POV Felipe
Fiquei olhando aquele monte de gosma preta se contorcer bem na minha frente. Tudo foi muito esquisito, vi o momento em que a outra “coisa” apareceu e ela era duas vezes maior. Agora o monstro estava ali, parado com um rasgo no peito, preso ao chão e grunhindo como se estivesse morrendo. Era nojento, o cheiro dava repulsa, mas após o choque inicial tomei coragem para me aproximar. Vi que a criatura não tinha como escapar da espécie de lâmina que a prendia ao chão e fui correndo até os aparelhos do Lorde, organizando e colocando tudo no lugar. Felizmente nada tinha se quebrado ou o estado dele poderia ter sido agravado. Pulei a bagunça e olhei o chão ao redor buscando pela minha arma. A encontrei debaixo da cama, vi se as balas ainda estavam lá e engatilhei.
— Sinceramente não sei o que foi aquilo - disse, me referindo ao momento em que o monstro maior jogou um jato de tinta preta sólida na minha direção e o outro se colocou à frente para levar o golpe - Mas acho que ainda tem algo de humano em você, por isso vou te agradecer da melhor forma que posso.
Apontei a arma para a cabeça do fera, que agonizava. Aqueles Kinoons só podiam ser mortos quando atingíamos a cabeça, então logo aquela coisa evaporaria e seria como se nunca tivesse existido. Achava o certo a se fazer, afinal se eu me transformasse algum dia numa daquelas monstruosidades iria querer que alguém me matasse o quanto antes. Ia implorar por isso.
Ajeitei a mira com as duas mãos e ia atirar quando outro membro da Força-Tarefa entrou no quarto.
— Ai meu Deus - disse Nico, tapando o nariz por conta do cheiro. - Isso é o que eu penso que é?
— Sinceramente? Não sei. Ele é diferente dos outros - contei. - Merece morrer de um jeito honroso.
Nico pareceu confuso, mas ao perceber que a criatura estava em agonia ele concordou.
— Atira logo então, antes que o Ben chegue e queira guardá-lo para experimentos.
Assenti, preparei a mira novamente, e atirei.
A coisa gritou alto, um ganido ensurdecedor nos atacou e tive que tapar os ouvidos.
— Merda! Não era a cabeça.
Engatilhei a arma de novo para uma segunda tentativa, mas Hugo chegou no cômodo junto do Ben.
— O que pensam que estão fazendo? - gritou Bernardo. - O que aconteceu aqui?
— Essa aberração grita alto demais - falei, ainda ouvindo um zumbido - Estou tentando matar.
— NÃO! - gritou Hugo, se aproximando dela. Seus olhos cintilavam. - Não pode matar, não vê o que isso é? É uma pessoa!
— Isso “era” uma pessoa - falei. - Agora é só um monstro, o Damon pega corpos em cemitérios e faz isso com eles para que mesmo depois de mortos as pessoas não tenham descanso.
— Mas ele não está morto. Ainda consigo sentir energia fluindo dele. - Hugo se aproximou e quis tocar a coisa, mas eu o afastei, pegando-o pelo pulso.
— Nem pensa nisso, menino. Vai se machucar.
— Não, eu não vou - e os olhos dele pareciam lilás. - Eu posso puxá-lo, posso salvá-lo. Não pode me impedir de ajudar alguém.
Fiquei parado observando ele, e pensando no que deveria fazer. Por um lado quem estava na minha frente era um garoto magrela, com cabelos brancos e aspecto frágil que na certa não saberia se defender. Por outro, o James tinha dito que aquele garoto tinha sangue de anjo e era poderoso. Lembrei da época em que conheci o Liam, quando o meu noivo tinha um tutor horrível que batia nele. Lembro de enfrentar aquele tutor mesmo ele tendo o dobro do meu tamanho. Eu era um garoto magrela na época e mesmo assim fui capaz de muita coisa.
Soltei o braço de Hugo e deixei que ele agisse, ficando com a arma apontada para a criatura a todo momento.
Assim que se aproximou da fera, Hugo ficou de joelhos ao lado dela e bem devagar foi tocar na gosma que a envolvia. Bernardo e Nico ficaram a uma distância segura observando enquanto uma luz branca começava a nascer das mãos do Hugo.
A luz aos poucos foi ficando mais forte, a parte de trás da blusa do Hugo rasgou quando algo pontudo deixou suas costas e saiu para fora. Duas grandes asas brancas se abriram em seguida e fiquei de boca aberta quando elas ocuparam o ambiente enquanto Hugo fechava os olhos e se concentrava. Primeiro suas mãos foram para dentro da gosma e depois vi que ele estava começando a puxar algo para fora. A magia ao redor deles iluminava cada canto do cômodo, e pouco a pouco Hugo foi puxando o corpo de um homem que se desgarrava da gosma com dificuldade, saindo de dentro daquele estranho casulo. Baixei minha arma quando vi o corpo nu deixando a gosma, Hugo pegou o cara pelos ombros e o trouxe para nós… O corpo, a cabeça… os cabelos loiros.
A arma caiu da minha mão e fiquei de joelhos.
A euforia fez minhas respiração falhar e um sorriso enorme nasceu nos meus lábios.
Era o Liam! Aquele era o Liam!
O processo durou poucos segundos, Hugo trouxe Liam para fora da gosma e então a luz desapareceu e ele quase caiu tonto por conta do esforço. Corri até ele para ajudar. Liam estava de olhos fechados, mas assim que o peguei em meus braços o azul brilhou com toda a intensidade.
Meu noivo estava de volta.
POV Jessie
— Ainda acho que precisamos contar para os outros – disse Lucas, enquanto andávamos pelo corredor em direção à enfermaria.
