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História O Pianista - Saint Seiya Fanfic - Não precisa passagem nem mesmo bagagem no trem...


Escrita por: Rosenrot9 e Hamal_

Notas do Autor


Gente, sei que o ritmo de postagem caiu, mas é porque simplesmente não dá pra manter o ritmo a 200 Km/h... entretanto estamos aqui, na luta hahahah

Todas as apresentações já foram feitas e a Fic entra finalmente nos seus dramas.. hmmm

Capítulo 29 - Não precisa passagem nem mesmo bagagem no trem...


Fanfic / Fanfiction O Pianista - Saint Seiya Fanfic - Não precisa passagem nem mesmo bagagem no trem...

Se a vida fosse um trem, embarcaria nele para curtir a viagem, não para chegar a um destino.

O pianista repetia essa frase sempre que lhe questionavam acerca de seus planos para o futuro. Em verdade, nunca se preocupara deveras com este, pois que acreditava que para alguém como ele as opções eram bem reduzidas. No entanto, tudo mudou no dia em que a voz do piano sussurrou a seus ouvidos que poderia desejar mais, sonhar mais; essa mesma voz, cantada pelos toques gentis e precisos de seus dedos, tempos depois invadiu os ouvidos de um promissor estudante de cinema, e este se viu encantado pela imagem do garoto a domar o instrumento com a delicadeza firme e precisão de um ourives.

A viagem então ganhara novo sentido para Shaka. As paisagens, nunca antes vistas nas janelas do trem, agora tinham forma, cor e uma voz doce e calorosa, cujo timbre grave lhe fazia ter o desejo treslouco de toca-la.

Se alguma magia ou milagre fossem capazes de tornar possível tal delírio, ele tinha certeza de que a voz de Mu teria a maciez de um felino adormecido.

Shaka sempre soube para onde o trem da vida o levaria; o destino é o mesmo para todos, mas se antes ele chegou a desejar que sua viagem fosse curta, já que em dezenove anos de percurso as janelas de seu vagão, a despeito do piano, nenhum deslumbre lhe mostraram, agora ele rogava para que fosse uma jornada longa, e que o trem avançasse bem devagar para que pudesse apreciar cada momento ao lado de Mu, até mesmo os que ele considerava assustadores, e que lhe causavam o mesmo frio na barriga de quando se imaginava vagueando na borda de um abismo.

Sim, ele as vezes tinha esse estranho devaneio.

Era nisso que o pianista pensava quando ouviu o Ford Mustang do estudante de cinema estacionar em frente ao portão. Estava nervoso. Os encontros com os pais de Mu sempre lhe causavam a sensação do abismo a centímetros de seus pés, mas ele bravamente escolhia enfrenta-los, partilhando da mesma coragem e otimismo que sentia emanarem de Mu.

Quem nunca ficava satisfeito com isso era Asmita.

Quando Shaka lhe anunciou que tocaria o piano em um sarau na casa dos pais do namorado, Asmita fechou os olhos e respirou fundo. Não aprovou, de modo algum, pois que os dois seguiam com a farsa de fingirem ser apenas amigos, mas ajudou Shaka a barbear-se depois do banho, o instruiu a se vestir de acordo com o que a ocasião pedia, passou as peças de roupa com primor e até lhe escovou os cabelos. O pianista, no entanto, achou de bom tom prende-los num coque baixo, discreto, porque sabia que Hakurei era um homem conservador e pouco aberto à apropriações de gênero, e cabelos longos para homens, na concepção dele, era uma abominação. Quanta bobagem!

Asmita respeitava suas escolhas bem a seu modo, reclamando. Assim, depois de discorrer por minutos a fio, explicando a Shaka porque jamais deveria mudar seu jeito de ser para agradar quem quer que fosse, ele ficou parado na porta vendo Mu descer do carro do lado do carona e sempre sorridente vir ao encontro do irmão no portão. O cumprimentou com um aceno breve e viu que havia outro homem no banco do piloto. Deveria ser o irmão do estudante de cinema. Não deu importância. Assim que o Mustang saiu, respirou fundo, esfregou o rosto e entrou, passando a chave na porta.

Do sofá, enquanto assistia à partida dos New York Yankees com o Los Angeles Angels pela Major League, Nilo fixou os olhos nele enquanto dava um gole na cerveja que tinha em uma das mãos.

— Pegue uma para você — disse ele levantado a latinha, se referindo à cerveja, pois era nítida a apreensão do filho — Venha ver o jogo comigo.

Meio a contra gosto, Asmita apanhou a cerveja na geladeira e veio sentar-se junto do pai no sofá, mas nem as ótimas performances dos arremessadores e batedores dos Yankees, tampouco o álcool da bebida, o ajudaram a relaxar.

— Por Deus, Asmita, quer parar de se mexer e bufar feito um touro? Eu quero ver o jogo! — reclamou Nilo, mais preocupado com a tensão do filho do que com a partida de fato — Não pode ficar assim toda vez que ele for se encontrar com os pais do Mu.

Asmita balançou os ombros e pigarreou, bebericando a cerveja

— Eu não consigo. Isso que eles estão fazendo não está certo, pai. Isso vai acabar mal, ouve o que estou te falando — jogou as costas no encosto do estofado e suspirou — Nenhuma mentira dura por muito tempo.

Nilo tomou o controle remoto e abaixou o volume da televisão. Aquele era sim, um assunto delicado.

