História O anjo caído - Berserk - O destino - Part 2 - Final

No campo, Guts corria a todo o vapor com a carroça, com todo o bando vindo atrás, liderado por Caska.

O sol já estava se pondo e a noite anunciava chegar. Com os dentes trancados ele percorria o caminho, se sentindo culpado, ele apenas esperava chegar a tempo de Griffith não fazer nenhuma besteira. Ainda temia pelo Rei de Midland mandar seus soldados atrás do falcão.

Griffith seu estúpido! Fui eu mesmo quem te deixou assim? O que eu faço? O que quer de mim? _ o espadachim se questiona, subindo e descendo as rédeas, açoitando os cavalos para que corressem mais rápido.

Então, bem à frente avistam o rio, a carroça de Griffith e todos têm suas atenções voltadas ao sol, que estava sendo ocultado parcialmente pela lua. E seguiram a cavalo até o destino, espantados e fixados naquele fenômeno da natureza. Então Guts fala se tratar de um Eclipse solar.

Todos começam a gritar por Griffith. Então o falcão se vira para a beira do rio para olha-los, enquanto alimenta o objeto amaldiçoado em sua mão. Mas quando ele vê Guts à frente da guarnição novamente indo resgata-lo, ele se espanta e sente raiva, não queria ser mais salvo por ele, não queria mais a pena de ninguém, ele queria poder, queria ser adorado, aclamado. Queria ser rei.

Uma sensação sinistra paira, enquanto uma única luz brilha acima de Griffith, uma luz que gradativamente vai sendo coberta, trazendo escuridão sobre aquele lugar. E em poucos segundos o eclipse anular é completado. O sol totalmente coberto pela lua, trazendo escuridão, e ao redor raios vermelhos do sol, foge dando um toque avermelhado tenebroso ao fim da tarde, que agora parecia uma noite sombria.

Não venha! _ desejou Griffith em pensamentos ao avistar Guts empenhado em salva-lo

Estranhamente ao completar o eclipse toda água do rio estava vermelha. Guts e todos do bando se espantaram e ficaram temerosos, quando avistaram um grande número de silhuetas estranhas e distorcidas, posicionados na sombra atrás do corpo ferido e jogado ao rio. Questionavam-se o que era aquilo, se perguntavam se era soldados ou talvez o exército de Midland. Guts murmura não saber o que eram,mas que com certeza aquilo era um problema. Seu sétimo sentido de guerreiro experiente e habilidoso lhe avisava. Então o espadachim irradiando ansiedade e medo, pula da carroça rapidamente, esboçando uma expressão aflita, querendo chegar logo ao resgate do prateado.

_Griffith! _ ele grita enquanto corre. O pomo de-adão subindo e descendo na garganta, os olhos arregalados pela presença daqueles inúmeros seres de pé. Um aglomerado de sombras sobre a escuridão. Parados, com os olhos hostis, brilhantes no escuro, como animais selvagens a espreita. Como se estivessem esperando um momento especial para atacar.

Griffith fica atônico no chão, pedindo mentalmente para que Guts não se aproxime dele.

Se você me tocar agora. Se colocar a mão no meu ombro agora. Eu nunca mais... Nunca mais te... _ pensava enfurecido, com os olhos saltados em espanto pela presença daquele homem, do único homem que conseguia desestabiliza-lo.

. O fedor de enxofre, misturado ao odor ferroso de sangue é soprado até Guts invadindo suas narinas. Ele sente suas entranhas revirar e sua língua saliva amargamente na mesma hora.

Os olhos de Griffith estremecem acessos com angustia e dor, fitando seu antigo mercenário ainda correr até ele.

E Guts chega exasperado, respingando água com suas pisadas rígidas e desesperadas sobre o rio e se ajoelha a frente de seu amigo ferido.

O espadachim o segura nos ombros e os olhos de ambos se encontram num olhar de dúvidas e tristeza. E Guts chama mais uma vez por Griffith ao ver o mesmo sem reação.

