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História Mil Acasos - Samantha Lambertini


Escrita por: MxrningStar

Notas do Autor


Olá, pessoas! Tudo bom com vocês?
Gente, seguinte: o cap de hoje tem alguns flashbacks que finalmente vão responder alguns questionamento cruciais da fic. Esses flashbacks vão estar em itálico ao longo do texto.
Sem mais delongas, sobre o capítulo de hoje: de mãe pra filha.

Boa leitura!

Capítulo 15 - Samantha Lambertini


- Fica onde está, Heloísa – a Lambertini ordenou.

- Quem vai sair sou eu. Tchau, Sam. Tchau, Mari – Clara disse e saiu chispando.

Lica, no entanto, se viu encurralada ali sob o olhar atento e completamente inocente de Marina e diante de uma Samantha Lambertini lhe fuzilando com os olhos. Literalmente jogada aos leões. Ou melhor, a uma leoa.

 

- Criança, né? – Lica tentou amenizar a situação, rindo amarelo – Tem cada pergunta...

- Por que será que a Marina perguntou isso, não é? – Samantha foi irônica – O que diabos você e suas amigas ficaram falando na frente dela?

- Ei, a culpa não foi minha. A Benê que começou. E você ouviu também – Lica se defendeu como pôde.

Foram interrompidas por Clara que retornou até onde elas e pegou Marina.

- Mari, vamos dar uma voltinha com a madrinha? Vem – e já foi logo colocando a menina nos braços de novo.

- De novo? Mas eu já dei várias voltinhas, tia Clara – Marina colocou um bico na cara.

- Vai com a Clara, Marina – Samantha foi meio dura.

- Mas você não me respondeu, mamãe – ai, Marina...

- Marina, depois a gente conversa e eu prometo que explico. Agora, por favor, deixa a mamãe conversar com a Lica, hum? É importante.

- Tá bom – a menininha assentiu, mesmo sem entender nada e se deixou levar por Clara.

- Vem – só deu tempo de Heloísa sentir o puxão em seu braço e quando deu por si, Samantha a arrastava para um canto mais afastado do burburinho.

- Ai, Samantha! – reclamou – Vem cá, eu posso saber por quê esse desespero? Não é como se fosse o fim do mundo a Marina saber que nós namoramos – a Gutierrez protestou.

- E você já parou pra pensar que eu não queria que ela soubesse assim? Que eu queria conversar com ela direito, com calma? A Marina tem só cinco anos, Lica e esse é o tipo de coisa que eu queria ter dito a ela diretamente.

Lica viu seriedade e uma ponta de preocupação nos olhos de Samantha. E então algo até então impensado lhe ocorreu: e se Marina deixasse de gostar dela pelo simples fato de saber que ela andara beijando sua mãe um dia? Meu Deus, e se Marina soubesse que fora ela, Lica, a causa do choro e do sofrimento e de Samantha? Nunca que lhe perdoaria, sendo Samantha a mãe dela. Começou a entender o lado da empresária. Não era o tipo de coisa que se soltasse no meio de uma rodinha e esperasse que uma criança de cinco anos entendesse.

- Me desculpa – foi tudo que Lica conseguiu verbalizar – Olha... me desculpa, Samantha, eu não pensei na hora. Quer dizer, a Benê, ela falou sem querer, você sabe como ela é e eu acabei entrando na conversa... – viu a cara que Samantha fez e emendou – Mas também, não era nenhuma mentira. Você foi sim a namorada mais linda que eu já tive e a mais decente também.

- Ah, não... – Samantha passou a mão pelos cabelos em um claro gesto de impaciência. Lica prosseguiu com seu monólogo.

- É verdade. Foi você a melhor. Eu até te levei lá em casa. Minha mãe gostava de você.

- Lica, eu vivia na sua casa! Aliás, eu, o MB e o Felipe, né? – havia uma pontinha de descontentamento na voz da Lambertini.

- É, mas eu não deixei nenhum deles usar meu sabonete francês. Só você – Lica soltou e Samantha paralisou, analisando a cara de pau dela.

- É sério isso? – mas não era surpresa no bom tom. Era descrença na coragem de Lica de dizer aquilo.

- É... só você chegou perto do meu sabonete francês. Eu gostava dele, porque toda vez que eu sentia o perfume, lembrava de você.

- Heloísa, para com isso! – Samantha pediu, quase implorou. Em vão. Lica parecia estar ligada no automático.

- Mas é, Sammy – ah, o apelido não! Já era demais até para Samantha – Ó, nenhum dos meus ex teve tanta intimidade comigo a ponto de eu deixar chegar perto daquele....

- Era só um sabonete, Heloísa – Samantha perdeu as estribeiras.

- Ow, não era só um sabonete. Era uma lavanda parisiense.

- Lica, cala a boca! – Samantha exigiu, fazendo a Gutierrez finalmente parar de falar – Esquece a porra desse sabonete e foca no que está acontecendo aqui.

- Qual o problema do sabonete? – ah, não... a vontade de socar Lica estava só aumentando... uma exposição terminando com a artista agredida por uma convidada. Seria lindo as manchetes do dia seguinte – Você gostava dele – Lica assumiu uma pose de ofendida – Principalmente quando eu que passava em vo...

- Não me faz querer te bater aqui – Samantha praticamente choramingou.

- Ué... qual o proble....

- Heloísa, cala a merda dessa boca! – Samantha sibilou para não gritar, fazendo Lica se encolher – Para de tergiversar e desviar do assunto! Eu só quero entender qual o problema em você medir suas palavras quando minha filha está por perto. A Marina acabou de saber que eu e você namoramos, uma criança de cinco anos que provavelmente não está entendendo nada. Me fala, como que você ficaria se soubesse que uma de suas melhores amigas – fez aspas com as mãos, se referindo à relação de Marina e Lica – Teve um caso com a sua mãe.

- Samantha – Lica soou bastante calma, até – Não foi só um caso – Samantha engoliu em seco – E outra, uma hora ela iria saber que a gente namorou. Eu não entendo porque esse piti.

- Lica, a Marina é muito apegada a você. Apegada demais e eu gostaria muito que esse apego todo não virasse estranhamento.