— Acho que precisamos deixar que o Mu faça o que ele acha o melhor a se fazer — disse suave, pousando a mão no joelho do filho.

— O Mu? O Mu não tem ideia do que ele está fazendo — Asmita retrucou — Ele está tão assustado quanto eu... Vejo isso na cara dele — confessou.

— O Shaka confia nele. Os dois sabem o que estão fazendo. Se o Shaka aceitou isso, filho, é porque ele sabe o quão difícil é para um pai da minha geração entender certas coisas. E se é difícil entender, imagina só aceitar.

— Mentira, pai. Mentira!... Essa é sempre é a pior escolha — chacoalhou a cabeça com um gesto negativo e veemente — Por mais difícil que seja, a verdade sempre deve ser a primeira escolha. Depois, esse pai do Mu pode ser um burguês ridículo e rígido, mas ele é pai. O garoto está com tanto medo de dizer a ele que é gay e no fim vai ser a mentira que terá mais peso.

— Você está certo. A verdade sempre deve ser a primeira escolha, mas existem situações e “situações” — Nilo respirou fundo e também jogou as costas no encosto do estofado. Ficou um tempo olhando para a latinha de cerveja em suas mãos, calado, pensativo — Eu sei o que está pensando... Acha que Mu está subestimando o amor do pai dele.

Asmita virou o rosto para ele e o encarou com certo desdém. Talvez fosse mesmo isso que estivesse questionando.

Nilo fez o mesmo e fitou os olhos azuis de Asmita com seu olhar gentil e sereno.

— Sabe, um belo dia eu estava sentado bem aqui, nesse sofá. Os Yankees estavam fazendo sua melhor partida depois de meses de campanhas ruins, então o meu caçula passou devagar em frente à televisão, estendeu a mão para mim e eu o ajudei a se sentar. Ele sentou aí onde você está agora... Eu perguntei a ele se queria que eu lhe narrasse a partida, ele fez que sim, então comecei dizendo quais jogadores estavam em campo, mas de repente ele juntou as mãos, estalou os dedos e disse que tinha beijado um homem... na boca... Pior! Disse que um homem tinha beijado ele na boca. Na mesma hora o meu coração disparou e parecia que eu tinha engolido areia — ensaiou um riso tímido — Eu, claro, fiz a pergunta óbvia. Se tinha sido apenas um beijo ou o desgraçado o tinha forçado a algo mais, entende? Então ele disse que foi apenas um beijo, mas que ele desejou fervorosamente que tivesse mesmo acontecido algo mais, e essa resposta me deixou ainda mais sem reação do que se ele tivesse me dito o contrário.

Asmita olhava firme para ele. Conhecia bem aquela história, mas por uns instantes percebeu-se apreensivo.

— Certo... — deu de ombros — Haver um choque inicial é completamente normal, pai. Para mim também foi chocante, e levei um tempo para assimilar quando ele me disse, mas o senhor tirou de letra.

— Ai é que você se engana. Eu também precisei de um tempo — disse Nilo — Coloque-se no meu lugar, Asmita. Um dia o meu garotinho chega aqui e diz que gosta de garotos tanto quanto acha que gosta de garotas. Por Jesus Cristo, filho! O Shaka enfiou o meu coração e a minha cabeça num liquidificador e ligou na potência máxima! Por algum motivo egoísta, ou por pura ignorância, eu um dia cheguei a pensar que ele nunca nem teria uma vida amorosa, que esses... esses desejos da carne simplesmente não existiam em pessoas cegas... Afinal, que tipo de vida sexual e romântica teria alguém como o Shaka, filho?... Foi um choque para mim, saber que ele tinha tais desejos, e um choque maior ainda que esses incluíam atração por homens... Eu fiquei tão assustado e revoltado. Não com ele, mas com a vida, e no fim nem dei muita importância. Continuei narrando a partida e me convenci de que aquilo era passageiro. Haveria de ser apenas uma confusão de menino novo.

Depois de um breve instante olhando fixo para os olhos do pai, Asmita baixou a cabeça e com seus dedos brincava com a borda da lata de cerveja em suas mãos.

— O senhor nunca me falou disso — disse em tom baixo.

Nilo olhou para a tela da televisão muda.

— Há coisas das quais um pai não revela aos filhos, por amor. Eu sou um homem velho, Asmita... de outro tempo, com outras doutrinas, outros costumes... Por mais que desejemos acompanhar o tempo, este grava em nós suas marcas. Tenho tantas rugas em meu rosto quanto conceitos errados e ideias ultrapassadas. Algumas dessas ideias são bem mais difíceis de lidar para a gente da minha idade. O que seu irmão e o Mu estão fazendo com os pais dele é o mesmo que fizeram comigo. E eu agradeço muito por eles terem me dado esse tempo.

Súbito, Asmita virou-se para ele enérgico.

— Não mesmo! — bronqueou — O senhor já sabia que o Shaka era bissexual quando ele trouxe o Mu aqui e o apresentou como amigo. Daí para constatar o óbvio era só ser um bom observador.

