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História Ônix - Capítulo 18


Escrita por: CarolMirandaS2

Notas do Autor


Boa leitura a todos. ❤

Capítulo 18 - Capítulo 18


Blake era um maldito ninja.

Movendo-se como um raio, ele passou por baixo do braço esticado da Arum e girou o corpo, desferindo um violento chute nas costas da mulher. Ela deu um passo cambaleante à frente e se virou. Uma nuvem de energia negra escureceu o ar em torno de sua mão. Ela, então, puxou o braço para trás, preparando-se para contra-atacar.

Blake se abaixou e deu uma rasteira, pegando em cheio a calça de couro da mulher. A energia negra se apagou enquanto ambos se punham novamente de pé e se encaravam, andando em círculos no apertado espaço entre o aglomerado de mesas e pessoas congeladas.

Fiquei parada no lugar, perplexa e chocada com a cena. O rosto do Blake não exibia nenhuma expressão. Era como se um interruptor o tivesse ligado em modo combate, seu corpo inteiro totalmente focado na Arum.

Ele atacou, a mão acertando o queixo da mulher e lançando sua cabeça para trás. Escutei um barulho de dentes chacoalhando e, quando ela abaixou novamente a cabeça, um líquido escuro e oleoso escorria de seu lábio.

Ela piscou e ressurgiu em sua forma verdadeira. Uma silhueta de sombras densas e esfumaçadas que se lançou contra o Blake.

Ele riu.

E girou tão rápido que sua mão pareceu um simples borrão ao mergulhar fundo no que deveria ser supostamente o peito da mulher. Seu relógio… não era um relógio normal. Era uma peça de obsidiana que no momento encontrava-se enterrada no peito da Arum.

Blake puxou a mão de volta.

Ela reassumiu a forma humana, o rosto pálido e em choque. Um segundo depois, explodiu numa nuvem de fumaça negra que soprou meu cabelo para trás e deixou o ar impregnado com um cheiro amargo.

Sem sequer parecer ofegante, Blake se virou para mim e pressionou algo em seu relógio. Em seguida, prendeu-o novamente no pulso e correu a mão pelo cabelo bagunçado.

Eu o observava boquiaberta, sentindo a obsidiana em minha mão esfriar rapidamente.

— Você é uma espécie de… Jason Bourne ou algo do gênero?

Ele voltou até nossa mesa e soltou uma nota de vinte e outra de dez sobre a toalha quadriculada.

— Precisamos conversar em algum lugar mais reservado.

Inspirei fundo, os olhos arregalados. Meu mundo acabara de se tornar ainda mais insano, mas se eu podia lidar com alienígenas, com certeza conseguiria lidar com meu amigo ninja. O que não significava que estava disposta a ir a lugar algum com ele até saber o que diabos Blake era.

— Meu carro.

Ele assentiu com um menear de cabeça e seguimos para a porta. Blake a abriu para mim e em seguida se virou para o restaurante ainda petrificado. Com um brandir da mão, todos voltaram a se mover. Ninguém pareceu se dar conta de que havia ficado congelado por vários minutos.

Estávamos a dois passos do meu carro quando percebi que minhas mãos tremiam e senti o familiar arrepio na nuca.

— Só pode ser brincadeira — murmurou Blake, tomando minha mão.

Não precisei nem olhar. Não havia nenhuma caminhonete Infiniti estacionada diante do restaurante, não que eu pudesse ver. Mas também não precisava; Daemon tinha sua própria forma especial de viajar quando necessário.

Uma sombra alta e intimidadora recaiu sobre nós, fazendo-me erguer os olhos. Lá estava meu vizinho, com um boné de beisebol preto enterrado na cabeça cobrindo a metade superior do rosto.

— O que… o que você está fazendo aqui? — perguntei, só então me dando conta de que Blake segurava minha mão. Soltei-a imediatamente.

Daemon estava com o maxilar tão trincado, tão duro, que seria capaz de partir uma placa de mármore.

— Estava prestes a te perguntar a mesma coisa.

Ai, ai, isso não era nada bom. No mesmo instante esqueci completamente da Arum e dos poderes ninja do Blake. Tudo o que me importava era o Daemon e o que ele devia estar pensando.

— Isso não é o que…

— Vejam bem, não faço ideia do que está rolando entre vocês…

— Enquanto falava, Blake fechou a mão em volta do meu cotovelo.

— Mas Katy e eu precisamos conversar.

Num segundo, ele estava falando e, no seguinte, espremido contra a janela do Smoke Hole Diner por um alien de mais de um metro e oitenta.

