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História Ordinary Life - Face The Sun


Escrita por: TheOnlyOne

Notas do Autor


Hai meu povo^^ Como estão vocês?

Voltei gente ♥♥♥
Tô muito nervosa com esse capítulo, sério >< Por favor leiam devagar, pois ficou BEM grande e talvez necessite um pouco de paciência. Escolhi essa música do James Blunt por motivos de ele ser um cantor importante pra mim e dessa música ser perfeita para o capítulo. As partes em itálico são flashbacks, achei uma boa ideia para ajudar vocês a entenderem um pouco mais e sentirem a emoção kkkkkk Os próximos capítulos serão menores e vou responder os comentários do último capítulo agora. Agradeço aos 50 comentários maravilhosos!!!
Ah, e obrigada pelos 2100 favoritos, amo vocês ♥♥

Boa leitura para todos e nos vemos nas notas finais! Sejam bem vindos ao capítulo 46, tanto leitores novos como os antigos!
Isa xx

Capítulo 46 - Face The Sun


Fanfic / Fanfiction Ordinary Life - Face The Sun

Tradução do título: Encarar o sol

“So silently just walk with me
Like any other day
No sad goodbyes, no tears, no lies
Just go our separate ways”

                                    Face The Sun, James Blunt

 

 Respirei fundo duas vezes antes de entrar em casa.

 Niall havia acabado de dispensar o táxi que nos levara e estava ao meu lado, segurando firmemente minha mão. A adrenalina percorria em minhas veias; pensei algumas vezes em voltar atrás e dizer que não podia fazer aquilo, mas decidi seguir em frente. Não posso me esconder nas sombras para sempre. Eu consigo fazer isso, repeti mentalmente até que as palavras soassem reais para mim. Olhei para trás e observei as estrelas antes da porta ser fechada. Elas brilhavam alto no céu, encorajando-me a continuar.

— Vamos? — perguntou Niall serenamente e assenti em silêncio.

 A casa estava toda escura, o que significava que minha mãe já havia se deitado. Meu coração se apertou e pensei que fosse apenas o desespero, mas estava errada. Meus olhos ardiam como se houvesse pimenta neles, minha visão embaçava por conta das lágrimas que lutavam para cair. Nunca pensei que chorar pudesse parecer são ter fácil.

  Subi cada degrau como se fosse o último, relembrando os momentos que passei naquela casa à medida que avançava. Segurei no corrimão com tanta força que os nós de meus dedos ficaram brancos e Niall notou, pois fazia o mesmo com a mão dele. Afrouxei um pouco o aperto e chegamos ao corredor. Niall tirou as mãos de mim para acender a lâmpada e demorou pouco para que eu visualizasse o espaço: minha porta a esquerda, seguida da de Niall. Na um pouco antes do quarto dele e do lado direito estava o da minha mãe com a porta fechada. No fundo a iluminação era fraca, quase inexistente.

 Parecia perto e longe ao mesmo tempo.

— Onde fica a chave? — questionou Niall após um tempo e olhei para ele. Quase quis rir da pergunta, mesmo sem um motivo específico.

— Embaixo do capacho.

 Ele pareceu surpreso; acho que não esperava que fosse tão óbvio assim.

— Não chore — falou quando o espanto passou. Ele pegou meu rosto e acariciou minhas bochechas com um sorriso leve, depois limpou as lágrimas que haviam escapado. Tentei mensurar minha sorte por tê-lo ali e conclui que não podia contar o infinito. — Não sei o que tem lá dentro, mas estarei aqui até o fim. Sempre estive, certo?

 Concordei e o abracei com o máximo de força que pude. O medo que tomava minhas veias era descomunal e já não tinha controle das lágrimas que desciam meu rosto. Meus soluços preenchiam o silêncio como marretadas enquanto Niall afagava meus cabelos. Não sabia de um modo para me acalmar naquele instante, mas a presença dele renovava minha coragem.

 Caminhamos alguns passos e agradeci mentalmente por não estar mais com os saltos de Sam, pois se Niall não estivesse ali, mesmo descalça eu teria caído no chão. Paramos a menos de dois metros da porta e meu sangue todo congelou. Se eu esticasse a mão eu tocaria a maçaneta. Limpei meu rosto e, para me acalmar, puxei ar pelos pulmões por parecer que meu coração não conseguia levá-lo a onde deveria. Tudo que eu precisava era não perder o controle.

