História O garoto estranho que usava preto - Eu nao esperava por isso

Não entendi o porquê daquilo de repente, mas concordei com a brincadeira. Hesitei, haviam coisas que MinGyu deveria descobrir na hora certa, não em um jogo de perguntas. De qualquer forma, seria uma boa maneira de distraí-lo do pesadelo, então concordei.

_Pode fazer a primeira pergunta, eu comecei da outra vez – disse me deixando iniciar a brincadeira. Eu queria indagar o porquê de todo aquele comportamento estranho e longínquo, mas evitei tocar no tal assunto. Vasculhei minha mente a procura de alguma pergunta que gostaria de lhe fazer e acabei por dizer sem pensar duas vezes:

_Onde seu pai está? – questionei levando ao rosto de MinGyu uma expressão assombrada. Ele tencionou o corpo de forma quase imperceptível, deixando os músculos dos braços expostos mais aparentes que nunca. Se antes estava pálido pelo pesadelo agora sua tez era totalmente drenada de cor. Percebi ter tocado num ponto sensível ao ver aquela expressão de assombro e ódio e tristeza.

_... – Ele ficou em silencio por algum tempo antes de sequer voltar a olhar para mim. Encarava o colchão com determinação. Pronunciei-me já tentando encontrar outra pergunta:

_Perdão, eu deveria perguntar outra...

_Eu me submeti – interrompeu-me – a esta pergunta. Afinal, desde o inicio, qualquer pergunta é valida – O tom usado em “qualquer” fora o bastante para me fazer arrepiar. Mas não me arrepiou tanto quanto a historia que se seguiu.

“Apenas não conte a minha mãe, tudo bem? Ela parece melhor assim e até hoje não encontrei coragem o suficiente para lhe contar. Ela parece ter superado, de qualquer forma, não a quero triste de novo

“A verdade é que meu pai é um canalha – Encolhi-me diante do ódio na voz, estranhando o comportamento de MinGyu. Ele não pareceu perceber, encarando o colchão d’agua como se fosse uma resposta a tudo. Não conseguia ver seu rosto – Desde pequeno eu o via chegar em casa com uma mulher diferente. Sempre a mesma coisa, bêbado e com outra nos braços. Minha mãe trabalhava de noite e só voltava de madrugada quando a outra já havia ido embora – Arregalei os olhos surpreso. Jamais cogitara, jamais sequer chegara perto de imaginar algo terrível assim acontecendo a MinGyu.

“Eu chorava a noite, quase toda noite por não poder contar a ela. Por saber o que estava acontecendo e não poder contar. Porque ela era feliz com aquele canalha, e ele havia me ameaçado. Aquele... meu próprio pai, ameaçou-me – Cobri a boca com uma das mãos, incrédulo, incapaz de dizer algo – Quando tomei coragem para aborda-lo sobre o assunto e lhe disse que contaria a ela, ele quase me jogou daquela escada – disse olhando na direção da porta como se através dela conseguisse ver a escada. Logo em frente ao seu quarto – Eu tinha medo de contar a ela e ele fazer alguma mal a ela também – Baixou a cabeça novamente encarando o colchão – Então fiquei calado enquanto ela trabalhava para nos sustentar e ele a traía bem debaixo do seu nariz – Envolvi o corpo do maior com meus braços o puxando para um abraço desajeitado quando ouvi um soluço. Aquilo me partiu o coração, nunca havia visto MinGyu chorar, não na minha frente.

“Eu cheguei a falar com ele novamente sobre falar com ela... – O silencio se fez pressente enquanto MinGyu parecia se acalmar e juntar forças para continuar – e ele realmente me jogou de cima da escada – Sua voz estava mais baixa ainda agora, falando com clareza sobrenatural apesar do choro – A parte dificil foi esconder os hematomas e o andar manco dela, mentir para ela.”

O jogou de uma escada. Um objeto que eu sempre parava e encarava, algo com o qual já me imaginei morrendo milhares de vezes. Min já caíra de uma, caíra de uma e saíra machucado. Empurrado por seu próprio pai.

_Ele foi embora, abandonando minha mãe após tanto injustiça-la. Ela chorou tanto quando percebeu que ele não voltaria, Won... Ficou uma semana sem ir ao trabalho e quase não saía do quarto. Mas mesmo assim nunca deixava de cuidar bem de mim, daquela maneira que só ela consegue... – Suspirou de forma aparentemente dolorosa, a respiração entrecortada pelas lágrimas – Agora ela trabalha de manhã no mesmo horário que eu vou a escola. Acho que ela tem medo que eu vá, como ele. Ela se culpou tanto, WonWoo. Achou que a culpa tinha sido dela por não dar atenção o bastante para ele.

Lágrimas já escorriam por meu rosto há muito. Não podia acreditar naquilo, que MinGyu havia sofrido tanto, tudo aquilo. Agora entendia toda aquela preocupação a mais, aquele zelar a mais pelo bem estar completo da Kim mais velha.

_E ele era apenas um canalha miserável – O ódio na voz me fizera encolher outra vez, mas mais uma vez ele sequer notou. Percebi um reluzir prateado escorrer por sua bochecha, iluminado pela luz da lua apenas. O segurei mais firmemente, tentando suavemente lhe passar carinho com o ato – Não mereceu nenhuma das lágrimas que ela derramou. Não queria ter um sentimento tão ruim dentro de mim, mas não consigo não odiá-lo pelo que ele fez. Por tudo que ele fez a minha mãe, todo o sofrimento que a fez passar. Ela merecia alguém muito melhor. Mas a esta altura, acho que ela está melhor assim. Independente, feliz de uma forma que não estaria com ele.

Escutei seu desabafo e passei a acariciar seus fios de cabelo pacificamente. Ele pareceu ter terminado, tentei entender a bomba que havia sido jogada ali. E não foi muito complicado entender, apenas dificil de engolir. MinGyu suspirou.

_Às vezes – começou novamente, baixinho, parecendo cansado de ter despejado tudo aquilo -, eu me olho no espelho e sinto raiva. Raiva por ser tão parecido com ele. Já quebrei três espelhos ao longo dos anos por esse mesmo motivo. Parece que quanto mais tempo passa, mais traços dele aparecem no meu rosto, apenas para me enfurecer mais.

Eu realmente não esperava por isso.

_Se isso ajuda... – falei, sussurrando próximo ao seu ouvido, com calma – Seu sorriso é lindo como o dela. São quase iguais... Gosto do seu sorriso – Ele passou as mãos pelo rosto, secando as lágrimas e suspirando outra vez. Quando pareceu-me mais calmo e já tinha o rosto parcialmente seco, ergueu o rosto na minha direção e sorriu torto. Sorri de volta antes de passarmos para a próxima pergunta. Uma pergunta de MinGyu para mim. Cortando aquele clima meio tenso.

Apenas não esperava que fosse uma pergunta pessoal de mais – O que aconteceu com sua mãe para que ela não te procurasse mais?