O rosto do Daemon encontrava-se a centímetros do de Blake, a aba do boné pressionando a testa do surfista.

— Se tocar nela de novo, eu…

— Você o quê? — rebateu Blake, os olhos estreitados.

Pousei a mão no ombro do meu vizinho e o puxei. Ele não se mexeu.

— Daemon, para com isso. Solta ele.

— Quer saber o que eu vou fazer com você? — Seu corpo inteiro tencionou sob minha mão. —Sabe a sua cabeça e a sua bunda? Bem, elas estão prestes a se conhecerem intimamente.

Ah, pai do céu. Estávamos começando a chamar a atenção.

Algumas pessoas nos observavam de dentro de seus respectivos carros. Sem dúvida o restaurante inteiro também estava testemunhando a cena. Tentei separar os dois mais uma vez, mas ambos me ignoraram.

Blake abriu um sorrisinho presunçoso.

— Gostaria de te ver tentar fazer isso.

— Acho melhor você repensar. — Daemon soltou uma risada baixa. — Você não faz ideia do que eu sou capaz, garoto.

— Aí é que está a graça. — Blake agarrou o pulso do Daemon.

— Sei exatamente do que você é capaz.

Um calafrio percorreu minha espinha. Quem diabos era ele?

O Cara da Camisa de Flanela saiu do restaurante suspendendo o jeans rasgado. Com uma bela cuspida no chão, aproximou-se da gente.

— Rapazes, acho melhor vocês pararem com isso antes que alguém chame a…

Blake ergueu a mão livre e o Cara da Camisa de Flanela parou.

Com uma profunda sensação de desânimo, dei uma olhada por cima do ombro. Todos no estacionamento tinham congelado. Com certeza o pessoal dentro do restaurante estava na mesma situação.

O contorno do corpo do Daemon adquiriu um brilho vermelho- esbranquiçado. Um silêncio tenso recaiu sobre nós. Eu sabia que ele estava prestes a dar uma de Luxen para cima do surfista.

A mão que segurava o pescoço do Blake devia ter se fechado com mais força ainda, porque este soltou um ofego.

— Não me interessa quem ou o quê você é, mas é melhor me dar logo um bom motivo para não te mandar desta para sua próxima vidinha patética.

— Eu sei o que você é — soltou Blake, soando engasgado.

— Você não está ajudando — rosnou meu vizinho, e tive que concordar. Lancei um olhar ansioso para o Cara da Camisa de Flanela. Ele continuava parado no mesmo lugar, a boca aberta deixando à mostra os dentes manchados. A luz em torno do

Daemon tornou-se mais intensa. — Vamos tentar de novo.

— Acabei de matar uma Arum e, mesmo que eu te ache um idiota arrogante, não somos inimigos. — As palavras seguintes foram interrompidas por uma tosse engasgada. Agarrei Daemon pelos ombros. Não podia deixar que ele estrangulasse o Blake. — Posso ajudar a Katy — continuou ele num fio de voz. — Isso é bom o bastante?

— Como assim? — exigi saber, abaixando as mãos.

— Veja bem, só de ouvir você pronunciar o nome dela, fico com vontade de te matar. Portanto, não, isso não é bom o bastante.

Os olhos do Blake se voltaram para mim.

— Katy, eu sei o que você é, os poderes que pode vir a desenvolver, e posso ajudá-la.

Fitei-o, chocada.

Daemon se inclinou na direção dele. Seus olhos, agora brancos, brilhavam como diamantes.

— Me responda uma coisa. Se eu te matar, essas pessoas irão descongelar?

Blake arregalou os olhos, e percebi que Daemon não estava brincando. Ele já não gostava do surfista e, para piorar as coisas, o garoto, ou o que quer que ele fosse, era obviamente uma ameaça.

Ele sabia demais, e pelo visto sabia também o que eu era. Espere um pouco. O que eu era?

Dei um passo à frente.

— Solta ele, Daemon. Preciso saber do que ele está falando.

Seus olhos brilhantes continuaram focados no Blake.

— Afaste-se, Kat. Estou falando sério. Afaste-se.

Até parece.

— Para com isso. — Como ele não respondeu, gritei: — Para!

Será que dá para parar por dois malditos minutos?

Daemon piscou e se virou para mim. Aproveitando a distração, Blake enfiou o braço entre ele e meu vizinho e se desvencilhou. Em seguida, deu alguns passos cambaleantes para o lado, colocando uma distância segura entre os dois.