- Você acha que ela pode me estranhar por causa disso?

- Ela é minha filha, Lica – Samantha riu sem humor – Eu conheço a Marina melhor que todo mundo. Ela vai querer saber tudo que aconteceu. Como você mesma disse, criança tem cada pergunta que deixa a gente sem resposta.

- Saber de tudo seria... – Lica engoliu em seco – Você vai contar pra ela que... que eu terminei tudo e... – a voz de Heloísa morreu. Como completaria aquela frase? “Que eu terminei tudo e te fiz sofrer horrores?”

- Se você está querendo saber se eu vou falar mal de você pra Marina, realmente você não me conhece. Você acha mesmo que eu seria capaz disso? De colocar minha filha contra você? Depois de tudo que eu fiz pra vocês se acertarem?

- Não foi isso que eu quis dizer – Lica apressou-se – Eu só não sei se... bom, eu fui uma idiota, Samantha. E eu não queria parecer uma idiota pra Marina.

Samantha respirou fundo, os olhos perscrutando o rosto de Lica. Ela tinha uma expressão séria, um tanto preocupada e... ah, aquilo era um resquício de culpa? Poxa, ali não.

- Lica... – Samantha se aproximou, cautelosa.

- Eu posso contar a minha versão pra ela também – Lica sugeriu, levantando o olhar – Tipo, se ela souber que eu terminei com você, que vivi um inferno pra lidar com o que fiz e pra te esquecer, talvez ela me odeie menos, né?

Samantha engoliu em seco. Heloísa falou tão naturalmente que não tinha nem se dado conta.

- Viveu... – Samantha pigarreou – Viveu um inferno?

- Sim – Lica afirmou segura de si. Tão segura, que fez Samantha tremer na base – Não pensa que te esquecer é fácil. Aliás, eu acho que nunca esqueci de verdade.

Samantha engoliu em seco.

- Aqui não é hora nem lugar – foi tudo que falou e ajeitou a postura – O assunto aqui é a Marina. Eu... – Samantha estava ficando era nervosa com a intensidade do olhar de Lica sobre si –Eu vou conversar com ela. Explicar tudo. Poderia ser com mais calma, mas né?

- Desculpa – Lica tornou a responder – Eu não queria causar nenhum mal estar. Nem eu nem a Benê.

- Tudo bem, eu... eu vou tentar resolver isso.

- Certo – Lica assentiu – Me avisa, por favor. Não quero que a Marina fique ressentida comigo nem me olhe diferente porque um dia eu beijei a mãe dela.

- Tá, eu... eu aviso – nem Samantha sabia mais o que estava fazendo – Bom... eu acho melhor eu ir. Está tarde já e amanhã tenho a ONG.

- Certo – Lica abriu passagem – Obrigada mais uma vez por ter vindo, Sammy.

- Sammy... – Samantha repetiu, como que testando a sonoridade de seu apelido.

- Samantha – Lica se corrigiu imediatamente – Valeu por ter trazido a Marina.

- Não agradece, eu gostei de ter vindo – admitiu e foi até fácil.

- Que bom – Lica riu de leve – Bom, então... tchau.

- Tchau – Samantha bem que tentou se virar, mas Lica se aproximou dela e gentilmente deixou um beijo em seu rosto. Cada poro de seu corpo esquentou, formigou para depois inflamar. Sentiu suas pernas adquirirem a consistência de gelatina e respirou fundo para conseguir lidar com aquela proximidade toda de Heloísa, mas só conseguiu foi inspirar o perfume que ela usava. Era tão bom... o perfume.

Samantha assentiu brevemente com a cabeça, mas antes de se virar, soltou a última coisa que poderia ter soltado ali. Se era a pior ou a melhor, não sabia, mas que não deveria ter dito, não deveria.

- Lica – chamou, atraindo de novo a atenção da Gutierrez – Eu gostava do sabonete francês.

Viu o rosto de Heloísa se abrir em um sorriso enorme antes de sair dali. Só não conseguiu entender foi o sorrisinho que se instalou no canto de sua boca também. Pegou Marina com Clara, ainda cruzaram com Lica para a menina se despedir dela e foi nessa despedida que a preocupação de Samantha para com a filha ficou clara para Heloísa. É que Marina tinha muitas perguntas a fazer. Muitas.

- Tia Lica, é por isso que o papai não gosta de você? Porque a mamãe já foi sua namorada?

Lica fez uma careta à indagação da criança. Clara ficou tensa, olhando dela para Samantha que, por sua vez, tratou de acabar com aquilo.

- Em casa, Marina – foi um tanto incisiva, como nunca Lica havia visto ela ser com a filha.

- Mas mamãe...

- Eu já falei e não vou repetir, Marina Lambertini – dura de novo – Em casa a gente conversa e eu respondo suas perguntas.

Ficaram ali até Samantha dar a partida no carro. Quando a BMW saiu pela noite de São Paulo, Clara debruçou-se no ombro de Lica à porta da galeria.

- Clara? Você acha que a Marina pode me estranhar quando souber que eu meio que... – engoliu em seco – Magoei a mãe dela?

Clara riu pelo nariz.

- Criança, Lica. A Marina é só uma criança.

- É, mas ela tem umas perguntas.... – fez uma careta.

- Igualzinha a mãe, né? – Clara pontuou e olhou de canto de olho para a irmã – Lembra no jardim?

Lica nem queria, mas riu. E tinha como não lembrar daquele dia? Estava muito bem sentadinha em sua cadeirinha na sala, prestando atenção na explicação da professora sobre como tracejar a letra A, quando aquele montinho de cachos se sentou ao lado dela, abrindo uma mochila enorme que tomou uma parte do espaço de Lica.

 

- Oi, meu nome é Samantha – a menininha falou.

- Lica – Heloísa respondeu e voltou a olhar para frente.

- Eu sou aluna nova. Você já estudava aqui?

- Já – Lica respondeu sem tirar os olhos do quadro lá na frente.

- Você gosta dessa escola? É legal aqui?

- É sim – Lica tentou se ater ao que a professora dizia.