— Filho, não foi diferente — insistiu Nilo com gravidade na voz cansada — Shaka disse que Mu era um amigo. Por que? Porque temia a minha reação, assim como Mu teme a do pai dele. Assim que olhei para eles dois eu tive certeza de que não eram apenas amigos. Shaka nunca esteve tão radiante, e o tal amigo olhava para ele com os olhos brilhantes e sorridentes. Ah! Pela virgem! Naquele dia a minha ficha finalmente caiu, como vocês dizem, e eu fiquei aterrorizado! Naquela noite também não consegui dormir, nem nas que se seguiram... Se já era assustador ter um filho deficiente, cego, sabendo que a vida e a sociedade podem machuca-lo de tantas formas, ainda mais assustador era ter um filho gay, porque o perigo então seria dobrado — fez uma pausa e engoliu em seco, visivelmente aflito — Esse medo me acompanha desde o dia em que ele se abriu comigo nesse sofá. É tão terrível, para mim, que sou pai dele, a dor do olhar das outras pessoas... Quando saio com ele, até o mercado, ou para caminhar na praça, o espanto no olhar das pessoas é como uma estigma.  O preconceito que ele já sofria por ser cego, a partir de então seria multiplicado pelo fato de amar outro homem... Mas, eu que nunca pensei que Shaka fosse conhecer alguém que o enxergasse além da deficiência, e que principalmente o amasse de verdade como ele é, só tenho a agradecer. Acima do medo e de qualquer preconceito, existe o meu desejo de que ele seja feliz, da maneira que escolher ser.

— Então, se eles escolherem viver essa relação a escondendo dos pais do Mu, o senhor será conivente? O senhor aceita que o seu filho viva uma merda de relação de mentira só para agradar o namorado dele, pai? — Asmita perguntou sério. Estava tenso com aquela conversa, sua respiração adquirira um tom áspero, ruidoso. A latinha em suas mãos estava quase toda amassada. Nunca o pai se abrira com ele daquela maneira, e muito do que ele dizia lhe era totalmente novo e surpreendente.

— Não digo conivente, mas empático — Nilo respondeu dando um gole na cerveja e fazendo uma careta, pois que esta já estava bem quente — Mu me parece ser um ótimo rapaz. Prometeu que não vai esconder a verdade da família por muito tempo e eu acredito nele. Se ele está agindo com cautela, é porque sabe bem o terreno onde está pisando. E para o Shaka, melhor ele viver essa paixão com outro homem do que não viver nenhuma, não acha? Mas não pense que foi fácil para mim também, Asmita... Semanas vendo aquele rapaz rico entrando na minha casa, comendo da nossa comida, assistindo televisão do meu lado... No fim, ele me convenceu de que, apesar da minha concepção de mundo achar estranho e errado, ele fazia muito bem para o meu menino. E é isso que importa.

Asmita olhava para ele circunspecto e calado. Em seu íntimo entendia perfeitamente o pai, já que ele mesmo demorou algum tempo para assimilar a sexualidade do irmão e aceita-la de bom grado. A novidade era que sempre acreditou que Nilo aceitara tal realidade sem grandes questionamentos, apenas porque era pai. Em seu entender, preconceito nenhum poderia ser maior do que o amor de um pai, e de uma mãe, por um filho. Família sempre viria em primeiro lugar em qualquer conflito.

A confissão de Nilo só colocou Asmita ainda mais tenso. Em silêncio pediu a Deus que o mesmo amor e compreensão fossem dados a Mu quando ele revelasse aos pais que era gay, quando lhes dissesse que Shaka não era apenas um amigo, mas o medo o consumia conforme os minutos se passavam. E como quem busca algum conforto para sua aflição, arrastou-se mais para o lado e passando o braço pelos ombros de Nilo o puxou para um abraço forte.

— Por que nunca me disse isso, pai? — perguntou quase encostando seu rosto ao dele.

Era seu modo bronco de dizer obrigado.

Nilo sorriu balançando os ombros.

— Nunca foi preciso que conversássemos sobre isso, não acha? — disse, e deu dois tapinhas gentis na mão de Asmita — Eu guardei comigo o que sentia e pensava, pelo bem do seu irmão, e quando essa história de namorado homem, gay, se tornou real, eu simplesmente deixei acontecer. Hoje eu só rezo à Virgem que proteja esses dois de todo o mal desse mundo, que não são poucos — suspirou longo e profundo — Eles são dois garotos apaixonados descobrindo o amor. Eu sinto, eu vejo, e você também senti, ou não estaria ai tão nervoso.

Asmita recolheu o braço e num gesto compulsivo passou as unhas no queixo.

— Nem todos os pais de homossexuais são como o senhor, né, senhor Nilo? — disse Asmita — Todo esse medo e cautela do Mu com a família dele significam problema. Quando os pais dele descobrirem...

— Eles já sabem, Asmita — Nilo o interrompeu, e na mesma hora ajeitou-se confortavelmente no sofá e aumentou o volume da televisão. Asmita olhou alarmado para ele — No fundo, a gente sempre sabe dessas coisas.

— Mas o senhor disse que ficou chocado quando Shaka te falou que gostava de garotos, que gostou de beijar um homem.

— Eu disse que o que me chocou foi ele revelar que sentia desejo... Naquele momento o cego era eu, que não queria enxergar o óbvio — Nilo ria de si mesmo — Todo pai sabe o filho que tem... Anda, vamos ver o jogo.

Eles trocaram um olhar longo e silencioso, então Asmita, balançando a cabeça num gesto negativo, se levantou.

— Eu não consigo — disse ele indo levar a latinha de cerveja até a pia da cozinha. Na volta parou em frente à televisão, de frente para Nilo — Certamente o cretino do pai do Mu não é como o senhor. E se for como disse, se é que ele já sabe e está dissimulando para ver até onde eles vão com essa mentira, então algo muito grave pode acontecer. Shaka está lá sozinho e...