— Jesus! — O surfista esfregou a garganta. — Você tem sérios problemas de agressividade. Isso é uma doença.

— A cura pra isso é te dar uma surra.

Blake descartou o comentário com um brandir da mão. Daemon fez menção de atacá-lo novamente, mas me meti na frente dele.

Com as mãos em seu peito, fitei-o no fundo dos olhos, no momento irreconhecíveis.

— Para com isso. Você precisa parar agora.

Os lábios dele se curvaram num rosnado.

— Ele é um…

— Nós não sabemos o que ele é — interrompi, já sabendo o que ele ia dizer. — Mas ele matou a Arum. E não feriu ninguém mais, embora tenha tido oportunidade mais do que suficiente de fazer isso.

Meu vizinho soltou o ar com força.

— Kat…

— Precisamos escutar o que ele tem a dizer, Daemon. Eu preciso escutar. — Inspirei fundo. — Além disso, essas pessoas já foram congeladas duas vezes. Isso não pode ser bom para elas.

— Não estou nem aí. — O olhar dele se fixou em Blake e, Deus do céu, a expressão em seu rosto deveria ter feito o surfista fugir correndo. Daemon, porém, apenas sacudiu os ombros largos e deu um passo para trás, voltando aqueles olhos de diamante para mim.

Eu me encolhi. — Ele vai falar. Depois eu decido se irei deixá-lo ou não ver o dia de amanhã.

Bom, isso era o melhor que poderíamos esperar a essa altura.

Olhei de relance para o Blake, que revirou os olhos. O garoto só podia estar com vontade de morrer.

— Será que você pode, hum, dar um jeito neles? — Apontei para o Cara da Camisa de Flanela.

— Claro. — Ele brandiu o pulso.

— Polícia. — Terminou de dizer o sujeito.

Virei-me para ele.

— Está tudo bem. Obrigada. — Virei-me de volta e afastei o cabelo do rosto. — Meu carro… isto é, se vocês conseguirem se comportar num espaço fechado.

Sem responder, Daemon seguiu até o carro e se acomodou no banco do carona. Soltei um suspiro desanimado e me dirigi para o lado do motorista.

— Ele é sempre nervosinho assim? — perguntou Blake.

Lancei-lhe um olhar furioso e abri a porta. Sem olhar para o meu vizinho, liguei o aquecimento e, em seguida, me virei no assento de modo a poder encarar Blake, que se acomodara no banco de trás.

— O que você é?

Com os olhos fixos na janela, Blake mexeu o maxilar algumas vezes antes de responder:

— A mesma coisa que eu suspeito que você seja.

Minha respiração ficou presa na garganta.

— E o que você acha que eu sou?

Daemon estalou o pescoço, mas não disse nada. Parecia uma granada cujo pino fora puxado. A qualquer momento viria a explosão.

— No começo eu não fazia ideia. — Blake se recostou no assento. — Algo em você me atraiu, mas eu não sabia o que era.

— Escolha suas próximas palavras com cuidado — rosnou Daemon.

Revirei-me no assento, apertando a obsidiana em minha mão.

— O que você quer dizer com isso?

Blake balançou a cabeça e manteve os olhos fixos à frente.

— Na primeira vez que te vi, percebi que havia algo diferente.

Depois, quando você congelou o galho e eu vi a obsidiana, entendi.

Só quem sabe que precisa temer as sombras usa uma pedra dessas. — Alguns segundos se passaram em silêncio. — Então teve o nosso encontro… sei muito bem que o copo e o prato não viraram no meu colo por acidente.

Uma risadinha sarcástica ecoou do banco do carona.

— Bons tempos.

Uma sensação desconfortável triplicou a velocidade dos meus batimentos cardíacos.

— O quanto você sabe?

— Existem duas raças de alienígenas na Terra: os Luxen e os Arum. — Ele fez uma pausa enquanto Daemon se virava no banco.

Em seguida, engoliu em seco. — Você é capaz de mover coisas sem tocá-las, e também consegue manipular a luz. Tenho certeza de que pode fazer mais ainda. Ah, e também tem o poder de curar os humanos.

O carro pareceu ficar pequeno demais. Não havia ar suficiente ali dentro. Se Blake sabia a verdade sobre os Luxen, então o DOD também sabia, certo? Soltei o colar e fechei as mãos em volta do volante, meu coração martelando enlouquecidamente.

— Como você sabe de tudo isso? — perguntou Daemon, a voz surpreendentemente calma.

Seguiu-se uma pausa.

