História O Tabuleiro - O Poder de Água

- Nos somos os Imperadores do Século Antigo. Eu sou Janelle, e este é Quaza o patriarca da família, mas vocês podem chamá-lo de IRA. Creio que estamos aqui pelo mesmo motivo das outras duas famílias.

A mulher que dissera isso era ousada e tinha um olhar provocante. Com certeza era do tipo que intimidava e não do que se deixava intimidar.

Mas Sirene também era uma mulher que sabia falar com firmeza:

- Imperadores do Século Antigo? Então, mais uma das famílias protetoras veio para buscar a nossa aliança.

Todos ficaram se encarando por alguns segundos antes do silêncio ser quebrado pelo dito IRA:

- Perderam a voz por acaso? Passamos meses sem nos comunicarmos com outras famílias, e quando resovemos formar alianças é assim que somos recebidos?

Marco achou o patriarca dos imperadores extremamente desagradável. Sem tom de voz era alto e estridente.

- Por favor, vamos manter a calma.- disse Reynald.- Sentem-se, estávamos no meio da reunião quando vocês chegaram.

IRA se irritou:

- O quê?! Eu não acredito que terei que me submeter a isso.

Janelle apoiou-se em seu ombro:

- Tenha calma Quaza, tenho certeza que essa reuniãozinha será importante para nos relacionarmos melhor com os nossos colegas protetores. Passamos tanto tempo afastados de todos que agora que o ano novo está chegando precisamos fazer de tudo para ficarmos em evidência.

A mulher falava tocando o corpo do homem, e ia se aproximando dele a ponto de quase estar sussurrando em seu ouvido. Formavam um casal estranho.

Os dois por fim cessaram o seu showzinho particular e sentaram-se à mesa junto com os membros das outras famílias.

Marco olhou para Gina para ver como ela estava reagindo a tudo aquilo. Ela parecia preocupada, olhava ao redor com frequencia e olhava para as duas fontes como se esperasse que um monstro dos mares fosse sair de lá a qualquer momento. Sua expressão ao encarar os dois Imperadores do Século Antigo era de pavor, e seus olhos corriam deles para Reynald e Sirene a todo momento.

Ela também olhava para o seu cãozinho Kerb e alisava o seu pelo. Ou melhor dizendo, a sua fera mestiça Kerb. Marco sorriu quando se lembrou dela enfrentando Sidney junto com ele, como era gracioso uma garota de aparência dócil e meiga controlar uma fera daquelas com tanta destreza.

De repente a sua lembrança foi brutalmente interrompida quando alguém começou a alisar a sua cabeça:

- Tudo bem querido? Você não se importa se eu me sentar aqui ao seu lado, não é? – disse Janelle enquanto encarava fixamente em seus olhos e descia a mão acariciando a sua face.

Marco se sentiu constrangido com a intimidade daquela mulher, quando ele olhou para Gina que estava a sua frente viu que ela havia corado e desviado o olhar rapidamente.

- Muito bem. – continual Reynald. – Eu estava dizendo que é importanteque as famílias façam alianças estre si. Mas vendo como estamos visados, acho que alguns testes se fazem necessários.

- Testes? – perguntou o velho Zoan. – que tipo de testes?

- Vamos começar com algo simples. Uma entrevista.

Todos se entreolharam curiosos, o que será que os Escamas Marinhas usariam como requisito na hora de escolher a sua família aliada?

- Lune Lancelot. Você será o primeiro. – continuou Netuno apontando o tridente para ele. – Por que deseja se aliar a nós?

Lune revirou os olhos antes de responder:

- Não vou ser hipócrita. Estou em busca de poder, desejo transformar os Bastardos Urbanos na mais poderosa das famílias protetoras.

- Uma motivação tola, eu diria. – interrompeu o velho Zoan. – E quando obtiver o que deseja vai fazer o que? Vai simplesmente descartar a família com a qual se aliou para conseguir o seu sucesso?

- Você não fala na minha vez, seu velho.

- Por favor, não o chame assim! – disse Gina de forma surpreendentemente imponente e se pondo em pé.

Todos olharam surpresos para a jovem. Lune abriu um sorriso debochado:

- Você criou os seus oficiais direitinho Zoan. Da última vez que vi o meu irmão ele já havio se tornado um puxa-saco igualzinho a essa garota.

