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História O Pianista - Saint Seiya Fanfic - "Gran Finale"


Escrita por: Rosenrot9 e Hamal_

Notas do Autor


Pessoal, todos sabemos que estamos passando por uma situação muito difícil em meio a uma pandemia viral.

Por conta disso eu (Hamal) e também a Rosenrot estamos muito ocupadas cuidando de nossas famílias e de todos os pormenores necessários em meio a uma crise dessa magnitude.

Infelizmente não nos sobra tempo para escrever, mas conseguimos pelo menos betar esse cap que já estava no forno... quanto as demais fics, atualizações... bem... quando der deu, infelizmente nossa frequência agora foi para os ares pois escrever se tornou luxo.

Não paramos, não estamos em hiatus..só não sabemos quando vamos conseguir escrever XD

Agradeço a compreensão de todos.

beijos.. e segurem seus forninhos que esse cap é o ápice dessa parte um da fic, finalmente chegamos onde a fic deixa de ser um romance e entra no que ela realmente é: drama.

Capítulo 30 - "Gran Finale"


Fanfic / Fanfiction O Pianista - Saint Seiya Fanfic - "Gran Finale"

— Bravo! Bravo!

Todas as vozes em uníssono agora acompanhavam a de Hakurei Bharani.

Os aplausos ecoaram em troantes estalos pelas paredes da sala luxuosa e se estenderam por quase um minuto inteiro; no final deles, ainda encantada, com as duas mãos coladas no rosto a apertarem as bochechas coradas por blush, Yuzuriha iniciou um lento caminhar até o piano.

Os olhos atentos de Mu a viram parar ao lado da banqueta do pianista e estender o braço até seus dedos tocarem o ombro dele delicadamente. Shaka respondeu ao toque de imediato, virando o rosto na direção dela.

— Me Deus, menino, você é um esplendor! — Os olhos marejados dela estavam radiantes de uma emoção saudosa, que há tempos não sentia.

— Obrigado — o pianista respondeu em voz baixa, com um sorriso tímido — A senhora com toda certeza também é.

— Sem falsa modéstia, até que sou uma boa pianista, mas você... você é brilhante, Shaka! — ela disse, igualmente admirada com os olhos dele, que agora abertos palpitavam de vida. Era lastimável, e deveras incompreensível, aceitar que o encanto destes não tinha nenhuma serventia além de embelezar o rosto.

A comunicação muda entre os dois se deu apenas por aquele breve momento, em que ela o observava e ele sentia-se observado, logo esta foi quebrada quando Shion, acompanhado de Mu, aproximou-se efusivo do piano e abraçou a cintura delgada da mãe, a resgatando de seus devaneios íntimos.

— Puxa! Eu espero que o piano já tenha feito 18! — brincou o executivo, deixando Shaka confuso e arrancando um riso baixo de Mu e Yuzuriha, que haviam entendido claramente à alusão proposta — Ele vai querer um cigarro depois disso, heim.

O estudante de cinema deu um leve cutucão no irmão, seguido de uma sonora risada.

— Viu só, mãe! Agora concorda que não exagerei quando disse que ele era um pianista incrível? — disse Mu envaidecido.

— Sim, não tenho como discordar, meu querido — Yuzuriha sorriu para o caçula, depois voltou-se novamente para o pianista na banqueta — E que peça é essa que tocou, Shaka? Eu nunca a ouvi, ou não me recordo exatamente — perguntou curiosíssima, e todos que estavam ali por perto aproximaram-se mais, sedentos pela mesma resposta.

Shaka sorriu tímido. As maçãs de seu rosto já levemente coradas.

— É uma composição minha, senhora Yuzuriha. Por isso nunca a ouviu — disse ele com surpreendente naturalidade.

A socialite arregalou os olhos e na mesma hora endireitou a postura.

Ao lado dela, Mu sorriu orgulhoso e admirado. Já ouvira antes Shaka tocar aquela peça; tinha, inclusive, debatido com ele acerca da harmonia, de alguns acordes e arranjos, mas nunca imaginou que ele fosse termina-la a tempo de apresentar no sarau de seus pais. Estava radiante por ele.

O súbito silêncio, seguido instantes depois de um buchicho generalizado, fez Shaka, mesmo sem enxergar coisa alguma, saber que havia chocado a todos.

Seu peito então encheu-se de orgulho e esperança.

Yuzuriha então virou-se eufórica para os amigos e convidados.

— Senhoras e senhores, ouviram isso? — disse ela em voz alta, depois olhou sorridente diretamente para Hakurei, que tinha uma expressão vazia no rosto fechado — Acho que estamos diante de um novo Chopin, Liszt ou Einaudi!

Hakurei desdenhou discretamente, levantando as sobrancelhas ralas e metendo as mãos nos bolsos da calça de alfaiataria; diferente dos presentes, que prontamente concordaram com ela, fosse dando acenos entusiásticos de cabeça ou mesmo citando outros compositores renomados, cada um fazendo sua íntima analogia.

— Mãe! — Mu aproximou-se dela prevendo que o pianista pudesse ficar bem acanhado ou desconfortável com tamanha exposição, já que era extremamente tímido — Ele não precisa ser o novo Chopin ou o novo Liszt. Ele pode muito bem ser o primeiro Shaka! — disse em tom descontraído.

Yuzuriha sorriu concordando, e logo depois todos fizeram questão de parabenizar o pianista um a um, ainda que sem jeito por não saberem exatamente como se comportar diante de uma pessoa cega. Sendo assim, tocavam-lhe suavemente os ombros, os braços, falavam muito mais perto de seu rosto do que deveriam, ou de fato necessitavam, lhe faziam perguntas nada pertinentes e até de mau gosto, como acerca de sua deficiência, como se dera, quando, se voltaria a enxergar um dia, onde morava, em que conservatório de música estudava, se já tinha tocado fora do país...

Diante da situação, Mu sabia que precisava fazer algo para arrancar o namorado da jaula dos leões, então pediu à mãe que servisse logo o jantar.

Seu pedido fora atendido de pronto para alívio imediato de Shaka, que já sentia-se desorientado com tantas perguntas e a agitação em torno de si. Logo ele percebeu Mu ali oferecendo-se para toma-lo pelo braço e conduzi-lo até a mesa de jantar e sem demora agarrou-se a ele.

Mu evitou conversas efusivas demais durante o percurso, pois que Hakurei, feito uma sombra opressora, vinha logo atrás com sua habitual fisionomia dura.

Na mesa, a ceia transcorreu sem grandes contratempos. O pianista fora o assunto principal das conversas, paralelas ou não, durante mais da metade do tempo, já que agora, longe do piano, ele voltava a ser o garoto cego que despertava a piedade e curiosidade das pessoas de visão normal. Com discrição, estas olhavam para ele para ver como manejava os talheres, ou como escolhia o que levaria à boca, e quando se deram conta de que ele lidava com a deficiência tão bem quanto fazia o piano cantar perderam o interesse. Logo a política voltou a dominar os assuntos principais falados à mesa.

Pouco mais de uma hora havia se passado. Os convidados, junto dos anfitriões, agora se reuniam na sala para uma rodada de licor de mirtilos. Alguns já se preparavam para ir embora quando Shaka e Mu voltaram ao piano e sentados lado a lado na banqueta faziam um dueto divertido, sem toda aquela sobriedade de antes, mas como muitas vezes faziam na estação de metrô quando tocavam para a massa apressada de anônimos que desaceleravam, por meros minutos que fossem, para ouvi-los.

Depois de se despedir de um dos casais de amigos que ali estavam, Yuzuriha caminhou até eles, e com uma nova taça de champanhe na mão a lhe fazer companhia debruçou-se levemente na tampa do instrumento para observa-los, com olhos de puro encantamento, executar trechos perfeitos de Beethoven, Chopin, Mozart...

