêmero. A maçaneta da porta estava claramente se mexendo, ao contrário do meu corpo, que não se mexia.
A porta, então, rangeu e deu espaço para que um homem com um sobretudo bege adentrasse o cômodo com uma alça longa de uma bolsa de couro agarrada ao ombro. A cabeça tornou a virar-se para mim, deixando evidente a face, cuja qual pensei por toda a noite sem parar. Seus olhos pareciam perdidos e ficaram pouco tempo olhando os meus. Ele desviou-os até algo um pouco mais baixo que meu rosto, e depois virou seu corpo em direção à entrada, retirando a bolsa do ombro para colocá-la no pequeno conjunto de ganchos que existia atrás da porta.
Minhas pernas fracas se esforçaram para aguentar o peso de meu corpo e esperar que Hoseok se virasse para mim, e assim falasse da forma mais adequada comigo, porém algo que eu nunca poderia esperar era que ele simplesmente ignorasse minha presença e seguisse seu trajeto até à cozinha.
— Então é assim? Você some por uma noite inteira, enquanto eu fico aqui plantada no sofá esperando qualquer notícia sobre você, e agora você simplesmente me ignora? — Segui seus passos até o outro cômodo e parei logo na entrada, vendo-o caminhar lentamente até à geladeira, pegando uma garrafa de vidro esverdeada com água em seu interior.
Sem resposta. Ele definitivamente não estava se importando com a minha preocupação.
— Jung Hoseok! Eu estou falando com você! — O tom de voz alto que eu proferi não havia sido o suficiente para que conseguisse receber sua atenção. — Onde você esteve?
Ele continuou a fazer o que bem entendia, permanecendo indiferente com minha presença. Um nó estava aos poucos se formando em minha garganta conforme a vontade de chorar começava a me consumir. Meus pés nervosos bateram no chão antes de eu andar até o mais velho e agarrar sua mão que estava, aparentemente, encarregada de levar um copo com água até à boca.
— Você não tem esse direito! Você pensa que eu sou de ferro? Que eu vou ficar tranquila com um repentino desaparecimento seu? — Enquanto segurava seu pulso, levei minha outra mão até o copo que ele segurava para colocá-lo na pia.
Assim que seus olhos finalmente decidiram encarar os meus, me senti mais tensa do que em qualquer outro momento. Seus olhos pareciam completamente indecifráveis e seu rosto deixava explícita uma feição dura, completamente fria, diferente do que eu estava acostumada a ver. Eu iria começar a falar novamente, mas assim que meus lábios se entreabriram, recebi uma fala completamente imprevisível vinda do outro, o que acabou por pegar-me de surpresa.
— Acho que você deveria me soltar e ficar quieta.
Engoli em seco. Minha boca permaneceu entreaberta, mas desta vez não porque iria continuar a falar, mas sim porque não sabia quais palavras unir para dar uma devida resposta ao que ele havia acabado de me direcionar. Meu maxilar se mexia aos poucos para cima e para baixo, e nada me vinha. Hoseok havia praticamente acabado de me dar um basta e eu nem sequer sabia o porquê. Ele retirou seu pulso de meu aperto vagarosamente e pegou o copo d’água, bebendo-o com seu corpo já virado de frente para a pia novamente.
— O que diabos deu em você pra agir assim? Eu não vou ficar quieta até você me dizer o que é que está aco... — Rapidamente fui cortada com novas palavras e um olhar mortal por parte do mais velho.
— Eu só quero ficar na minha, se importa de fingir que eu não existo por algum tempo? — Largou o copo sobre a pia e deu alguns passos para trás, a fim de contornar o local para guardar a garrafa verde dentro da geladeira novamente.
Aquilo tudo estava me doendo mais do que simplesmente quando ele estava sumido. Ter ele falando de uma forma tão diferente e nada característica dele me fez ter um imensa vontade de chorar. Meus pulmões pareceram não ficar satisfeitos com a quantidade de ar a qual lhes eram fornecida, o que poderia ser uma situação bem complexa visto que eu estava respirando pela boca como uma forma de obter mais ar que o normal.
— E você acha que as coisas são tão simples assim, Hoseok? Eu fiquei a noite inteira naquele sofá esperando para poder saber se você estava bem!
Seu corpo parou de andar, mas permaneceu de costas para mim, deixando evidente que viraria brevemente seu rosto para o lado, me permitindo ter uma certa visão desse.
— Se não são, deveriam ser. Você não tem que se preocupar comigo, já que na verdade não se importa.
— O que você quer dizer com isso? — Eu disse e logo seu corpo se virou, deixando explícito um sorriso cínico estampado no rosto.
— Não se faz de besta, tá legal? Acho que quem não tem direito sobre as coisas aqui é você, então faça o que eu disse e me esquece, pelo menos por um tempo.
A junção das palavras “me” e “esquece” foi o suficiente para partir meu coração. Eu estava praticamente a ponto de desmoronar com toda aquela situação pavorosa. Aos poucos tive a sensação de que perdi Hoseok pedacinho por pedacinho, mas eu não quis acreditar que aquilo estava realmente acontecendo, principalmente pelo fato de não fazer sentido algum.
— Hoseok... como você quer que eu simplesmente te esqueça?
— Você consegue fazer isso rapidinho. — Sua voz agora estava mais seca que em qualquer outro momento, como se estivesse cuspindo sobre mim um total sentimento de desgosto.
Um mínimo de atenção me fora fornecido quando seu corpo ficara direcionado de frente para mim. Minhas mãos suaram frio, as pernas fracas pareceram que provavelmente não aguentariam meu peso por muito tempo e meus olhos tentaram olhá-lo nos olhos o máximo que conseguissem.