- Silêncio! – Gritou Reynald. – Sente-se garota. E você Lune já aproveitou a sua vez. Zoan você é o próximo.

O Velho pigarreou antes de falar:

- Como vocês já devem ter percebido, o ano 3000 trará mudanças para o mundo todo. Acredito que este momento coincida com o surgimento de uma ameaça misteriosa que vem se tornando crescente de uns tempos para cá.

Ira pigarreou solicitando a palavra pela primeira vez:

- Sei de que ameaça você está falando. Estivemos acompanhando as notícias nos jornais e na internet e vimos que o grupo de resistência se tornou muito mais potente na capital.

- Exatamente, e vocês com certeza devem saber que eu estou sendo processado por “atacar” cidadãos indefesos e sem super-poderes. Isso com certeza não teria acontecido se no momento eu tivesse o apoio de outras famílias, mas ao contrário eu tive que lutar contra uma delas. Enfim, precisamos nos unir. As famílias precisam se unir.

- Nos unir? Todas as famílias? Para destruir de uma vez por todas todos os membros do grupo de resistência? – perguntou Ira com os olhos brilhando.

- O que? Destruir não. Eu não disse isso.

- Ok, eu já entendi Sr Zoan. Obrigado. Agora aproveitando a deixa, Ira é sua vez de responder. – disse Netuno.

O Imperador fechou-se numa carranca horrível e lançou um olhar a todos na sala antes de responder.

- Poder é o mais importante quando falamos no tabuleiro. Nós Imperadores do Século Antigo somos uma família poderosa. Eu não vim aqui para implorar nada, vim aqui para lhe fazer uma oferta. Aliem-se a nós e não se arrependerão no futuro.

Um silêncio se seguiu por alguns segundos e só foi quebrado por Janelle que abriu um longo sorriso antes de falar:

- Poucas palavras, mas palavras sábias meu querido.

Os Escamas marinhas se entreolharam e engoliram em seco antes de prosseguir:

- Consideraremos isso na hora da escolha. – Disse Reynald.

- Isso é um absurdo. – completou Lune.

Neste instante as portas duplas se abriram novamente e uma pessoa entrou na sala. Era um rapaz jovem de aparentemente vinte anos, alto e ombros largos, usava a malha dos Escamas Marinhas assim como Reynald:

- Rei Netuno. O Senhor mandou me chamar?

- Sim Gerard. Você chegou em boa hora, venha aqui do meu lado. – Em seguida ele dirigiu-se novamente a todos da sala. – Vejo que vocês trouxeram alguns jovens com vocês, com exceção do Ira que assim como eu preferiu trazer a sua companheira. Acho que já sei o motivo, mas mesmo assim gostaria de saber o porquê.

Senhor Zoan foi o primeiro responder:

- Os jovens são o presente e o futuro dessa geração. Eles, mais do que ninguém devem estar por dentro do que acontece entre as famílias. Tenho plena confiança em Gina.

Gina abriu um sorriso tímido ao ouvir a declaração, Marco sorriu ao vê-la sorrir, e ao olhar para o seu lado surpreendeu-se ao ver que Lune também sorria, mas era um sorriso sincero, diferente dos sorrisos cínicos que ele soltava com tanta frequencia:

- Faço minhas as palavras de Zoan! – disse ele. – Marco foi promovido a oficial há pouco tempo, e eu sei a capacidade dele, pois fui eu a treiná-lo quando ele entrou para a família como um aprendiz. Eu o considero como um irmão mais novo.

Marco sentiu-se feliz ao ouvir aquilo, pois o carinho que ele sentia por ele era recíproco, e ele devia a sua vida a ele, pois quando sua doença começou a atacar com mais força Lune foi o primeiro a se preocupar com sua saúde.

Reynald se levantou e aproximou-se do jovem Gerard:

- Eu também tenho toda confiança em Gerard, pretendo torná-lo patriarca da família quando eu me aposentar. Eu o escolhi a dedo, pois ele possui os mesmo poderes que eu.

