História My Little Boy. - Capítulo 32: Estrelinhas.

O ódio é subjetivo, cada um o sente de um jeito e o expressa de outro, John já havia o sentido na pele e o visto desabrochar em frente de seus próprios olhos, tanto em forma de palavras, gestos, atitudes ou em sua mais covarde forma, agressões físicas e psicológicas, doeu sentir e doía ainda mais não poder esquecer, sempre estava guardado em algum canto em seu subconsciente e às vezes quando fechava os olhos, tudo voltava à tona.

Mas nada nunca lhe doeu tanto quanto o que lhe aconteceu naquele mesmo dia, as lembranças eram como uma avalanche, estava em meio ao frio de uma nevasca sentimental, via todo aquele amontoado de catástrofes chegando como uma avalanche, mas não podia se mexer, por mais que tentasse não conseguia sair do lugar, por fim foi soterrado e a sensação era de ser sufocado por uma das pessoas a quem mais lhe importava no mundo. A dor lhe dilacerava. Angustiava. Thomas o odiava, era uma aberração, e chegar naquela conclusão lhe rasgou ao meio.

"Ele me odeia, ele me odeia, ele me odeia" os pensamentos o engoliam, agora estava todo encolhido no cantinho do sofá de Tyler que como havia lhe dito anteriormente estava na cozinha, uma manta estava cobrindo suas pernas que estavam sobre o sofá e as abraçava, mantendo seu rostinho contorcido em tristeza em meio a seus joelhos, havia chorado tanto no caminho até ali que sua cabeça doía e seus olhos ardiam, seus soluços preenchiam o ambiente que só não se encontrava completamente silencioso por conta da chuva que caía do lado de fora, era quase como se o céu estivesse lhe fazendo companhia e chorando consigo, um meio sorrisinho melancólico se formou em seus lábios ao pensar naquilo.

Escutou barulhinhos virem de onde pensou ser a cozinha e em poucos segundos sentiu algo pesar em sua cabeça, levantou a cabeça vagarosamente ainda fungando baixinho e escutou uma risada anasalada, Tyler estava em pé ao seu lado com duas canecas, uma delas ele havia apoiado em sua cabeça e era daí que vinha o peso que havia sentido, ele sorriu e lhe entregou uma das canecas, pegou a mesma vagarosamente agradecendo baixinho, no mesmo minuto sentiu o cheirinho adocicado de chocolate quente invadir seu olfato, ao olhar para dentro da xícara havia 5 marshmallows ali, olhou para Tyler que se sentou ao seu lado em silêncio e tomava sua bebida vagarosamente,

-Que é? Eu coloquei um marshmallow a mais no seu, não venha querer roubar o meu.- Disse afastando a xícara para longe ao olhá-lo de canto de olho, John não se segurou e soltou uma pequena risadinha, Tyler ao olhá-lo sorrir, mesmo que só um pouquinho, também sorriu.

-Não sou esse monstro que rouba marshmallow dos outros.- Disse baixinho fungando depois de terminar de falar, e o que mais encantou o de olhos acinzentados foi a maneira seria que ele disse aquilo, chegava a ser infantil.

John assistiu ele se levantar e ir novamente em direção de onde ele havia vindo anteriormente, e do nada todas as luzes se apagaram, o menor sentiu seus batimentos aumentaram consideravelmente, tinha medo do escuro.

-Tyler?- Sua voz soou mais baixinha e amedrontada do que achou que soaria.