Ela ficou assim por um vasto momento, até que, não conseguindo driblar a curiosidade, perguntou:

— Me perdoe a indiscrição, Shaka, mas é surpreendente que alguém criado no Bronx possua tão apurado repertório clássico. É sabido que lá impera a música negra... Onde o conseguiu?

O estudante de cinema ficou com as mãos congeladas no ar, então apertou os lábios e inspirou profundamente. O tom usado pela mãe era esnobe, recheado de preconceito, e além de embaraçado ele temeu a reação de Shaka.

Contudo o pianista seguiu tocando, e sorrindo acelerou o tempo de Moonlight Sonata para chegar ao ponto que queria.

— Mãe! Não acho que essa seja uma pergunta pertinente, não? — disse Mu em voz baixa divisando sério os olhos dela.

— Toda pergunta, se feita com honestidade, é pertinente, Mu — disse Shaka levantando ligeiramente o rosto, sem deixar de tocar — Senhora Yuzuriha, como a senhora mesmo disse, o Bronx respira à música negra, o Black, o Soul, o Hip Hop... estilos de uma beleza e singularidade ímpares... O Bronx é um bairro muito musical, e eu tenho orgulho de fazer parte dele, por isso, o meu repertório vai muito além do clássico, que conheci através da minha professora de piano e depois expandi graças à Internet — sorriu descontraído, então lentamente alguns acordes de Moonlight Sonata começaram a ganhar arranjos diferentes, chamando a atenção de todos na sala — Para alguém que nasceu e cresceu no Bronx, creio que esperava algo como... isto, talvez?

O clássico de Beethoven então, pouco a pouco, fundia-se aos acordes e arranjos de uma famosa composição pós-moderna de autoria do lendário rapper Dr. Dre, chamando a atenção de todos que restavam na sala e que, admirados com a ousadia do pianista, aplaudiam efusivos e sorridentes, já altos pelo champanhe e empolgados pelas conversas. Still fora a canção de Dre escolhida por Shaka, que jamais imaginou que um dia o gosto musical de Asmita lhe viesse a ser tão útil.

Ao lado dele na banqueta, Mu ria empolgado, tanto envaidecido pela audácia do namorado quanto pelo modo como o via conquistar a todos com seu talento e carisma. Nem quando viu um dos convidados levantar-se, visivelmente irritado, do sofá e ir despedir-se de Hakurei, que também parecia não estar gostando nada daquela apresentação, ele intimidou-se. Longe disso.

— Já sei! Vamos fazer um sarau do gueto! — Mu disse animado, e juntando-se a Shaka agora eles faziam um Mashup de diversas canções, juntando o Hip Hop ao Rap e o Soul, que na voz magnifica do piano mesclavam-se ao clássico e ganhavam ares de espetáculo.

Yuzuriha, ainda que admirada e bastante empolgada, reconhecia as notas, porém não os arranjos, os considerando deveras estranhos, destoantes, as vezes até agressivos. Mas nada disso a impediu de reconhecer a beleza com que eram executados, e ver Mu ali, visivelmente radiante de alegria, tão à vontade enquanto dedilhava o instrumento, a encheu de entusiasmo e felicidade.

— Você daria um excelente pianista também, filho — disse ela passando o braço pelos ombros fortes do estudante de cinema — Não pensou em voltar a tomar aulas?

— O meu negócio é o cinema, mãe. A minha arte respira através dele — disse Mu, sem deixar de tocar e também sem tirar os olhos do pai e do convidado incomodado, que parecia lhe encarar de longe com reprovação — E quem está precisando de uma aula aqui não sou eu... Uma aula sobre classes, música, sociologia e preconceito... — fez um sinal com a cabeça indicando à mãe sobre a quem estava se referindo.

Yuzuriha olhou discretamente e logo voltou-se para ele.

— Mu... não exagere, está bem? Para algumas pessoas o clássico, o erudito, são intocáveis, apenas isso — disse-lhe ela, numa fracassada tentativa de repreende-lo — Não estrague essa noite perfeita com seus discursos políticos, pode ser?

— Ah, então todo mundo pode falar sobre arte e política nos saraus de vocês, menos eu? — ele disse e nesse momento parou de tocar.

Shaka fez o mesmo, pondo-se um pouco tenso com o rumo que a conversa ganhava.

— Não é isso, filho, é que sua visão é meio destoante da de todos aqui — ela disse baixinho.

— Talvez seja porque eu veja um pouco além do meu próprio umbigo, não é? — ele replicou, mas logo em seguida respirou fundo e olhando no rosto alarmado dela lhe tomou a mão delicada e beijou seus dedos — Me desculpe, mãe... O meu problema não é, nem nunca foi, com a senhora. Estou feliz hoje e não quero estragar isso provocando nenhum tipo de mal estar.

— Eu acho ótimo! — Yuzuriha olhou firme para ele. Falava bem sério. Pouco depois ela sorriu e afastou-se para ir se despedir de outros convidados que se preparavam para ir embora.

No piano, agora mudo, Shaka respirou fundo.

— Você fez bem. Não discuta com sua mãe. Ela é uma boa pessoa, eu sinto que é — disse em voz baixa.

— E como sempre você sente certo... Apenas falta a ela um pouco de iniciativa, ou sei lá — ele deu de ombros, cético, em seguida suspirou — Talvez eu esteja exigindo demais de uma socialite criada em berço de ouro, submissa ao marido e vítima do patriarcado.

Mu riu de si mesmo ao dizer isso, pensando que suas colegas feministas da faculdade sentiriam orgulho ao ouvi-lo.

Shaka também riu, discretamente.

— Há coisas e pessoas que não conseguimos mudar, simplesmente porque não cabe a nós muda-las, mas podemos lhes mostrar o caminho para alcançar a própria evolução... Eu tenho certeza de que depois de hoje a sua mãe vai repensar alguns conceitos que tem sobre o Bronx, sobre o clássico e o pós-moderno, e quem sabe até sobre a arte do subúrbio, que é tão valorosa quanto qualquer outra — disse o pianista.

Mu olhou para ele, para seu rosto tão jovem e belo, e sentiu uma imensa vontade de abraça-lo, beija-lo com todo orgulho e paixão que lhe cabiam, e então toma-lo pela mão e junto dele ir até os pais dizer-lhes o quanto o amava, mas engoliu esse desejo como quem engole um comprimido amargo.

— Mu? — Shaka o chamou estranhando seu silêncio.

— Oi — respondeu o cineasta, que tinha ainda os olhos fixos no rosto do pianista.

— Está tudo bem?

— Está sim — Mu sorriu com leve pesar — Me lembrei de uma composição que minha mãe tocava para mim quando eu era criança e estava aprendendo tocar piano. Será que você conhece?

— Vamos ver, toque que eu te acompanho se conhecer... e se não conhecer também — Shaka brincou. Não importava se algum dos dois desconhecia determinada composição, eles adoravam fazer novos arranjos para fazer valer o dueto.

Enquanto seguiam tocando, os últimos convidados deixaram a casa e só restou a família na sala. Yuzuriha distraia-se com Shion o vendo conversar pelo smartphone com uma garota por uma chamada de vídeo. Seria uma possível pretendente dentre tantas que já conhecera? Torcia para que sim. Já havia passado da hora do filho mais velho tomar um rumo na vida, como dizia. Vez ou outra ela sorria efusiva, acompanhando o diálogo dos jovens, e em determinado momento passou a também fazer parte da conversa, achando até a moça simpática e muito bem apessoada.