Sente agonia ao ver o braço do falcão dependurado, quebrado com o cotovelo entortado, expondo uma dolorosa fratura.

Mas assustadoramente ao tocar o corpo gélido de Griffith, viu a coisa em sua mão despertar. Ganhar vida. Se mover e projetar um rosto perfeito humano e por fim abrir a boca, gritando e chorando sangue, como se estivesse sofrendo.

Então como se aquele desespero do ovo na mão do falcão despertasse algo, céus e terras foram transformados, selados em grandes cadeias de cabeças gigantescas vermelhas esculpidas em carne, com rostos humanos com expressões sem vida. Então Guts se levanta assustado com aquilo, e toma Griffith pelos braços, suspendendo-o para fugirem dali.

Como pesadelo, as cabeças se mexiam agora,fazendo expressões de agonia e gemiam,inundando a mente de todos do bando com temor e angústia e os mais fracos de espírito, como Corkus se questionavam se aquilo realmente estava acontecendo, se estavam sonhando ou se talvez, acabaram morrendo nas planícies a procura de Griffith. Porém Guts e Caska se mantêm firmes.  A guerreira ordena que todos entrem em formação de combate, para ninguém se afastar e tentarem fugir dali com todos vivos.

Guts já junto do bando começa a se dirigir até os cavalos para montar e levar Griffith embora dali.

_Vamos Griffith! _ diz o espadachim posicionando o braço bom do falcão sobre seu ombro e seu olhar recai naquele amuleto preso, dependurado aos dedos do outro.

O que isso está fazendo aqui? Se bem me lembro, ele não o usava, quando o resgatamos. E essa forma... Esses olhos que estranhamente parecem com os de Griffith. _ ele pensa, encarando aquele objeto estranho. E olha para o homem ao seu lado.

As lágrimas sanguinolentas escorriam abundante pelas bochechas, era como se o Behelit estivesse de alguma forma conectado á Griffith,reproduzindo seus sentimentos mais profundos e suas emoções.

_Griffith. _ o espadachim chama mais uma vez, percebendo o sofrimento alheio e os gemidos soluçantes dele.

A voz amplificada assusta a todos. Uma voz proferindo palavras como em um culto. Como se iniciasse uma apresentação dos horrores. Uma voz que ecoa dentro daquela dimensão distorcida e surreal.

_É chegada a hora. A hora do festival das trevas! O banquete que acontece uma vez a cada 216 anos. O eclipse. _ então todos do bando percebem a aproximação daquelas coisas grotescas salpicadas com sangue, inchadas e com bocas e dentes podres, enormes. Puderam ver a obscura feição daqueles seres com a pele esverdeada e grossa, lamacenta, cheia de imundície.

 _O que são eles? _ Corkus pergunta preocupado pela quantidade de monstros que se aproximam.

_ Estão vindo. Eles estão perto! Os governantes dos seres supremos! O advento dos quatro anjos guardiões! _ o locutor oculto do inferno profere as palavras dando boas vindas a seres desconhecidos para o bando. E os monstros ao redor, estendem suas cabeças inchadas e suas bocas salivantes para o alto, esperando a chegada dos que foram apresentados.

Uma das cabeças gigantescas começa a imergir e se transforma em uma mulher gigante com aparência humana até então, de cabelos esverdeados, denominada Slan. Logo após um gorducho de óculos em formato de barata, mas que em suas pernas saiam tentáculos, emerge de uma fenda naquele céu de rostos e sobrevoa sobre eles, soltando uma risadinha histérica, conhecido como Ubik. Depois surge mais um gorducho com uma face humana enrugada, com o corpo de uma enorme lesma chamado Conrad e por fim surge o principal deles, um homem até então, numa capa preta pontiaguda, mas ao olhar na luz a criatura era desfigurada, com a pele verde, olhos costurados e seu cérebro era exposto e completamente inchado, seus dentes eram como um sorriso constante de caveira, ele é o líder da mão de Deus denominado Void.