- Eu acho que vou gostar também, não sei. Você sabe o que tem pro lanche?

- Não, porque ainda não é hora do recreio. Na hora eles dizem – Lica só queria ouvir o que sua professora falava.

- Mas por que não dizem antes? Podiam botar num cartaz, você não acha?

Lica suspirou.

- Não sei.

Um minuto de silêncio até a menina voltar a falar. E fazer perguntas.

- Seu nome é Lica mesmo? É esquisito.

- É apelido – Heloísa revirou os olhos.

- Sabia... – ela botou a mãozinha no queixo, pensativa – E qual o seu nome de verdade?

- Heloísa. Meu nome é Heloísa – Lica já estava perdendo a paciência. Ao se virar para responder, perdeu o movimento que a professora fez para tracejar a perninha do A. Não podia sai do Jardim sem saber como fazer a perninha do A e aquela menina estava lhe atrapalhando.

- É nome de velho – Lica bufou ao ouvir aquilo – Mas por que seu apelido é Lica se seu nome é Heloísa? Não parece com seu nome. Por exemplo, meu nome é Samantha, mas as pessoas me chamam de Sam. Seu apelido não tem a ver com seu nome. Por que?

- Não sei – Lica respondeu a contragosto e virou-se para pegar seu estojinho que de estojinho não tinha nada. Era uma verdadeira coleção de lápis de cor. Samantha ficou maravilhada ao vê-lo. E curiosa.

- Pra quê você tem um estojo tão grande? E esse monte de lápis de cor? A gente nem usa muito lápis de cor.

- Porque eu gosto de desenhar – Lica respondeu se segurando para não mandar a menina calar a boca.

- Você desenha? Legal. E o que você gosta de desenhar?

- Gosto de desenhar ET’s – Lica respondeu com birra, sem aguentar mais um A e justo quando a menina abriu a boca para provavelmente metralhar outra pergunta... – E você quer calar a boca? Eu estou tentando aprender a fazer o A.

- Você não sabe fazer o A? – ah, não...

Lica desistiu de responder e encostou a testa na carteira, largando de mão toda e qualquer tentativa de aprender alguma coisa naquela aula.

 

Heloísa riu ao se lembrar daquele primeiro encontro.

- Eu me senti numa sabatina – riu para o vento, um tanto saudosa. Tinha o olhar perdido e distante – A Samantha conseguia ser bem irritante quando queria.

- É, mas no dia que ela faltou porque estava doente, você foi correndo atrás do papai pra saber porque ela não tinha ido.

- Verdade – Lica recordou – Só me aquietei quando ele falou com os pais dela e eles disseram que ela estava gripada. No dia seguinte ela voltou, mas ainda estava meio amuadinha e eu que desatei a fazer perguntas pra puxar assunto e ela não se sentir tão mal. Aí adivinha só o que foi que ela disse? – Lica riu maior – “Menina, por que você pergunta tanto? É chato”.

Clara gargalhou.

- Definitivamente, a Marina tem pra quem puxar – Clara comentou – Por isso que a Samantha ficou preocupada, Lica. A Mari sabe fazer perguntas e se não tiver as respostas que quer, não para... E a Sam odeia ficar sem resposta pra filha.

- Sério? – Lica franziu o cenho e encarou Clara.

- Sério. Mas com o tempo você vai entender. Agora, vamos voltar lá pra dentro que exposição sem artista não é exposição.

(...)

Marina tagarelou o caminho inteiro para casa. Samantha se dividia entre focar no trânsito e dar atenção para a filha. Falou dos quadros de Lica, de como ela “pintava bonito”, mencionou até uma foto que fizeram delas, mas Samantha não entendeu muito bem. E, por fim, inquiriu a mãe sobre a relação com Heloísa. De novo.

Samantha adiou, adiou, enrolou... até que chegaram em casa. Henrique, para variar, não estava. Bom, já passava da meia noite... definitivamente Samantha daria um basta naquilo. Como podia? O marido falava tanto em respeito e a desrespeitava horrores quando sumia sem dar notícias. Já tinha passado da hora de ela, Samantha, dar um ultimato a ele. E daria. Como daria.

Esperou Marina tomar seu banho e se arrumar para deitar antes de ir cuidar de si mesma. Se pegou pensando mais de uma vez nas palavras que ouvira de Lica mais cedo. “Não pensa que te esquecer é fácil. Aliás, eu acho que nunca esqueci de verdade”. Por que ela tinha que falar aquilo, meu Deus, por quê? Qual a necessidade de tocar nos sentimentos quando tudo o que Samantha mais queria era ser racional?

Que Heloísa mexia com ela, isso era fato. Estaria mentindo na cara dura se dissesse que não, então verdades sejam expostas: se sentia balançada por Lica. Muito. Demais. Demais da conta. Era absurdamente ridícula a forma como se abalava física e emocionalmente quando aquela nariguda safada metida a francesa estava por perto. Seu corpo reagia, sua mente parecia entrar em stand by presa a tudo que era Lica. Sua pele formigou ao simples roçar de dedo quando a entregou a taça de champanhe. Era fogo puro e uma vontade tão descabida e de provar mais uma vez da maciez daqueles lábios ridiculamente....

- Mamãe, dorme comigo? – a voz de Marina foi que trouxe Samantha de volta à tona. Através do vidro, viu o reflexo da menina parada no meio de seu banheiro.

- Durmo, meu amor – respondeu enquanto tratava de colocar seus pensamentos no lugar – Eu vou só terminar aqui rapidinho. Vai indo pro quarto que eu te encontro já lá.

- Tá bom – viu Marina se afastando e tratou de afastar qualquer lembrança de Heloísa ou de algo relacionado a ela de sua mente. Mas falhou miseravelmente ao pegar o sabonete.

Ele era francês.

Não a julguem. Samantha de fato gostara daquele aroma e da textura daquela espuma em sua pele. O problema era que aquele perfume...

 

- Lica, a gente vai acabar a água do prédio assim – bem que tentou afastar Heloísa, mas ela estava impossível. E parecia um polvo com as mãos em todos os lugares – Isso é um crime contra o planeta.

