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História O Pianista - Saint Seiya Fanfic - Se ex fosse bom, não seria ex - Parte 2


Escrita por: Rosenrot9 e Hamal_

Notas do Autor


gente era pra sair ontem mas nossa foi tanta correria que saiu hj :v

Agora vem a parte que justifica o nome do cap XD

Capítulo 24 - Se ex fosse bom, não seria ex - Parte 2


Fanfic / Fanfiction O Pianista - Saint Seiya Fanfic - Se ex fosse bom, não seria ex - Parte 2

“...mas poucos minutos depois Shion também apareceu ali, faminto e de ressaca, procurando por café.”


Ele entrou silencioso. Suas memórias da noite anterior eram vagas, embaçadas, mas ele se recordava bem do engano cometido, da confusão que fizera na madrugada quando pensou estar no apartamento de Mu, já que quando o irmão o acordou para rebocá-lo para casa, a confusão mental causada pela bebedeira já tinha se amenizado, restava apenas a ressaca. Por isso mesmo ele aproximou-se de Afrodite e se desculpou, visivelmente constrangido. Prometeu a ele que mandaria entregar um colchão novo em sua casa na segunda-feira, logo pela manhã.

Cordial e espirituoso como só o jovem estilista sabia ser, este não só aceitou de bom grado as desculpas e o colchão como se dispôs a fazer um café forte para o executivo, ótimo para ajudar a curar a ressaca. Shion lhe sorriu aliviado, depois foi até Shaka. A princípio se alarmou ao olhar para ele e vê-lo com um grande hematoma acima da sobrancelha, mas achou melhor não dizer nada a respeito. Não saberia também o que dizer. Ainda um pouco sem jeito o cumprimentou dizendo-lhe que lhe agradava muito ter a companhia dele para o almoço, assim poderiam conhecer-se um pouco melhor, já que na noite anterior as apresentações se deram com certa pressa e embaraço. A atitude amigável do irmão para com o pianista surpreendeu e aqueceu o coração de Mu, que na pia, ao passo que temperava a carne para moldar os hambúrgueres artesanais, trocava olhares exultantes com Afrodite, que tinha estampada na fisionomia a mesma alegria.

Enquanto esperava pelo café, Shion trocava algumas poucas palavras com Shaka. Ressaltava o quanto achava-se parecido fisicamente com Mu, e surpreendeu-se com a habilidade com que o pianista apanhou celular no bolso da calça jeans e com apenas dois toques na tela lhe estendeu o aparelho mostrando uma foto de Asmita. Mesmo que não pudesse ver, gostava de manter fotos do irmão, do pai, e dos três juntos, para ocasiões como aquela, quando podia exibir sua família e mostrar o quanto eram importantes para si. Asmita sempre as colocava em seu celular e lhe ensinava como acessa-las. Há um mês ele havia colocado também algumas fotos de Mu, a seu pedido, claro. Assim ele fez.

— Todos dizem que somos muito parecidos. — disse Shaka referindo ao irmão.

— Ora, é mesmo! — disse Shion olhando para a foto. Embora o homem na imagem tivesse uma fisionomia extremamente severa, fosse visivelmente mais velho e um tanto carrancudo, os achou bem parecidos. Era um homem de bom aspecto. Diria até que bonito, não colocasse tantos tabus a esse adjetivo quanto direcionado a alguém do mesmo sexo, porém visivelmente triste. Esse detalhe achou melhor guardar para si. — Vocês são bem parecidos sim.

— Eu não concordo. — Mu interferiu na conversa elevando a voz — Shaka é muito mais bonito. Embora o meu cunhado seja um tipão. Chato e ranzinza, porém bonitão!

O pianista riu recolhendo o celular e o devolvendo ao bolso. Shion baixou a cabeça e esfregou o nariz, constrangido. Não estava acostumado a ver o irmão elogiar a aparência de outros homens daquele modo, mas teria que se acostumar. Queria se acostumar. Precisava se acostumar.

— Bom, sua opinião não é imparcial, né Mu. Opinião de namorado não vale. — brincou Afrodite.

— Exatamente. — concordou Shion disfarçando o embaraço. — Eu não venço essa disputa por pura parcialidade dos votantes.