— Eu tinha treze anos. Estava deixando um treino de futebol com um amigo… Chris Johnson. Ele era um garoto normal, como eu, exceto pelo fato de que era super veloz, nunca ficava doente e eu jamais ter visto seus pais em nenhum dos nossos jogos. Mas quem liga, certo? Eu não dava a mínima, até o momento em que, distraído, desci da calçada na frente de um táxi. Chris me curou. Foi assim que descobri que ele era um alienígena. — Seus lábios se contorceram num sorriso irônico. —Achei aquilo o máximo. Meu melhor amigo era um alien. Quem pode dizer uma coisa dessas? O que eu não sabia e que ele também não me contou foi que isso me transformou num maldito farol. Cinco dias depois, quatro homens invadiram a minha casa. Os sujeitos queriam saber onde eles estavam — continuou ele, crispando as mãos. —Eu não fazia ideia do que estavam falando. Eles, então, mataram meus pais e minha irmãzinha na minha frente. E, como nem assim conseguiram que eu os ajudasse, me surraram até quase me matarem.

— Ai meu Deus — murmurei, horrorizada. Daemon desviou os olhos, o maxilar trincado.

— Não tenho muita certeza de que Ele exista — retrucou Blake, soltando uma risada totalmente destituída de humor. — De qualquer forma, levei um tempo para descobrir que a cura faz com que você absorva os poderes deles. As coisas começaram a voar de um lado para outro logo depois que fui morar com meu tio. Quando me dei conta de que meu amigo havia me transformado, pesquisei o máximo que consegui. Não que eu precisasse. Os Arum me encontraram de novo.

Um bolo de ácido se instalou em meu estômago.

— Como assim?

— A Arum que apareceu no restaurante, ela não conseguia me sentir por causa do quartzo beta… é, sei sobre isso também. Mas, se sairmos da área de alcance do quartzo, somos que nem o seu…amigo aí para eles. Na verdade, mais saborosos.

Bem, isso confirmava um dos meus medos. Minhas mãos escorregaram do volante. Não sabia o que dizer. Era como ter o tapete puxado de baixo dos seus pés e cair de cara no chão.

Blake suspirou.

— Quando percebi o perigo em que me encontrava, comecei a treinar para melhorar minha capacidade física e a trabalhar os meus poderes. Aprendi sobre a fraqueza deles através dos… outros.

Sobrevivi da melhor maneira que consegui.

— Isso é tudo muito legal, essa história toda de cuidar e compartilhar, mas como você veio parar aqui, com tanto lugar no mundo?

Ele olhou para o Daemon.

— Quando descobri sobre o quartzo beta, eu e meu tio nos mudamos para cá.

— Que conveniente! — murmurou meu vizinho.

— E é mesmo. As montanhas. De fato, muito conveniente.

— Existem muitos outros lugares protegidos pelo quartzo beta.

— O tom do Daemon transbordava desconfiança. — Por que aqui?

— Me pareceu uma área menos populosa — respondeu Blake.

— Imaginei que não me depararia com muitos Arum por aqui.

— Então era tudo mentira? — perguntei. — Santa Monica? O surfe?

— Não, nem tudo. Eu realmente sou de Santa Monica e adoro surfar. Menti tanto quanto você, Katy.

Ele tinha razão.

Blake recostou a cabeça no banco e fechou os olhos. Mergulhou em sombras, o cansaço fazendo os ombros penderem. Pelo visto o pequeno espetáculo de congelar uma plateia inteira o deixara exaurido.

— Você foi ferida, certo? E depois curada por um deles.

Ao meu lado, Daemon enrijeceu. Minha lealdade para com meus amigos jamais me permitiria confirmar nada. Eu não os trairia, nem mesmo para alguém que talvez fosse como eu.

Ele suspirou novamente.

— Não vai me dizer quem foi?

— Isso não é da sua conta — respondi. — Como você sabia que eu era diferente?

— Além do óbvio? Da obsidiana, do guarda-costas alienígena e do galho? — Ele riu. — Você exala eletricidade. Quer ver? — Estendeu o braço entre os assentos e pousou a mão sobre a minha.

A estática resultante do contato fez com que ambos nos retraíssemos.

Daemon agarrou a mão do Blake e a tirou de cima da minha.

— Não gosto de você.

— O sentimento é mútuo, parceiro. — Blake olhou para mim. —A mesma coisa acontece sempre que tocamos um Arum ou um Luxen, não é mesmo? Você não sente a pele deles vibrar?

Lembrei-me da primeira vez em que havíamos nos tocado na aula de biologia.