— Preciso fazer isso sozinha — sussurrei para Niall.

— O que? — ele parecia não acreditar.

— Não saia, só pode ficar um pouco pra trás, por favor?

 Os braços dele custaram deixar minha cintura, mas assim que isso aconteceu, fechei os olhos e mordi os lábios. Os passos de Niall foram se afastando e era como se ele estivesse levando minha esperança. Entretanto, eu sabia que era o certo.

— Estou aqui — ele disse após algum tempo a voz mais distante.

 

 “— Estou aqui, filha — a voz rouca e confortante de Phillip falou ao me segurar pela cintura.

— Eu vou cair, papai — respondi com medo. Tinha temor em não conseguir, mas Luke reclamava que eu era a única garota de sete anos que não sabia andar de bicicleta sem rodinha e isso me deixava com raiva.

— Se isso acontecer, vou te segurar. É mais fácil que parece, Nina.

— Promete? — questionei com os olhos brilhando.

 Ele parou na minha frente e balançou meu cabelo, sorrindo com minha preocupação. Os claros de papai brilhavam na luz do sol e transcendiam a pessoa alegre que ele é.

— Prometo, minha garotinha.

 Sorri e coloquei meus pés nos pedais, largando assim que meu pai empurrou a bicicleta para frente. O vento em meu rosto e as risadas de Phillip eram coisas tão libertadoras que mal notei quando papai ficou para trás, assim como meus receios. Continuei pedalando com equilíbrio e gritei com êxtase quando virei para voltar e não caí.

— Eu te disse! — ele gritou de longe e gargalhei.

Ele sempre está certo. Sempre cumpre suas promessas.”

 

 Ajoelhei no chão e levantei o capacho para agarrar a chave velha e enferrujada que estava lá. O aspecto áspero me deu nos nervos e demorei um pouco a mais para voltar a ficar em pé novamente. Tremendo, minha mão foi com chave até a fechadura e a adentrou. O clique da tranca destravando acelerou meu coração e comecei a hiperventilar.

Finalmente, minha consciência pareceu feliz ao dizer.

 Parei minha mão a poucos centímetros da maçaneta. Olhava fixamente para a porta quando imagens dos últimos quatro anos chegaram como foguetes em minha mente. Havia tanto pela frente, tanto para desvendar e descobrir. Por que eu preciso fazer isso? É só fingir que não tem nada de errado e continuar a viver, certo? Balancei a cabeça, tentando afastar minha covardia.

Não. Nada do futuro pode acontecer se eu não deixar uma parte de mim para trás. Com esse pensamento, peguei o restinho de coragem que me restava, a última luz no fim do túnel.

 Então, depois de um soluço rouco e desesperado, empurrei a porta.

Uma onda de poeira me fez tossir compulsivamente. As lágrimas que antes nunca saiam agora transbordavam como rios, porém silenciosas. Meus joelhos finalmente cederam e caí no chão, rasgando com tudo a saia do vestido. Niall correu até mim.

— Tá tudo bem?

— Tenho que ir até o fim, Niall — respondi com um fio de voz.

Sozinha, coloquei a mão no chão e ergui meu corpo para entrar no cômodo. A parede branca de um segundo corredor irrompeu minha visão e notei Horan ficando tenso.

 Minha visão ardeu devido ao pó quando entramos no quarto, até então secreto para Niall. Acendi a luz e, surpresa por ela ainda estar funcionando, tive que me acostumar a luminosidade do quarto. Niall obteve êxito antes de mim.

— Meu Deus — murmurou.

 Bastou eu visualizar a parede para que meu controle fosse todo para os ares.

 Pinturas com traços iluministas que pertenciam a meu pai estavam espalhadas por toda a parede, juntamente com fotos grandes de Phillip usando uniforme militar. Antes de ele partir, tudo aquilo ficava espalhado pela casa por serem seus itens preferidos. Arquejei, não conseguindo acreditar que mamãe havia pendurado tudo ali. A tinta branca das paredes estava encardida e o cheiro de mofo me sufocava, mas eu não tive tempo de me preocupar com eles. O pânico tomou conta quando vi as medalhas de mérito e fardas que eram de papai que foram separadas acima de antigos vinis meus largados no chão, possivelmente comidos por traças. Mas ainda estavam lá; Beethoven, Chopin, Mozart.

