História Noctua - Leave it to me. - XII. Cortado.

"Uma definição não encontrada no dicionário: "Não ir embora": Ato de confiança e amor, comumente decifrado pelas crianças”. 

Capítulo XII - Cortado

Após a última partida de tênis e três vitórias seguidas da minha equipe, resolvemos aproveitar a ultima noite antes de retornar para nossa cidade natal para comer e beber em forma de comemoração. Jimin havia me ligado naquela tarde, tentei confortá-lo em sua decisão de ir morar com seu irmão e transferir sua graduação, eu não tinha duvidas de que ele havia dado tudo de si pelo relacionamento dele com Yoongi. "Eu realmente queria que os dois ficassem juntos. Mas Yoongi não pode controlar o que acontece com ele, e Jimin mesmo que o ame, prefere se machucar a vê-lo chorar e se ferir ainda mais".

Paramos em um restaurante próximo ao hotel em que eu e a equipe estávamos hospedada. Haviam diversos pratos quentes e sobremesas, além de uma área com muitos os tipos de bebidas. Sentei próximo ao treinador que falava alto e elogiava a todos ali presente, enquanto eu comia sem me preocupar com condicionamento físico ou se passaria mal depois, tudo estava maravilhosamente bom, como se eu não me alimentasse a eras. 

Ao terminar de comer, sentei próximo as bebidas e experimentei algumas das quais nunca tinha comprado quando resolvia dar uma festa, "alias, quando foi a ultima mesmo? e porque raios eu parei de fazê-las?". Pouco tempo depois, começava a sentir que o álcool começava a me alterar, não estava procurando encher a cara naquela noite, então aquilo era o suficiente. Levantei e me despedi do restante das pessoas que estavam desfrutando da noite.

- Já está indo, Hoseok? Não vai me dizer que marcou algum encontro por aí! - Um rapaz alto, de cabelos negros que jogava comigo em modalidades que eram disputadas em dupla perguntou com um ar embriagado, quando avisei que já estava de saída.

- Ah! Tenho sim, não estranhe barulhos quando voltar. - Respondi, rindo, dando um sorriso cansado. - Aproveitem a noite. - Acenei e caminhei até a saída.

O ar fresco da noite me acompanhou por todo o caminho. Sentia meu cabelo ser jogado para trás todas as vezes que uma delicada brisa cruzava meu curso, pensava na vitória, no quanto eu estava triste por Yoongi e Jimin, mas dentre todos esses pensamentos, havia um que me invadia mesmo que eu tentasse bloqueá-lo, pensava em Taehyung. O garoto não havia dado notícias durante os dias que permaneci fora e mesmo que o tentasse, eu sempre passava o dia treinando ou competindo e chegava no hotel exausto, saindo do banho direto para a cama.

Eu não entendia o que estava sentindo, mas sua ausência começava a me incomodar, até mesmo dele causando problemas a maior parte do tempo. Tateei os bolsos e peguei o celular, descarregado. "Vou telefonar para a princesa problemática assim que eu chegar". Adentrei pela recepção e desejei um "boa noite" para as duas garotas que trabalhavam no turno noturno, as quais cochichavam algo enquanto eu passava pelas mesmas. Segui em direção ao elevador, apertei o botão, chamando-o, e encostei na parede, esperando-o sem qualquer pressa.

- Senhor Jung Hoseok? - A voz feminina soou ao meu lado de forma educada.

Minha cabeça começava a doer por conta do álcool, virei o rosto, encarando-a.

- Sim? - Retribui o sorriso que ela direcionava a mim.

- Você fez um ótimo jogo hoje! Pude acompanhar pela televisão. - Sua voz soava acanhada. - Poderia vir comigo por um instante, por favor? - Ela apontou para uma porta onde dava acesso a uma sala em que os hóspedes normalmente aguardavam seu check-in ou simplesmente paravam para tomar um café. Pelo horário, a sala deveria estar vazia, pois não havia movimento na recepção. Me preparei para dar as piores desculpas possíveis enquanto caminhava logo atrás da recepcionista. 

Ao passar pela porta e escutar a mesma fechar atrás de nós dois, não tive sequer tempo de pensar em algo, tentei formar palavras e dizê-las mas foi inteiramente inútil. 

- Eu tentei avisá-lo que o senhor demoraria a voltar, mas ele insistiu em esperar e não saiu do lugar por quase um dia todo, exceto por ter ido comprar algumas guloseimas e dito para colocar em sua conta. - A garota ao meu lado tentava conter um risinho ao olhar meu rosto vermelho.

A cena em que eu estava deparado me transbordava de todos os tipos de sensações que eu conseguia pensar naquele momento. Taehyung estava deitado em uma poltrona, por cima de uma mochila com estampa de disco voador, encolhido e dormindo feito uma criança de primário. "A parte em que eu disse que sentia saudades dele causando problemas, eu gostaria de retirar imediatamente".