— Ora, então o meu voto é o de Minerva! — disse Afrodite, que em seguida colocou a mão sobre o ombro de Mu e lhe olhou sorrateiro nos olhos. — Sinto muito, amigo, o meu voto vai para o seu irmão. Ele é o mais bonito simplesmente por não ter uma tatuagem cagada na pele.

— Chamar aquele troço de tatuagem é gentileza. — Shion deu uma alta gargalhada.

— Ei! Não falem assim do meu bichão! — Mu respondeu aos risos. — Ele só foi atropelado por um trator e ficou manco e meio desfigurado depois da recuperação no hospital veterinário. Olha o bullying!

Ouvindo a conversa, e os risos, Shaka piscou os olhos e levantou as sobrancelhas finas em arco.

— Então você tem mesmo uma tatuagem! Ali no braço? — perguntou espontâneo. Havia sentido o relevo quando a tocou na noite passada, mas deixou passar na hora, porque tinha interesses bem mais urgentes.

— Tenho. — Mu respondeu.

— Já disse que aquilo não se deve chamar de tatuagem. — falou Shion.

— É tão ruim assim? — Shaka questionou.

— É. — Shion e Afrodite responderam em uníssimo, num gesto que parecia até ensaiado.

— Pois em minha defesa eu digo que os dois estão exagerando. Não é tão ruim assim não. — disse Mu.

— E o que é? — o pianista perguntou.

— É um carneiro. — disse Mu.

— Era para ser um carneiro. — falou Shion.

— E por que um carneiro? — Shaka estava curioso.

— Porque é o símbolo que representa o meu signo do zodíaco. Eu sou de Áries, e tatuar um carneiro pareceu uma boa ideia para o meu eu adolescente de quinze anos... Eu não tenho culpa se o tatuador estava mais bêbado do que eu quando eu fui fazer a tatuagem. — riu ainda mais o estudante de cinema, lembrando-se do evento.

— É, ele acredita nessas baboseiras de signo. — disse Shion. — Deveria acreditar era na surra de cinta que o pai prometeu que te daria se fizesse uma tatuagem, ainda mais porque você era menor de idade. Não acreditou e apanhou feio.

— Pois é. Sempre achei mais fácil acreditar em horóscopo do que na benevolência e tolerância do nosso pai. — disse Mu, agora sério. — Além de me dar uma surra ele me obrigou a tirar a tatuagem, por isso você sentiu o relevo, amor. Eu fiz três sessões de lazer. Ainda não saiu toda, dá para ver mas está bem clara.

Os risos cessaram. O teor da conversa havia escorregado para corredores sombrios, onde nenhum deles parecia querer galgar no momento. Felizmente nessa hora o café havia ficado pronto, Afrodite então apressou-se a servi-lo ao executivo para espantar de vez a presença do pai de Mu daquela cozinha. Levou uma caneca quase cheia para Shion e outra, contendo um pouco menos, para Shaka. Shion lhe agradeceu elogiando a gentileza e a boa mão para o preparo da bebida, que estava de fato um primor, e quando, minutos depois, foi se servir de mais alguns goles, Mu lhe pediu ajuda com o almoço, pois era o irmão mais velho o expert em saber o ponto exato da carne, a quantidade de açúcar que ia no caramelo para fritar as cebolas, os temperos que faziam de sua maionese verde picante a melhor que já provara. Sempre que recebia Shion em seu apartamento faziam juntos aqueles hambúrgueres, mas naquele dia eles teriam um sabor especial. Era a primeira vez que Mu se sentaria à mesa para fazer uma refeição junto do irmão e do namorado. Um gesto simples, mas que lhe significava tanto. Quem sabe a próxima refeição em família seria na casa dos pais, com Shaka a seu lado, claro. Não custava nada ter esperança.

Quando Shion foi aquecer a frigideira para fritar os hambúrgueres, as cebolas e todo o resto que faltava, Mu aconselhou Afrodite e Shaka a aguardarem na sala, pois que o exaustor de sua cozinha não estava funcionando. Já havia solicitado o conserto, mas o técnico só faria a visita em três dias. O pianista disse que não se incomodava em ficar ali, mas Afrodite viu nessa uma ótima oportunidade para estar a sós com Shaka e poder estreitar seus laços de amizade. Ele queria verdadeiramente conquistar a confiança do pianista, já que tinha consciência de que ele sabia de sua relação com Mu no passado, e não queria que esse fato viesse a atrapalhar o relacionamento dos dois. Para Afrodite, se Shaka o conhecesse bem, confiasse em si, não teria motivos para ter ciúmes. Por isso o convenceu a deixarem a cozinha para que os dois irmãos preparassem a comida.