— Ela os guardou — disse com emoção. — Pensei que tinha doado.

 Aquele cômodo era, com certeza, o maior da casa inteira. Aparelhos de defesa pessoal estavam empacotados dentro de caixas de papelão pelo chão, assim como livros de literatura alemã que costumavam ser de Phillip. Dezenas de fotos estavam espalhadas pelo chão como se tivessem sido jogadas de qualquer jeito — o que era a explicação mais plausível. Toquei uma delas e gritei. Pelo visto a fotografia que Niall achou meses atrás não era a única que não tinha sido queimada. Horan estava atrás de mim e continuava em silêncio, apenas observando minhas reações explosivas a medida que o tempo passava.

Estava lá. Tudo que Lauren jurou ter jogado fora, estava lá.

Por último, girei meu corpo e olhei para a outra extremidade daquela espécie de depósito de memórias. Meu corpo ficou fraco instantaneamente e a nostalgia instalou-se em cada célula minha. Aquilo que um dia fora minha vida, o motivo de minha felicidade quando tudo desmoronava, estava abandonado em um canto acumulando poeira. Uma capa cobria a extensão grande do objeto, mas eu tinha todos os detalhes mentalmente sem precisar mirá-lo de modo direto. Abracei-me em sinal de proteção, tremendo.

— Ai está você — sussurrei. — Não imagina o quanto senti tanto sua falta.

 Não caíram mais lágrimas ou houveram mais soluços. Meu corpo simplesmente desligou, entrando em pane total.

Finalmente, repetiu minha mente antes de apagar.

[...]

 

“— Nina, venha logo!

 Mamãe tomou a mochila da minha mão e sorriu, pedindo para que eu seguisse até onde papai estava. Subi as escadas sem parar para amarrar os tênis no caminho e cheguei até o corredor. Phillip me esperava com um sorriso no rosto, apesar de parecer cansado. Deu uma piscadela travessa e apontou para o único cômodo da casa que, até o momento, não tinha utilidade.

— O que tem aí? — perguntei andando em direção a porta, mas papai não permitiu que eu entrasse no início.

— Minha garotinha faz cinco anos hoje — me pegou no colo e beijou minhas bochechas. Gargalhei e sorri ao passar a mão na barba rala dele. — Preparada para seu presente?

 Assenti e ele me colocou no chão, logo após tapou meus olhos e ajudou que eu caminhasse até o cômodo. Paramos alguns segundos depois e Phillip tirou as mãos que escondiam meus olhos.

— Feliz aniversário! — gritou com a ajuda de mamãe que havia acabado de chegar ao meu lado.

 Olhei para meu presente e gritei com animação. Após pequenos pulinhos e gritos histéricos, corri e o abracei pelas pernas. Era estupidamente maior que eu.

— Não acredito! — falei quando voltei a meus pais para abraçá-los. Mamãe me carregou e eu sorri. — Mas papai tinha dito...

— Já que quer tanto aprender, seu pai e eu concordamos que comprar agora seria o ideal. Fica mais fácil quando se começa jovem.

— Eu usarei também — Phillip se pronunciou e mamãe o repreendeu, o que fez papai gargalhar alto e beijar a cabeça de Lauren.

Virei a cabeça e admirei meu presente com entusiasmo.

— E aí, o que acha? — meu pai questionou depois do meu silêncio.

Sorri com travessura. A resposta estava na ponta da língua.

— Serei uma pianista melhor que você, papai.

Ele ergueu uma sobrancelha e fez sinal de rendição com um sorriso carregado de expectativa e orgulho nos lábios.

— É o que eu espero, Nina.”

[...]

 

Recobrei os sentidos em uma cama de St. George Hospital. Não havia soro pingando ou agulhas penetrando minha pele; as únicas coisas estranhas ali eram a camisola do hospital e o respiradouro no meu rosto para me ajudar a respirar. Pisquei algumas vezes e ergui a cabeça, procurando alguém presente para me explicar o que estava acontecendo. Amelia sorriu ao notar que eu havia despertado. Olhei pela janela e notei ainda ser noite, provavelmente madrugada. Ah, por isso ela está aqui. Dra. Henderson trabalha de plantão nesse turno.