— Por que você está agindo assim?
— Você sabe muito bem o porquê.
— Na verdade, eu não sei.
Fui praticamente respondida com uma risada completamente cínica e um cruzar de braços.
— Onde está o seu anel?
Aquela frase me pegara completamente desprevenida. Eu não sabia como reagir, e quem saberia se ele acreditaria ou não que eu pudesse ter sido tão boba ao ponto de tirar o acessório de meu dedo e esquecê-lo nas mãos de outra pessoa. E por dias.
— Eu... — Ao mesmo tempo em que abaixei minha cabeça, ergui minha mão para encarar a mão completamente vazia do brilho que o anel a dava. — Eu tirei para tomar banho e esqueci de colocar de volta.
Novamente o cômodo fora dominado pela risada do outro, o que fez com que meu estômago se revirasse e o nervosismo apenas aumentasse.
— Inacreditável... — Um sussurro quase inaudível fora pronunciado por seus lábios e logo me vi mais nervosa do que antes. — Então é uma mera coincidência você ter tirado o anel para tomar banho no mesmo dia em que saiu com um amigo seu e nunca mais o ter colocado?
Meu coração definitivamente estava mais disparado do que qualquer outro momento em minha vida, isso pelo fato de ter percebido a besteira que havia feito: Eu havia mentido para Hoseok.
— Hoseok-ah... você precisa me escutar agora.
— Eu não tenho que te escutar, (S/n). Se você não quisesse compromisso, poderia ter me dito desde o início, e não simplesmente me machucando pelas costas.
Indiscutivelmente, eu havia estragado absolutamente tudo. Eu não deveria ter mentido em hipótese alguma. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, minha mente já viajava na possibilidade de ter deixado Hoseok escapar por meus dedos, isso por minha total culpa.
— Eu estava jogando boliche com ele. Quando viu o anel, ele tinha achado bonito e me pediu pra ver, daí eu o mostrei. Antes que eu conseguisse pegar de volta, Namjoon apareceu. Nós começamos a conversar, e só hoje eu notei que estava sem o anel. — Suspirei, não deixando de encarar seus olhos nem ao menos um segundo. — Você tem que acreditar em mim.
Aquele silêncio conseguiu machucar-me mais do que múltiplas facadas. Hoseok ficou apenas me fitando sem dizer absolutamente nada, porém quando finalmente havia decidido ditar algo, optou por uma fala curta que pudesse ser dita enquanto andava lentamente de costas para sair da cozinha.
— Acontece que eu não acredito mais. — Os lábios comprimidos do mais velho demonstraram certa angústia, mas havia conseguido observá-los por pouco tempo até que ele se virasse e me deixasse sozinha.
Provavelmente nunca em toda a minha vida eu havia feito algo que pudesse ser comparado a uma imbecilidade, porém tudo aquilo estava servindo-me como uma primeira experiência, uma primeira experiência cuja qual eu adoraria que acabasse e tudo voltasse ao seu estado normal.
Meus pés inquietos e doloridos correram até aonde o outro poderia estar e avistei-o pondo um pequeno envelope sobre a mesa de centro da sala de estar. Assim que novamente seus olhos colidiram com os meus, ele simplesmente ignorou a dor estampada em meus olhos e seguiu na direção do corredor que dava para os quartos.
Minha curiosidade sobre o que estava dentro do envelope era imensa, mas ainda assim eu deveria falar com ele primeiro. Queria que tudo se mantivesse esclarecido, que ele acreditasse em mim, porém era muito mais provável que ele não aceitasse mais nada que saísse de minha boca.
O chão gélido da sala serviu como uma forma de aliviar as dores em meus pés, que a esta altura era a última de minhas preocupações. Caminhei lentamente até à mesinha e assim que peguei o envelope branco, abri-o, vendo algumas notas de dinheiro unidas.
Minha garganta doeu. Senti como se o característico nó na garganta já tivesse atingido um patamar de incômodo deveras maior do que quando havia o sentido um tempo atrás. Constatar que Hoseok estava se afastando de mim condizia com uma total tristeza, e basicamente a perda da pessoa que mais conseguia me fazer feliz, independente do momento cujo qual estivesse vivenciando.
Eu já estava começando a ter uma ideia do que estava acontecendo, e do que provavelmente estava por vir, mas assim como sempre, eu não estava pronta para aceitar, e era possível afirmar que eu nunca iria estar.
— Hoseok... o que é isso? — Minha mão balançava o envelope branco com algumas das pontas já um pouco amassadas devido ao meu desespero.
Meus olhos ardiam e sentia que a cada segundo que se passava, era um tanto mais difícil permanecer com uma visão parcialmente limpa. As lágrimas que estavam se formando em meus olhos eram um reflexo do interior da minha alma, que já não era capaz de aguentar tamanha dor relacionada à perda de alguém tão importante, alguém tão essencial para que eu vivesse da melhor forma.
— É dinheiro. Pro aluguel. — Seu corpo estava quase que de lado para o meu, que se encontrava na porta do quarto o qual estávamos dormindo juntos.
Em cima da cama, uma mala grande se encontrava e algumas roupas já estavam localizadas nas mãos de Hoseok, enquanto ele parecia manter a calma enquanto deixava as peças devidamente arrumadas em seus lugares.
— O-O que você está fazendo?
Lembranças de quando eu morava sozinha naquele apartamento me invadiram e lembrei-me da insegurança que sentia ao imaginar-me dividindo meu aconchego a um rapaz totalmente desconhecido, porém mal sabia que os melhores dias da minha vida estariam devidamente contados, e talvez terminassem no dia de hoje.
— Eu estou fazendo as malas. Eu vou embora.
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