— Asmita! Senta a bunda nesse sofá agora e assista essa droga de jogo comigo, por Deus! — Nilo o interrompeu enérgico, apontando para o lugar onde momentos antes ele estava sentado — Não está vendo que eu também estou preocupado e à beira de um ataque de nervos, filho? Estou tentando distrair a cabeça e você não está me ajudando, então por favor, senta aqui e tente se acalmar, ou vamos acabar os dois tendo um infarto.

Após ponderar por um instante, Asmita suspirou e acatou ao conselho do pai, que veio em tom de ordem, mas que ele tinha plena consciência de não ser uma. Toda aquela conversa o fez admirar Nilo ainda mais. Ele era um grande homem, e se lhe tivessem sido dadas mais oportunidades, certamente se tornaria ainda maior. Era digno, nobre, sábio; sua esperança e otimismo eram inabaláveis, e em seu coração não havia espaço para julgamentos ou preconceitos, ainda que os reconhecesse como parte de si mesmo, mas sabia aponta-los e doma-los sem receio ou dúvida.

Quiçá um dia se tornaria um homem tão nobre quanto ele.

 

Já em Manhattan, pouco antes das oito e trinta da noite, o Mustang preto de Mu entrava na Fifth Avenue, no nobre bairro de Carnegie Hill. Há poucas quadras dali ficava a luxuosa casa de Hakurei e Yuzuriha, onde, como de costume, todas as quintas-feiras acontecia uma reunião entre amigos do clube de polo, sócios e apreciadores de boa música. Todo simpatizante de uma agradável, e quase sempre parcial, conversa sobre política, arte e esportes da temporada, também era recebido pelos acolhedores anfitriões, que não mediam esforços para manter a tradição dos saraus domiciliares viva e forte; especialmente em uma cidade como Nova York, onde infindas opções de entretenimento eram oferecidas na rua.

— Estamos quase chegando.

A voz de Mu soou tensa e encontrou o coração de Shaka, sentado no banco de trás do carro em absoluto silêncio, no mesmo estado.

O pianista calculava mentalmente, durante todo o trajeto desde que deixaram o Bronx, cada frase ensaiada e postura que deveria manter assim que saltassem do automóvel e tudo tivesse início. Precisaria manter a calma e redobrar a atenção, tanto para não cometer nenhuma gafe, já que tinha verdadeiro pânico de ser o centro das atenções devido à alguma besteira que fizesse, quanto para não entregar a mentira.

Teria, sobretudo, que evitar tocar em Mu, gesto esse que já lhe ocorria tão naturalmente quanto respirar ou dedilhar a beirada de madeira da mesa da cozinha de sua casa imaginando ali as teclas de um piano rústico. Shaka tinha consciência de que seus toques eram recheados de malícia, e que qualquer vidente mais atento poderia lê-los como afeto desmedido ou um apreço além da conta pelo cineasta, e saber que haveriam mais pessoas no tal jantar em que a mãe de Mu o convidara pessoalmente, ainda que por uma ligação feita pelo celular, para tocar o piano, serviu apenas para lhe colocar ainda mais nervoso. De repente, pensou que não estaria tão inseguro caso tivesse alguns títulos para se escorar. Os benditos títulos! Se não lhe servissem de nada, ao menos serviriam a Hakurei, e lhe dariam uma sustentação, talvez, bem mais eficaz que sua bengala retrátil.

Quando Shaka repassava pela décima vez em sua cabeça que repertório deveria tocar para agradar a todos, em especial a mãe de Mu, e quais alimentos educadamente precisaria rejeitar por medo de não saber usar os talheres ou mesmo ter dificuldade com iguarias onde se deveriam separar o comestível do não comestível, ele sentiu o toque gentil de Mu em seu joelho.

— Ei... está tudo bem? — o estudante de cinema perguntou inclinando-se no vão entre os dois bancos da frente.

— Não — Shaka respondeu com um sorriso acanhado.

Do banco do motorista, Shion olhou pelo retrovisor, vendo o rosto de fisionomia nitidamente apreensiva do pianista.

Depois de meses maturando aquela nova realidade, o fato do irmão ser gay e estar apaixonado por um garoto cego da periferia deixou de ser o grande dilema que enredava aquela história. Claro que ainda preferia, e em seu íntimo até desejava, que aquela aventura homossexual não passasse disso, uma aventura, curiosidade tão somente, e que logo Mu voltasse a namorar garotas como fizera desde a adolescência, mas não podia contar com seus anseios, e diante da ligação cada vez mais forte do irmão com o pianista, não podia tapar o sol com a peneira mais. Mu levaria aquele namoro adiante, e Hakurei agora era um problema de fato.

— Eu sei que levar a mentira adiante é difícil, mas vamos dar um passo de cada vez. Já chegamos até aqui, né. Então tentem ficar calmos, ok? — disse Shion, ora olhando para Mu, ora para Shaka pelo retrovisor, mas sem perder a atenção na rua e na direção — Se ficarem nessa pilha, o pai vai desconfiar que tem algo errado... E, por favor, Mu, passando hoje, que não é mesmo o melhor dia para uma revelação dessa na família, vamos tentar abrir o jogo com o nosso pai. E não é bom ter essa conversa com o seu namorado junto.

Mu olhou para ele, meio acanhado, mas ciente de que ele estava certo.