— Olá campeã — disse ela com animação e ergueu a mão para que eu tocasse, o que eu fiz com certo esforço. Tudo bem que não havia agulhas em mim, mas ainda estava fraca demais para ações bruscas e Amelia parecia ignorar isso. Às vezes penso que ela deveria ser a paciente, não a psiquiatra.

— Não me sinto uma campeã — resmunguei depois de tirar o respiradouro. Aquela droga fazia meu rosto coçar.

Amelia se mostrou ofendida.

— Você fez o que nós tentamos fazer em quatro anos, querida. E sozinha! — gritou com felicidade. — Como se sente?

 Franzi o cenho e parei para pensar. Sentia todo meu corpo bambo e meus olhos vacilavam um pouco, porém estava bem. Lembrava das cenas que aconteceram antes de eu apagar claramente; o cheiro do mofo, a textura áspera do chão empoeirado, as figuras do meu passado diante dos meus olhos. Nessa concepção, o quarto do hospital se tornou minha zona de conforto. Sentia as paredes me acolherem diante da confusão que a situação fazia em minha cabeça e apesar do medo em minhas veias, consegui dizer a única coisa que veio em minha mente.

— Onde está Niall? — ignorei a pergunta de Amelia e a olhei em expectativa. Havia tanto a ser dito, tanto que ele deveria saber.

O desespero me deixava tonta. Amelia deu um breve sorriso e agarrou a prancheta ao lado da minha cama.

— Vou chamá-lo, mas não se apresse. Creio que vocês precisam de tempo, certo?

 Ela piscou rapidamente e saiu, me deixando sozinha com meus pensamentos. Tentei imaginar o estado de nervos que Niall estava na recepção, tentando organizar tudo que vira em algo que fizesse sentido e senti um pouco de pena. Talvez ter respondido o “eu te amo” dele com as mesmas palavras fosse surtir um efeito mais aceitável, mas para mim soaria como uma mentira. Ao crescer, aprendi que sentimentos não devem ser demonstrados com palavras e sim com atos.

— Espero estar realmente certa — falei baixinho, minha voz transbordando de receio.

  Niall entrou e me observou com cautela. Seus olhos estavam mais límpidos do que quando eu a vi da última vez e considerei ser um bom sinal. Mesmo abatido e com o terno amassado, continuava sendo o garoto de sempre.

— Olá, Stanton — falou devagar e sentou ao meu lado na cama. Amelia o xingaria por isso, mas decidi aproveitar que não estávamos sendo espionados e deixar para lá. Minha cabeça já não estava das melhores. A dele não podia estar diferente.

— Niall, eu sinto muito — eu disse após um momento de silêncio. Minha melancolia afetou o ar do quarto e questionei desde quando havia me tornado uma sentimentalista ridícula.

Ele passou a mão em meu cabelo e suspirou.

— Pelo o quê?

— Pelo que viu, por estar confuso. E também pelo que vou te contar agora, se quiser ouvir.

 Ajeitei-me ao lado dele e segurei sua mão com força em busca de apoio. Niall brincou com o polegar sobre minha palma por breves segundos.

— Conte-me, Nina. — pediu em tom baixo.

  Quando fechei os olhos e hesitei, imagino que ele pensou que eu tinha desistido ou dormido novamente, então apertou minha com força para checar meus sinais vitais.

 Apertei de volta e olhei nos olhos de Niall antes de dizer a única coisa que veio a minha mente.

— Primeiro, ajude-me a sair daqui.

 

 Niall Horan’s Point Of View

Já era o início do dia quando “fugimos” do hospital. Amelia disse que Nina não podia sair sem mais nem menos depois de sofrer mais um ataque de pânico, porém conseguimos convencê-la depois de muito custo. Ela liberou com a condição de que Nina seria obrigada a voltar mais tarde para checar sua saúde novamente.

 Estacionei na frente da casa dos avós de Nina e apertei o volante na tentativa de esconder meu nervosismo. Ela não havia dito uma só palavra no caminho e olhava fixamente para as próprias mãos com se tivesse feito coisas terríveis com as mesmas.

Talvez seja isso mesmo. Nem sei o que pensar.

 Subimos as escadas em silêncio, ouvindo apenas o ranger das tábuas de madeira e nossas respirações. Ao chegar ao terraço ela nem se preocupou de chegar até as cadeiras, desabando ali mesmo no chão.