O bando olha para todos aqueles seres estranhos com medo e apreensão no olhar e muitos se desesperam. O exército de criaturas, que passariam despercebidos na escuridão por homens normais, urrava e louvava aos apóstolos em gratidão, em festa. Era um verdadeiro show dos horrores, de aberrações sanguinárias, seres corrompidos sem alma, demônios.

Os membros do bando ouvem as batidas desatinadas de seus próprios corações, que estão em um pavor e desespero crescente. Seus estômagos parecem querer espremer seus corações pela garganta acima e pela boca afora. Mas eles continuam ali parados sem saber o que fazer assistindo aquelas coisas falarem sem esboçar nenhum movimento com as bocas.

_É chegada a hora da grande benção!Dou as boas vindas a todos aqui reunidos, no lugar e tempo prometidos. Ó ovelhas impuras crias do Deus humano, comei e desfrutai do banquete divino. O escolhido do destino. Nosso apóstolo e falcão. Sois o escolhido. _ o apóstolo Void, aponta seu grande dedo em direção a Griffith e todos, inclusive o prateado se espantam.

_Nesta hora e momento, você foi escolhido pela mão de Deus. Nosso parente, o tão esperado e abençoado rei._ Void continua a falar e no mesmo momento Griffith começa a tremer pelas palavras daquela criatura. O prateado se lembra de todas as alucinações que havia tido, dos monstros o reverenciando, das luzes estranhas, das ilusões de seguir até o castelo e conclui que aquilo foi real. Que o que acontecia ali também era real.

Guts percebe que as palavras do apóstolo afetam o falcão. O moreno se questiona como Griffith pode ser parente daquelas criaturas, assim como todos do bando também o fazem _ eles ficam confusos e tudo parece piorar a cada segundo naquela dimensão paralela monstruosa.

Guts encara o rosto de Griffith com seriedade. Ele se nega a acreditar em tal blasfêmia, se nega a acreditar que aquele homem tido como perfeito em todos os aspectos seria parente de tais aberrações. Ele se mantém firme, com o pensamento em apenas proteger Griffith e o bando. Irá enfrentar qualquer coisa que se mova contra seu fragilizado amigo, não importando se for humano ou monstro.

_Griffith! Eu estou aqui e permanecerei aqui para te mostrar o quanto estou arrependido. Vou te salvar e vamos para casa. _ Guts sussurra próximo ao falcão, para que somente ele o ouça.  Então Griffith apenas o olha com o mesmo olhar frio que mantinha.

O espadachim, como estava sem sua grande espada, saca uma adaga e aponta para o apóstolo que gere aquela profana celebração.

_Não venha com essa!Primeiro nos arrastam para esse fim de mundo, e agora acham que farão como quiserem? Apóstolo? Parente? Não digam besteiras seus demônios. Não há sequer um fio de cabelo nele que lembre vocês! Ele não é um monstro igual a vocês,ele possui uma alma. _ Guts esbraveja demonstrando ódio contra aqueles seres que os cercam e ameaçam. Convicto em proteger Griffith ele o aperta mais ao peito com seu outro braço.

Logo diante da fúria de Guts,as vozes dos apóstolos balbuciam,soltando risadas em deboche.

_Que bela amizade!Você certamente será um ótimo sacrifício. _ exclama Slan, zombando de Guts.

_O precioso sacrifício necessário para Griffith se tornar um rei demônio. Desde que ele obteve o Behelit escarlate, você se tornou o rei demônio por direito. Você usou o Behelit para nos chamar e isso é a prova de que você está destinado a ser um de nós. _ Ubik fala, persuadindo o falcão. Enquanto o mesmo fixa o olhar que agora é de desejo e ganância sobre o ovo que chora sangue, ainda em seus dedos.

_E vocês são o precioso sacrifico para o batismo desse anjo. _ após Slan pronunciar estas palavras os monstros ao de redor do bando, começam a urrar e gemer. O barulho dos corpos moles e esverdeados, se contorcendo, como uma massa gelatinosa e fétida causa pavor aos soldados. Os seres famintos abrem suas bocas exageradamente, quebrando seus maxilares, rasgando suas peles e revelando um corpo maior e mais abstrato sair de seus interiores. Tornaram-se mais horripilantes, enormes corpos rastejantes de pura gordura, alguns com apenas um grande olho, outros com milhares de olhos, dentes afiados, as grandes bocas salivando uma gosma densa e com malditos tentáculos sibilantes, ansiando para perfurar, rasgar e devorar a carne dos soldados, que a esta altura já não sabiam mais se sairiam vivos dali.