-Ei, o que foi?- Escutou ele se aproximar novamente e logo sentiu o estofado do sofá se afundar ao seu lado.- Você tem medo do escuro?- Perguntou baixinho, se aproximando ainda mais dele, em determinado momento quando apoiou sua mão no sofá, suas mãos se tocaram, no mesmo momento John entrelaçou seus dedinhos aos dele, que pensou em se afastar, mas ficou, dizia a si mesmo que deveria fazer com que ele se sentisse confortável ali consigo, ele tinha medo do escuro e já tinha passado por muita coisa por um dia só, soltou a respiração que nem ao menos havia percebido que estava segurando, seu coração estava estranhamente acelerado, podia ouvir seus próprios batimentos de tão altos que estavam, não sabia se o pequeno ao seu lado também os estava ouvindo, não duvidava de nada que ele também os estivesse sentindo pela pontas de seus dedos. Respirou fundo, estava tremendo.

-Sim, eu meio que tenho medo do escuro.- Disse meio receoso, não era comum um garoto de 16 anos ter medo do escuro, isso para muitos era coisa de criança. Mas para sua surpresa Tyler não riu, nem ao menos disse nada, somente apertou mais ainda seus dedos aos seus, e se aproximou mais um pouquinho de si.

Com o controle que estava em sua outra mão o mesmo ligou o projetor, que começou a projetar na parede em frente de onde estavam, os olhinhos de John se arregalaram ao que valente começou a ser projetado parede , seus olhinhos curiosos começaram a procurar de onde as imagens vinham e então focaram em Tyler que apontava sorridente para o teto, o pequeno seguiu sua dica e viu o projetor preso ao teto.

-Uau...- Disse baixinho ao voltar seus olhinhos para o filme que acabara de começar.-Você tem cinema na sua casa.- Disse surpreso se aconchegando ainda mais ao sofá, tomando um golinho de seu chocolate quente, que estava delicioso.

Agora que a sala era iluminada pela luz da projeção, Tyler podia ver claramente o rostinho do menor e todas as expressões as quais ele fazia enquanto assistia o filme concentrado, já o de cabelos longos se concentrava na forma com que ele as vezes apertava levemente seus dedinhos aos seus, ou seu sorrisinho gracioso quando os trigêmeos apareciam em forma de ursinhos, somente conseguiu sorrir frouxo ao que ele riu abertamente quando eles armaram um plano para roubar bolinhos na cozinha do castelo, quando ele ficou imensamente indignado por aqueles príncipes de araque estarem passando por provas para conseguir a mão de Merida em casamento ou quando ele disse baixinho "isso ai" ao que ela decidiu que lutaria por sua própria mão. Não sabia o que pensar, já estavam na metade do filme e não havia assistido nada, mas pelas expressões do baixinho havia entendido cada gama de sentimentos quais os criadores quiseram passar com cada cena, e mesmo que desviasse seus olhos, sempre voltava sua atenção a ele e mesmo que seus olhos não estivesse nele, havia seu calor misturando-se ao seu por conta de suas mãos, mas o que mais o surpreendeu era que queria continuar o olhando e conhecendo mais dele cada vez mais. Naquela hora se deu conta de que talvez estivesse enlouquecendo de vez.

-x-

O filme havia acabado naquele instante, John o olhou com os olhinhos marejados por conta do final e sorriu abertamente, talvez aquilo fosse uma forma de agradecimento. Duas canecas vazias se encontravam no chão, sua jaqueta cuidadosamente dobrada por ele mesmo ao tirar, estava no braço do sofá e ambas as mãos ainda estavam entrelaçadas uma a outra, John ainda vestia a camisa do time e o coração do de olhos acinzentados ainda batia forte em seu peito, o silêncio se perdurou por instantes. O bastante para o menor perceber que ainda chovia do lado de fora, estava tão imerso no filme que esqueceu de tudo a sua volta.

-Já está muito tarde, você deveria ir dormir.- Disse olhando no relógio em seu pulso, vendo ele fazer uma expressãozinha de cachorrinho sem dono.

-Mas eu ainda não tô com sono.- Falou desfazendo os enlaces de seus dedos e cruzando seus braços na altura de seu peito, já o outro apertou sua mão em punho de maneira inconsciente, era como se pudesse sentir a sensação dos toques alheios ali até o último instante.