Respirei fundo e uni-me a ela. Aquele clima pesado começava a me incomodar. Nina mantinha as pernas presas pelos próprios braços como uma criança com frio e olhava para a janela fechada. Os raios solares passavam pelo vidro e marcavam o chão.

— Meu pai era um soldado do exército alemão antes de conhecer minha mãe — disse ela e abaixou levemente a cabeça para não vacilar. — Os pais dele prezavam muito o nacionalismo, então Phillip não teve escolha quanto à escolha da profissão. Mas ele acabou gostando de fazer aquilo, sabe? Mesmo sendo uma criança, lembro de como ele era feliz por servir a nação quando morávamos em Frankfurt.

  Em silêncio, fui absorvendo as informações devagar. Nina parecia a ponto de chorar e eu deixaria caso ela quisesse, já que essa é a melhor forma de extravasar os sentimentos que conheço.

— Mudamos para onde moramos hoje após ele ser transferido para Sydney. Meus primeiros anos aqui não foram meus melhores, pois falava pouco inglês e não tinha amigos da minha idade. Conheci Luke quando comecei a frequentar a escola e ele era o único garoto que não ria do meu sotaque.

— Mas você não tem sotaque — pontuei e segurei a mão dela, que não demonstrou repulsão.

— Não mais, trabalhei nisso por algum tempo. — concluiu, me deixando surpreso. As mãos de Nina tremiam junto as minhas. Pedi silenciosamente para que ela não desmaiasse novamente antes de terminar. — Phillip era um pai incrível, Niall. Ela brincava comigo como se tivéssemos a mesma idade e sempre estava sorrindo, mesmo doente ou cansado. O único problema era que ele viajava o tempo todo. Com o passar dos meses, ele foi subindo de posto no Exército e tinha que transitar entre países para vistoriar armamentos e soldados.

Ela parou um pouco para sorrir de canto e desejei poder ler seus pensamentos. Nunca havia a visto tão emocional antes.

— Eu tinha quase cinco anos quando ele saiu pela primeira vez. Chorei por dias pedindo para que ele não fosse, e quando vi que não podia impedi-lo, pedi que ele me desse algo que me permitiria deixá-lo perto de mim quando estivesse longe. — ela respirou fundo e mordeu o lábio. — Então, no meu aniversário, poucas semanas antes de ele partir, Phillip me presenteou com um piano.

 Permaneci calado, tentando imaginar a cena que ela acabara de descrever.

— Em Frankfurt, meu pai tinha um grande piano de cauda preto e tocava para mim todos os dias antes de dormir. Ele mostrava paixão quando estava tocando e eu não entendia como algo tão bonito podia ser feito por mãos humanas, ou como Phillip apertava as teclas como se fossem parte dele. Eu pedia a ele para me ensinar a tocar, mas ele sempre me dizia que eu tinha pouca idade. Quando meu pai me deu um piano só para mim, idêntico a aquele que estava em nossa antiga casa em Frankfurt, e disse que iria mostrar como manejar o instrumento, ele permitiu que eu entrasse um pouco mais no mundo dele. Faltando poucas semanas para a viagem, passamos dias e noites na nova sala de música, apenas com a companhia de Chopin e Beethoven.

 Minhas mãos começaram a tremer também.

— Ele te ensinou, certo? — questionei.

 Nina olhou para mim e, com os olhos marejados e um sorriso leve, assentiu. Balançou o tecido do vestido da festa rasgado que havia colocado novamente e continuou.

— Ele tocava desde criança e sabia toda teoria do instrumento, então me ensinou do melhor jeito que pode naquele curto espaço de tempo. Toquei minha primeira partitura por inteiro um dia antes de ele partir.

Um soluço irrompeu a sala e Nina abaixou a cabeça para esconder o próprio rosto que transbordava em lágrimas. Levei meu braço até os ombros dela e a trouxe mais para perto. Lembrei-me do objeto oculto por uma capa no tal escritório e meu coração se apertou. Quantos sentimentos estavam jogados ali, no chão daquela sala?

— Continue, estou aqui contigo — sussurrei em seu ouvido.

Nina limpou rapidamente o rosto.

— Ficava no piano todo meu tempo livre — ela voltou a falar algum tempo depois. — Mamãe trabalhava durante a manhã e eu tinha escola a tarde, então meu avô Bill ficava em casa comigo apenas para que eu pudesse praticar. Fiquei muito boa naquilo, Niall, muito boa mesmo. Quando papai voltou um mês depois, quase chorou quando viu que eu conseguia tocar “Prélude”, de Bach, sem errar nenhuma nota sequer.