_Está dizendo que Griffith também se transformará em um monstro em troca de nossas vidas? _ grita Guts ao perguntar.

_Não é bem assim! Isso partirá da vontade dele. É ele quem vai oferecê-los como sacrifício._ revela Slan.

Então Griffith arregala os olhos, ao descobrir o preço que terá que pagar para conquistar o que sempre desejou. Guts geme surpreso, olhando para o prateado com a boca aberta. E todos do bando ficam surpresos com aquela revelação.

Guts também fica aterrorizado, porém ele se obriga a enfrentar aquilo e não se deixar abalar, focando apenas em proteger Griffith e achar uma saída de volta para a terra, levando todos á salvo.

_Isso não é possível. Não é possível _ grita o mercenário enfurecido e esgotado de toda aquela ladainha transcendental.

_Tudo está escrito no curso do destino. É algo predestinado. Suas vidas já estavam destinadas a essa cerimônia. _ diz Void arrogante.

Griffith antes se sentiu abençoado pelo Behelit. Todo o esforço para se tornar um rei poderoso, seria recompensado naquele eclipse. Ele desejou com todo seu espírito que algo o salvasse e que o tirasse daquela escuridão, daquela areia movediça na qual se afundava cada vez mais. Finalmente ele alcançaria o lugar mais alto e poderoso da idade média. Mas o que seria de seu reino sem o bando? Pessoas fiéis que morreriam por ele, que fizeram tudo para ajudá-lo a conquistar seus sonhos. Então olhou minimamente para o lado, fitando o rosto de Guts franzido em raiva.

Sacrificar este homem me dará poder. Ele me jogou em ruínas, em dor e depressão, nada mais justo que pagar esse preço. Em meu desespero, era a sua imagem que me acalmava. Você me dava estímulos para continuar vivo, continuar respirando para este momento. O momento em que você se sacrificaria para obter o meu perdão? _ pensa Griffith, alimentando sua mente, com suas emoções reprimidas.

O falcão estava começando a aceitar aquele destino, que para si não seria cruel, mas para o bando e para o homem que amava e odiava na mesma medida, seria dolorido e tortuoso.

Então ouvem quando o apóstolo líder se pronuncia dando inicio a cerimônia de batismo.

_Levem-nos ao altar! _ Conrad, o apóstolo com o corpo asqueroso grita e de imediato o chão treme abaixo de Griffith e Guts. O solo de cabeças avermelhadas se eleva num grande monte debaixo deles e sobe sem parar, levando os dois para o alto, próximo ao eclipse. As cabeças agonizam e na subida,muitos dos soldados caem,ficando feridos.

Guts continua agarrado ao corpo de Griffith, enquanto sente a pressão do movimento sobre sua cabeça, ao ser elevado rapidamente por aquele monte. Se força ao máximo para manter ele e a Griffith firmes. Mas em um tremor Guts se desequilibra e escorrega, caindo em seguida. Griffith ao perceber que o mesmo caía, se apavora e instintivamente estica seu braço bom para que o moreno agarrasse.

Rapidamente Guts agarra no pulso de Griffith e fica pendurado olhando com os olhos arregalados para o prateado,quando percebe o outro braço de falcão _que agarrava a beira do monte vermelho,suportando o peso dos dois corpos. Ele vê quando o fino braço já destroncado pela queda, estala a ponto de partir em dois e ambos caírem.

 Mesmo com toda a dor, mesmo no estado em que se encontra. Ele ainda tenta me salvar. _ Pensa Guts e então decidi soltar o pulso do falcão, por não querer machuca-lo mais. Então Griffith continuou subindo junto ao monte de cabeças.