Todos ficaram surpresos com a afirmação. Era fato que alguns super-poderes pudessem se repetir entre duas ou mais pessoas, mas encontrar essas pessoas com poderes idênticos é que era a parte difícil. Reynald com certeza havia viajado pelo mundo para encontrar o seu precioso Gerard.

- E qual seria esse poder tão inacreditável? – perguntou Janelle já parecendo entediada.

O patriarca abriu um sorriso orgulhoso antes de responder:

- O poder da água.

- Um poder e tanto. – disse o velho Zoan.

- Ele é poderosíssimo. Logo será tanto quanto eu. Afinal é isso que as famílias sempre buscam não é? Poder.

Disse isso lançando um olhar para Lune

- Acho que já entendi a sua indireta. – respondeu ele.

- Que ótimo. Então será o seu Marco contra o meu Gerard em um duelo. O primeiro a derrubar o outro naquele penhasco vence.

Marco se espantou ao ouvir aquilo:

- O que? Lune, como assim? Ninguém me perguntou se eu quero participar disso.

- Infelizmente nesse momento você terá que simplesmente fazer o que eu mando Marco. Eu não estaria colocando você nessa se eu não confiasse na sua capacidade.

Janelle passou uma mão por seu ombro:

- Eu vou torcer por você meu querido.

Marco não tinha medo de perder, nunca tivera para falar a verdade, mas ele estava com uma sensação estranha. Subitamente todos estavam com os olhos postos nele, era como se ele estivesse sendo testado, como se quisessem ver até onde ele seria capaz de ir.

Todos se levantaram da mesa e foram até o espaço aberto da sala. O vento bateu com um pouco de força bagunçando o seu cabelo. O cheiro salgado do mar estava presente em todo lugar. A vista era algo fenomenal, era possível ver a costa do continente há alguns quilômetros a oeste.

Os dois duelistas se puseram frente a frente antes de começar, seria uma queda de mais de trinta metros para o perdedor. Sirene deu um passo à frente e começou a falar:

- O objetivo do duelo é derrubar o adversário do penhasco. Para isso os dois devem usar os seus poderes da forma que lhe aprouver.

- Muito bem! Comecem! – disse o Rei Netuno batendo com o seu tridente no chão.

Gerard fez o primeiro movimento. Ele simplesmente fez alguns gestos com as mãos e uma pequena quantidade de água do mar subiu flutuando até ele. A água ficou girando ao seu redor enquanto ele a controlava com seus gestos. Marco ficou um pouco temeroso, mas resolveu avançar contra ele mesmo assim. Gerard lançou algumas porções de água contra ele e começou a golpeá-lo com ela como se fossem luvas de boxe.

Marco foi acertado uma ou duas vezes, mas nada que o derrubasse. Rapidamente ele assimilou o padrão dos ataques de seu adversário e começou a se esquivar deles. Ele avançou contra ele mais uma vez e tentou agarrá-lo, mas Gerard estava encharcado e escorregadio, pois uma quantidade de água continuava flutuando e girando ao seu redor como um escudo.

O Escama fez mais alguns gestos e mais água veio flutuando do mar até o topo do penhasco. Marco mais uma vez teve que se afastar dele para não ser atingido, Gerard continuou usando a água para tentar atacá-lo cada vez com mais força e mais velocidade, ele precisou usar os seus poderes de saltos para conseguir escapar dos jatos de água, quanto mais ele saltava e desviava parecia que mais água se juntava á que estava sendo controlada por Gerard.

- Você tem que se aproximar dele Marco! – gritou Lune.

- Ouviu isso Gerard? Não o deixe chegar perto de você. – Rebateu Netuno.

Não era preciso falar, na verdade estava muito difícil mesmo chegar perto dele com toda aquela água, Marco chegou à conclusão que Gerard estava apenas brincando com ele, se ele podia controlar qualquer quantidade de água ele poderia acabar com aquilo a qualquer momento.

Marco foi insistente e tentou chegar perto dele mais uma vez, dessa vez ele não tentou agarrá-lo, pois sabia que isso seria inútil, em vez disso ele passou uma rasteira em suas pernas e o derrubou no chão. Ele tentou aproveitar o momento para puxá-lo pelo braço, mas Gerard foi rápido em sua recuperação e usou um jato d’água para empurrá-lo para longe:

- Chega de brincar. Vou acabar com você agora. – disse ele trazendo mais água e “moldando-a” para formar uma bolha.