No bar, nos fundos do amplo cômodo, bem menos sorridente, e sem fazer um mínimo esforço em esconder a animosidade visível em sua fisionomia taciturna, Hakurei servia-se da quarta doze de whisky enquanto acendia um novo charuto. Com os cotovelos apoiados no balcão de madeira nobre e o copo de vidro com dois dedos do líquido âmbar a esconder-lhe parcialmente a face, ele tinha os olhos cinzentos fixos nos dois garotos ao piano, e tal qual dois severos juízes, estes analisavam cada gesto, cada sorriso, e principalmente cada olhar que seu filho caçula direcionava ao jovem pianista. Em dado momento, sorveu de uma só vez a bebida no copo, o abandonou sobre o balcão e discretamente deixou a sala. Ninguém deu-se conta de sua saída.

Algum tempo depois, no piano, enquanto tocavam a Berceuse de Johannes Brahmas, Mu notou que Shaka parecia levemente distraído. Ele errava notas simples, parecia não conseguir acompanhar o tom, tampouco criar novos arranjos.

— Não conhecia essa Berceuse? — Mu perguntou parando por fim de tocar.

O pianista demorou-se alguns instantes em responder, imerso numa nostalgia que a princípio julgou brotar de um delírio, mas que logo soube ser real no momento em que sua memória acessou algumas lembranças da época quando ainda enxergava; momentos com Asmita, jogando basquete numa cesta improvisada feita com arame e um saco de estopa furado no fundo, subindo nos ombros no pai, sentado no colo da mãe no modesto e muito organizado jardim na frente da casa, enquanto olhavam para a lua e brincavam de contar as estrelas.

— Sim, eu conhecia sim, mas não estou conseguindo me concentrar... é que estou sentindo um cheiro familiar — disse Shaka levantando ligeiramente o queixo e inalando o ar profundamente — Um cheiro de... casa. Da minha casa!

Mu ergueu as sobrancelhas surpreso.

— É mesmo? E que cheiro é? — quis saber curioso.

Shaka sorriu imaginando que Mu deveria estar deveras surpreso. Suas realidades eram tão diferentes, tão distantes que era no mínimo curioso partilharem qualquer semelhança por mais ínfima que fosse, como um cheiro em comum.

— Quando chegamos aqui, nesta noite, eu senti esse cheiro... Parece baunilha, ou amêndoas com mel, mas agora sei que não é porque ele vem de uma flor.

— Uma flor?

— Sim... Haviam tantas pessoas aqui até minutos atrás, dezenas de odores diferentes, entre perfumes fortes, nicotina, álcool e até uns hálitos bem desagradáveis, que acabei perdendo o rastro... — disse Shaka dando uma discreta risada, depois voltou o rosto para a direção do cineasta — Me diga, Mu, há por aqui alguma planta cujas flores se abrem somente à noite?

Em silêncio, o estudante de cinema se mostrava confuso.

— A costumam chamar de Floco da Noite — completou o pianista.

Houve uma longa pausa.

Mu correu os olhos pelo ambiente, os levantou para o teto, contraiu os lábios, pensando...

— Hum... Se não estou enganado, minha mãe costuma ter algumas plantas no jardim que florescem à noite, mas não sinto cheiro nenhum de flor... e com esse nome... — disse ele ainda pensativo, até que resgatou também uma lembrança do passado — Será que está se referindo aos docinhos da noite?

Shaka assentiu com a cabeça, animado.

— São umas florzinhas brancas?

— Bem... eu não me lembro como elas são, apenas me recordo do perfume — disse Shaka.

— Se forem essas, elas são pequenas, pouco maior que uma moeda ou a tampa de uma garrafa de boca larga, e dão em pencas numa moita grande de folhas verdes bem escuras. Há muitas dessas no jardim, perto da piscina.

Shaka sorriu animado.

— A minha mãe também gostava de cultiva-las — disse efusivo com a coincidência e a lembrança que aos poucos conseguia resgatar — Quando eu era pequeno havia um jardim na frente de casa. Era da minha mãe. Pode parecer maluquice da minha parte e até um tanto fantasioso, mas mesmo sendo tão pequeno eu me lembro bem disso... No verão e na primavera, à noite ela adorava abrir uma fresta na janela da sala para deixar o perfume dos Flocos da Noite entrar. Ela dizia que o aroma doce era relaxante... Nessas épocas, nos sentávamos juntos no jardim, eu e ela, nuns banquinhos feitos de tocos de árvore serrados, e então a gente contava as estrelas, e esse perfume estava sempre presente. Ele ficou marcado na minha memória por anos, até que, do mesmo jeito que algumas imagens se apagaram das minhas lembranças, ele também se foi...

Com um movimento repentino, e um tanto eufórico, o estudante de cinema girou para o lado e levantou-se da banqueta, pondo Shaka em alerta.

— Mu?

— Vem!

— O que?

— Levanta! — disse enérgico, e suavemente correu a mão pelo braço do pianista para sinalizar a ele a direção na qual deveria se virar para levantar — Estou bem na sua frente. Pegue no meu braço e vem comigo.

— Para onde? — Shaka perguntou se levantando. No processo, com as pernas mesmo arrastou a banqueta para trás.

— Eu vou te levar ao jardim — disse Mu com um sorriso aberto — Por que te descrever a flor se eu posso mostra-la para que veja você mesmo, ao seu modo? Se for a mesma flor, pode colher algumas e levar para casa!

Não havia a mínima possibilidade do pianista declinar do convite. Seu coração acelerado denunciava uma euforia inocente, pura, oriunda da fantasia quase infante de um reencontro com o passado, com a mãe. Não se lembrava como era a flor, nem cor, tampouco formato, mas a memória olfativa havia voltado como o regresso saudoso dos pássaros migratórios a seu lar de origem depois de muitos meses longe de casa, e poder tocar a flor e resgatar o passado de repente se tornou uma grande conquista, a qual ansiava por alcançar.

Já de braços dados com Mu, sem a bengala Shaka deixava-se guiar por ele por entre cômodos imensos da mansão, desviando da mobília e de outros obstáculos quando orientado até chegarem a uma larga porta de vidro que dava para os fundos. Do outro lado, por detrás de uma alva cortina fina de seda em camada dupla se podia ver as luzes do jardim. Mu com cuidado puxou a porta a fazendo correr ruidosa pelos trilhos no chão, abrindo espaço suficiente para que os dois passassem com folga. Logo o ar fresco da noite beijou a face do pianista trazendo junto o doce perfume da Floco da Noite, o qual ele tinha a sensação de grudar em sua pele feito orvalho adocicado.

Sentir aquele cheiro depois de tantos anos era para Shaka como mergulhar de cabeça no passado. Seus olhos azuis, como duas piscinas de águas cristalinas, marejaram ligeiramente. Não chegou a chorar, porque mantinha ainda vivo algum orgulho dentro de si, mas agarrava-se com tanta força ao braço de Mu que era para este impossível não perceber sua emoção.

Ficaram parados ali por um momento, entre a porta e a entrada do jardim. O estudante de cinema fazendo um esforço tremendo para não abraçar o pianista, enquanto olhava com ternura para os fios dos cabelos loiros que dançavam com a brisa noturna e analisava a expectativa presente em cada linha de seu rosto bonito.

— Bem à sua frente tem uma grande área aberta — disse Mu. Seu tom de voz era baixo, quase um sussurro — Vamos passar por um tablado de madeira clara, envernizada, e depois chegaremos a um gramado. Ele é verde da cor dos campos de futebol e de baseball, nem muito escuro, nem muito claro. Exatamente da cor dos campos.

Quando o pianista se deu conta, eles já caminhavam lado a lado pelo tablado de madeira, e quando seus pés sentiram o gramado ele se viu caminhando em um imenso jardim de maravilhas, cujo solo era um grande carpete verde e o vento que balançava seus cabelos tinha cheiro de baunilha e era feito de lábios sorridentes. Nunca soube porque sua mente lhe desenhava tais coisas, mas certamente que não achava ruim.