— Você sabe sobre o DOD?

— Sei. Por causa de outra humana como a gente. Ela estava sob a guarda do DOD. Ao que parece, a garota expôs seus poderes e isso atraiu a atenção deles. Ela me contou tudo sobre eles e o que realmente querem. E não é nem os Luxen nem os Arum.

Daemon agora estava totalmente atento. Ele quase pulou para o banco de trás.

— Como assim?

— Eles querem pessoas como a Katy. O DOD não dá a mínima para os aliens. É a gente que eles querem.

Um terror gélido invadiu meu corpo enquanto eu o fitava boquiaberta.

O quê?

— Explique isso direitinho — exigiu Daemon, a estática ficando mais forte dentro do espaço apertado.

Blake inclinou-se para a frente.

— Você realmente acha que o DOD não sabe do que os Arum e os Luxen são capazes de fazer depois de terem estudado a espécie de vocês por décadas e mais décadas? Que eles não sabem com quem estão lidando? Se você realmente acredita que não, então é burro ou ingênuo.

Outra onda de pavor percorreu meu corpo, mas dessa vez pelo Daemon e meus amigos. Embora eu sempre houvesse tido minhas dúvidas, eles haviam me parecido totalmente convencidos de que tinham conseguido esconder seus poderes.

Daemon fez que não.

— Se o DOD soubesse sobre os nossos poderes, não nos deixariam viver em liberdade. Eles nos trancafiariam num piscar de olhos.

— Tem certeza? O DOD sabe que os Luxen são uma raça pacífica, ao contrário dos Arum. Deixar vocês em liberdade resolve o problema com os outros. Além disso, não é verdade que eles se livram de qualquer Luxen que cause problemas? — Blake recuou ao ver Daemon fazer menção de pular por cima do banco. Segurei-o pelo suéter. Não que eu pudesse mantê-lo no lugar se ele não quisesse, mas Daemon parou. — Entenda, tudo o que estou dizendo é que o DOD está interessado em peixes maiores. Em outras palavras, nos humanos transformados pelos Luxen. Nós somos tão fortes quanto vocês… em alguns casos, até mais fortes.

O único problema é que nos cansamos muito mais rápido e levamos um tempo maior para recarregar, por assim dizer.

Daemon se acomodou de volta no banco, as mãos abrindo e fechando sem parar.

— O único motivo para o DOD deixar vocês acreditarem que seu segredinho está bem escondido é porque sabem o que vocês podem fazer com os humanos — prosseguiu Blake. — E é em nós que eles estão interessados.

— Não pode ser — murmurei, meu cérebro se recusando a aceitar a ideia. — Por que o DOD se importaria mais com a gente do que com eles?

— Meu Deus, Katy, por que o governo se interessaria por um bando de humanos com mais poderes do que as próprias criaturas que os criaram? Não sei. Talvez porque isso deixaria à disposição deles um exército de super-humanos capazes de se livrar dos alienígenas caso fosse preciso?

Daemon soltou uma maldição por entre os dentes — uma obra de arte no quesito palavrões. O que me deixou ainda mais assustada, porque isso significava que ele estava começando a prestar atenção ao que Blake dizia. Começando a acreditar.

— Mas como… como você pode ser mais forte do que um Luxen? — indaguei.

— Boa pergunta — concordou Daemon baixinho.

— Sabe aquele negócio de eu saber que o cara lá no restaurante ia sair sem pagar a conta? Foi porque consegui captar fragmentos dos pensamentos dele. Não tudo, mas o suficiente para saber o que ele estava planejando. Posso escutar praticamente qualquer humano… qualquer um que não tenha sofrido mutação.

— Mutação? — Deus do céu, a palavra evocava imagens realmente pavorosas.

— Você passou por uma. Me diga uma coisa, por acaso andou doente nos últimos tempos? Com uma febre realmente alta?

A onda de apreensão surgiu com tanta força que me deixou tonta. No banco ao lado, Daemon tencionou.

— Pela sua expressão, posso ver que sim. Me deixa adivinhar, a febre foi tão forte que você sentiu como se seu corpo inteiro estivesse pegando fogo, não é mesmo? Ela durou uns dois dias e depois você ficou bem… sentindo-se melhor do que nunca? — Ele se virou para a janela de novo e sacudiu a cabeça. — E agora você consegue mover as coisas sem tocar nelas, certo? Provavelmente sem o menor controle. Não fui eu quem fez a mesa tremer lá dentro. Foi você. Essa é apenas a ponta do iceberg. Em pouco tempo você será capaz de fazer muito mais, e, se não aprender a controlar esses poderes, a situação vai ficar feia. Esse lugar está repleto de agentes disfarçados do DOD. Eles estão aqui à procura de híbridos. Até onde eu sei, não é comum os Luxen curarem humanos, mas acontece. — Olhou de relance para o Daemon. — Obviamente.