— Eu sei. Vou fazer isso sim — disse o estudante de cinema, e novamente estendeu a mão ao pianista até tocar a dele e com gentileza entrelaçar seus dedos — Só estou esperando o momento certo.

— Você sabe que não existe momento certo para isso na nossa família, né Mu — disse Shion dobrando a esquina e já diminuindo a velocidade. Quando cruzou o portão que demarcava o perímetro da residência dos pais, fez um sinal ao porteiro que os avisasse de sua chegada — De qualquer maneira que você falar, sabe que vai haver discussão, acusação, briga... Ele vai querer te esfolar vivo. O segredo, então, é tentar ir com jeitinho.

Mu olhou para o irmão e em silêncio o repreendeu fazendo uma careta, pois que ao ouvir suas palavras Shaka respirou fundo no banco de trás encolhendo os ombros.

Talvez Asmita era quem sempre tivera razão. Não desafiar a vida talvez fosse a melhor opção.

— Que seja! — disse Mu, e sua voz despertou Shaka de seus devaneios — Não seria a minha primeira briga com o velho Hakurei!

Shion revirou os olhos e meneou a cabeça negativamente, mas não conseguiu segurar um riso fraco que escapou de sua garganta.

— Certo... se houver mesmo uma briga, estarei lá do seu lado — disse ele estacionando o carro em frente à luxuosa casa, cujas luzes externas do jardim compunham um belíssimo quadro — Bem, chegamos.

Mu e Shion trocaram um rápido olhar, como que selando um acordo, então o cineasta respirou fundo e desceu do carro pouco depois do irmão. Apressado abriu a porta traseira, e Shaka já se arrastava no banco para descer quando sentiu ele pousar a mão em seu ombro. Parou, instintivamente. O calor do hálito de Mu logo tocou seu rosto o pondo atento.

— Que está fazendo? — Shaka sussurrou a pergunta.

— Vou roubar um beijo aqui, porque vai ser uma tortura ficar perto de você sem poder beijar sua boca por horas — Mu sussurrou de volta, com metade do corpo dentro do veículo, e cumprindo o que dissera roubou um beijo ligeiro do pianista, até escutar Shion pigarreando do lado de fora. Rapidamente separou-se dele para ajudá-lo a saltar do carro.

Os três seguiram juntos em direção à porta de entrada. Shaka andava sozinho com a ajuda da bengala e da orientação de Mu, que o acompanhava no seu ritmo lento e cuidadoso, e antes mesmo de tocarem a campainha a porta se abriu. Yuzuriha Bharani viera recepciona-los pessoalmente, com sua gentileza fidalga e sorriso acolhedor. Estava belíssima em um longo vestido de seda verde oliva com mangas de sino.

— Ah! Até que enfim chegaram! — ela festejou puxando Shion para um abraço, lhe beijando as bochechas naturalmente coradas e deixando uma marca de batom carmim em uma delas — Já estão todos aqui... Mu!

Enquanto o estudante de cinema desculpava-se pelo breve atraso, ela o abraçou forte, enchendo-lhe o rosto de beijos. O champanhe já fazia efeito.

— Você está tão lindo, meu amor — disse afundando o nariz na curva do pescoço dele, aspirando nostálgica seu perfume. Depois afastou-se apenas para poder olhar a maneira como estava vestido. Deu um suspiro de alívio quando percebeu que ele trocara a habitual afronta pelo bom senso e vestira-se de modo a não provocar o pai, com calça e camisa básica, um colete discreto e cabelos presos, sem nada daqueles adereços esdrúxulos que ele costumava usar e que chamavam ainda mais atenção para os fios tingidos de lilás — Estou tão feliz que tenha vindo... Já fazia tanto tempo que não vinha aos nossos saraus.

— Sabe o que eu penso desses encontros, mãe — Mu respondeu segurando na mão dela — Um bando de gente esnobe com tempo de sobra que acha que entende de arte e política apenas porque têm dinheiro, ou seja... um grande pé no meu saco. Ah! E a senhora também está linda! — beijou-lhe as bochechas demarcadas por ruge em tom coral.

Yuzuriha sorriu reprovando o que ele dissera com um balançar de cabeça. Essa fora sua única reação. Conhecia bem o filho para decidir não desperdiçar energia e tempo tentando convencê-lo a pensar conforme seu modo, então com dois tapinhas no ombro dele afastou-se e foi até Shaka. De frente para ele, mais uma vez ela se surpreendeu com sua aparência elegante, embora não trajasse nada muito sofisticado, e igualmente da primeira vez, no clube de polo, repreendeu a si mesma em pensamento. Certamente era a origem humilde somada à deficiência que fazia germinar nela tal conceito dicotômico, mas tão rápido o pensamento vinha quanto rápido se desfazia.

— Você ouviu isso, pianista? — disse ela calmamente olhando para ele, que mantinha os olhos fechados e o rosto ligeiramente voltado para baixo — Sua missão esta noite é provar para esse cabeça dura do meu filho que ele está errado.

— Mãe! — Mu chamou a atenção dela, levemente encabulado.

Yuzuriha riu da reação dele, enquanto se colocava ao lado de Shaka e com a docilidade de uma fada lhe tocava o braço.

— Me alegra que tenha aceitado o convite para tocar no sarau desta noite, Shaka — ela disse, e o pianista acompanhou o som de sua voz sorridente lhe voltando o rosto — E pode aproveitar a ocasião para mostrar ao Mu que para entender e apreciar a arte, basta deixa-la entrar e fazer parte da nossa vida.