Cedendo o braço ao pianista o sueco o guiou até a varanda. Apesar do tempo frio, aquela tarde de domingo estava deveras agradável, o sol, tímido e pálido, banhava a espreguiçadeiras, e foi em uma delas que eles se sentaram, lado a lado, enquanto conversavam algumas amenidades.

Como se tivesse previsto — Afrodite tinha um sexto sentido apurado — logo que se acomodaram ali o pianista dobrou a bengala, a deixando sobre a espreguiçadeira encostada em sua coxa, e virando o rosto para sua direção perguntou:

— E então, você e o Mu são muito amigos, não é?

Afrodite olhou para ele, para aqueles olhos azuis abertos que nitidamente tudo que viam era o nada, pois que parados pareciam atravessar sua matéria e fitar um ponto qualquer através de si. Não queria sentir pena, mas era inevitável pensar que a luz do mundo era negada a um garoto tão bonito quanto doce e talentoso. Por que ele? O que de ruim ele teria feito para merecer aquilo? E pensar que haviam tantos como ele que também não mereciam... Mas só agora tinha consciência disso, deles todos. Respirou fundo procurando conter a melancolia.

— Sim, muito. Mu é meu melhor amigo, mas apenas isso, viu? Até quando a gente teve... sabe, um lance, nunca rolou outro sentimento além de amizade. — disse seguro e sincero.

— Sorte a minha, né? — Shaka brincou colocando um sorriso no rosto.

— Sorte a dele! — Afrodite replicou, num tom que denunciava autêntica descontração. — Depois, quem é que quer um cara lindo e perfeito como o Mu? Ah, eu não. Eu gosto de problema. Eu gosto de gente complicada, sabe.

— Tipo o Camus.

Afrodite olhou para ele e contemplou seu rosto bonito e inocente por um momento.

— Sim. Tipo o Camus. — respondeu com uma sonora risada.

— Por falar em gente complicada... — disse o pianista fazendo uma breve pausa para procurar em seu acervo mental as palavras mais adequadas para entrar no assunto que queria tratar com o sueco — Como melhor amigo do Mu você deve saber como foi o relacionamento dele com o Kanon, imagino.

Nessa hora a fisionomia de Shaka ficara séria e concentrada, e Afrodite notou de imediato a mudança. Ponderou por uns segundos se deveria permitir que aquele assunto prosseguisse, e no fim decidiu que era importante que o pianista soubesse um pouco a respeito do advogado, afinal, havia ficado claro, para todo mundo, especialmente para Shaka, que jamais haveria um decreto de paz entre os três, ele, Mu e Kanon.

— É eu sei sim. Inclusive dei todo meu apoio ao Mu quando ele quebrou a cara daquele cretino pela primeira vez. — respondeu amarrando os cabelos revoltos no alto da cabeça com um elástico.

Shaka sobressaltou-se, como se de repente por um milagre tivesse recuperado a visão e visse, diante de si, uma alma do outro mundo.

— Ontem não foi a primeira vez que Mu bateu nele? — perguntou.

— Não. E nas duas vezes que o Mu amassou a cara do safado ele estava coberto de razão. Embora eu não seja a favor de violência de nenhum tipo. — confessou Afrodite. — Mas Kanon é desses caras que levam você ao limite. Ele engana com toda aquela beleza cafajeste dele, a lábia de advogado, mas ele não vale nada.

— E como era o relacionamento deles? Porque o Mu não me parece o tipo de pessoa que se envolveria com alguém como o Kanon.

— A, querido, quem dera todos tivéssemos o dom de enxergar com o coração também, como você... A beleza muitas vezes é uma armadilha. Como eu disse, Kanon é um homem muito bonito, de presença forte, oratória impecável... E ele vinha dando ideia no Mu há um bom tempo, até que Mu não resistiu e cedeu. Eles ficaram em uma das festas semestrais do time de Rugby. Não sei se o Mu te falou, mas o escritório de advocacia do Kanon é um dos patrocinadores do nosso time, e por ser ex-atleta de Columbia ele é figura tarimbada nas festas, reuniões, treinos de final de campeonato...

— Sim, ele me disse.