— Do seu lado esquerdo tem uma piscina bem grande em formato oval, e dentro dela tem luzes brancas. Tem cinco espreguiçadeiras em torno dela. Elas são de madeira com estofado branco — continuou Mu enquanto caminhavam de braços dados — Do seu lado direito tem uma área de lazer coberta por um telhado de vidro temperado e madeira. Ali há um ofurô e...

— Ofurô? — Shaka o interrompeu franzindo as sobrancelhas. Nunca havia escutado aquela palavra, e não fazia a menor ideia do que imaginar.

— Um ofurô é um tipo de banheira tradicional bem comum no Japão. Ela é mais profunda que uma banheira normal. Se você se sentar dentro dela, a água cobre até os seus ombros, e é bem quente. Ela também tem jatos fortes de água que massageiam seus músculos enquanto você está lá relaxando.

— Nossa, isso deve ser bem bom!

Mu deu uma risada divertida.

— Sim, é muito bom — disse ele — É para lá que a gente está indo, porque em todo o entorno dessa área de lazer a minha mãe fez tipo um jardim tropical, e é nele que estão os arbustos dos Docinhos da Noite... Ou pelo menos acho que são eles, já que não entendo nada de flores. Na verdade, nunca dei importância para a paixão da minha mãe por elas, e confesso que já levei algumas palmadas quando criança por arruinar seus vasos — os dois riram juntos da confissão do cineasta — O gosto pelas flores deve ser algo comum às mães, não acha? A mãe do Afrodite gosta tanto delas que transformou a paixão em negócios. É uma excelente florista... Já a dona Yuzuriha, desde que me lembre, sempre fez questão de mantê-las em todos os lugares da casa, em especial aqui, no jardim.

— Até perder a visão eu também não dava nenhuma importância a elas — disse Shaka, percebendo que à medida em que avançavam mais forte se tornava o perfume adocicado das flores — Então, depois de um tempo, eu me paguei várias vezes sentado no toquinho de madeira na frente de casa tentando me lembrar como elas eram, que cor tinham, que perfume... O jardim da minha mãe se foi junto com ela. Ela era a única lá em casa que tinha olhos para as belezas simples... essas que a gente só dá valor quando perdemos.

— Não perdeu — disse Mu de repente, no mesmo instante em que parou de andar fazendo Shaka também suster seus passos — Está bem aqui, na sua frente.

O pianista então sentiu o estudante de cinema se inclinar ligeiramente para a frente e instantes depois sua mão ser tomada pela dele, com delicadeza e carinho. O toque macio das pétalas acetinadas em sua palma vieram logo depois o fazendo prender a respiração involuntariamente.

— Isso é... — Shaka balbuciou fechando os dedos, experimentando a umidade fria do orvalho naquele toque tão singelo.

— Uma Floco da Noite... a flor da sua mãe — disse Mu com um sorriso iluminado — Essa que está na sua mão não é branca, é lilás bem clarinho.

— Como a cor do seu cabelo! — Shaka exclamou com um sorriso largo, tocando agora as pétalas com as pontas dos dedos da outra mão, temendo feri-las, tão finas elas lhe pareciam.

— Sim — Mu riu de volta — E o miolo dela é amarelinho, da cor do seu — concluiu olhando para o rosto dele com amor e devoção — Elas têm cinco pétalas, e um mesmo arbusto pode ter até centenas delas. Tem muitas aqui, nessa área onde estamos... brancas, lilases...

E nem era preciso descrição tão minuciosa.

Na mente cuidadosamente diagramada de Shaka, as memórias do passado desfilavam diante de seus olhos, que mesmo abertos eram vazios de qualquer expressão habitual, pois que o que viam não estava ali diante deles, mas além, num tempo em que tudo o que desejava ter da vida eram os fins de tarde de verão, quando sentava-se no jardim com a mãe para olhar para as estrelas.

Era essa imagem que o pianista via quando aproximou a pequena flor do rosto e a cheirou, e ela era tão vívida que podia sentir o toque cheio de amor dos lábios da mãe em seus cabelos loiros. Pouco a pouco, o perfume nostálgico dos Flocos da Noite inebriaram seus sentidos como bálsamo encantado, até que sem se dar conta ele estava chorando, silencioso e acanhado.

Mu havia se abaixado novamente para apanhar um bom punhado das florezinhas quando percebeu Shaka em prantos, e tocado pela emoção do pianista sentiu seu coração pulsar forte dentro do peito e a garganta apertar dolorida. Como queria beija-lo, abraça-lo, confortá-lo... Conteve-se, apenas sorriu singelo enquanto puxava devagar o bolso da camisa dele para colocar ali dentro o punhado de recordações que recolhera do arbusto no chão.

— Ela devia ser uma mulher incrível — falou em voz baixa e tom respeitoso.

— Sim... ela era — respondeu Shaka levando a mão ao bolso. Por cima do tecido sentiu as flores que o preenchiam — Tivemos tão pouco tempo juntos...

Aquelas palavras sufocaram o autocontrole de Mu e com ele também a cautela com a qual regira seu comportamento regrado até ali, naquele momento. Sem pensar duas vezes ele aproximou-se de Shaka e o abraçou com todo o carinho do mundo, afagando os fios dourados de seus cabelos enquanto o acomodava em seu peito.

— Meu amor, eu sinto tanto por você... — disse o estudante de cinema aos sussurros — Confesso que gostaria de tê-la conhecido. Tenho certeza de que ela seria uma sogra tão incrível quanto o senhor Nilo.

Shaka sorriu do que ele dissera, e de repente o choro cessou.

Quem dera, porém, suas lágrimas tivessem sido represadas pelo conforto dos braços e das palavras de Mu, mas fora por outro motivo.

Apreensivo Shaka levantou a cabeça, então Mu notou que o rosto dele ganhara abruptamente uma lividez mórbida. Seus olhos azuis, como se vissem pela primeira vez depois de anos enclausurados na cegueira, arregalaram-se e começaram a vagar de um lado a outro acompanhando o ruído fraco de passos que seus ouvidos aguçados captavam.

Esses vinham de trás dos ombros de Mu; eram cautelosos e lentos. Demasiadamente cautelosos para ouvidos comuns distinguirem.

— O que foi, amor? — o estudante de cinema perguntou, percebendo que havia algo errado com o pianista, que tinha os lábios trêmulos e as mãos frias — Está tudo bem?

— Tem alguém aqui! — murmurou Shaka assustado, agora que os passos, antes cadenciados, assumiram um ritmo bem mais ligeiro, quase uma corrida.

Confuso, Mu franziu as sobrancelhas ralas tentado estudar a fisionomia de Shaka, mas nem teve tempo de ponderar acerca do que ele dissera. De forma abrupta e furiosa fora arrancado à força dos braços dele, agarrado pelos cabelos e atirado com violência contra o chão.

O que sucedeu em seguida atingiu o estudante de cinema em cheio, feito uma martelada dada direto na cabeça.

Ainda no chão, Mu ouviu Shaka gritar seu nome, mas ao levantar a cabeça e olhar para ele foi o rosto de Hakurei Bharani que viu. Seu coração disparou dentro do peito. Sentiu o sangue fugir de seu rosto, a boca secar, as pernas e braços ficarem débeis, e de repente o ar não entrava mais em seus pulmões, mesmo a boca estando escancarada.

O momento lhe pareceu surreal; mesmo que já tivesse fantasiado dezenas de vezes com ele, e em algumas delas até ousado imaginar que seria diferente. Sentiu-se demasiadamente estúpido por isso.