Com as mãos trêmulas, prendi o cabelo atrás das orelhas. Não adiantava mentir sobre o que eu era capaz de fazer. Blake estava certo. Jesus. Daemon havia me transformado numa mutante.

— Então por que você está aqui se existe tanto risco?

— Por sua causa — respondeu ele, ignorando o rosnado quase imperceptível do meu vizinho. — Para ser honesto, cheguei a pensar em não voltar. Em me mudar para outro lugar, mas tem o meu tio… e agora você. Não há muitos de nós que ainda não tenham sido capturados pelo DOD. Você precisava saber em que tipo de perigo está metida.

— Mas você nem me conhece. — Parecia absurdo que ele fosse se arriscar tanto.

— E nós não te conhecemos — acrescentou Daemon, os olhos estreitados.

Ele deu de ombros.

— Eu gosto de você. Não de você, Daemon. — Sorriu. — Da Katy.

— E eu realmente não gosto nem um pouquinho de você.

Senti o estômago revirar. Não era hora de entrar nesse tipo de discussão. Meu cérebro estava a mil.

— Blake…

— Não falei isso pra te obrigar a dizer se gosta de mim ou não.

Só estou declarando um fato. Eu gosto de você. — Olhou de relance para mim, os olhos semicerrados. — E você não sabe no que se meteu. Posso ajudá-la.

— Uma ova — retrucou Daemon. — Se ela precisar de ajuda para controlar os poderes, eu posso fazer isso.

— Pode? Pra você, isso é como uma segunda natureza. Mas não pra Katy. Precisei aprender a domar meus poderes. E posso ensinar. Ajudar a estabilizar a situação.

— Estabilizar? — Minha risada soou meio engasgada. — O que vai acontecer? Eu vou explodir ou algo do gênero?

Ele me fitou.

— Você pode acabar machucando alguém ou a si mesma seriamente. Escutei alguns casos, Katy. Humanos transformados que… Bem, digamos apenas que a coisa não terminou bem.

— Você não precisa assustá-la.

— Não estou tentando fazer isso. Estou apenas dizendo a verdade — retrucou Blake. — Se o DOD descobrir sobre você, eles irão capturá-la. E se não conseguir controlar seus poderes, irão matá-la.

Soltei um ofego e desviei os olhos. Eles iriam me matar? Como se eu fosse um animal selvagem? Tudo estava acontecendo rápido demais. Menos de vinte e quatro horas antes eu havia passado um tempo agradável, normal com o Daemon. A mesma coisa que havia desejado ter com o Blake, que acabara provando não ser nem um pouco normal. E, o tempo inteiro em que eu acreditara que ele estivesse atraído por mim pelo simples fato de eu ser quem era, ele na verdade se sentira atraído por sermos ambos X-Men em potencial.

Ah-ah. A ironia era uma verdadeira filha da mãe.

— Katy, sei que é muita coisa pra digerir. Mas você precisa estar preparada. Se sair da cidade, os Arum irão atrás de você. Isto é, se você conseguir despistar o DOD.

— Tem razão. É muita coisa pra digerir. — Encarei-o. — Achei que você fosse normal. Mas não é. Agora vem me dizer que o DOD está de olho em mim. Que se eu decidir deixar a cidade, vou virar um Pacote de Salgadinhos para algum Arum. E, o melhor de tudo, que posso perder completamente o controle de quaisquer poderes que eu tenha e acabar matando uma família inteira, para depois ser aniquilada! Tudo o que eu queria fazer hoje era comer uma maldita porção de batatas fritas e ser normal!

Daemon soltou um assobio baixo e Blake se retraiu.

— Você nunca mais será normal, Katy. Nunca mais.

— Não brinca! — rosnei. Queria bater em alguma coisa, mas precisava me controlar. Se havia aprendido algo com a doença do meu pai era que o destino não podia ser alterado. O que eu podia fazer era mudar o modo de encará-lo. Desde que me mudara para aquela cidade, desde que conhecera o Daemon e a Dee, eu havia mudado.

Inspirei fundo, tentando domar a raiva, o medo e a frustração.

Era preciso manter uma perspectiva.