— Por isso, onde o Mu estava, lá estava o Kanon. — continuou Afrodite, em tom descontraído. — Eles ficaram na festa das oitavas de final do campeonato, e depois continuaram saindo por um tempo com certa frequência. O relacionamento deles, até então, era tranquilo, bom, fora de qualquer suspeita. Mu estava até empolgado e pensando em oficializar a relação, digo, assumir o Kanon como parceiro fixo, já que ele não se importava do Mu ter um casamento de fachada no futuro. Seriam um casal, ainda que às escondidas. Estavam fazendo planos, mas ai...

Afrodite súbito parou de falar e olhou para Shaka.

— O que? — o pianista perguntou, curioso e desnorteado.

O sueco pensou por uns instantes.

— Não sei se devo falar. Mu nunca contou isso para ninguém, e me pediu segredo. — confessou.

Shaka suspirou baixando a cabeça. Não queria ser invasivo, mas achava-se no direto de saber.

— Entendo... — disse em tom desolado, mas depois voltou a levantar a cabeça e virar o rosto para a direção de Afrodite. Seus olhos se dirigiam a um ângulo abaixo dos ombros do sueco. — Apenas gostaria de entender por que Mu tem tanta raiva dele, e por que Kanon não aceita o término da relação, se Mu é tão enfático e resoluto quando diz que acabou, sequer o considera um ex-namorado... Eu sinto que aconteceu alguma coisa grave, mas ele tem certeza de que Mu vai voltar atrás alguma hora e eles vão reatar, e por isso e ele me vê como um rival, você sabe. Se eu não souber o que houve, como vou poder saber com que tipo de pessoa estou lidando?

A forma honesta e entusiasmada com que ele falava, fez Afrodite convencer-se de que não lhe podia negar a verdade. Por isso, virou-se de frente para ele, na espreguiçadeira, pousou a mão sobre a dele, o vendo dar um leve sobressalto em resposta ao toque inesperado, e disse, em tom mais baixo:

— Está bem, mas fica entre nós, certo?

— Certo. Obrigado.

— Inclusive, sobre o Mu já ter chegado às vias de fato com ele antes, isso também fica entre nós. Mu perdeu a cabeça quando terminaram e como sempre partiu para violência.

Shaka engoliu em seco. Aquela faceta de Mu ainda lhe assustava um pouco.

— O Mu nunca teve intenção nenhuma em assumir-se gay para a família, e nem Kanon tinha. — continuou Afrodite. — Ele estava decidido a terminar a faculdade e casar-se com uma mulher, constituir família, viver dentro do armário, e Kanon não apenas sabia disso como o apoiava, o incentivava dizendo que seriam amantes fixos e que nada mudaria. Eu nunca concordei com essa patifaria, né, óbvio, mas para o Mu era a escolha perfeita, ou a única escolha que ele tinha, já que sempre teve muito medo do pai, e só ele para saber como melhor lidar com própria família, né. Me dava agonia saber que ele tinha escolhido esse caminho, eu tentava aconselha-lo, mas Kanon fazia o oposto, incentivava. Ele mesmo levando a vida assim. Na vida pública sempre desfilando para cima e para baixo com uma bela mulher, na vida privada enfiado em casas noturnas gays e aqui, nesse apartamento... Até que o Mu começou a perceber que Kanon não era bem como ele havia se mostrado para ele. Ele tinha umas atitudes bem escrotas com as mulheres com quem ele saia, ou com os empregados do escritório dele. Já teve até desavenças com o irmão por causa disso, ele tem um irmão gêmeo. Mas Kanon sempre acabava convencendo o Mu na lábia, até o dia que fomos jogar em Hoboken, em New Jersey. Era disputa da semifinal, e ganhamos do New Jersey de lavada! Foi uma vitória histórica... Mas, tanto eu quanto Mu, Camus, Milo e também o Aiolia, percebemos que havia algo errado com o outro time. Eles pareciam apáticos, desmotivados, para não dizer mortos em campo, como a gente costuma falar, sabe. O que não é nada condizente com um time que disputa uma semifinal. Pois bem, no final da partida, quando já estávamos no vestiário, o Mu encontrou na bolsa dele um frasco vazio de comprimidos e algumas cápsulas de cocaína. Ele tomou um baita susto, né, pudera, e a reação dele foi esconder tudo de volta ali mesmo, na bolsa. Ele ficou com medo que alguém visse e o denunciasse, tipo, o nosso treinador que estava lá perto, os outros caras... Você tinha que ver como ele ficou pálido de susto, parecia até um fantasma... — interrompeu-se dando-se conta da gafe. — Ah, me desculpe. Você não ia ver nada.