Tentou novamente respirar, mas era como se os olhos cinzentos injetados em sangue de Hakurei cravados em si tivessem o poder de lhe paralisar o diafragma e também o tempo, já que tudo em sua volta lhe parecia congelado.

Um novo grito de Shaka despertou o cineasta daquele terror momentâneo, e com a lentidão de um pesadelo ele desviou seus olhos do olhar selvagem do pai e olhou para o pianista, que desesperado esticava o braço e tateando o ar avançava lentamente à sua procura.

Infelizmente foram as costas de Hakurei que os dedos trêmulos de Shaka encontraram.

Num movimento rápido, reflexivo e preciso, o empresário girou o corpo para o lado e com um safanão bruto empurrou o pianista para longe de si.

Ele caiu de lado, sobre um arbusto de Flocos da Noite.

A cena despertou Mu do entorpecimento momentâneo.

— Pai! Não toque nele! — o grito de Mu foi um reflexo. Em seguida dele levantou do chão e avançou contra o pai feito um trem desgovernado.

O simples fato do filho revidar enfureceu ainda mais Hakurei Bharani, que sem pensar duas vezes, com um ágil movimento das pernas não apenas evitou o golpe como contra atacou sem nenhum remorso ou pudor.

Ambos eram praticantes devotos de artes marciais. Durante a infância toda e parte da adolescência de Mu eles treinaram juntos, conheciam os pontos fortes e fracos um do outro, mas somente um deles estava decidido a levar às vias de fato aquele embate. Diante de seu progenitor, o robusto atleta e feroz lutador desapareceram.

Ali Mu era apenas o menino cujo respeito ao pai era imperativo, e esse indelével e inexorável respeito atava-lhe as mãos e o impediam de reagir, mesmo quando o viu avançar sobre si e cego de raiva lhe golpear a boca com um forte tapa dado com o dorso da mão; esse que tinha a força e o peso de sua revolta e indignação.

Vieram outros na sequência, e com eles mais gritos de Mu e também de Shaka, que àquela altura já tornara-se consciente do que acontecia ali e agora sentia-se tão pequeno e impotente como nunca. Se pudesse enxergar correria até Mu e como conseguisse o protegeria da fúria do pai, ainda que esta lhe fosse tão chocante que sentia estar delirando, talvez ludibriado por seu próprio medo.

Em dado momento de completo desespero, Mu levantou os braços e tencionou proteger a cabeça com as mãos, então uma chuva de socos lhe caiu por sobre os ombros, braços e lateral do abdome. Empurrado para trás, sentiu as costelas baterem contra a proteção de madeira que revestia o ofurô, e bem nessa hora outro grito desesperado de Shaka chamando seu nome e pedindo socorro a quem quer que o ouvisse lhe fez sentir como ter o peito trespassado por mil agulhas.

— Pai! Por favor... Me deixe falar!

O estudante de cinema gritou com a voz esmagada. O gosto de sangue já era forte em sua boca; sentia o rosto quente como brasa.

— CALA A BOCA! — berrou Hakurei tão alto que Mu sentiu o ouvido estalar. Logo em seguida teve novamente os cabelos agarrados com extrema força e fúria — Você pensou que poderia me enganar até quando? E bem debaixo do teto da minha casa! Seu moleque! Seu irresponsável! Eu pareço idiota? Heim? Pareço?

Aos chacoalhões Hakurei tentava arrastar Mu para dentro da casa, mas este resistia, mesmo quase sem fôlego e sentido que a qualquer momento o pai lhe arrancaria o couro cabeludo.

O tempo todo Mu tentava se soltar para correr até o pianista, já que eram os gritos de Shaka e sua frágil figura engatinhando desorientada a tatear o gramado que o mantinham ali, firme como podia.

— Para pai!... me deixe falar...

— Você se acha mais esperto do que eu, não é mesmo? Pois você não é, infeliz! Você não é!

— Me solta!... Pai! PAI!... POR FAVOR, EU IA TE CONTAR! EU IA TE CONTAR!

Aquela confissão só enfureceu ainda mais Hakurei. Era raiva que sentia, mas também era medo, muito medo. Ele não queria ouvir o que Mu tinha a lhe dizer, essa era a verdade. Ele se negava a ouvir, já que ouvi-lo verbalizar aquela realidade, para ele inadmissível, era como atestar seu fracasso como pai, afinal uma abominação como aquela só poderia ser consequência de uma falha na educação de Mu, e isso ele jamais admitiria. Sentia que era capaz de lhe arrancar todos os dentes junto da língua também, apenas para impedi-lo de verbalizar.

— Cala essa sua boca, pelo amor de Deus! — bufou o empresário, e soltou-lhe os cabelos apenas para lhe dar outro forte tapa no rosto seguido de uma sequência de chutes que o jogaram novamente no chão — Eu não tenho filho bicha! Você me ouviu? Ouviu bem, Mu? EU NÃO TENHO FILHO BICHA!

Ao ouvir aquilo, Shaka sentiu a garganta secar e o peito congelar num golpe forte. O choque das palavras duras e da afirmação funesta o fez tremer da cabeça aos pés. Ali estava a razão de todo o medo e zelo de Mu.

O estudante de cinema então olhou surpreso para Hakurei, que agora lhe devolvia um olhar cheio de fúria, e mais uma vez seu coração disparou dentro peito.

Então ele sabia!

Óbvio que sim.

Fora ingênuo em achar que o próprio pai não conheceria sua essência. E tantos foram os sinais que ele lhe dera... Primeiro fizera de tudo para afasta-lo do piano, castrara até os sonhos e o talento da mãe. Depois lhe dera uma educação rígida, o forçara a praticar rúgbi e a entrar em uma faculdade de administração, incutindo em si a obrigação de prosperar seus negócios. Em seguida veio a cobrança por um casamento e por netos, mesmo sendo ainda tão jovem.

Como fora ingênuo...

Ou como seu medo de decepcionar pai o deixara cego.

Nos curtos segundos em que Mu divagava, contorcendo-se no chão de dor e desespero, poucos metros dali uma tristeza profunda também abatia-se sobre Shaka ao pensar no quanto aquelas palavras de Hakurei feriam Mu. Talvez até mais do que os golpes que ele lhe dava... Então, movido por um sentimento muito maior que o medo, deveras mais intenso que o desejo, o pianista levantou-se e como conseguiu, meio curvado e com os braços esticados à frente do corpo, correu na direção em que vinham os gritos de pai e filho. Ele chocou-se com as costas de Hakurei, e na tentativa de lhe agarrar um dos braços falhou e novamente foi ao chão.

— Não! — gritou entre soluços se pondo de joelhos no gramado — Pare com isso! Senhor Hakurei, por favor! Pare com isso! Não o machuque! Por favor!

O pianista implorava num choro convulso.

Aos olhos hostis de Hakurei, a abjeta e deplorável imagem daquele garoto a arrastar-se pelo chão lhe fez subir um amargor pela garganta. Ele contraiu o rosto com repugnância e deu uma cusparada bem ao lado dele, quase o acertando na mão, como que para se livrar daquele fel amargo e traduzir em um único gesto o que sentia por ele, repulsa.

— Isso é culpa sua, garoto miserável! Sua e de toda essa corja de artistas degenerados que destroem os valores da família com sua promiscuidade e pederastia — rosnou o empresário — Nem deveria estar aqui, por Deus! Eu devia tê-lo colocado no seu lugar quando o imbecil do meu filho o levou ao clube de Polo, mas existe a maldita da inclusão e toda uma pressão social ridícula... — fez uma pausa — E também não imaginei que esse moleque idiota fosse levar essa estupidez adiante.