-Mas está tarde e amanhã temos aula.- Se surpreendeu consigo mesmo, normalmente não dava a mínima para o colégio, era muito comum faltar dias seguidos, mas como não estava decidindo por si, e sim por Jonh que era todo certinho.

-E se eu não quiser ir amanhã? Eu podia ficar aqui com você, eu juro de dedinho que não vou fazer bagunça.- O outro o olhou como como se não soubesse ao certo o que dizer.

Sabia que se fosse a escola teria de ver Thomas, e não sabia se estava pronto, ele foi seu amigo sua vida inteira e mesmo quando estavam separados era nas memórias daquela amizade em que se abrigava por vezes quando estava difícil ou se sentia sozinho. E naquele dia estava se enxergando temendo a pessoa a quem tanto amava, seu melhor amigo, a quem sempre pode confiar, e doía não poder fazer nada contra aquilo, mesmo que tentasse negar e dizer que era tudo coisa da sua cabeça, não podia, afinal havia vivido aquilo na pele.

-Tudo bem, mas com uma condição.- Disse decidido cruzando seus braços também.-Não finja nenhum sorriso na minha frente.- No mesmo momento o coraçãozinho de John se afundou em seu peito e assentiu devagarinho, sabia que se falasse iria chorar.-Se quiser chorar e gritar, tudo bem, mas não finja nada.- Terminou e sorriu descruzando os braços novamente.

-Eu prometo de dedinho.- Levantou seu dedo mindinho em frente a ele e sorriu, e ali estavam as ruguinhas sob seus olhinhos azuis novamente, como se fosse contagioso, Tyler também sorriu e juntou seu dedinho junto ao dele. Eles pareciam duas crianças ali naquele momento jurando, totalmente livres de maldade.

-Agora vamos pegar todas os cobertores desta casa e fazer um forte de cobertas.- Tyler deu a ideia rido nasaladamente com o quão bobo soou, John se levantou e faltava dar pulinhos de felicidade.

Após se mudarem sempre estava triste e sua mãe sempre construía um forte de cobertores no quintal de onde podiam ver o vasto e infinito céu coberto por aquele enorme tapete de estrelas, ela sempre o dizia "se imagine navegando entre as estrelas, está vendo? Elas brilham para iluminar o caminho, elas te levam para lugares felizes" e sempre quando adormecia ela sussurrava em seu ouvido "você é minha pequena estrelinha feliz".

Pegaram todos os cobertores que estavam na cama do maior, e dentro do armário onde os guardava, Tyler caminhava à sua frente com a visão prejudicada por conta do amontoado de cobertores em seis braços, enquanto John ia logo atrás rindo quando ele tropeçava em uma das cobertas que ficou pendurada para fora de seus braços.

-Agora eu vou te contar sobre a milenar arte de fazer fortes de cobertores, primeiro passo, tenha vários cobertores.- Falou colocando o amontoado de tecido no meio da sala, John riu de sua entonação seria e sentou-se em posição de índio para escutar calmamente a explicação.

Ele amontoavam os cobertores e forma desajeitada e eles sempre caíam, mas ele sempre mantinha uma expressão séria como se tudo estivesse sob seu controle, John segurava a risada por ele sempre dizer que havia uma explicação para o que estava fazendo, mas nunca de fato explicava.

-Preste atenção agora, essa lição é muito importante, pesquise no Google, porque lá sempre há respostas para questões complexas.- Foi naquele momento que não aguentou e suas risadas escaparam.