Ela então retirou as mãos das minhas e deixou-as no ar, fazendo movimentos rápidos e secos. De olhos fechados, Nina mexia a cabeça conforme avançava e observei aquilo em silêncio. Ela estava tentando se lembrar das notas.

Tocava um piano invisível no ar.

— Mamãe sempre lia na sala de música enquanto eu e papai tocávamos e aquilo nos unia de um modo inexplicável. Antes de ele partir novamente, quase um ano depois, eu já tocava como uma adulta. Meus dedos brincavam com as teclas e a música fazia com que eu me sentisse viva como nada nunca havia feito antes, Horan. Luke e eu brincávamos na escola no piano da sala de música, eu tocando e ele cantando. Acabou que o instrumento se tornou mais que uma lembrança do meu pai quando ele estava longe. Era também uma parte de minha personalidade.

 Por incrível que pareça, os soluços dela deram lugar apenas a melancolia. As lágrimas cessaram também, assim como algumas curiosidades sem explicação que eu tinha sobre Nina. Sempre me intrigou o entendimento que ela tinha sobre música; a via escrever e introduzir instrumentos nas músicas da 5 Seconds Of Summer, prever notas musicais e notas a serem alcançadas pela primeira e segunda voz nas composições de Ashton. Nunca passou pela minha cabeça que ela esteve no lugar deles — no meu lugar — um dia.

 — Papai voltou arrasado da segunda vez que foi a Inglaterra. Ouvi ele e mamãe conversando sobre um homem que salvou a vida do meu pai durante um ataque na cidade onde ele estava, só que morreu no lugar dele e deixou mulher e criança para trás. O tal homem era o único que trabalhava na casa, e isso fez com que meus pais resolvessem ajudar a família. A britânica e o filho tiraram visto e vieram morar na Austrália, mais especificamente na casa ao lado da minha.

 Aquilo me deixou surpreso.

— Onde Harry mora?

— Styles não morava lá há alguns anos atrás. A antiga casa daquele terreno era idêntica a minha — deu de ombros.

 — Ah, entendi.

 Imaginei a jovem Nina, com seis anos de idade, tocando em um piano com o quíntuplo do próprio corpo como se fossem do mesmo tamanho. Fechei os olhos, amaldiçoando a mim mesmo por nunca perguntado a Harry sobre o tempo dele como vizinho de Lauren Stanton.

— Uma mulher com rosto cansado apareceu na sala de estar com um menino de aparentemente dez anos. Ambos tinham olhos claros muito expressivos e pele alva. Minha mãe deu boas vindas aos novos vizinhos e apenas acenei antes de correr pelas escadas, de volta para meu piano. Eu estava tentando aprender minha parte no dueto de ‘Canon in D’ para me apresentar no dia dos pais com Phillip, mas não conseguia fazer as passagens de mão com muita agilidade por conta de meus dedos curtos. Fiquei alguns minutos presa em tentativas frustradas e só o barulho da porta se movendo me parou.

 Fiquei sobre tensão. Ela olhava agora para frente e permanecia imóvel, como se revivesse o momento na própria mente. Engoli a seco.

— O garoto que havia visto minutos atrás estava lá, olhando para mim. “O que está tocando?” perguntou. Mesmo assustada com a intromissão, disse a ele que era um dueto para a escola que eu não conseguia pegar completamente. Então, sem mais nem menos, ele caminhou até mim e sentou-se ao meu lado na banqueta. Olhou as partituras e sorriu. “Não me parece ser difícil. Qual é a sua?”, questionou novamente. Apontei para a minha e ele apenas assentiu, olhando para as notas musicais antes de começar a tocar a partitura do meu pai como se conhecesse-a completamente.

Ela se apertou mais ainda nos próprios braços.

— Fiquei estática ao vê-lo tocar. Possuía seus dez anos e uma ótima percepção para ler partituras, tanto que tocou a peça toda de primeira e sem cometer erros graves. Ele falou: “Posso te ajudar se quiser. Qual é o seu nome?” e me olhou com curiosidade. Apresentei-me e ele ergueu a mão com um sorriso travesso.