Nessa hora, ainda em choque, surdo para os gritos de Shaka e para as palavras amargas que Hakurei dizia a ele, Mu de repente sentiu-se ser novamente agarrado pelos cabelos e arrastado pelo gramado.

— Venha! VENHA! — urrava puxando os cabelos lilases com tanta força como se tivesse a verdadeira intenção de arranca-los. E quem poderia garantir que não era isso mesmo que queria? Sempre implicou tanto com eles... — Não vou passar essa vergonha! Você não vai fazer isso comigo. Não vai! Não vai me matar! Não vai me matar!

— PAI! — gritou Mu, agora desperto e agarrado aos punhos fortes dele. Seus pés patinavam na grama à media em que era arrastado.

Shaka gritava alucinado.

— Essa sua fase de rebeldia acaba aqui. Hoje! Chega das malditas afrontas que você me faz.  

— Não é rebeldia, pai! — urrou quase engasgando-se com o sangue e saliva que se acumulavam em sua boca — Eu sou assim. Esse sou eu!

— CALA A BOCA!

— Me solta... Não é afronta... eu... eu amo ele, pai... Eu amo o Shaka!

— Cala essa maldita boca ou eu juro que acabo com você. Te faço virar homem nem que precise te deixar em coma, eu juro por Deus, Mu!

Então a raiva novamente desfigurou a fisionomia de Hakurei, que com um chacoalhão seguido de um solavanco obrigou Mu a deitar-se de costas no gramado para encarapitar-se em cima dele lhe segurando forte a gola suja de sangue da camisa com uma das mãos. A outra ele meteu no bolso da calça de onde tirou um canivete suíço, hábito que adquirira ainda moço, e mesmo vendo o medo instalado nos olhos arregalados do filho, vidrados na lâmina cuspida para fora, Hakurei não recuou.

Nessa hora, Mu abriu a boca e pensou em gritar, mas sua voz tinha virado pedra e só o que saiu de sua garganta foram alguns gemidos incompreensíveis. Seus braços, pernas, sua vontade, tudo em si parecia petrificado diante do absurdo e do medo que agora o dominavam. Chegou de fato a pensar que o pai o mataria, bem ali, a golpes de canivete.

Quando Mu conseguiu voltar a respirar ele se deu conta de que Hakurei lhe agarrava os cabelos aos punhados e com o canivete os cortava com a mesma convicção e pressa de quem anseia em livrar-se das ervas daninhas que estão matando uma estimada muda.

— Chega dessa merda de cabelo de viado — berrava Hakurei em meio à gritaria de Shaka e também de Mu, que agora protestava lhe segurando os punhos, tentando impedi-lo de prosseguir.

— Não! Para, pai, PARA!

 

 

Bem nesta hora, Shion e Yuzuriha chegavam às pressas ao jardim, atraídos pelos gritos.

A cena fez a socialite levar as mãos ao peito e dar um grito de horror.

Já prevendo o motivo pelo qual o pai agredia irmão mais novo com tamanha violência, Shion rapidamente correu até eles para tentar contê-lo. No percurso lançou um rápido olhar para o pianista, que todo sujo de terra ajoelhado na grama agora pedia desesperado para que alguém ajudasse Mu, já que ele era incapaz de fazê-lo.

Shaka não deixou de gritar nem quando percebeu a chegada de Shion ali. Este se jogou nas costas do pai e com toda a força que conseguiu reunir de uma só vez o agarrou pelos braços e finalmente o arrancou de cima de Mu.

Quando se viu livre, o estudante de cinema rolou para o lado e com os olhos cheios de lágrimas viu a mãe se aproximar aos gritos. Ela imediatamente precipitou-se ao lado dele e aterrorizada lhe segurou o rosto ferido com ambas as mãos.

— Por Deus, Hakurei, o que deu em você? O que houve aqui? — inquiriu desesperada tomando o caçula pelos ombros para ajudá-lo a levantar as costas do chão, enquanto corria atônita os olhos pelos cabelos do filho picotados sobre a grama — Mu! Meu filho, o que você fez?

De pé à frente deles Hakurei tremia de raiva, e se não fosse Shion ter quase o dobro de seu tamanho e compleição física, além de também ter treinamento marcial, teria corrido até os dois e terminado o serviço como jurou que faria.

— Esse moleque infeliz perdeu a noção de tudo... Perdeu o juízo e a vergonha na cara! — Hakurei esbravejou aos berros — Jogou no lixo mais de vinte anos do meu trabalho, tempo e confiança... e para quê? Por causa de uma aberração!

— Pai! Para com isso — murmurou Shion tenso o contendo pelos braços.

— Uma aberração maldita!

— Pai!

— Tire esse garoto miserável da minha casa agora, Mu Bharani! É uma ordem! Agora! Suma com essa maldita bicha deficiente da minha frente!

Yuzuriha encarou em choque o rosto transfigurado do marido.

— Está vendo o que você criou, Yuzuriha? Uma merda de um homem fraco! Um moleque bobalhão que se deixa levar por qualquer um. Isso é culpa sua. Sua! — agora ele gritava apontando o indicador em riste para a esposa, que abalada tinha os olhos cheios de lágrimas — Mas nunca é tarde para arrumar um erro e dar um corretivo nesse infeliz.

— Chega pai! — gritou novamente Shion tentando arrasta-lo para dentro da residência.

— Me solta, Shion! Eu vou fazer esse moleque virar homem nem que seja a última coisa que eu faça!

Então, quando ninguém esperava...

— NÃO! — disse uma voz delicada e trêmula.

Todos olharam para o pianista.

Ele estava sentado sobre os próprios calcanhares, na grama. Seu rosto estava sujo de terra e dois riscos de lágrimas desciam dos olhos azuis arregalados pelas bochechas. O lábio inferior tremelicava frenético feito a chama da vela quando tocada pela brisa.

— Não o machuque mais, senhor Hakurei, por favor, eu imploro — disse ele, e com um impulso apoiando-se no chão se levantou. Deus, como sentia-se inútil e impotente por não poder ajudar Mu naquela hora, não poder defende-lo! — Eu vou embora... Vou agora mesmo, só preciso que alguém me leve para o lado de fora e depois eu sigo sozinho, mas por favor... não machuque mais o Mu.

— Não, Shaka! — Mu o interrompeu e às pressas, ainda que com extrema dificuldade, separou-se dos braços da mãe. Apoiando-se no tablado de madeira se levantou — Você não vai embora sozinho!

— Mu Bharani, não se atreva! — Hakurei urrou enfurecido.

— Se o senhor o está expulsando dessa casa por ele ser gay e ser o meu namorado, então também está me expulsando.

Aos pés do filho, ainda ajoelhada no gramado Yuzuriha era a verdadeira imagem do desespero.

— Namorado? — ela disse espantada, em seguida olhou para o pianista. Teria sido tão ingênua ao ponto de não perceber nada? Ou a admiração que sentira por ele desde a primeira vez que o vira a havia cegado? Ele era jovem, belíssimo, de uma delicadeza e educação ímpares, e ainda tinha o talento extraordinário para o piano... Camuflagens que a impediram de ver o que realmente importava.

E o que realmente importa?

— Sim, mãe. Shaka é meu namorado. Foi isso mesmo que a senhora ouviu — a voz embargada de Mu resgatou Yuzuriha da divagação — Eu sou gay, mãe... Eu ia contar mas...

— CALA ESSA BOCA, MISERÁVEL! — berrou Hakurei. — EU NÃO TENHO FILHO GAY!

— Não! Agora o senhor vai me escutar! — Mu retrucou limpando o sangue que lhe escorria da boca e dando um passo cambaleante à frente, com os olhos injetados de fúria cravados nos do pai — Chega! Eu não suporto mais me calar, me silenciar para o seu egoísmo, seu autoritarismo... para que continue a fingir que somos a porra de uma família feliz que goza de uma relação saudável e respeitosa, porque não, pai, nunca fomos!