— Eu tenho certeza de que ele sabe disso, senhora Yuzuriha — disse Shaka com surpreendente serenidade, ainda que angustiava-lhe a insegurança de não saber exatamente como portar-se diante dela — Só está sendo turrão.

— Ah! Isso sem dúvida que está! — ela riu, e com ela o pianista e os dois filhos.

Shion trocou um rápido olhar com Mu e então adentrou a residência. Os cumprimentos iniciais tinham, enfim, sido bem sucedidos, e ele podia deixar o perímetro, que já estava seguro.

— Venha, pegue meu braço, Shaka, vamos entrar — ela disse solícita e animada cedendo o braço a ele, e nessa hora, enquanto os observa calado, o coração de Mu encheu-se primeiro de uma preocupação instintiva sobre a mãe saber guiar corretamente o namorado, mas que logo desapareceu, transformando-se em esperança e alegria — Não se assuste com as vozes alteradas, ou os tons jocosos e agressivos. Temos alguns amigos italianos aqui hoje. Um deles é tenor, sabia?

— É mesmo! — exclamou o pianista verdadeiramente admirado, porém ainda mais ansioso. Tocaria para uma plateia seleta. Felizmente o trabalho no restaurante lhe daria algum respaldo e talvez nem ficasse tão nervoso quanto imaginou que ficaria.

— Sim — ela disse enquanto o guiava com maestria para dentro da casa. Mu ia ao lado deles estalando os dedos, procurando controlar o nervosismo, mas feliz com a receptividade da mãe com Shaka — Os outros são homens de negócios. Só vieram para discutir compras, vendas, acordos... Uma chatice! Por sorte, as esposas, e algumas amantes, são melhores companhias — cochichou — Já cansei de falar para Hakurei não trazer o trabalho dele para os meus saraus, mas aquele lá só pensa nisso — suspirou.

O percurso até a imensa sala onde os convidados se reuniam era razoavelmente longo. Nele, enquanto era guiado pela gentil e falante anfitriã, o pequeno e restrito mundo do pianista, de sons, cheiros, volumes e texturas, ganhava novas impressões. Ele percebeu que pouco depois de ouvir a porta ser fechada eles deram algumas dezenas de passos por um assoalho liso, o qual, sob as solas de seus sapatos, lhe pareceu um pouco escorregadio. Talvez fosse mármore. Aquele pedaço da casa tinha um cheiro agradável de flores e um tom adocicado que lhe lembrava baunilha. Mais alguns passos e o assoalho então mudou para uma textura macia, abafando o toc toc estridente dos passos. Carpete, talvez. Agora sentia um cheiro delicioso de comida, e junto dele vieram também as primeiras vozes, fortes e em volume altíssimo, como Yuzuriha havia alertado. O sotaque confirmou a presença dos italianos; era parecido com os que ouvia no Bronx, lar de tantas línguas e sotaques diferentes, e entre as várias vozes que ouvia, uma ele reconheceu de pronto.

Foi impossível controlar o nervosismo.

— Hakurei!

A voz sorridente de Yuzuriha entrou em volume alto nos ouvidos do pianista. Instintivamente, ele entreabriu os lábios e puxou o ar com força para dentro do peito, tenso. Sabia que já haviam chegado no espaço em que se dava a reunião, porque além de pararem de andar, um zum zum de vozes em diversos volumes, desde risadas estridentes à cochichos mais modestos, somado ao tilintar de taças e o farfalhar de roupas, o atingiu feito uma onda invisível, causando-lhe uma leve vertigem. Ou teria sido essa provocada pela sensação de estar novamente frente ao pai de Mu?

De repente, sentiu a anfitriã tocar-lhe gentilmente a mão e em seguida afastar-se. Ficou a sós por alguns instantes naquele espaço desconhecido, tendo a certeza somente de que muitos olhos o observavam curiosos, incomodados talvez. Segurou firme a bengala com ambas as mãos, a trazendo próximo ao peito, mas logo sentiu o calor de Mu ao seu lado.

— Eu estou aqui — disse o estudante de cinema ao se colocar do lado dele estabelecendo uma distância segura. Acompanhava a mãe com os olhos, que ia ao encontro do chefe da casa.

— Eu sei — Shaka sorriu discretamente.

— Minha mãe foi chamar o meu pai. Essa merda de casa é cheia de móveis e entulhos inúteis no caminho, é mais seguro esperarmos aqui — observou Mu — Ela está muito feliz com sua presença. Os olhos dela sorriem.

— E o seu pai? — o pianista quis saber.

Mu ergueu as sobrancelhas ralas e olhou na direção em que estavam os pais. Yuzuriha fazia sinal ao garçom que lhe trouxesse um champanhe, e Hakurei a ouvia dizer qualquer coisa enquanto olhava diretamente para si sem esboçar qualquer reação. Acenou e recebeu de volta um menear de cabeça apenas.

— O meu pai claramente preferia que eu estivesse lá, na roda de executivos que ficam lambendo as bolas dele — murmurou enquanto via Shion cumprimentar cada homem bem vestido e bem nutrido que rodeavam Hakurei com seus copos de Bourbon bem firmes nas mãos.

Shaka suspirou.

— Estão vindo para cá.

A voz de Mu foi sussurrada, e tinha tom de alerta. Shaka deixou uma das mãos livre para um cumprimento ocasional e os aguardou chegar, tenso como as cordas de um violino.