- Ai meu... Taehyung! - Cocei o cabelo, sentindo meu rosto esquentar em um misto de felicidade e nervoso explícito. - Eu... Óh céus, eu sinto muito se você acabou sendo atormentada por ele durante o dia, ele realmente incomoda! - Me desculpei, envergonhado. Ela se retirou e eu o olhava sem piscar. - Hey, o que diabos está fazendo aqui? - Falei firme enquanto chacoalhava devagar seu braço.

- Hyung... - Tae murmurou parecendo despertar. - Isso não é confortável... Minhas costas... Aigoo. - Disse em meio de gemidos manhosos.

- Eu deveria te deixar dormindo ai! Seu problemático! - Encarei-o se remexer e sentar na poltrona. 

- Hyung... Me deixa dormir na cama, só hoje... Prometo que não vou me mexer muito. - Tae levantou e tombou de novo, caindo sentado.

Suspirei, tentando não demonstrar qualquer sentimento de alegria, virei de costas próximo donde ele estava.

- Suba, e você vai dormir na outra ponta, a uma barreira de travesseiros de mim, entendeu? - Exclamei, sentindo que iria me arrepender depois.

- Tanto faz. - Respondeu dando de ombros.

Taehyung subiu na poltrona e se apoiou em minhas costas, peguei sua mochila e fui andando de volta para o elevador. "Pesado, muito pesado". Tae apoiou sua cabeça em meu ombro e sua respiração ia de encontro com a minha pele, fazendo-me estremecer. Não era de hoje que a presença de Tae me deixava confuso, não que eu já não tivesse me interessado por outros rapazes antes, mas Taehyung me fazia querer sua presença longe e perto ao mesmo tempo.

Ao chegar no meu andar, abri a porta e deitei Taehyung na cama. Observei seu rosto um tanto adorável enquanto dormia, seu cabelo desarrumado que caía de forma agradável sobre seus olhos, sua boca entreaberta projetando seus lábios perfeitamente hidratados, deixando-o com um ar sexy. Balancei a cabeça, afastando tais pensamentos e voltei a encará-lo.

- Pode me explicar o porque de vir até aqui sem avisar ou ser convidado? - Eu sabia que ele não estava completamente adormecido.

- Senti sua falta. - Cerrou os olhos, deixando seu rosto corar. - Você também sentiu a minha, não é? - Formou um sorriso em seus lábios.

- Eu só não mato você agora porque estou com dor de cabeça. Explique toda essa sua loucura amanhã. -  Coloquei o celular para carregar em modo silencioso, afinal, meu problema estava quase dormindo na cama de um hotel junto comigo. Tirei o tênis e me acomodei ao seu lado. Taehyung fez o mesmo e deitou em meu ombro. 

- Você não acha que está esquecendo de nada não? - Olhei para o grande espaço que havia atrás dele na cama.

- Ah é! - Tae levantou o rosto e o levou até próximo do meu, depositando um beijo em meus lábios de forma intensa. - Pronto! - Exclamou, voltando a deitar em meu ombro.

Se eu não estivesse tão extasiado pelo cansaço e pelo álcool, aquele beijo teria feito, definitivamente,  eu jogar Kim Taehyung janela afora, ou senão, coisas que tornariam verídico minha afirmação de "não se preocupe com barulhos estranhos ao voltar".

# # #

O dia estava nublado, apesar de estarmos rumo ao fim do verão. Eu havia despertado faziam um bom tempo, meus olhos percorriam por todas aquelas paredes brancas e a grande janela de vidro, a qual escondia os primeiros resquícios de claridade devido a grande cortina bege que ali continha. Aquele lugar não era mais uma novidade pra mim, eu frequentava aquela clínica mais vezes do que ia as aulas durante muitos anos.

Meu corpo ainda estava dormente, provavelmente por um coquetel de sedativos que eu não era submetido a algum tempo. Não lembrava o porque de estar ali de novo, como não me lembrava do porque de todas as vezes que eu iria parar ali. Senti um peso sobre minha barriga, desviei meu olhar para baixo e ao meu lado, alguém estava sentado em uma poltrona de forma desengonçada, sua cabeça repousava no local que fazia pressão. Movi vagarosamente meu braço, até que meus dedos se emaranhassem em seu cabelo, fazendo uma especie de cafuné. 

Não conseguia manter o braço firme por muito tempo, e assim que cessei o carinho, Jimin se remexeu no lugar, levantou a cabeça e se espreguiçou. Sua mão se apoiou na minha, e ao invés de lágrimas, recebi um sorriso amigável vindo dele.