-Desculpa.- Tampou sua boca com sua mãozinha numa tentativa falha de conter suas risadas e era exatamente aquilo que Tyler queria, parou o que estava fazendo para assistir de maneira disfarçada, talvez estivesse mentindo sobre não saber fazer, só talvez para arrancar alguns sorrisinhos dele e assim que conseguiu começou a montar o forte, amarrou vários lençóis juntos e usou os dois ganchos ao quais usava para pendurar seu saco de pancadas quando ia treinar e os amarrou ali, o que fez com que uma cabana quase estivesse formada, usou alguns vasinhos que tinha para decoração como peso para deixar as pontas presas ao chão, deixou uma abertura feita de frente para a parede ao qual sempre projetava as imagens do projetor e John olhava o forte nascer dali maravilhado, nunca havia visto um tão grande, o ajudou a forrar todo o chão dentro dele com o restante das cobertas e a colocar todos os travesseiros, quando estava pronto se jogou lá dentro animadamente.

-Feche os olhos e não os abra até eu falar.- O olhou desconfiado, mas acatou seu pedido, sentiu uma movimentação perto de onde estava e depois ele pareceu ter ido para fora do forte novamente e então não o escutou por alguns segundos, logo sentiu ele voltar e se deitar ao seu lado.

-Pode abrir.- Abriu seus olhinhos logo em seguida e para sua surpresa deu de cara com várias "estrelinhas" sorriu emocionado, não havia o visto com aqueles pisca piscas em momento algum, as luzes estavam desligadas o que tornava tudo ainda mais "especial" de certa forma, se virou para Tyler e lhe deu um beijinho na bochecha rápido antes de voltar a olhar para cima todo maravilhado, parecia que havia voltado as memórias que tinha junto de sua mãe e seus fortes no quintal em Manchester.

Soltou todo o ar de seus pulmões de uma só vez quando o menor voltou sua atenção a qualquer outro lugar que não fosse seu rosto, não duvidava nada que estivesse vermelho, seu coração voltou a acelerar, não tinha a mínima ideia do que estava acontecendo ali, levou sua mão ao local onde ele tinha colado seus lábios rapidamente e o acariciou, nunca tinha sentido coisas tão estranhas daquela forma, não sabia descrevê-las, só era estranho e não tinha a mínima noção se aquilo era bom ou ruim.

Não fazia a mínima ideia de quanto tempo ficou olhando para o nada pensando no que estava acontecendo consigo e seus batimentos cardíacos enlouquecidos, mas quando voltou sua atenção ao real presente notou que o pequeno dava piscadinhas lentas e pequenos bocejos sonolentos lhe escapavam de momentos em momentos, ficou em silêncio o observando por alguns minutinhos e ele logo adormeceu, sentou-se ao seu lado e pegou um dos dois cobertores aos quais havia deixado separados.

-Boa noite petite étoile.- Sussurrou próximo ao seu ouvido, sentiu vontade de lhe dar um beijinho na testa como sua avó sempre fazia consigo, porém achou melhor não.

Se levantou e saiu da cabana indo se acomodar no sofá com o outro cobertor e um travesseiro, olhou para o teto e começou a pensar sobre ter abrido sua casa, seu espaço pessoal, para um quase desconhecido que estava ganhando espaço de pouquinho em pouquinho em si, não costumava levar pessoas ali, não tinha alguém a quem considerasse seu "amigo", gostava da solidão de certa forma, estar sozinho para muitos era horrível, mas para si era mais fácil, se organizava facilmente quando sozinho e não tinha que se preocupar com um outro alguém. Odiava desorganização e agora tinha um forte feito de amontoados de cobertores no meio da sua sala, duas canecas vazias ao lado do sofá, sua jaqueta se encontrava dobrada aos seus pés e não em seu guarda roupas como de costume e um alguém ressonando baixinho a mais ou menos um metro de distancia de si, riu melancolicamente ao se deparar com o fato de que mesmo o baixinho tendo prometido que não faria bagunça não era somente sua casa que se encontrava uma desordem total, sua cabeça e seus sentimentos estavam igualmente bagunçados e desorganizados.

Enquanto os céus desabavam do lado de fora, um sorriso se formava no rosto do de olhos acinzentados do lado de dentro, não sabia o motivo, talvez estivesse perdendo a razão completamente.