Se a vida fosse um trem, embarcaria nele para curtir a viagem, mas se pudesse escolher o itinerário certamente evitaria os cenários áridos, os abismos, as grandes altitudes devido à pressão nos ouvidos... Se pudesse evitar as paisagens caóticas, sua viagem seguiria tranquila até o destino final, mas aos cinco anos de idade seu trem o levou para o terreno mais devastador de todos. Agora, ver os pais de Mu se aproximando pela janela de seu vagão era apenas mais uma turbulência que ele tinha certeza que tiraria de letra.

Os cumprimentos se deram regados à formalidades. Hakurei e Mu se abraçaram sem muito calor e trocaram meia dúzia de palavras, enquanto Yuzuriha entregava uma taça de champanhe a Shaka, que embora soubesse ter de evitar o álcool aceitou de bom grado. O anfitrião, cheio de cerimoniais, se disse satisfeito com a presença do pianista ali; reforçou o convite para que ele tocasse o piano para seus convidados, mas não se demorou na sua presença, logo indo se reunir com um grupo seleto de polistas que mais à frente conversava sobre o andamento do campeonato de polo daquela temporada. Yuzuriha o acompanhou por um momento, mas depois foi tratar de ver a quantas andava a preparação do jantar.

Sozinhos novamente, Mu guiou Shaka até um dos sofás e ambos se sentaram lado a lado. Logo que o pianista dobrou e pousou a bengala retrátil no colo, um garçom lhes veio servir alguns canapés e champanhe. Shaka sabiamente rejeitou uma segunda taça, preferindo chá gelado, embora soubesse que o álcool poderia ajudá-lo a relaxar, porém não arriscaria cometer qualquer gafe naquela noite. A falta de visão já lhe era risco o suficiente, não necessitava também das vertigens causadas pelo álcool.

Se tudo desse certo, como tinha fé que daria, aquela noite seria perfeita. Provaria a Hakurei que tinha algum valor, mesmo sem ter títulos que o legitimasse, e que Mu não estaria embarcando em uma canoa tão furada assim quando toda a verdade viesse à toda.

Mais tarde, depois de trocar um dedo de prosa com os convidados que conhecia e tinha alguma intimidade, Shion veio sentar-se com eles. O engajamento dos três ficou visível aos olhos atentos de Hakurei, que mesmo à distância monitorava discretamente, com sua habitual expressão impassível, o filho caçula e o pianista, percebendo também um cuidado, diria até que excepcional, do mais velho para com ambos, o qual considerou um ponto fora da curva digno de nota.

Quando faltava uma meia hora para ser servido o jantar e todos os convidados já estavam engajados em suas conversas acerca de política e arte, Yuzuriha caminhou até o centro da sala e chamou a atenção de todos dando batidinhas leves em sua taça de champanhe.

— Meus queridos... atenção! Um minuto da atenção de vocês — disse sorridente, e quando tinha os olhos de todos voltados para si continuou: — O jantar logo será servido, e como de costume teremos uma bela peça ao piano para abrir o apetite. Mas, hoje essa modesta pianista amadora que voz fala irá ceder sua banqueta a um convidado especial. O amigo do meu filho tocará para nós — piscou o olho para Mu, e estendendo o braço à frente apontou para eles no sofá — Shaka, venha, querido. Mu, conduza ele até o piano.

Com o respaldo da mãe, o estudante de cinema sentiu-se totalmente seguro em levantar-se e pegar na mão do pianista sem qualquer cerimônia para guia-la até seu braço, lhe sussurrando próximo ao ouvido para que deixasse a bengala retrátil no sofá. Sentiu a mão dele tão fria quanto a sua.

Era claro que estavam nervosos, dada a situação, embora o coração de Mu experimentasse uma alegria esfuziante. Orgulhava-se de Shaka, de seu dom, de sua paixão pelo piano, e vê-lo brilhar lhe causava um arrebatamento semelhante a satisfação pessoal.

Shion os acompanhou até o ponto em que estava Yuzuriha, então os deixou seguir sozinhos e parou ali, passando um dos braços pelos ombros esteiros dela. Estava ele também ansioso para ouvir Shaka tocar.

Hakurei foi se sentar em uma das poltronas ao lado da lareira apagada. Acendeu um charuto para acompanhar o Bourbon e o desconforto que lhe causava ver Mu conduzir, com demasiada intimidade, aquele garoto cego pela sala de sua casa, na frente de seus convidados. Estes já se aglomeravam em torno do piano de cauda, segurando suas taças nas mãos enquanto seus olhos atentos analisavam cada gesto do pianista como se estivessem em um zoológico e ele fosse a atração principal.

As pessoas sempre batem palmas pelas coisas erradas, já dizia Salinger, e para elas, pouco importava se aquele garoto era ou não um exímio pianista. Ele era cego. A piedade e benevolência os fariam aplaudi-lo de qualquer maneira.

Quando Shaka tateou a banqueta para se sentar, Mu então separou-se dele. Precisou lutar ferrenhamente contra o desejo voraz de beijar-lhe os lábios rosados e ficar ali, bem ao seu lado, de pé debruçado na tampa do piano como muitas vezes fazia na Grand Central, enquanto o ficava vendo tocar, sempre encantado. Relutante, foi juntar-se a Shion e Yuzuriha junto dos outros convidados. Seu coração em festa como nenhum outro naquela sala estava.