- O prédio e o planeta que me perdoem, Sammy, mas não tem como eu sair daqui agora – e a puxou para si, firme e decidida – E você também não quer, que eu sei – foi deixando beijos molhados e afoitos na curva de seu pescoço – Quer?

- Eu só queria tomar meu banho, isso sim! – virou-se de costas para pegar o sabonete – A gente já não fez isso a noite inteira?

- Uma noite inteira não é suficiente – Lica deixava beijos e agora mordidas na nuca da namorada, pressionando-a contra si e apertando sua cintura.

- Caralho, você estava dormindo há menos de um minuto e agora...

- Agora eu estou bem acordada e louca pra te dar bom dia.

- Já deu, agora sai – Samantha tentou começar a se ensaboar, mas Lica foi mais rápida. Girou-a em um movimento certeiro, ficando cara a cara com ela. Então pegou o sabonete das mãe de Samantha e provocou no melhor tom “Heloísa quer te foder agora” que conseguiu.

- Quem vai dar aqui é você e vai ser enquanto eu te dou banho – a rouquidão da voz dela fez Samantha estremecer no melhor sentido da palavra – Agora vem cá, vem, e me deixa te mostrar o quanto um sabonete francês é gostoso.

E Samantha... bom, ela foi.

 

- Eu vou enlouquecer – se viu dizendo e tratando de terminar logo aquele banho. Saiu do chuveiro enrolada num roupão felpudo, a toalha enrolada nos cabelos. Secou-os fios rapidamente e vestiu um pijaminha qualquer. Rumou para o quarto de Marina enquanto checava o celular. Nenhuma mensagem do marido. Deu graças a Deus, porque, sendo sincera, não estava nem um pouco a fim de lidar com Henrique naquele momento.

Encontrou Marina deitada na cama com as perninhas cruzadas enquanto folheava um livrinho infantil.

- Tem espaço pra mim aqui? – já foi logo se aconchegando ao lado da filha.

- Tem – com a vozinha manhosa, ela se aconchegou a Samantha, inspirando fundo no pescoço da mãe – Você está cheirosa, mamãe.

- Obrigada, filha – virou-se para olhá-la e deixar um cheiro gostoso no cangote de Marina – Você também está bem cheirosinha... tomou banho direito, né?

- Tomei – Marina suspirou. Seguiu-se um minuto de silêncio em que Samantha pegou o livro que a filha lia para folheá-lo.

- Quer que eu leia? – inquiriu.

- Não. Eu queria saber se você já foi namorada da tia Lica, mamãe. Você não respondeu – claro que Marina perguntaria aquilo e Samantha meio que já esperava. Não poderia fugir da filha nem a pau. E nem queria isso. Odiava deixar sua cria com interrogações e dúvidas e embora não tivesse todas as respostas do mundo para dá-la, se esforçava para responder ao máximo seus questionamentos de forma correta e honesta.

- Curiosa, você, hein? – brincando, Samantha virou-se para apoiar a cabeça no braço, encarando a filha. Suspirou escolhendo as melhores palavras – A resposta é sim. Eu já fui namorada da Lica - não tinha muito o que dizer mesmo.

Viu o rostinho de Marina assumir uma expressão intrigada e um biquinho se formar em sua boca na melhor expressão “Marina Lambertini concentrada”.

- Mas vocês são meninas. Vocês podiam namorar? – e, de novo, Samantha já esperava por aquilo.

- Claro que sim. Meninas podem namorar do mesmo jeito que meninas e meninos namoram.

- Mas não é errado?

- Não. Não é nem um pouco errado. Se você gosta da pessoa e a pessoa gosta de você, não importa se é menino ou menina, contanto que haja carinho, admiração e respeito.

Marina franziu ainda mais a testa sob o olhar atento da mãe.

- Então duas meninas podem se beijar?

E olha que a menina só tinha cinco anos.

- Claro que podem, meu amor. Duas meninas podem se beijar... dois meninos podem... do mesmo jeito que um menino e uma menina se beijam. Eu já disse, não importa o sexo... Menino, menina... as pessoas podem beijar quem elas querem. Contanto que tenha permissão pra isso.

- Aaaaah... – a interjeição de compreensão e Samantha podia ver as engrenagens do cerebrozinho de Marina funcionando a todo vapor – Então se eu quiser beijar uma menina, eu posso?

Samantha riu.

- Poder pode, mas não vai sair por aí beijando as coleguinhas e nem deixando ninguém te beijar. Você só tem cinco anos, Marina. Está cedo demais pra pensar nisso – foi mais firme – Certo?

- Certo.

- Entendeu mesmo?

- Entendi. Eu posso beijar meninos e meninas, mas não agora porque só tenho cinco anos. E não posso deixar ninguém me beijar também porque sou criança.

- É isso aí – concordou, fazendo um carinho nos fios castanhos da filha – Mais alguma pergunta? Aproveita que hoje eu estou sem sono – brincou.

- Como você e a tia Lica se conheceram?

Samantha riu um tanto saudosa. Lembrava-se muito bem daquele dia.

- A gente era criança assim que nem você. Devíamos ter uns cinco anos... eu fui estudar no Grupo e ela já estudava lá. A gente se conheceu no Jardim e a professora estava nos ensinando a escrever a letra A, eu acho... Não lembro muitos detalhes, mas sei que a Lica odiava sentar do meu lado porque dizia eu falava pelos cotovelos e atrapalhava ela... – Samantha riu pelo nariz – Engraçado que eu que falava pelos cotovelos, mas era quem tirava as notas mais altas da sala.

- Você era a melhor aluna sala, mamãe? – viu aquele brilho de devoção nos olhos de Marina.

- Claro que eu era... – e assumindo aquele ar convencido – E você já me viu fazer alguma coisa se não for pra ser a melhor? – Marina soltou uma risadinha sonora – Eu achei que a Lica não gostava de mim no começo... depois de um tempo eu tive certeza, porque as implicâncias nunca paravam. À medida que a gente foi crescendo, as discussões meio que cresciam junto... mas por mais que a gente brigasse – fez aspas com as mãos – A gente nunca se separava. Era sempre o mesmo grupo dos trabalhos, depois o mesmo grupo nas festinhas.... Eu, ela, a tia Clara, o tio Guto, o tio MB e um outro menino chamado Felipe, que entrou depois na escola. Ele você não chegou a conhecer. Só por foto.