— Tudo bem, não precisa se desculpar. — disse gentil o pianista. — Mas, de quem eram as drogas?

— Então, o Mu ficou um tempo ali, paradão, com o olhar perdido, só matutado como aquelas merdas foram parar na bolsa dele. Na verdade, ele estava em negação. Não queria aceitar, mas já sabia de quem era aquilo, e como foram parar lá. Antes de partirmos para New Jersey, o cretino do Kanon tinha ajudado ele a arrumar as malas, inclusive a bolsa esportiva. Ele só esteve com o Kanon nesse dia. Pois bem, quando todo mundo saiu do vestiário e ele ficou sozinho, ele chamou o Kanon até lá e o colocou contra a parede. Claro que o canalha se fez de desentendido, então o Mu jogou as cápsulas e os frascos vazios na cara dele. Ele então confessou que tinha sido ele.

— Mas que cretino!

— Sim, muito cretino. Pior foi a reação dele.

— O que ele fez?

— Ele riu. Riu da cara do Mu, da preocupação dele, e ainda deu uma de gostoso dizendo que o Mu, e todo o nosso time, éramos muito ingênuos se pensávamos que esse tipo de conduta era execrável. Que sabotagem era uma prática comum no Rubgy, que ele fazia isso na época que era atleta de Columbia. — Afrodite suspirou. — Imagina se uma merda dessa vazasse e chegasse à reitoria? Todos seríamos expulsos.

— Meu Deus, Afrodite. Kanon drogou o outro time, mas era no Mu que culpa ia cair, já que as drogas estavam na bolsa dele.

— Exatamente. Ele usou o Mu como mula. O desgraçado tinha feito apostas na nossa vitória, e também queria impressionar um futuro patrocinador. Para garantir a vitória ele batizou o garrafão de água do outro time.

— E a cocaína?

— Era dele, para consumo próprio... Enfim, nesse dia eles tiveram uma briga horrorosa. Pudera, né, imagina o escândalo que seria se descobrissem aquelas drogas na bolsa do Mu? A carreira de atleta dele em Columbia já era. Fora o problemão que ele ia arrumar com o estrupício do pai dele. A sorte que nesses campeonatos menores não se faz exames antidoping a cada partida, porque aí sim, estaríamos todos na merda, já que é obvio que o Kanon nunca iria confessar. Ele é o xodó dos veteranos e dos calouros, um dos patrocinadores... — balançou a cabeça negativamente. — Foi nessa briga que o Mu quebrou a cara do Kanon pela primeira vez. Depois rompeu com ele... O babaca passou uma semana com o olho roxo dizendo que caiu da escada. — nessa hora o sueco riu.

— Nossa eu... achei que tinham apenas se desentendido. Não imaginei que tinha sido algo tão grave.

— É, foi grave sim, mas poderia ter sido ainda mais. — Afrodite suspirou. — Bom, um mês depois o Mu viu você tocando o piano na Grand Central, se apaixonou e poucos dias depois disse para todo mundo que estava namorando sério. Claro que o Kanon logo ficou sabendo também, mas até ontem ele achava que era mentira do Mu, ou que era só mais uma de suas conquistas sem importância, até conhecer você na festa.

— Não acho que ele tenha mudado de ideia. — disse Shaka, recordando-se das palavras que Kanon lhe disse quando o abordou no corredor, do lado de fora do banheiro.

— Ele deve ter ficado chocado quando viu você, quando constatou que você era real, e que o Mu nunca olhou para ele do jeito que olha para você... Kanon tinha certeza de que assim que passasse a raiva do Mu pelo que ele fez, eles reatariam o namoro, porque para ele a reação do Mu, a agressão, era só mais um de seus chiliques descontrolados.

Ao final do relato de Afrodite, o rosto de Shaka estava lívido e sua fisionomia em completo espanto.

— Tudo faz sentido agora. — disse, com a boca seca e o coração palpitando. — Então Kanon é de fato uma pessoa perigosa.