_Argh! _ geme Guts com o corpo em queda livre. Mas em um pensamento rápido o mesmo se esforça e crava sua adaga sobre as cabeças da lateral daquele monte, rasgando-as enquanto tinha sua velocidade reduzida pela fenda que abria na descida. E ele geme pelo esforço, enquanto tem seu rosto completamente sujo pelos filetes de sangue que jorravam dos rostos que cortava.  E finalmente ele para a descida. Olha para o alto e vê o grande monte que se erguera agora virar uma grande mão, próxima ao eclipse.  Esse é o altar? _ pensa, reunindo forças para escalar novamente tudo que havia descido. Ávido para salvar Griffith e dar um fim a toda àquela loucura.

Novamente foi tomado pela possessão. Não conseguia raciocinar direito, porém sabia o que devia fazer e quem era o inimigo e no fim só isso que importava mesmo. Os denominados apóstolos desejavam o corpo de Griffith, desejavam o transformar em um monstro igual a eles. Porém Guts não iria permitir que isso acontecesse, não agora. Não quando havia encontrado seu caminho. Não quando reconheceu que Griffith necessitava dele. Não quando se sentiu feliz e especial, ao ter em seus braços o Destemido líder falcão. O homem que antes era inalcançável, mas que agora era tão pequeno e frágil. Ele não iria abrir mão daquele homem. Se antes ele era de Griffith. Agora Griffith pertencia a ele e matará qualquer coisa na face da terra e além dela que tente tirar o falcão de seus braços.

_Estou indo! _ ele grita enquanto escala cuidadosamente o pulso daquele grande braço e relembra á todo o trajeto angustiante, à tarde que passou com Grifith. O olhar, a forma como o falcão dormia em seus braços, a forma como respirava em seu pescoço. A necessidade que o prateado tinha em sentir-se quente. E a inconstância que ele havia adquirido após ser torturado. Os sentimentos confusos que Guts não sabia distinguir. Não sabia se o outro ainda o amava como Caska dissera ou se o odiava por ter ido embora.

Lá em baixo, as criaturas despertas que circundava o bando gritam em uníssono “Batismo!”, ansiosos e famintos para que a transformação de Griffith comece.

Sobre a grande mão vermelha, os apóstolos se posicionam sobre as pontas dos dedos e observam o falcão que agora está sentado ao meio da palma temeroso, com a boca aberta olhando para eles.

_Sente medo de nós? Ou seria dos infinitamente mais poderosos que tu? Talvez de nossa onipotência? Do futuro? _ Void lhe lança perguntas, oprimindo Griffith.

-Antes de seguirmos o futuro, que tal voltarmos ao teu passado? Assim conheceras a verdade. Saberá quem exatamente é. _ Ubik fala e então Griffith é lançado ao seu passado, quando era apenas uma criança sonhadora.

E novamente se vê correndo euforicamente, apressado rumo ao castelo numa tarde acinzentada. Ele corre, e corre até que seu caminho ao castelo escurece e ao andar, sente algo mole e gosmento sobre seus pés. Então a criança grita em desespero ao perceber que pisava em cadáveres, dezenas, centenas deles, todos em um estado avançado de decomposição. Ele tenta correr de volta, mas tropeça sobre os corpos e cai sobre os mesmos se desesperando ao ver suas mãos encharcadas com todo aquele sangue.

_ Que criança barulhenta. _ a misteriosa senhora diz.

_É terrível! Tantos mortos. _ a criança fala ofegante.

_Eu sei! _ revela a mulher.

_ Sabe? Você é cruel. Sabia e mentiu para mim.

_ Não menti. Esse é o único caminho até o castelo. Os que visam ir rumo ao castelo devem caminhar sobre corpos, do contrário só resta se juntarem a eles. Veja seu amigo também está aqui. _ a velha aponta para a figura de outra criança, loira e com um brinquedo em sua mão.

_Você é... _ a criança prateada diz curiosa.