- Mamãe – Marina a interrompeu – Como você a tia Lica viraram namoradas se ela não gostava de você?

Samantha suspirou.

- Bom... quando você tiver maiorzinha talvez entenda isso melhor, mas por hora, o que eu posso te dizer é que às vezes as pessoas implicam com as outras porque não querem mostrar o quanto se importam. As brigas e implicâncias não eram bem de verdade. No fundo, a mamãe e a Lica se gostavam demais, mas tinham medo de dizer isso em voz alta, entendeu?

Marina voltou a franzir a testa.

- Por quê?

- Bom... medo do que as pessoas iriam pensar... medo de assumir que estavam gostando uma da outra... a Lica era meio chatinha, marrenta, metida só porque era a filha do diretor, sabe? Insuportável às vezes .... Eu nunca admitiria gostar de alguém como ela. Ela pensava a mesma coisa de mim. A Lica me achava vaidosa, chatinha só porque eu era popular, uma patricinha... imagina aí como é complicado você admitir que há qualidades numa pessoa que você não gosta. A gente brigava porque não queríamos assumir que por trás das discussões tinham duas pessoas bacanas e que podiam muito bem funcionar juntas – e vendo a carinha de Marina – Deu pra entender?

- Umhum – ela assentiu com a cabeça – Você e a tia Lica brigavam porque ela gostava de você e você dela, só que a tia Clara, o tio Guto e o tio MB não podiam saber.

- É por aí – Samantha riu – Mais alguma pergunta?

- Como vocês começaram a namorar?

- Bom... – Samantha suspirou, puxando pela memória – Depois de mil e uma voltas... depois que a Lica beijou todos os meninos da escola, assim como eu, parece que a gente entendeu que estávamos dando voltas e mais voltas sem sair do lugar. Nessa altura, não tinha mais como negar que a gente se gostava.

- Aí vocês pararam de brigar?

- É... a gente já não brigava tanto, na verdade. Foi mais sério no Oitavo Ano, quando eu beijei um menino e a Lica quis matar ele... Nessa época eu percebi umas coisinhas e meio que resolvi parar com as brigas por besteira.

- O que você percebeu?

Ah, Marina...

- Um dia você vai perceber em alguém e também vai entender – foi tudo que disse – Por enquanto, basta você saber que no final das contas, eu e a Lica não discutíamos mais tanto e numa festa nossos celulares deram match.

- Match?

- Umhum. Foi um joguinho que tia Ellen criou que mostrava com quem a gente tinha mais coisa em comum. As pessoas que tinham mais afinidade davam match. Eu dei match com a Lica e ela comigo.

- Você também desenha que nem ela?

Samantha gargalhou.

- Não... não era isso exatamente. Era.... gostar dos mesmos livros, das mesmas bandas... curtir os mesmos programas... ter assuntos em comum. A gente deu match, minha foto apareceu no celular dela e a dela no meu e a gente se beijou. Na verdade não foi nem um beijo, exatamente... foi mais um selinho mesmo.

- Você beijou a tia Lica porque tinha uma foto dela no seu celular?

- Parece loucura, né? Mas foi bem assim – Samantha suspirou lembrando bem daquele dia. Nunca tinha ficado tão insegura diante de alguém. Só Lica tinha esse poder de intimidá-la – Bom, aí a gente não se desgrudou mais. Andávamos juntas pra cima e pra baixo feito casal mesmo. Tiveram uns contratempos, mas nem isso foi suficiente pra gente se desligar uma da outra. Até que um dia, nas férias, ela me pediu em namoro.

Samantha até achou que havia se enganado, mas viu os olhinhos de Marina brilharem.

- E você disse sim.

- Na verdade, eu disse “não” – Samantha assumiu sorrindo e tratou logo de emendar – Bom, ela não me perguntou se eu queria ser namorada dela. Ela me chamou de namorada, do nada, e perguntou se eu tinha dúvidas quando eu questionei aquilo.

- Legal – é. Não se enganara. Havia um brilho nos olhar de Marina. E a Samantha, ele pareceu de puro contentamento. Não soube se ria de alívio por Marina ter entendido e não ter julgado ninguém (leia-se Lica), ou se de desespero, ante a possibilidade da filha se apegar à ideia dela e de Lica juntas fosse em que sentido fosse. Mas a expressão de Marina voltou ficar intrigada – Mas mamãe, se você a tia Lica eram namoradas, como eu sou filha do papai e não da tia Lica?

Ai, crianças... essa inocência não devia se perder nunca. Samantha riu com gosto. Mas como explicar aquilo a Marina de modo a se fazer entender? Eram só cinco anos, meu Deus.

- Bom, digamos que a Lica não tenha exatamente uma coisinha necessária pra fazer alguém ter um filho – viu o cenho de Marina se franzir – E antes que você pergunte o que é – atalhou – Eu vou logo responder que quero ter essa conversinha com você um pouquinho mais pra frente, ok?

- Tá bom – a menina pareceu se convencer, mas se satisfazer? Nem a pau – Mas mamãe, como você e o papai se casaram se você a tia Lica eram namoradas?

E aí estava o terreno incerto que Samantha vinha evitando pisar. Sua dúvida agora era como fazer Marina entender exatamente o que aconteceu sem fazer o outro lado parecer o grande vilão da trama. Por mais que tivesse suas ressalvas com Lica, não queria ver a filha estranhando a artista, muito menos nutrindo por ela qualquer tipo ressentimento por conta do que aconteceu. Ou do que ela fez. Sim, porque Heloísa fez e isso Samantha teria que contar. Mas sabia que Marina admirava a artista e não gostaria de vê-la se decepcionando com alguém tão cedo. Respirou fundo.