— É, mas não deve se preocupar com isso, querido. Logo ele se dá conta de que foi, e está sendo, um babaca, e que precisa assumir que perdeu, porque o Mu não está de brincadeira em relação a você. Quando ele aceitar que Mu está disposto a se assumir e até enfrentar o pai para ter o direito de viver em paz, aí ele tira o time dele de campo.

Novamente Shaka baixou a cabeça e respirou fundo fechando os olhos.

— Eu não tenho medo dele, o meu medo é outro.

Afrodite apertou a mão dele.

— E qual é o seu medo, meu querido?

— Eu tenho medo que o fardo que Mu terá que carregar para se assumir, para me assumir, seja pesado demais, e eu não possa ajuda-lo a carregar.

Nessa hora Afrodite sentiu o peito apertar, como se seu coração fosse comprimido por duas mãos ásperas e pesadas. Era desolador e revoltante ver duas pessoas, que tudo que queriam era apenas ter o direito de serem felizes juntas, amarem e dividir sonhos, sendo assombradas dia a dia pelos terríveis fantasmas do preconceito e da intolerância. E ele, melhor que ninguém ali, conhecia bem esses fantasmas.  Sabia que o medo do pianista era legítimo, por isso não tentou enxotá-lo. O faria se pudesse, mas não podia.

— Ei, não fica assim. — disse com voz mansa e acolhedora, e nessa hora soltou a mão de Shaka para passar o braço por seus ombros e lhe acolher com um meio abraço. — Olha, nenhum fardo é pesado demais quando carregado em dois, em três, quatro... Vocês não estão sozinhos, Shaka. Eu sei que família nessas situações é muito importante, e pode ser que leve algum tempo até a do Mu aceitar vocês, sim, mas tempo é o que vocês mais têm! Vocês são tão jovens... E não sofra antes da hora, querido, deixa acontecer! Não importa o peso do fardo, ele jamais será tão pesado quanto o destino horrível do qual você livrou o Mu. Pode ter certeza que passar a vida fingindo ser o que não é, privando-se do amor verdadeiro e usando o sexo apenas para satisfazer uma frustração, é muito pior. Você salvou a vida do Mu, e o que vier daqui para frente é consequência da escolha que ele fez. Quando se escolhe por uma coisa, você abre mão de outra, e a vida é assim. A vida é a luta pelas escolhas que fazemos. E quem não luta não obtém vitória... Veja, eu. Siga meu exemplo. Eu não desisti ainda do Camus, continuo no campo de batalha, firme e forte. Eu é que não vou assumir a derrota sem lutar muito antes. — sorriu chacoalhando levemente o pianista.

Shaka riu da conclusão dada por ele. Nenhuma nuvem escura de tristeza resistia ao brilho e ao calor da presença de Afrodite, a qual podia sentir mesmo sem ver.

— Pelo que conheci do Camus, o pouco que conheci, você tem tudo para vencer essa batalha, só precisa, talvez, mudar sua estratégia de combate. — brincou com ele.

— Está querendo dizer o que? — o sueco perguntou curioso.

— Estou querendo dizer que Camus é um artista, portanto o modo como ele enxerga o mundo é diferente. Digo, o modo como ele vê uma árvore, por exemplo, é diferente do modo como as pessoas comuns veem a mesma árvore. Uma árvore para ele é uma escultura, além de uma infinidade de possibilidades, enquanto para as pessoas comuns é apenas uma árvore.

Afrodite arregalou os olhos azuis, espantado.

— Ei, isso é William Blake! Você lê Willian Blake? — disse com veemência.

— Quem? — Shaka sorriu curioso.

— “A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê”. — disse Afrodite, finalmente entendendo onde o pianista queria chegar, admirado com sua perspicácia.

— Esse tal de William Blake sabia das coisas. — brincou o pianista. — Não li. Infelizmente são muito poucas as obras literárias transcritas para o braile.

Afrodite lhe lançou um olhar taciturno, depois deu um suspiro queixoso, pensativo. Quantas maravilhas do mundo simplesmente não chegavam a ele, às pessoas como ele. Nunca sequer tinha se dado conta disso.

— Mas, o que quero dizer é que não tem como você chegar ao Camus sem antes passar pela arte dele, sem antes enxerga-la com a mesma paixão que ele a enxerga. Um é a extensão do outro, e eles coexistem no mesmo espaço. — disse o pianista.