Nina falou a última frase como se seu mundo todo tivesse acabado de desabar.

E foi ali que conheci Louis Tomlinson.

 Meu coração palpitou dentro do peito como se pudesse rasgar minha camisa. Os olhos de Stanton voltaram a marejar e me senti um merda por não poder fazer nada para remendar o passado. Quase pedi para que ela parasse de falar e apenas deitasse em meu colo, mas sabia que Nina precisava ficar livre dessa parte da vida dela. A raiva em minhas veias era tão grande que quis socar as paredes. Nem sei ainda o que Louis fez a Nina, mas só consigo odiá-lo mais e mais a cada segundo.

— Não demorou muito para que Louis se tornasse um irmão mais velho para mim, já que estudávamos na mesma escola e éramos unidos por meio da música. Como a mãe dele não tinha dinheiro para desembolsar um piano para o filho, ele vivia dentro da minha casa, revezando o tempo no instrumento comigo. Jay vendia quadros com inspiração no iluminismo que pintava e meu pai comprava alguns para ajudá-la como podia a criar Louis. Meus pais o adotaram como uma espécie de filho também, tanto que sempre o levavam para qualquer lugar que fossemos.

 Nina escondeu o rosto dentro das mãos e respirou fundo, tempo suficiente para que eu pensasse no dia em que Louis estava dentro da casa dela. A antiga relação dele com os pais de Nina explicava o motivo de Lauren ter aberto a porta e chorado ao vê-lo. Era como ver um filho perdido depois de muito tempo.

— As viagens do meu pai se tornaram bem mais frequentes e demoradas dois anos depois. Louis tinha doze anos e me tratava como sua irmãzinha indefesa, algo que eu talvez fosse mesmo. Sempre fui fraca e precisei de ajuda inúmeras vezes para sair de situações fáceis de resolver na escola, todas elas sanadas por algum dos meninos. Tinha medo até mesmo de minha própria sombra. Por isso, um dia antes de outra viagem do meu pai, ele chamou Louis e eu para conversarmos. Com a mão sobre o peito e palavras firmes, fizemos nosso primeiro pacto.

 — Pacto? — disse confuso.

— Era uma espécie de brincadeira que meu pai criou e acabamos levando a sério. Louis prometeu que cuidaria de mim quando meu pai estivesse longe, eu prometi que nunca deixaria Louis em um momento que ele precisasse da minha ajuda. Phillip jurava o mais importante: que voltaria para casa. — Nina riu nasalmente e limpou as lágrimas que voltaram a cair. — É infantil, eu sei, mas foi isso que me manteve com esperança durante os períodos que fiquei sozinha. Luke e os meninos só podiam me ver no período da escola, pois moravam a muitos quarteirões de diferença e eram novos demais para ir até minha casa. Louis estava sempre comigo, porém também crescia e fazia os próprios amigos. Eu estava ficando para trás, já que não convivia com mudanças. Ao menos, com aquela promessa, eu tinha algo para me apegar.

 Pela segunda vez, me senti inútil diante da situação de Nina, pois não sabia o que falar para deixá-la melhor. Decidi abraçá-la com mais força e beijar o topo de sua cabeça, sentindo uma reação positiva vinda dela.

— Nenhum descumpria a própria promessa e aquilo foi me deixando mais tranquila. Louis estudava em turno diferente e tinha mais dever de casa, porém ficava um tempo comigo à noite para ver como eu estava me saindo com minhas novas partituras. Ele sempre acompanhava mamãe em minhas apresentações solo e era o primeiro a puxar os aplausos, sorrindo com orgulho como se fossemos parentes. Papai chegava cansado das viagens, mas o importante era que ele nunca se machucava de modo bruto. Eu sempre tinha todo mundo de volta e era só isso que importava.

Ouvi tudo e assenti para mostrá-la que entendia a situação. Mesmo sendo muita coisa para minha cabeça, era melhor demonstrar entendimento do que confusão.

— Quando fiz dez anos, minha paranoia foi se tornando mais complexa. O cargo importante do meu pai trazia alguns inimigos, então eu sempre temia pela vida dele. Uma vez, estávamos saindo de um recital quando Phillip levou um tiro no ombro esquerdo e sangrou muito até chegar ao hospital. Nunca tive tanto medo de perdê-lo em toda minha vida. Chorei dias dentro do hospital e recebi olhares piedosos das pessoas que por lá passavam. Acho que foi o estopim pra tudo virar de cabeça pra baixo. — a voz dela diminuía gradativamente. — Aquele receio de ficar em ambientes públicos, o medo de rejeição e o desespero ao ver tantos julgamentos me transformou de uma criança antissocial para uma menina neurótica.