- Bom dia, Yoonie! - Senti sua mão apertar a minha, segurando-a e depositando um beijo ali mesmo.

Não respondi. Ele levantou da cadeira e foi em direção a janela, abrindo a persiana de forma a deixar uma pequena claridade invadir o cômodo.

- Olha! O dia está um tanto nublado hoje, você iria adorar uma volta no parque e uma ida a cafeteria, não acha? - Ele dizia voltando pro lugar que estava.

Não havia nada no jeito dele que eu mudaria ou simplesmente excluiria. Jimin sabia ser extraordinário.

- Ontem depois do dia intenso que tivemos, você teve uma crise. - Jimin manteve seus olhos fixos aos meus. - Acabei ligando para o doutor SeokJin e ele ligou para os seus pais, que vieram até nós. O doutor não estava na cidade, e agora está vindo pra cá. - Ele não podia, mesmo que quisesse, esconder os olhos marejados. - Te trouxeram pra cá, deram remédios e você se acalmou, pedi aos seus pais permissão para ficar de olho em você durante a noite, mas acabei dormindo, de novo. - Sua face corou levemente e eu sorri, mesmo que ainda o encarasse com olhos vazios e não emitisse qualquer expressão facial. - Ontem você me perguntou se eu iria realmente partir, lembra? Bem, não foi fácil tomar essa decisão. Meu irmão está vindo pra cá, vou cuidar de você, meu docinho. - Jimin riu baixinho, eu provavelmente teria reprovado tal pronome atribuído a mim.

A porta se abriu, por ela, entraram meus pais, uma enfermeira e o doutor SeokJin. Escutei o doutor dizer algo como "desça e coma algo, Jimin! vamos abrir alguns exames agora e eu vou conversar com ele, está bem? logo eu o chamo". Jimin consentiu e saiu porta afora. 

Voltei a encarar todos que estavam ao meu redor, minha mãe sentada onde antes Jimin dormia murmurando coisas como "está tudo bem! você é um bom menino", meu pai apoiava uma de suas mãos em seu ombro, enquanto a enfermeira entregava alguns resultados para o doutor Kim SeokJin. Não sentia vontade de falar, me mover ou dizer o quanto me culpava pela escória de vida que eu havia proporcionado a todas aquelas pessoas.

Quando eu era pequeno, minha mãe sempre dizia que Deus era sinônimo de amor, que levava a felicidade a todos o os seus filhos e filhas, por isso você deveria ser obediente e agir de forma justa. Meus pais sempre foram pessoas fieis a Ele e crentes em seu amor incondicional, porque Ele havia sido tão injusto quando me concebeu a minha mãe? Porque não deu ao meu pai um filho normal? Porque?!

"Porque desde o momento em que você foi acolhido em meus braços, eu sabia que jamais poderia amar alguém como o amava, querido. E eu o acompanhei por nove meses e o conhecia apenas por alguns minutos". Minha mãe dizia todas as vezes que eu me trancava no banheiro e pedia para que eu não estivesse mais aqui para fazer ninguém sofrer. Se eu não estivesse mais aqui, meus pais talvez não suportariam a dor da perda, meus amigos viveriam se lamentando por nunca terem feito nada por mim e eu jamais teria conhecido Park Jimin.

- Vocês poderiam me deixar a sós com o Yoongi? - A voz do doutor SeokJin ecoou pelo quarto, fazendo com que meus pais e a enfermeira saíssem sem questionar.

- Você piorou. - Ele foi direto. - E muito. - Continuou. - Olha, Yoongi. Vamos começar um novo tratamento a partir de agora, mas você sabe que ele só vai funcionar se você se esforçar para isso, não sabe? - Ele dizia de um jeito profissional. Movi minha cabeça afirmando. - Você tem pessoas que amam muito você, e todas elas estão lá fora, esperando por notícias concretas, estão se aprontando para ouvir que você passará alguns meses indeterminados aqui, que terá que ser afastado da faculdade e que caberá a eles e você optar pelo novo tratamento, ao qual não temos total certeza sobre a efetividade em relação a manipulação das novas drogas em seu organismo. Você é um cara incrível Yoongi, me promete que trabalharemos juntos dessa vez? - Mesmo que precisasse ser duro com as palavras, o doutor transmitia um tranquila, uma de suas mãos afagou meu ombro de forma gentil.

Meu cérebro guardava cada palavra, absorvia toda a dedicação que aqueles votos me transmitiam. Eu não poderia confiar em mim mesmo, mas sentia que poderia tentar ir contra o gradiente de alucinações e sentimentos de vazio intenso. Naquele momento, eu gostaria de demonstrar todos os meus sentimentos diante das palavras amigáveis do doutor SeokJin, mas a única coisa que tive êxito em executar, foi mover os lábios e responder devagar.

- Prometo.