_ Você irá ao castelo para se tornar rei certo? Isso é incrível! Eu queria ser um soldado. Viu? _ o menino loiro, mostra o pequeno soldadinho em suas mãos para Griffith. _Ei! Me leve com você. Eu te darei isso. Prometo me esforçar. Que tal?

_Não posso. Você não pode, pois você já morreu. _ Griffith diz cabisbaixo, após olhar a grande ferida de espada no peito da criança.

Então vozes distorcidas como de fantasmas começam a ecoar pelo lugar, implorando para que Griffith os levassem junto. _ Queremos lutar com você. Acredito que chegará ao castelo. Eu adoraria ver o império que você criaria. Deixe-me lutar sob sua bandeira!_ Os soldados mortos imploravam.

_ Não posso levá-los, vocês já morreram. _ ele grita e se ajoelha pedindo desculpas aos mortos, se sentindo culpado.

_Que criança problemática! Afinal foi você quem fez isso com eles. Não foi? Todos acabaram assim por suas ordens. Se você não quisesse ir tão longe, nenhum deles teria morrido. _ a velha resurge recriminando Griffith, com um tom de sermão.

A criança ao ouvir as palavras se surpreende.

_Mas eu nunca forcei ninguém a me seguir. _ ele diz inocente.

_Como você acha que chegou tão longe? Ouça. Esse caminho que você escolheu é feito de cadáveres deles. E não é só isso. Essas pessoas fizeram muito mais mortos do que os que já te acompanhavam, só para você chegar onde está. Veja... _ ela aponta para o castelo e a trilha de corpos inacabada.   _Se você trilhará o caminho até o castelo, precisará de muito mais corpos que isso. O que foi? Ficou com medo? Quer ir embora? Você não pode pensar assim! Se você perder pros seus medos, virará um cadáver como seus aliados! _ ela grita rudemente, tentando impor a sua vontade ao subconsciente de Griffith.

_Se você continuar arrependido de suas ações, nem devia ter vindo. _ ela grita novamente em tom manipulador.

Então a criança prateada para e olha para o castelo tão brilhante.

_Eu não sabia disso! _ ele exclama arrependido.

_ Quieto! Você deveria saber que tipo de lugar era esse.

Ele arregala os olhos e se ajoelha. _Eu sabia. Eu sempre soube!Caminhei sobre todos até aqui.

Logo a voz de Guts ecoa detrás, na escuridão. _Porque está hesitando agora? _ Griffith o olha rapidamente. _Esse é o caminho do seu sonho, certo? Não é nisso que acredita? _ o espadachim termina e some na escuridão.

E Griffith fica pensativo fitando o chão. Enquanto Ubik disfarçado de senhora sussurra na escuridão, incentivando-o a continuar seu caminho de corpos para chegar até o castelo.

Após vivenciar tudo, a criança caminha em direção ao corpo do menino loiro, certa de que nada adiantara se arrepender, de que nada pode dizer aos mortos. Que aquele era o caminho que tinha escolhido e que só empilhando mais corpos e aceitando ser o quinto apóstolo alcançaria seu objetivo.

Então como se acordasse de um sonho, Griffith se vê ainda ajoelhado sobre a grande mão, abaixo dos olhares dos apóstolos.

_Esse é você! _ Ubik fala sobrevoando a frente de Griffith.

_ Uma ilusão? _ o falcão se questiona em pensamentos.

_ Não foi ilusão. É a realidade em sua consciência. Empilhando corpos para alcançar o castelo nos céus. Esse é você. Pisando nos corpos de milhares de aliados e em um número dez vezes maior de inimigos que eles derrotaram. Você seguiu até aqui sem se importar com quem ou o que eles eram. Carregando só um pensamento em mente. _ Ubik grita e continua a instigar, continua a persuadir o falcão pela culpa. Enquanto o mesmo apenas ouve a tudo, parado.

 _ E agora você alcançou o fim do caminho. Mas veja _ Slan completa e aponta para o bando. _Todas as asas do falcão que te fizeram voar. Eles o perdoarão, mesmo que eles sejam tomados pelo desespero, eles aceitarão de braços abertos. E você viverá! Deixe seu passado para trás. Se enterre na ruína de seus sonhos. _ a gigante termina.