— Está dizendo que eu tenho que elogiar o que ele faz? Mas, eu elogio! Aliás, todo mundo elogia.

— Mas você a sente?

Afrodite olhou para ele, para seus olhos azuis por detrás das pálpebras levantadas, os quais vagavam lentos divisando sabe-se lá que maravilhas ou que horrores. Suas palavras tinham tanta verdade quanto um riso de criança. Em um impulso o sueco virou-se para ele e o abraçou forte. O gesto inesperado pegou Shaka desprevenido, o fazendo se encolher num rápido reflexo, mas que durou só o tempo de levantar as mãos e retribuir o abraço.

Alguns passos distante, por detrás da porta de vidro, Mu observava a cena com o coração aquecido. Havia ido chamar os dois para o almoço, que já estava pronto, e vê-los abraçados lhe encheu de felicidade. Saber que Shaka fora aceito por seu irmão e seus amigos era exultante, afinal o pianista agora já fazia parte de si mesmo, de seu mundo.

A tarde de domingo na casa de Mu transcorreu tranquila. Após comerem enquanto contavam histórias, rindo da maioria delas, sentaram na sala, ouviram música e conversaram até dar o horário que Shion deveria ir para o aeroporto, que coincidia com o horário que Mu prometera a Asmita deixar Shaka em casa, antes das 20:00h.

 

Pela janela do carro, Shion Bharani olhava para os muros grafitados, as quadras comunitárias de basquete lotadas de jovens, os prédios antigos que davam ao Bronx sua identidade única. Embora ainda fosse o bairro com maior concentração da população de renda mais baixa de Nova York, o Bronx havia sido quase totalmente revitalizado, e aos poucos perdia aquele estigma de bairro violento e perigoso. Ele preferia pensar assim. Escolhera se apegar às estatísticas.

Depois de seguirem por uma rua com pouca iluminação e pouco movimentada, a não ser por uma ou outra figura que do nada surgia ali, emergindo de trás de um poste ou caçamba de lixo, Mu parou o carro em frente à pequena casa de tijolos avermelhados, com um portão de ferro pintado de branco carcomido. Shaka despediu-se de Shion ali mesmo, ainda dentro do carro, enquanto Mu descia para lhe abrir a porta e ajudar a sair do veículo. Caminharam lado a lado até o portão, o pianista com a mão sobre o ombro do cineasta. Despediram-se com um abraço informal, mas com juras de amor declamadas aos sussurros próximo ao ouvido, depois Mu abriu o trinco, esperou que Shaka entrasse, o fechou e pôs-se a andar de volta ao carro, demonstrando em sua fisionomia sorridente uma felicidade a qual se agarrara com unhas e dentes, e que jamais deixaria lhe escapar. Assim que viu Asmita abrir a porta o estudante de cinema girou a chave de ignição, lhe acenou pela janela e tocou o carro.

— Que palhaçada é essa? É assim, então? Ele te leva para a casa dele e depois te despeja aqui e vai embora correndo? — disse Asmita. Ainda tinha os olhos voltados para a rua, para o eco invisível do carro que estava diante do portão.

Shaka riu recolhendo a bengala. Não precisava dela ali, pois que cada pedacinho da casa lhe era nitidamente visível na mente.

— Boa noite, Asmita. — disse já retirando a mochila das costas. — Mu pediu desculpas por não descer e entrar, mas é porque ele precisa correr para o aeroporto. O voo do irmão dele sai em menos de uma hora. Amanhã ele vem jantar aqui. — guardou a bengala no bolso lateral como sempre fazia.

Apenas nessa hora Asmita baixou o olhar e fitou o rosto do irmão. Não se recordava de tê-lo visto tão exultante e iluminado.

— Mas que porra é essa na sua testa? — perguntou ele, segurando no queixo do pianista e o fazendo levantar a cabeça. Com os dedos afastou os cabelos loiros da franja longa e espessa para ver melhor. Seu coração passou a dar saltos ornamentais dentro do peito. — Shaka, você tá machucado!

— Eu sei, foi só uma pancada. — disse o pianista, esforçando-se para ser convincente na mentira. — Eu bati a cabeça em um armário quando fui ao banheiro.

Asmita ainda analisava o ferimento, indignado.

— Por isso aquele burguesinho esquisito não desceu, né?