Sozinho ali, pois que na presença do piano ele era transportado para um mundo particular, onde ambos coexistiam em perfeita sincronia, de olhos fechados o pianista, com toda sua delicadeza, deslizou os dedos pelas teclas quase sem tocá-las, em absoluto silêncio. Ele buscava conectar sua alma à do instrumento, esperando o momento certo de colocá-lo para cantar, e enquanto aguardava os batimentos de seu coração agitado adquirirem um compasso mais brando, ele mais uma vez repassava em sua cabeça as centenas de repertórios diferentes que pensou em apresentar naquela noite para a mãe de Mu.

Nenhum deles, no entanto, lhe soaram apropriados.

As pessoas, em expectativa muda, mal piscavam. Vidradas em cada gesto do jovem músico; algumas ansiosas, outras descrentes.

Então, eis que Shaka finalmente decidiu-se pelo repertório.

E como seu confidente e sempre leal amigo, o piano cedeu sua voz para que ele, através dela, pudesse dizer a todos quem era, e do que era capaz.

Shaka estava pronto para curtir a viagem, ainda que o trem, naquele instante, estivesse passando por um dos caminhas mais vertiginosos desde que sua jornada tivera início.

Com força e determinação admiráveis, o pianista escorregou seus dedos pelas teclas arrancando delas os primeiros acordes, e o encanto fora imediato.

A cada nota tocada, bocas se entreabriam e pálpebras ficavam estáticas, pois que os olhos não queriam perder um só segundo daquelas mãos que majestosas tiravam do piano arranjos extraordinários nunca antes ouvidos. Era uma mistura erudita, e de extremo bom gosto, de períodos rápidos e lentos em perfeita harmonia. Eles esforçavam-se para reconhece-los, puxavam pela memória, mas sequer chegavam perto.

E a canção tinha tanta alma e força que seus corações batiam frenéticos e os pelos do corpo se eriçavam.

As taças de champanhe foram esquecidas nas mãos que apertavam o cristal.

E a piedade transfigurava-se em encantamento na mesma velocidade incrível das mãos do pianista.

No piano Shaka se tornava um gigante, pois que, assim como suas mãos lhes mostravam as formas do mundo fazendo as vezes dos olhos, a música lhe traduzia a alma. Era através dela que ele se desnudava e mostrava quem realmente era.

No piano Shaka não era apenas um garoto cego.

Ele era o pianista.

Junto da pequena e seleta plateia muda, Mu olhou para o lado e percebeu os olhos da mãe úmidos de lágrimas. Delicadamente, ele pegou na mão dela e a trouxe até seu rosto, beijando seus dedos finos de unhas esmaltadas em rosa antigo.

Eles trocaram um breve olhar, e ela lhe sorriu enquanto uma lágrima deslizava por seu rosto maquiado.

— Oh, meu amado Mu! Eu daria minha alma para tocar tão bem assim — Yuzuriha sussurrou encostando a cabeça no ombro dele.

Mu sentiu uma satisfação e orgulho esfuziantes. Não lhe disse nada em resposta. Como todos naquela sala, ele também estava arrebatado pela canção e o talento do pianista para conseguir articular qualquer palavra naquele momento. Seus olhos atentos e brilhantes de paixão não se desprendiam de Shaka e de sua figura majestosa ao piano.

Mas nem todos que estavam ali naquela noite foram cativados pela fusão perfeita entre músico e instrumento, a qual produzia aquela composição de tirar o fôlego. Hakurei não podia negar que Shaka, de fato, era um músico talentoso, talvez até um talento nato, desses que só surgem de tempos em tempos apenas, mas não era para ele que olhava.

Durante todo o momento em que ele tocou o piano, os olhos do dono da casa analisaram minuciosamente cada expressão do filho caçula, cada sorriso e gesto.

E ele não gostou nada do que viu.

Quando julgou que já havia visto o suficiente, Hakurei se levantou da poltrona, secou o Bourbon em seu copo com um último gole, apagou o charuto no cinzeiro e foi juntar-se a Yuzuriha e os filhos. Perto deles, trocou um olhar rápido com Mu, e foi o primeiro a puxar as palmas quando o pianista encerrou sua apresentação descansando ambas as mãos sobre as pernas debaixo do piano.

— Bravo!

Mu olhou para o lado, surpreso.

Shion teve a mesma reação, e quando todos já batiam palmas e ovacionavam Shaka por sua extraordinária performance, os dois irmãos fizeram o mesmo.

Shion desconfiado.

Mu com um sorriso largo e esfuziante, pois que, com aquela reação do pai, cintilava em sua alma uma nova faísca de esperança.


Notas Finais


Acho que a mensagem mais importante desse cap, é que: Seu Nilo não é perfeito, ele também tem seus preconceitos, só que a maneira como ele lida com eles é que é diferente... OHHH MU E SHAKA ESTÃO MENTINDO PARA O PAI DO MU...sim..e mentiram também no começo para o Seu Nilo. Então nada de julgar o Mu quando o Shaka fez o mesmo... logico que com gravidade e intensidade diferentes....

Mu sabe o pai que tem...e o Hakurei? Ahhhhh o Hakurei.... cenas dos próximos capítulos.


Tumblr da Rosenrot com suas artes:
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Nosso grupo no face " Fics trio ternura" com informação extra, curiosidades e muito mais :
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Grupo do Mushakismo, espaço reservado apenas para Mu x Shaka:
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