- Marina... as pessoas, às vezes elas cometem erros e acabam machucando os outros. Nem sempre é intencional, nem sempre a gente tem controle, mas machuca. Errar é humano e todo mundo, em algum ponto da vida, vai cometer uns atos falhos. Até você – viu a carinha confusa da filha – O que eu quero te dizer é que... Bom, o que fez a mamãe e a Lica deixarem de ser namoradas foi um ato falho de uma delas.

- De qual?

Samantha poderia responder “da Lica, pra variar”, mas mediu muito bem as palavras.

- Depois que a Lica me pediu em namoro e eu aceitei, nós fizemos uma viagem pelo país. Foi lindo – riu, nostálgica – A gente conheceu tantos lugares incríveis, tanta gente maravilhosa, histórias interessantes... era quase uma lua de mel – riu-se – Mas depois dessa viagem... Bom, a gente voltou pra São Paulo e umas semanas depois, ela recebeu um convite pra fazer um curso de artes na França. E você sabe como a Lica adora desenhar. Arte é a vida dela, então ela nem pensou duas vezes antes de aceitar... eu também dei a maior força. Até pensei em ir junto, mas ia prestar vestibular pra uma faculdade, então não tive como. Eram só três meses também. Passava rápido.

 

- Não está esquecendo de nada não? – Samantha perguntou quando chegaram ao portão de embarque – Olha que daqui pra Paris tem muito chão, hein? Ou muito água, na verdade.

- Esse é o momento em que eu te puxo pra mim, te dou o melhor beijo da sua vida e digo “me espera, meu amor”? – Lica entrou na dela.

- Não, eu estava perguntando se seus documentos estão todos aí – riu-se Samantha – Mas você pode fazer isso também, se quiser.

- Ah, é? – Lica aproximou-se com a expressão mais provocante que conseguiu colocar no rosto – Então vem cá, vem.

E beijaram-se como tinha que ser. Os lábios dançaram juntos e cadenciados, as línguas se tocaram e aquela conhecida explosão de êxtase e luxúria comum entre elas simplesmente veio com tudo. Samantha praticamente engoliu Lica com a boca. Mordiscou, chupou, deixou ali sua marca num claro recado de “você é minha, trata de se comportar lá na Europa”. Lica não se incomodou nem um pouco com aquela “advertência”.

Separaram-se a muito custo, olhos nos olhos e eles diziam tanto. Deus, como ele diziam tanto. Gritavam o que havia ali dentro. Samantha verbalizou.

- Lica – chamou um tanto quanto receosa, mas quando se fez soar, foi firme e decidida como se aquela fosse a única certeza que tivesse na vida – Eu te amo.

Lica calou. Engoliu em seco, soltou uma risadinha de puro nervosismo até que sua expressão inteira delatou o curto-circuito em que se encontrava. Se retesou e desviou o olhar enquanto parou o carinho que fazia na nuca de Samantha e deixou sua mão cair. Mexeu nos dedos, retorcendo-os.... era hesitação pura. Hesitação essa que Samantha percebeu, sentiu em cada poro de sua pele com a delicadeza de uma faca.

- Hã... – Lica abriu a boca uma, duas, três vezes, pigarreou. A essa altura, Samantha já nem sabia se permanecia ali esperando que ela dissesse ou se a empurrava de vez para o portão de embarque só para não prolongar aquela tortura – Eu... eu sou louca por você, Samantha.

É. Devia mesmo ter empurrado Lica para o avião. Pelo menos não passaria por isso. Sabe aquela sensação horrível de você esperar algo e esse algo não acontecer, não vir ou simplesmente se esvair no ar? Pois é, nem queira saber mesmo, porque é horrível. Você se sente frustrado e pequeno demais para lidar com suas expectativas indo por água abaixo. Insuficiente.

Insuficiente para receber um “eu te amo” de volta. Foi assim que Samantha se sentiu, mas tratou de disfarçar o melhor que pôde. Colocou um sorriso no rosto. Vai ver nem era pra levar aquilo muito a sério, afinal, era Heloísa ali e as coisas com ela não eram sempre tão... bom, não eram sempre como se esperava. Elas eram namoradas, certo? Um “eu te amo” ou ao menos a palavrinha de quatro letras uma hora viria. Samantha tinha certeza do que sentia e, sendo sincera, nunca havia nem chegado perto daquilo com alguém. Mas as pessoas funcionam em tempos diferentes, então uma hora ou outra chegaria a vez de Lica lhe dizer. Ela sabia que chegaria.

Bom... não chegou.

Já fazia uns dois dias que Heloísa andava evasiva demais. Samantha lhe fazia mil perguntas, indagava sobre o curso, sobre os franceses, sobre o roteiro que Lica vinha fazendo na Cidade Luz... Mas sempre esbarrava na falta de vontade da namorada em responder a contento. As conversas se tornaram montes de perguntas por parte de uma e um amontoado de “sim” e “não”, “pois é” e “umhum”, “legal” e “nossa!”.... Tinha hora que Samantha sentia como se estivesse falando sozinha. Cansada daquilo e tentando entender o que diabos estava acontecendo, ligou uma vez. Duas, mas não foi atendida. Chegou a cogitar com os pais uma ida à França, mesmo sob os protestos deles, para saber se estava tudo bem com Lica. Sabia do histórico da namorada, talvez ela estivesse precisando de ajuda.

Mas nem precisou ir muito longe. Era tarde de sexta. Samantha tinha acabado de receber o resultado do vestibular. Passara para a faculdade que queria, para o curso que queria. Pegou todo mundo de surpresa ao dizer que queria fazer Administração, já que a maioria esperava ou uma Samantha musicista ou uma Samantha arquiteta. Decidiu deixar a música somente como hobby mesmo para não perder aquele encantamento que tinha por aquela arte. Questões práticas: seu pai era dono de um bistrô. Ela se interessou pelo negócio e viu ali potencial para muito mais. Cursou administração com o intuito de transformar o empreendimento de sua família em algo bem maior.

Naquela tarde de sexta, radiante como estava, mal recebeu a notícia da aprovação e já foi logo pegando o celular para compartilhar com sua pessoa preferida no mundo a boa nova. Mas o aparelho tocou antes mesmo que ela pudesse ao menos buscar o nome de Lica nos contatos.