— O que podemos fazer?

— Não precisamos da ajuda dele — disse Daemon.

— Precisam, sim — murmurou Blake. — Ouvi falar do que aconteceu com o Simon e as janelas.

Olhei de relance para meu vizinho, mas ele fez que não.

— O que você acha que vai acontecer na próxima vez? Simon fugiu, só Deus sabe pra onde. Você não vai ter a mesma sorte de novo.

O desaparecimento do Simon não era uma sorte. Não queria encarar isso dessa maneira. Recostei a cabeça no banco e fechei os olhos. Meus membros pareciam pedras de gelo. Não era mais apenas uma questão de temer expor os Luxen, o medo agora era de me expor também. E a minha mãe.

— Como você sabe tanto sobre eles? — perguntei num fio de voz.

— Sabe a garota sobre a qual eu falei? Ela me contou tudo.

Tentei ajudá-la a… fugir, mas ela não quis. O DOD estava com algo ou alguém que significava muito pra ela.

Deus do céu. O DOD era como a máfia. Eles lançariam mão de quaisquer meios necessários. Estremeci.

— Quem era ela?

— Liz alguma coisa — respondeu Blake. — Não sei o sobrenome.

O carro pareceu ficar ainda mais apertado. Encurralada. Eu me sentia encurralada.

Sentado ao meu lado, Daemon fervia.

— Você sabe — disse ele para o surfista — que não tem nada que me impeça de te matar aqui e agora.

— Tem, sim. — A voz do Blake manteve-se calma. — Tem a Katy e o fato de que eu duvido de que você seja um assassino sangue-frio.

Meu vizinho enrijeceu.

— Não confio em você.

— Não precisa. Quem precisa confiar em mim é a Katy.

Esse era o problema. Não tinha certeza se confiava nele, mas Blake era como eu. Se ele pudesse me ajudar a não expor Daemon nem meus amigos, estava disposta a fazer o que fosse necessário.

Simples assim. O resto eu teria que pagar para ver.

Olhei para o Daemon. Ele estava com os olhos fixos à frente, uma das mãos apertando o painel como se o plástico pudesse ajudá-lo de alguma forma. Será que ele se sentia tão impotente quanto eu? Não fazia diferença. Eu não podia… não arriscaria colocá-lo em perigo.

— Quando começamos? — perguntei.

— Amanhã, se você puder — respondeu Blake.

— Minha mãe sai pra trabalhar às cinco. — Engoli em seco.

Blake assentiu e Daemon declarou:

— Estarei lá.

— Não é necessário — revidou o surfista.

— Não dou a mínima. Você não vai fazer nada com a Katy sem a minha presença. — Virou-se para o garoto de novo. — Vamos deixar uma coisa bem clara: não confio em você.

— Problema seu. — Blake saltou do carro e uma lufada de ar frio invadiu o veículo. Ao me ouvir chamá-lo, parou com a mão na porta. — Que foi?

— Como você conseguiu escapar do ataque dos Arum? — perguntei.

Ele ergueu a cabeça para o céu e apertou os olhos.

— Não estou pronto pra falar sobre isso, Katy. — Fechou a porta e partiu correndo para seu próprio carro.

Fiquei ali parada por vários minutos, os olhos fixos na janela, mas sem ver coisa alguma. Daemon murmurou qualquer coisa por entre os dentes e abriu a porta, desaparecendo na escuridão que cercava o restaurante. Ele havia me deixado.

Sequer reparei no trajeto até em casa. Assim que parei na entrada da garagem, desliguei o carro, me recostei no banco e fechei os olhos. Ao sentir a noite envolver o carro silencioso, saltei, inspirei fundo e escutei os degraus da minha varanda rangerem.

Daemon chegara antes de mim. Ele veio ao meu encontro, o boné enterrado na cabeça ocultando-lhe os olhos.

Balancei a cabeça, frustrada.

— Daemon…

— Não confio nele. Não confio em nada do que diz respeito a ele, Kat. — Tirou o boné, correu os dedos pelo cabelo e enfiou-o de novo na cabeça. — Ele surge do nada e sabe tudo. Todos os meus instintos me dizem que Blake não é confiável. Não sabemos quem ele é, se não está trabalhando para alguma organização. Não sabemos nada sobre ele.

— Eu sei. — Um súbito cansaço tomou conta de mim. Tudo o que eu queria era me deitar. — Mas pelo menos desse jeito podemos ficar de olho nele, certo?

Daemon soltou uma risada curta e grave.