_ A ruína de meus sonhos. _ ele repete como se tentasse entender o significado.

Prontamente o líder dos apóstolos se põe a falar. _ Isso é a punição divina criada pelo homem. Mas se seu sonho ainda vive... – Void fala e aponta com seu grande dedo esquelético para o castelo ilusório. _ Se aquele castelo ainda lhe parece mais brilhante que tudo, empilhe as pedras que restam ao seu redor. Permita-nos dizer “Eu ofereço”. _ então o mesmo levanta o selo da maldição sobre sua mão, preparado para amaldiçoar a todos do bando e iniciar o banquete das criaturas, enquanto Griffith renasceria como um apóstolo.

_O destino está além da compreensão humana. _ Griffith ouve a voz do apóstolo e chora sangue. Ele se sente deslumbrado, está num estado de passividade, como se fora induzido a aceitar tudo que lhe foi falado ali.  E os hipnotizadores sabiam que o mesmo aceitaria o seu “suposto” destino.

_Se a casualidade ditar que o homem é só um brinquedo, ele deve confrontar esse destino abraçando o mal! _ o apóstolo com grande inteligência continua a lavagem cerebral, até que uma voz surge novamente atrás de Griffith. Era Guts.

_Griffith! _ o moreno grita ofegante pela subida, com seriedade no olhar.

E o falcão se vira para ele.

 Guts_ sussurra feliz por ver que o espadachim estava bem.

Sim. Entre todos, só um. Só você... Só você me fez esquecer o meu sonho._ ele pensa enquanto fita o mercenário e como um clarão que somente ele pode ver, leva o dorso da mão sobre os olhos, para protegê-los do incomodo da intensa luz e após alguns segundos, ele retira sua mão do rosto e encara a grande luminosidade envolta no corpo de Guts.

O castelo já não é tão brilhante agora. Esse sentimento... Essa luz que estranhamente me esquenta. Na verdade ele não me fez esquecer o meu sonho, ele se tornou o meu sonho. Não valeria de nada alcançar o topo se ele não estivesse ao meu lado, não valeria de nada me tornar rei, sem ele em meu castelo.  

Então quase como um sussurro ele responde conforme o desejo de seu coração.

_Eu não ofereço. _ e após falar ele sorri para Guts, ainda parado.

Griffith não imaginava o que aconteceria por causa de sua recusa, mas esperava pelo pior. Para ele bastava que seus companheiros sobrevivessem e que seu amado pudesse voltar á salvo para a terra.  Mesmo que ali fosse seu fim, morreria feliz por proteger mais uma vez a quem ama.

E ambos os apóstolos e criaturas desfiguradas emitiram um grito em uníssono, descontentes com a resposta do falcão. E as tramas do destino (a marca da maldição) sobre a mão de Void, foram quebradas.

Ubik descontente pelo seu fracasso em tentar persuadir Griffith, criando toda aquela ilusão, ordena as criaturas que ataquem os membros do bando e Griffith se vira para os apóstolos.

_Essa é a minha vontade!Deixe-os ir. Eu realmente pisei em muitas pessoas para chegar até aqui. Mas essas pessoas... Eu não fui feito um brinquedo pelo destino. Eu escolhi ser um brinquedo. Por isso agora eu escolho salvá-los _ ele fala aos apóstolos e olha para o bando abaixo de si.

_Para seres que se auto intitulam poderosos e onipotentes, deviam conhecer mais os humanos. O poder da força de vontade vence as trevas e a tudo que é subtil (coisas além da compreensão), de acordo com suas regras eu devia escolher, portanto eu escolhi. _ Griffith diz friamente.

Então Void faz um sinal com a mão e todas as criaturas começam a se afastar do bando.