- Lica! – fez festa – Que bom que você me ligou, parece que estava adivinhando, amor. Eu...

- Sammy, a gente precisa conversar – Lica não deixou nem que ela terminasse.

- Aconteceu alguma coisa? Você está bem? Está tudo bem? – Samantha já se preocupou de cara, percebendo a gravidade na voz de Lica. E sua namorada definitivamente não usava aquele tom.

- Eu vou direto ao assunto porque não estou a fim de prolongar isso – foi firme – Eu acho melhor a gente terminar.

Samantha riu. Claro, é uma reação normal quando você ouve uma sandice que parece tudo: piada, chiste, brincadeira... menos coisa séria. E aquela definitivamente era uma piada da mais sem graça que Lica fora arrumar.

- Como? – repetiu, ainda rindo. E externou seu pensamento – Que piada, Lica. Que foi que te deu pra brincar desse jeito? Ó, só pra você saber, não tem graça nenhuma. E eu te liguei pra falar outra coisa. Está sentada? – brincou – Sua namorada vai....

- Eu quero terminar, Samantha – de novo. E dessa vez o riso não tinha mais vez. Ninguém repete uma piada, porque ela perde o efeito. E se repete, é porque não é uma piada exatamente. E a gravidade na voz de Lica continuava. Sem contar que a escolha de palavras dela foi... péssima.

- Lica, o quê que ‘cê tá dizendo? – riu fraquinho. É. Definitivamente tinha perdido a graça.

- Que eu quero terminar – de novo. Não. Não era piada. Era sério, muito sério.

- Por que isso agora? – Samantha inquiriu, a euforia pela aprovação no vestibular dando lugar a um incômodo bem chatinho no peito – Eu... eu não estou entendendo. Eu te liguei pra dize q...

- E eu te liguei porque quero terminar isso que a gente tem.

- Isso?

Se referir ao que elas tinham como isso? Ué, foi Lica que lhe pediu em namoro. Como assim aquele “você tem alguma dúvida?” tinha se transforma em “isso”?

- É, Samantha – Lica pareceu impaciente – Eu... eu preciso focar na minha carreira. Terminei o curso aqui com honras e consegui uma bolsa em Sorbonne. Não posso dizer “não” pra isso.

- Sério? – havia um resquício de empolgação na voz de Samantha, embora ela entendesse como devia estar a cabeça de Lica – Que maravilha, amor...

- Não me chama de “amor”, por favor.

Silêncio. Samantha teve vontade de perguntar qual era o problema de Lica, mas se refreou. Tinha soluções a apresentar para aquela ideia estapafúrdia dela em terminar “isso” que tinham.

- Olha, eu sei que é complicado, é um oceano de distância, mas existem férias e feriados prolongados e.... bom, a gente consegue manter um relacionamento à distância. Lica. Não é como se o mundo fosse acabar porque você vai estudar numa das melhores faculdades de arte do mundo – riu, contente.

- Você não entendeu, Samantha. Eu não quero fazer funcionar. Eu não quero isso de relacionamento à distância – o sorriso de Samantha morreu e ela fez uma careta esquisita, de dor, como se de fato estivessem cravando uma faca direto em seu peito. Talvez fosse pior que a faca – Eu quero terminar.

- Lica, o que está acontecendo? – perguntou, agora séria – Eu não estou te entendendo. Eu... fiz alguma coisa...?

- Samantha, não dificulta as coisas – Heloísa foi cruel. Era crueldade, não tinha outro nome – Eu já disse: eu quero focar na minha carreira e namoro agora só ia me atrapalhar. Eu vou morar aqui em Paris pelos próximos anos, não quero me prender a ninguém em lugar nenhum do mundo e... bom, não tem nada que me prenda aí no Brasil.

- Como não tem nada? Eu estou aqui, Heloísa! Que sandice é essa?

- Não é sandice – foi curta e grossa – É só eu parando por aqui isso que a gente tem porque.... Bom, é demais pra mim. Eu estou em Paris e não quero relacionamento com ninguém.

- Tem alguém aí, é isso? – era isso, só podia ser – É por isso que você...

- Samantha, não começa – havia impaciência no tom de Lica – E se tem ou não, não interessa. O que importa é o que eu estou dizendo: eu quero terminar porque tenho outros planos pra mim e você não está neles. Me perdoa, Sammy.

- Como assim? Lica, espera o que...?

- Se cuida.

- Lica? – o telefone ficou mudo – Lica! – uma vez – Lica! – duas e o “tu-tu-tu” da chamada encerrada reverberou nos ouvidos de Samantha com a ferocidade de um “boom” de um tiro de canhão.

O mundo, ele não dá voltas. Ele capota. Ligou para compartilhar com a namorada a felicidade de ter sido aprovada no vestibular. Terminou a ligação sem namorada.

Os dias que se seguiram foram praticamente um ritual: ligar para Lica, não conseguir falar com ela, dar um tempo, depois ligar para Lica de novo... até que o número discado deu como “inexistente”. Foi no WhatsApp: sem foto de perfil. Mil e uma mensagens: confirmação de envio sem nenhuma confirmação de recebimento. Redes sociais: Heloísa dificilmente mostrava o rosto no começo. Só fotos de desenhos e obras de arte. Ao menos lá ela não lhe bloqueou. Mas no dia em que a garota postou uma foto sorrindo feliz da vida na margem direita do Sena... Samantha o fez. É que Lica aparentava felicidade enquanto aqui do outro do mundo havia incompreensão, sensação de abandono e de insuficiência. E a legenda da foto também contribuiu.

“Existe amor em Paris” e uma marcação. Samantha se maldisse quando entrou no usuário da garota. Monitora do curso de artes de Sorbonne e metade do feed dela eram marcações com Lica. Sorrisos, momentos espontâneos e... bom, felicidade.

Acionou o block pela primeira vez na vida e com a última pessoa no mundo com quem queria fazer isso. Lica não vira seu choro, então também não veria seus sorrisos. E ela trataria de fazê-lo voltar ao seu rosto. Custasse o que fosse.