Veias grossas saltaram nas têmporas de Hakurei.

— O meu egoísmo te deu uma vida de rei, seu moleque! E quem me deve respeito é você! Você! Mais ainda do que respeito, você me deve até as suas malditas cuecas! — ele gritava entre perdigotos — É com o meu dinheiro que você sustenta seus luxos e essa sua vidinha medíocre de artista, mas agora chega. ACABOU! Eu já disse e repito, Mu Bharani, eu não tenho filho bicha.

— TEM SIM! — Mu rebateu. E mesmo com o rosto ferido e lágrimas misturadas ao sangue havia uma força devastadora em sua alma, uma força que naquela situação nem ele mesmo imaginou que pudesse ainda ter, não depois de tudo o que acontecera ali, naquela noite, naquele jardim. Era uma força que não vinha apenas dele, mas também de Shaka, que alguns passos para atrás de onde estava agora se punha de pé em expectativa. 

— Mu, por Deus, meu filho! — a súplica veio de Yuzuriha, ainda ajoelhada aos pés do caçula — O que significa tudo isso?

— Você é burra, Yuzuriha? — bronqueou Hakurei que ainda debatia-se nos braços de Shion tentando se soltar — Significa que esse idiota do seu filho se deixou levar por esse... por esse pianistazinho ordinário e suburbano que você fica adulando por pena, sua imbecil... Você é uma cabeça fraca igual o seu filho, Yuzuriha. Essa bicha quer o dinheiro dele, o MEU dinheiro, e ele caiu como um pato no golpe mais antigo do mundo!

— Eu não admito que se refira ao Shaka dessa maneira.

Mu avançou contra Hakurei lhe apontando o indicador em riste. Estava no limiar da razão.

Shion agiu rápido.

— Mu não se aproxime ou o quebra pau vai ser entre nós três! — o advertiu encarando firme seus olhos flamejantes.

— Ele não pode se referir ao Shaka dessa maneira! — berrou Mu indignado.

— Eu me refiro a esse merdinha cego como eu quiser, Mu Bharani! Estou na porra da minha casa, na merda do meu direito e estou certo! Você caiu no golpe de um merda de um pianista anônimo, suburbano, viado e oportunista!

— Não vou deixar que ofenda o homem que eu amo!

— AARGH NÃO REPITA ISSO, MISERAVEL! NUNCA MAIS REPITA ISSO!

Hakurei dava mais trabalho ainda para Shion conseguir contê-lo, enquanto resignado à frente dele Mu agora apenas o olhava com os olhos encharcados e o olhar de quem cansou de lutar.

— O senhor fala tanto de família... de princípios... — Mu disse com a voz trêmula e em tom baixo. Precisou fazer uma pausa relativamente longa, pois não conseguia mais ludibriar o choro copioso. Era duro demais para ele dizer o que sentia ser preciso dizer ao pai — Todo o seu dinheiro, pai, os privilégios, a vida de luxo, de oportunidades servidas em bandejas de prata... nada disso conseguiu me dar o que eu precisava de fato. O que eu precisava eu encontrei no Shaka e na família dele... Eu precisava de paz, pai, paz para poder ser quem eu sou de verdade, liberdade para viver minhas escolhas, respeito e amor!... Amor, pai. Eu só soube o verdadeiro significado de amor familiar nesses últimos cinco meses, desde que conheci o Shaka e fui abraçado e aceito pela família dele, o senhor Nilo e o Asmita.

— Cinco meses? — Hakurei questionou indignado. Fizera questão de ignorar todo o discurso de Mu e dar importância só ao que lhe convinha — Então você me engana há cinco meses?

Mu sorriu amargo. Respirando fundo ele baixou a cabeça e com um gesto de negativa enxugou as lágrimas.

— Na verdade eu o engano há anos...

— Mu, chega! — Yuzuriha gritou caminhando apressada até ele lhe agarrando pela manga da camisa, como se assim pudesse impedi-lo de continuar com aquilo que considerava uma insanidade completa.

Mas Mu não mais se calou.

— Mas antes de enganar a vocês, eu enganei a mim mesmo — disse ele olhando para a mãe, que chorava em desespero — Fingi por anos ser alguém que eu não era... e por um tempo estava mesmo decidido a responder às cobranças de vocês dois e assumir uma vida que ia me lançar para o fundo do poço junto com alguma mulher que ia ser igualmente infeliz, e tudo por medo. Medo de enfrentar isso — fez uma pausa voltou a olhar para os olhos cinzentos injetados de raiva de Hakurei — Medo de enfrentar esse seu preconceito nojento, mas chega! Chega de ter medo!

— Mu! Filho! Por Deus! — Yuzuriha rogava aos soluços.

— Aceitem vocês ou não, queiram ou não, isso não importa mais. Eu sou o que sou e não vou mudar. Não é uma fase, não fui enganado por ninguém, não é rebeldia ou provocação... Eu nasci assim... Eu sou gay.

— Mu, já chega — pediu Shion em voz baixa, temendo pela ira do pai, que sentia tremer preso a seus braços.

— E eu... eu amo o Shaka — Mu agora olhava para o pianista, que de pé a poucos passos de onde estava não ousava, tampouco conseguia, dizer nada, esperando aflito o desfecho daquela discussão familiar — Eu amo o demais, como nunca senti que fosse capaz de amar alguém... e pretendo ficar com ele até o fim da minha vida.

Aquela confissão fez Shaka soluçar alto e aflito juntar as mãos à frente do peito. Esfregou os dedos nervoso, arrebatado pela dicotomia de sentimentos que o preenchiam naquela hora; júbilo e terror. O primeiro oriundo da alegria de ter seu amor correspondido. O segundo fruto do horror de pensar em ser ele o responsável pela ruína de Mu.

Yuzuriha e Shion olhavam para Mu parecendo paralisados. O executivo jamais imaginara que o irmão fosse alcançar tamanha audácia no uso das palavras, e também na sinceridade dos sentimentos.

Hakurei, pela primeira vez desde que o filho mais velho passou a contê-lo, não se mexeu. Com reflexos trêmulos involuntários ele encarava Mu nos olhos com ódio visceral.

— E o que você pretende com isso? O que acha que vai fazer da sua vida se juntando com esse viado cego, me diz? Vai viver para ser cuidador de um bosta de um inválido? Seu idiota!

— Pai, chega. Vamos entrar — disse Shion fazendo menção em puxa-lo para dentro da residência, também incomodado em ouvi-lo referir-se ao pianista daquela forma.

Hakurei no entanto o impediu ficando os pés ao gramado, sem sair do lugar.

— Pois preste atenção no que eu vou te dizer, Mu Bharani, porque vou falar só uma vez. Eu disse, e repito mais uma vez: eu não tenho filho bicha! Eu não criei um homem para ele ir se deitar com outro homem! Essa vergonha você não vai me fazer passar. Então, se você não tirar essa abominação da minha casa agora mesmo e também da sua vida, e se você não entrar na linha e corrigir essa sua vida torta, eu vou esquecer que tenho um filho caçula. Você me ouviu bem?

— Hakurei! — gritou Yuzuriha.

— Você morre aqui para mim, Mu! Você entendeu? Vai ser como se não existisse mais, seu moleque... e não vai ver mais um centavo do meu dinheiro!

Novamente as palavras do pai atingiram Mu como um tiro à queima roupa.