— Há outras maneiras de lidarmos com ele.

— Como assim? — Minha voz soou demasiadamente alta, mas foi logo carregada pelo vento. — Daemon, você não está pensando…

— Não sei no que estou pensando. — Recuou um passo. — Merda, nesse momento minha cabeça está uma confusão. — Fez uma pausa. — De qualquer forma, por que você estava com ele?

Meu coração deu um salto.

— Fomos comer alguma coisa. Eu queria…

— Queria o quê?

De alguma forma, senti que havia sido pega em outra armadilha ainda maior. Sem saber ao certo o que responder, não disse nada.

Grande erro.

A ficha caiu e ele ergueu o queixo. Por um momento, seus olhos verdes escureceram com uma mágoa profunda.

— Você foi se encontrar com o Byron depois…

Depois de ter passado a noite com ele… aconchegada nos braços dele. Fiz que não, precisando fazê-lo entender o motivo de ter ido me encontrar com o Blake.

— Daemon…

— Sabe de uma coisa? Isso não me surpreende. — Seu sorriso pareceu ao mesmo tempo amargo e condescendente. — Nós nos beijamos. Duas vezes. Você passou a noite me usando como seu travesseiro particular… e sei que gostou disso. Tenho certeza de que assim que eu fui embora você começou a surtar. E foi correndo para os braços do Boris porque ele não te faz sentir nada. O fato de sentir algo por mim te deixa apavorada.

Fechei a boca.

— Não fui correndo para os braços do Blake. Ele me enviou uma mensagem me convidando para comer alguma coisa. Não foi um encontro, Daemon. Só fui até lá para dizer a ele…

— Então foi o quê, gatinha? — Ele deu um passo à frente, os olhos me perscrutando. — É óbvio que ele gosta de você. Vocês já se beijaram antes. O cara está disposto a arriscar a própria segurança para te treinar.

— Não é o que você está pensando. Se me deixar explicar…

— Você não sabe o que eu estou pensando —rebateu ele.

Uma sensação horrível se alojou em meu estômago.

— Daemon…

— Você é inacreditável, sabia?

Ele não estava dizendo isso no bom sentido.

— Lembra da noite da festa, quando você achou que eu tinha ficado com a Ash? Você ficou tão puta que saiu e acabou explodindo uma série de janelas, expondo a si mesma.

Encolhi-me. Pura verdade.

— E agora você está fazendo… o quê? Saindo com ele logo depois de me beijar?

Eu gosto de você. Meus lábios, porém, recusaram-se a pronunciar as palavras. Não sabia por que, mas não conseguia dizê-las. Não com ele me olhando cheio de raiva e desconfiança e, pior ainda, decepção.

— Não estou saindo com ele, Daemon! Somos amigos. Só isso.

Cético, seus lábios se apertaram numa linha fina.

— Não sou idiota, Kat.

— Eu não disse que você é! — De repente, a irritação tornou-se maior do que a dor em meu peito. — Você não está me dando uma chance de explicar. Como sempre, está agindo como um maldito sabe-tudo, me interrompendo o tempo todo!

— E, como sempre, você é um problema maior do que eu jamais poderia imaginar.

Encolhi-me como se tivesse levado um tapa e dei um passo para trás.

— Não sou problema seu. — Minha voz falhou. — Não mais.

A raiva deu lugar ao arrependimento.

— Kat…

— Não. Em primeiro lugar, nunca fui problema seu. — A raiva se espalhou pelo meu corpo como um incêndio florestal fora de controle. — Agora é que não sou mesmo, pode acreditar.

A janela de emoções que eu podia ver em seus olhos se fechou, deixando-me sozinha a tremer no escuro. De repente, percebi.

Compreendi que o havia magoado mais do que imaginava ser possível. Eu o magoara de um jeito muito pior do que ele jamais fizera comigo.

— Maldição. Nada disso… — Fez um gesto com a mão como se me envolvesse. — Importa no momento. Esquece.

Ele desapareceu antes que eu tivesse a chance de completar o pensamento. Chocada, corri os olhos em volta, mas Daemon não estava em lugar algum. Senti uma fisgada no peito e meus olhos se encheram de lágrimas ao me virar de volta para minha casa.

A súbita realização foi como uma pancada na cabeça.

Eu passara tanto tempo preocupada em afastá-lo, em dizer a ele que o que quer que houvesse entre nós não era real. E agora, ao perceber a profundidade do que ele sentia por mim — e do que eu sentia por ele —, Daemon se fora.



Notas Finais


1/2
* Revisado.


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