Rapidamente Marco já estava sendo aprisionado dentro daquela bolha de água, ele precisou agir rápido para sair dali, deu uma braçada com força e escapou da bolha, mas Gerard era insistente:

- Você não vai escapar disso!

Ele ergueu as mãos e uma enorme quantidade de água se uniu até tomar a forma de um dragão marinho:

- Isso é inacreditável! MARCO, CUIDADO! – gritou Gina.

Marco olhou para cima fascinado, um enorme dragão de água estava pronto para atacá-lo. Era algo belo de se ver, porém tenebroso ao mesmo tempo.

Gerard fez um gesto com as mãos e o Dragão de água avançou de uma vez contra Marco engolindo-o. A pressão da água dentro dele era imensa e ele não conseguiu escapar dando apenas uma braçada, e para piorar o monstro se mexia o tempo todo, deixando-o tonto.

O dragão subiu até alguns metros acima da altura do penhasco e despencou em queda livre se desmanchando com Marco em seu interior, a essa altura a vitória de Gerard já era certa, mas Marco também sabia agir rápido, quando ele se viu caindo próximo à beirada do penhasco ele agarrou a ponta dele com força e se pendurou assim em sua última esperança. A enorme quantidade de água caiu no mar causando um estrondo.

Gerard acreditou que já havia vencido e virou-se para o público ficando de costas para o penhasco:

- Está terminando!

- Parabéns Gerard. Sabíamos que você seria o melhor. – disse Sirene animada.

Foi a oportunidade perfeita para Marco. Ele escalou a pontinha do penhasco e correu até o descuidado Escama Marinha virado de costas. Marco o agarrou pelos ombros e usou a sua super força para arremessá-lo de uma vez para o penhasco.

Todos ficaram boquiabertos.

- Esse garoto é astuto. – observou Ira.

- Sim. Tão tímido, porém mais forte do que aparenta. – disse Janelle mordendo o lábio inferior logo em seguida.

Reynald e Sirene correram até a beira do penhasco para verem o jovem. O patriarca ergueu o tridente e uma porção de água veio flutuando em forma de bolha envolvendo Gerard. Em seguida ela pousou em segurança em terra firme e libertou o rapaz.

- Parabéns Lune. Você treinou bem esse garoto, ele conhece bem suas fraquezas e seus pontos fortes.

Gina correu até Marco, Lune e Zoan vieram andando logo atrás:

- Marco. Meu coração quase parou quando achei que você tivesse caído.

Ele sorriu e fez um carinho no cãozinho que ela segurava:

- Tudo bem, eu sou mais duro na queda do que você.

Seus respectivos patriarcas olhavam desconfiados para a cena:

- Tem alguma coisa acontecendo entre vocês dois? – perguntou Lune

- O que? Não?! Nada, eu juro! Nada mesmo! – Respondeu Gina tão vermelha que parecia um tomate.

- Deixe os dois Lune. – disse o velho Zoan. – há tempos que eu tento acabar com essa rivalidade entre nossas famílias, é bom ver que pelo menos uma amizade esteja crescendo.

O grupo continuou conversando sobre amenidades entre si, e o duelo que acabara de ocorrer, enquanto isso os dois Imperadores do Século Antigo continuavam parados perto das colunas que separava o escritório do penhasco. Eles encaravam Marco de forma estranha, estavam observando-o, estudando-o. Janelle fazia caras e bocas, suas mãos deslizavam pelo peito de Quaza enquanto ela sussurrava em seu ouvido. Já ele não tirou os olhos do jovem Bastardo nem por um segundo. Marco estava com um péssimo pressentimento sobre isso.

De repente um homem de jaleco entrou correndo no escritório, devia ser um dos cientistas da família, ele parecia assustado.

- Rei Netuno! – Gritou ele. – Péssimas notícias vindas de Belém.

Todos olharam para ele com atenção. Belém era a cidade sede do Conselho Regente das famílias e o local da reunião que se realizaria no ano novo.

- Pois não faça suspense homem. Diga de uma vez.

- As duas chaves de portal que estão sob o poder do conselho foram roubadas.