_Sim. A escolha sempre foi sua. Viemos pelo seu sofrimento, viemos quando o ponto de dor chegou ao limite e você nos chamou através do Behelit. Podemos manipular a casualidade e ver o futuro. Mas não podemos responder pelo portador do ovo. Porém há consequências. Você se negou a mão de Deus, negou seu destino, então você perecerá neste reino astral para toda a sua eternidade e a sua tortura aqui será cem vezes mais angustiante da que você passou no plano terrestre.  _ ele dita as regras, levanta a mão e cria uma grande estaca de luz verde, posicionada em direção á Griffith.

_Aceite seu novo destino. _ Void fala e se prepara para lançar a arma de luz contra o prateado e o mesmo vê quando cada membro do bando e seus cavalos começam a sumir um por um, sendo transportados para o mesmo lugar, só que no plano terrestre.

E Griffith se vira minimamente, com um leve sorriso no rosto e olha para os olhos de Guts.  Então como se despedisse dele, o prateado expressa em seus lábios um “Obrigado. Eu sempre te amarei” e Guts arregala os olhos, ao entender aquelas palavras mudas do outro e se desespera. Então ele pega um impulso e corre até o corpo de Griffith, quando vê a estaca ser lançada em direção ao falcão.  E instintivamente se coloca a frente de Griffith, protegendo o seu corpo do ataque e quando os apóstolos esperavam que a estaca ultrapassasse o corpo dos dois, os fincando sobre a grande mão. Ficam surpresos ao ver um grande clarão e ver que a arma estava caída próxima aos dois e ambos não haviam se ferido.

_O que? Como?_ Griffith olha para Guts a sua frente, o segurando contra o peito.

_Isso é mais que amizade. _ Slan diz ao olhar para Guts. _ A coragem de quem ama de verdade, supera os maiores desafios. Supera o destino._ conclui dando risadinhas.

_ Essa força estranha, incompreensível. Como pode ser tão forte a ponto de quebrar nossas magias e poderes. A ponto de refazer o destino. Eu vi estava escrito que você ficaria preso sobre a mão até que seus companheiros fossem transferidos para outro plano e você permaneceria aqui como escravo. Mas agora só enxergo borões. Este outro homem... Está conexão entre seus corpos. Não há nada que possamos fazer no momento, porém saiba que voltaremos e isso nunca mudará, enquanto houver os Behelits e a mão de Deus.

Então Guts se levanta com Griffith nos braços.

_Ele nunca será um de vocês. E ele já um rei, já é um anjo, ele já é tudo que desejar ser, sem precisar sucumbir á seres satânicos e perversos como vocês. _ ele grita, enquanto desenrola o behelit da mão de Griffith e o joga sem olhar onde, se livrando daquele colar amaldiçoado.

Então Guts começa a desaparecer com Griffith no colo, voltando para o plano terrestre.

_ Há tempos não me lembrava de como humanos são complexos e surpreendentes. _ Slan diz se referindo á Guts.

 E eles caem sobre uma montanha próxima ao rio e Guts percebe que Griffith está desmaiado, porém suspira aliviado ao ver que o mesmo ainda respira.

_Eu sabia que você recusaria._ ele diz, se sentando e arrumando o corpo do prateado em seu colo, a fim de esquenta-lo da friagem da noite. E fica encostado na árvore até o amanhecer, sem pregar os olhos, vigiando a todo o instante o falcão que estava em um sono profundo.

∞

O destino dita a vida de acordo com uma ordem natural da qual ninguém pode escapar. Mas pouco se sabe sobre isso, pouco se conhece sobre a humanidade. Quem realmente escreve o destino de alguém a não ser ela mesma? A perseverança, a força do querer e a energia de um verdadeiro amor, são os poderes determinantes para a concretização de qualquer objetivo. Nunca devemos nos render ao fracasso. Ambos estavam em sofrimento, confusos sobre seus sentimentos e feridos, mas quando tudo parecia perdido. Quando tudo parecia indicar o fim. A vitória sobre os apóstolos tornou-se numa estonteante realidade, somente porque esteve latente naquele reino astral a “força do querer”. O maior poder que existe no ser humano. A sua força de vontade. O seu destino é você quem faz,escolhendo quais caminhos seguir.