Ele sabia que Hakurei o desprezaria, ele sentia, mas o ouvir verbalizar esse desprezo tinha uma força devastadora muito maior. Por um momento Mu ficou ali, parado diante do pai e do irmão mais velho, com os olhos arregalados e o peito congelado. O choro da mãe ao seu lado tornava ainda maior seu torpor, até que, como um mecanismo de defesa contra toda aquela dor, da rejeição e do abandono, sua mente apegou-se às atrocidades ditas pelo pai a Shaka e com uma nova descarga de coragem e ousadia ele sentiu-se impelido a fazer justiça com as próprias mãos.

Com uma fúria insana repentina Mu avançou até Hakurei e o agarrou pelo colarinho branco da camisa de linho puro.

Shion dessa vez não o impediu.

— Shaka não é um invalido — disse entre dentes, apertando os dedos com tanta força que chegava a ferir a si mesmo com as unhas — Nunca foi e jamais será. Se existe uma deficiência grave entre as pessoas que estão aqui, ela está no senhor, no seu caráter, na sua alma... Shaka é um homem maravilhoso, e é o homem que eu amo, e quando o chama de bicha nojenta, de viado, de abominação, é a mim que está chamando também, afinal eu sou ainda mais bicha que ele, pode apostar! Eu tive muitos homens na minha cama, tantos que o senhor não conseguiria contar nos seus dedos nem que contasse também os dos pés, enquanto eu fui o primeiro, e o único, homem dele... Fui eu quem foi atrás dele... Eu que o cortejei... Eu que o seduzi... O viado promíscuo e nojento aqui seu eu, pai.

— Já chega, Mu — disse Shion um tanto embaraçado, porém num tom severo, e fazendo um sinal com a cabeça mandou que Mu soltasse a camisa do pai.

Sem hesitar o cineasta atendeu ao pedido e recuou alguns passos, então um lampejo de fúria fez faiscar os olhos cinzentos de Hakurei, que se jogou para frente e de tudo fez para conseguir se livrar de Shion e voltar a dar a lição que queria em Mu, mas sem hesito apenas o encarou com desprezo e uma raiva que brotada de dentro.

— Saia da minha casa! Saia! Saia agora! Vá embora! Suma da minha frente antes que eu te mate, seu infeliz! Desgraçado! Você é uma vergonha! Uma vergonha! VÁ EMBORA E NUNCA MAIS OUSE POR OS PÉS AQUI.

Os gritos de Hakurei agora eram tudo o que se ouvia na casa.

Yuzuriha tinha os olhos pasmos, hirtos, fixos em Mu. Seu rosto era um misto de horror e surpresa.

Shion arrastava o pai para dentro da casa enquanto em seu íntimo repreendia o irmão. As coisas que Mu dissera chocara até mesmo a si; imaginava aos pais o quão baixo elas soaram.

— O senhor não pode me matar, pai... — disse Mu em voz baixa enquanto caminhava trôpego e cabisbaixo até Shaka — Se é como disse, se prefere ter um filho morto a um filho gay, então para o senhor eu já morri.

De frente com o pianista Mu delicadamente tocou seu ombro. Ele teve um sobressalto, um reflexo ao toque; era normal assustar-se no estado em que estava.

Shaka tinha ouvido tudo e decidido guardar silêncio. Temia que qualquer coisa que dissesse pudesse soar como provocação, afronta, e pôr Hakurei ainda mais nervoso. Sentiu um tremendo alívio quando pôde tocar o rosto de Mu, quando pôde enfim tê-lo ali, junto de si, mas o terror voltou a martelar seu coração na hora em que aflito o percebeu muito ferido. O cheiro ferroso do sangue logo impregnou seu olfato e fez a boca secar tamanha sua aflição. Sentia também os olhos dele inchados e molhados.

Shaka engoliu em seco.

— Meus Deus Mu... você precisa de ajuda...

— Não é nada grave, não se preocupe — Mu o interrompeu com um sussurro ao passo em que atentamente avaliava os arranhões no rosto dele, provocados pelas quedas.

— O que foi que nós fizemos... — disse Shaka numa lamúria dando por falta dos cabelos que geralmente preenchiam as laterais do pescoço do namorado — O seu cabelo...

— Nós não fizemos nada de errado, Shaka. Nós não somos errados... errado é o meu pai. E cabelo cresce, as feridas do corpo cicatrizam... — Mu suspirou pegando na mão dele e dando um beijo na palma — Venha, vamos embora daqui.

Àquela altura Shion já havia conseguido levar Hakurei para dentro da casa e no jardim apenas Yuzuriha acompanhava os passos vacilantes dos dois garotos, um apoiado ao outro; ambos completamente destruídos.

Ao se aproximarem dela, Mu parou.

Ela chorava. De alarme e indignação.

Ele chorava. De tristeza e rejeição.

— Eu sinto muito por tudo isso, mãe — disse Mu olhando firme nos olhos dela — Eu não queria que ficasse sabendo dessa maneira... eu só queria que...

Um tapa ardido e sonoro no rosto fez Mu se calar.

Yuzuriha ainda levantou o braço uma vez mais para desferir também um tapa no rosto de Shaka, mas deteve-se no último segundo.

Sentia-se enganada por ele, como se ele fosse uma fraude. Chegou a dizer que invejava seu talento e carisma. Fora demasiadamente tola e ingênua. Deixara-se levar pelos encantos do jovem que destruiu sua família.

Como o odiava agora...

Mu a encarava sem nada conseguir dizer.

— Você é um tolo! — ela quebrou o silêncio de repente — Um tolo! Me magoou de tantas formas, Mu...

— Mãe eu...

— Saiba que é pecado isso que você faz, isso que você quer ser. É um pecado abominável! Meu Deus! — ela chacoalhava a cabeça parecendo histérica. Só a simples ideia que se formava em sua mente era o suficiente para fazê-la perder a razão — Eu não aprovo as atitudes do seu pai, não aprovo violência, mas consigo entender o tamanho da tristeza e decepção que você deu a ele, porque as sinto dentro de mim!

— Mãe...

— Vá para fora! — apontou para a porta de saída do jardim com um gesto efusivo — Tire esse rapaz daqui, pelo amor de Deus! Eu vou mandar o Shion leva-lo para a casa dele, e você, Mu, vá para o seu apartamento e não saia de lá até eu mandar. Amanhã nas primeiras horas da manhã eu vou até lá e nós vamos ter uma conversa bem séria, garoto... Meu Deus do céu! Isso não está certo! Não está certo!

Yuzuriha girava em torno de si mesma com as mãos coladas aos cabelos duros de laque.

Mu nada respondeu a ela.

A rejeição de Hakurei lhe doía fundo na alma, mas o olhar de repulsa de Yuzuriha o destroçava por inteiro. 

Com passos vagarosos, doloridos e vacilantes, de mãos dadas com Shaka, Mu deu as costas a mãe e seguiu para a saída da casa que um dia chamou de lar deixando pelo caminho uma trilha de lágrimas. Os ombros encolhidos e a cabeça baixa tornavam visível seu estado de espírito. Uma postura bem diferente da coragem afrontosa de antes.

Estava derrotado.

A cada passo que dava, em voz baixa Mu repetia como um mantra:

— Está tudo bem, amor... Vai ficar tudo bem... Nós vamos ficar bem, Shaka... Vai ficar tudo bem...

Na verdade era para si mesmo que repetia aquelas palavras.

 

 


Notas Finais


...... pois é... alguém duvidava que seria diferente? Infelizmente esse cap é baseado em fatos reais e ocorre diariamente me muitos lares ao redor do mundo todos os dias T.T

Tumblr da Rosenrot com suas artes:
https://rosenrotstuff.tumblr.com/

Nosso grupo no face " Fics trio ternura" com informação extra, curiosidades e muito mais :
https://www.facebook.com/groups/1522231508090735/

Grupo do Mushakismo, espaço reservado apenas para Mu x Shaka:
https://www.facebook.com/groups/554678934699718/


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