— Eu já te disse porque ele não desceu, Asmita. — respondeu o pianista, erguendo as mãos e pegando nos punhos do irmão. — Dá para você deixar de ser tão implicante e me dar um abraço? Eu estava com saudades de você, seu chato. — sorriu, torcendo para que ele comprasse sua história, embora estivesse mesmo com saudades daquele turrão.

Asmita olhou para ele por um instante, depois respirou fundo e o acolheu em um abraço forte e demorado. Do tamanho de sua saudade.

— Já te disse para estender a mão alguns centímetros à frente da sua cabeça quando estiver andando por um lugar que você não conhece. Não pode ficar batendo a cabeça desse jeito. Não é bom. — disse Asmita, e com a índole, porém a delicadeza de um urso pardo para com seus filhotes, lhe afagou os cabelos e lhe beijou a testa, do lado oposto ao ferimento.

— Não vou me esquecer da próxima vez. — disse Shaka, sua voz estava um pouco abafada por estar com os lábios aderidos à camisa de lã do irmão.

— Que próxima vez? — disse Asmita se afastando dois palmos. — Mal chegou e já está querendo sair de novo?

Shaka riu divertido, depois lhe entregou a mochila.

— Podemos entrar? Estou com frio.

— Não desconversa não, Shaka!

— Pai, cheguei! — disse em voz alta o pianista, assim que deu os primeiros passos para dentro da sala, ouviu a televisão e sentiu o cheiro inconfundível da loção de barbear do pai.

Senhor Nilo levantou do sofá e abandonou a partida de futebol assim que seus olhos pousaram no filho mais novo, que de tão feliz parecia até emanar luz própria. Sorriu como há muito não sorria. Abriu os braços e o acolheu com um abraço forte. A alegria dele era o mais importante. O machucado na testa eles discutiriam depois, no jantar.

— Oh, meu menino! — dizia entre risos e beijos que salpicava entre os fios loiros dos cabelos do pianista. — E como foi lá, na casa do Mu? Você conheceu os amigos dele? Eles te trataram bem?

Shaka levantou as mãos e apalpou o rosto do pai, atento a cada vinco, a cada expressão de alegria. O beijou na bochecha áspera antes de pegar em sua mão e seguir para o sofá.

— Pai, foi tudo muito legal. Conheci sim, todos eles, e eles são incríveis! Tem um que também é artista! Pintor. O Camus. A casa dele cheira tinta, mas não essa tinta de construção, de pintar parede. Tinta de pintar sonhos... — sentaram-se lado a lado e o pianista seguiu falando, entusiasmado. — E tem o Milo, que quer que eu entre para a Irmandade da Mandrágora Dourada.

— Que merda de Irmandade é essa? Não quero você metido em nenhum culto, heim! — reclamou Asmita do fundo da sala, onde guardava a mochila do irmão.

— Eu acho que essa Irmandade nem existe, na verdade. — fez uma pausa para rir. — E tem um cara que é enorme! A mão dele deve dar umas três da minha. O Aldebaran. E tem as meninas. A Geisty, a June e a Marin. Elas são tão legais, pai. E tem o Afrodite... — fez uma pausa recordando-se da experiência incrível que tivera com o sueco. — Afrodite é como uma borboleta monarca azul.

— Monarcas azuis não existem. — disse Asmita sentando-se ao lado deles, no sofá. Estavam os três ali agora. O pianista no meio.

— Exatamente. Como o Afrodite. Ele é tão incrível que nem parece real. Vocês acreditam que ele costurou... na verdade, ele fez tudo, as estruturas, o bordado, cada detalhe, de um par de asas de borboleta do tamanho dele só para que eu pudesse tocar e me lembrar como elas são?

Asmita e Nilo trocaram um olhar silencioso, ambos impressionados.

O pianista seguiu contando exultante cada detalhe daquela experiência incrível, o seu primeiro voo para fora do ninho, e sentados, cada um de um lado, o pai e o irmão o ouviram com a mesma alegria.


Notas Finais


Tumblr da Rosenrot com suas artes:
https://rosenrotstuff.tumblr.com/

Nosso grupo no face " Fics trio ternura" com informação extra, curiosidades e muito mais :
https://www.facebook.com/groups/1522231508090735/

Grupo do Mushakismo, espaço reservado apenas para Mu x Shaka:
https://www.facebook.com/groups/554678934699718/


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