 

- Então a tia Lica disse que não queria mais ser sua namorada e foi embora, mamãe? – Marina tentava processar aquilo.

- Bom, tecnicamente, ela foi embora antes de dizer que não queria mais ser minha namorada – Samantha corrigiu, rindo fraco enquanto fazia um carinho nos fios enrolados da filha.

- É por isso que vocês não são mais amigas? – e perspicácia devia ser o segundo nome de Marina.

- Umhum. Eu fiquei bastante magoada com ela, chorei pra caramba... não entendia muito bem o que tinha acontecido pra ela não querer mais namorar comigo – tentou soar o mais compreensível possível – Até que eu percebi que ficar chorando e sofrendo não ia adiantar nada. Então eu resolvi seguir a minha vida que nem ela seguiu com a dela. Se fosse uma estrada, era como se a gente tivesse chegado num cruzamento e cada uma fosse pra um lado, entendeu? E esses desvios no caminho são mais comuns do que você pensa. A gente só precisa aprender a lidar com eles.

- Aí você e o papai viraram namorados?

- Bom, a gente virou amigos primeiro. Ele era da mesma faculdade que eu e nós estudamos juntos algumas vezes. Aí a amizade cresceu, cresceu, até que se tornou algo mais. Nós começamos a namorar e depois de um tempo, eu descobri que estava grávida.

- Era eu – Marina constatou sorrindo de orelha a orelha, parecendo feliz da vida por finalmente ter aparecido na história.

Samantha acabou rindo junto.

- Era sim – atestou – No começo foi bem difícil, eu tomei um susto daqueles porque ainda estava na faculdade, no final do meu curso, e tinha dezenas de trabalho pra entregar. Na hora que eu soube que tinha uma pessoinha sendo gerada aqui dentro, quase entrei em desespero com medo do que viria a seguir. Ter você, dona Marina, não estava exatamente nos meus planos – admitiu, tocando com o dedo a ponta do nariz da filha – Mas eu já te amei irrevogavelmente do momento que soube que você estava aqui – acariciou a barriga.

Marina riu grande. Os olhinhos brilhando em puro contentamento.

- Depois... bom, pouco depois que eu descobri que estava grávida, seu pai me pediu em casamento. Bom, eu já estava com Henrique fazia mais de um ano tinha com ele tudo que eu não tinha conseguido encontrar em mais ninguém: segurança, cumplicidade... eu disse “sim”, nós nos casamos e um tempinho depois você nasceu.

- O papai não gosta da tia Lica porque vocês eram namoradas, não é, mamãe?

Samantha riu com a capacidade de entendimento da filha.

- É por aí. Mas o papai esquece que é com ele que eu sou casada e que foi a ele que eu jurei fidelidade na frente de um juiz – fez uma careta engraçada – E que não existe mais Lica e Samantha – suspirou – Na verdade, Limantha morreu faz tempo.

- Quem é Limantha? – Marina ficou interessada.

- Não é uma pessoa. Quer dizer, são duas, na verdade – riu-se – É como sua tia Tina chamada a mim e à Lica. Lica e Samantha igual a Limantha. Coisa de adolescente que acha que dar match em balada é a solução pra tudo – brincou.

- Aaaah... – Marina processou aquilo – Limantha é bonito.

Ah, mas era só o que lhe faltava.

- Bonito é a senhorita pregar esses olhinhos de caroço de feijão e dormir. Olha a hora, Marina – checou o reloginho sobre a mesinha de cabeceira – Bora tratar de dormir, porque se não amanhã ninguém acorda. E a gente tem MP3.

- E eu vou aprender a tocar piano – a menina vibrou.

- Vai sim, mas se chegar atrasada e com cara de sono, duvido que a Renata te deixe entrar na sala.

Foi só falar isso e Marina na mesma hora se aconchegou sobre as cobertas e se agarrou ao pescoço da mãe.

- Boa noite, mamãe. Eu te amo bem grandão assim – e esticou os bracinhos o máximo que pôde, para deleite de Samantha.

- Boa noite, meu amor. E eu também te amor bem grandão assim – repetiu o gesto da filha. Ainda ficou acordada um tempão observando sua cria ressonar. Duas frases reverberando em sua mente de maneira incômoda.

“Não pensa que é fácil te esquecer”.

“Limantha é bonito”.

Dormiu pedindo aos céus para que as coisas se ajeitassem. Tanto por fora, quanto por dentro. Principalmente por dentro, porque Lica ainda estava ali. Na verdade, Samantha duvidava que algum dia ela tivesse deixado de estar.

- Te esquecer também não é fácil. Na verdade, eu acho que nunca esqueci – murmurou baixinho as mesmas palavras que ouvira de Lica. Falou mais para si que para ser ouvida e se aconchegou mais a Marina deixando-se embalar pela sonolência.


Notas Finais


É isto. Eis aí Limantha se conhecendo, Limantha acontecendo e Limantha terminando. Deu pra sacar o que foi que a Lica fez? Opinião minha que ninguém pediu, mas vou dar mesmo assim: as circunstâncias do término não foram lá as melhores. Mas queria saber de vocês o que acharam? É drama demais da Samantha ainda ter mágoas ou ela tem um pouco de razão em ter resistências com a Lica ainda?
E gente, Liquinha e Samanthinha com cinco aninhos se conhecendo? kkkkk. Eu imaginei as duas crianças interagindo: uma miniLica emburrada e uma miniSammy feliz e deixando a miliLica mais emburrada ainda com essa felicidade toda kkkkkk. Quem iria imaginar que ainda virariam um casalzão da porra? rsrsrs
E a Marina, meu povo? Aí sabe fazer perguntas, hein? Acho que no futuro teremos uma Lambertini jornalista, porque olha....
A parte boa do cap: sem embustes hoje. Hoje apenas, que fique claro rs.
E pra encerrar: o final desse capítulo não deixou nenhum gancho gente, mas foi proposital. Não "torei" o cap na faca não. O gancho dele está no decorrer da narrativa e não na parte final. Detalhes, como sempre, são cruciais pra história ter andamento e aqui não é diferente.
Bom, falei demais, espero que tenham gostado e nos vemos no próximo capítulo!


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