Tudo estava correndo para o desfecho. Tínhamos agora mais um corpo na fila para um velório (o de César), e ainda havia Thomas na cama do meu quarto, suado e sentindo dores.
— Não vamos contar para ninguém – determinei, apressando o passo. – Não confio neles, o Bernardo pode ter perdido um pouco do dinheiro dele, mas ainda tem poder suficiente para fazer o Thomas desaparecer.
Lucas não pareceu gostar de manter tudo em segredo, mas concordou porque era um pedido meu. Sei lá, acho que estávamos começando a criar algo entre nós dois.
Por isso parei na metade do corredor, onde não havia mais ninguém e o puxei para mais perto de mim. Olhei ele bem nos olhos e só esperei um segundo para ter certeza que não recuaria para prensá-lo contra a parede e aproximar nossos lábios. Lucas pôs as mãos em meu peito, mas não impediu que minha língua deslizasse pela sua. Coloquei uma mão na parede acima do seu ombro e a outro foi para a sua cintura. Fiz questão de puxar seu corpo para perto do meu e comecei a me excitar com aquela proximidade toda. O beijo foi ardente, minha língua foi ganhando espaço pela dele e o fogo ao nosso redor pedia por mais. Passei minha mão para dentro da sua blusa e só aí Lucas interrompeu tudo e se afastou, passando por baixo do meu braço para escapar e continur o caminho. Tive que ajeitar minha calça – e a cueca – para continuar andando.
— Você beija muito bem – falei.
— Não começa, não é como se estivéssemos juntos.
— Por que não? Daríamos um belo casal.
Aquele sorriso no rosto dele me dava liberdade para me aproximar, tinha esquecido como era bom flertar daquele jeito.
— Que tal um segundo encontro? – perguntei.
— Não vai rolar.
— Vai ser bom pra fugirmos um pouco disso tudo, esse lugar está uma zona.
— Por isso mesmo que tenho que ficar aqui, o Chris precisa de mim.
— Não seja por isso – dei de ombros. – Levamos ele com a gente.
Lucas parou, e pareceu mais confuso ainda.
— Isso não me parece um “encontro”.
— Vamos chamar de um “quase-encontro”. Levamos o Chris para o parque, deixamos ele se distrair em algum brinquedo com as crianças ‘normais’, e aproveitamos o tempo para conversar um pouco.
Ele mordeu o lábio inferior, pensando se deveria ou não aceitar.
— Vamos lá, o Chris precisa se distrair. Ele vive cercado de adultos chatos lutando pela vida. Vamos deixá-lo livre um pouco. – peguei sua mão. – E vai ser bom pra gente também. Até agora nós só transamos e salvamos vidas. Quero te conhecer mais, e espero que você também queira me conhecer.
— Tudo bem – e ele tirou a mão. – Amanhã às 14h.
Comemorei, dando um pulinho no ar e fazendo Lucas dar uma risada nervosa. Eu estava gostando de verdade daquele garoto, ele era uma das poucas coisas que me alegrava nesses dias conturbados.
— Mas antes vamos ter que decidir o que fazer com o Thomas – lembrou Lucas. – Ele não pode ficar sozinho, ainda está passando mal.
— Sim, precisamos encontrar uma forma de tirar a gosma de dentro dele. De alguma maneira ela entrou, e tenho certeza que a cicatriz tem algo a ver.
— Se a gosma entrou pela cicatriz, talvez tenha como tirar através dela também, talvez fazendo um novo corte.
— Você é um gênio! – falei, beijando sua testa. – Só precisamos convencer o Nico a fazer isso.
— O Nico? Depois da forma como ele apanhou?
— Acredite, o Nico vai nos ajudar. Ele tem sérios problemas em falar não.
Abri a porta e assim que entramos nos deparamos com uma cena inusitada. Hugo, com duas asas enormes em suas costas, sem camisa e com uma cicatriz idêntica à de Thomas no peito.
Nico estava sentado na frente dele analisando a ferida, e assim que me viu ele deu um tchauzinho e continuou analisando o ferimento.
— O que significa isso? – perguntei, surpreso.
— Ah, são só asas. - explicou, usando as luvas de látex para tocar no peito de Hugo. - Depois de um tempo você se acostuma com elas.
— Estou falando da cicatriz – falei, ignorando totalmente as asas. – O que aconteceu aqui?
Nico olhou para o Hugo, esperando uma resposta.
— Eu não sei ao certo, trouxe o Liam de volta e então alguma coisa naquela gosma me espetou. - contou Hugo. - Doeu pra caramba.
Lucas e eu nos entreolhamos, sabendo o que estava por vir.
Mais um infectado era tudo o que precisávamos.
Estava para pensar em um plano para agir quando algo que o Hugo disse voltou à tona e eu assimilei a novidade.
— Espera um pouco - falei, sem acreditar. - O Liam está de volta???
— Estou sim.
Me virei vendo o rapaz loiro, extremamente bonito, de olhos cor de mar e um sorriso sedutor. Liam usava roupas da enfermaria, estava descalço e parecia muito feliz por estar ali. Atrás dele veio Felipe e os dois se beijaram de um jeito que colocaria o meu beijo com o Lucas no corredor no chinelo.
Liam recuperou o ar depois que Felipe se afastou e então veio me cumprimentar com um abraço.
— Pois é. Eu, o Liam, estou de volta - ele disse, sendo um pouco mais estranho que o normal. - Não vejo a hora de saber tudo o que perdi. Vou arrasar nessa Força-Tarefa.
Ele piscou para mim de um jeito meio… sensual? E foi embora seguindo Felipe que estava indo para outro canto da enfermaria.
— Ele disse “vou arrasar nessa Força-Tarefa”? - perguntei para o Lucas, que deu de ombros. Nico riu e eu fiquei completamente embasbacado. - Quanto remédio você deu para ele, Nico???
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