— Fiquei semanas faltando às aulas, quase sem comer. Não conseguia ficar na frente de ninguém sem clamar por meus pais, tremer ou quase desmaiar. A situação foi tão feia que uma psiquiatra teve que ir até minha casa para me examinar. Tive aversão a Amelia nas primeiras consultas assim como a qualquer um, mas quando ela contou que eu tinha transtorno de ansiedade social e que meus pais estavam preocupados com minha saúde, percebi que tinha que melhorar. Aceitei os medicamentos e as consultas mensais ao consultório da médica, por isso pude logo voltar às aulas.

— E onde Louis estava? — perguntei com um mal pressentimento.

— Ele me ajudava como podia — Nina deu de ombros. — Louis era um pré-adolescente com a cabeça nas alturas, por isso não entendia bem essas coisas. Não o culpo por isso. Devia ser assustador ver uma garota gritando para não sair de casa quando tudo que se quer é liberdade. Existem dois tipos desse transtorno: generalizado ou não-generalizado. Comecei com o generalizado, que é aquele em que o “doente” — ela fez aspas com a mão rapidamente durante a pronúncia da palavra — teme qualquer tipo de relação social, em qualquer tipo de lugar.

Nina parou de falar e olhou para mim. Lutei para não demonstrar pena.

 

Nina Stanton’s Point Of View

Despedaçada. Era assim que eu me sentia a cada palavra.

 Não demorou até eu perceber que contar minha antiga vida para Niall estava fazendo muito bem para minha sanidade, mas ainda era doloroso, como uma cirurgia sem anestésico. Era inevitável lembrar tantos momentos que passei em minha infância, bons e ruins, enquanto eu jorrava meus sentimentos em forma de palavras.

Fechei os olhos.

 

“Soluçei novamente.

 Não, isso não pode estar acontecendo.

O chão frio do supermercado tocava minhas pernas desnudas, mas não fez com que eu me sentisse melhor. Tantas pessoas por perto, andando para lá e para cá com seus carrinhos e me analisando com pena. Situação sufocante. Aquele beco recheado de mercadorias se fechava contra mim e desejei que ele sumisse. Desejei que todos sumissem.

E, caso fosse possível, que eu sumisse também.

— Nina, o que faz no chão? — Luke perguntou ao me encontrar encolhida no chão, o rosto pingando em lágrimas.

— Eu... não consigo, Hemmo — murmurei devagar, cada palavra exigindo muito esforço para sair.

Ele me olhou com preocupação e largou as compras que faria no chão. Pegou-me pela mão e me abraçou com força.

— Eu estou aqui, tudo bem? — a voz dele me acalmava. Assenti. — Quando tomou o último remédio?

Mordi o lábio e não respondi.

— Porra Nina, não me diz que...

— Só me tira daqui, por favor — supliquei, já sentindo minha visão turvar.

 Luke me olhou uma última vez e balançou a cabeça, puxando-me para fora do estabelecimento.

Só Deus sabe o quanto o agradeci mentalmente por isso.”

 

Abri-os novamente.

— Foi difícil no começo. Eu não conseguia manter uma rotina de estudante normal, passear na rua sem preocupações ou assistir um filme no cinema com meus pais. Meus amigos tentavam me ajudar, mas era quase desastroso. O único momento em que eu me sentia bem era ao piano com a companhia de Louis, Lauren ou Phillip. Tocava noites a fio e quase não dormia. Aquele era o remédio mais eficiente que encontrei e não demorou muito até que eu me tornasse uma viciada. Apesar de tudo, meu pai iniciou com aulas de defesa pessoal para que eu me sentisse mais confiante, o que também ajudou um pouco. Luke estava sempre presente, mas Calum e Michael se aproximaram mais ainda de mim nesse período e foi ali que começamos a frequentar a casa uns dos outros. Eles se tornaram os melhores amigos que eu podia ter naquele momento, me apoiando e ajudando da forma que conseguiam.

 Tossi brevemente, pela primeira vez incomodada pelo cheiro de mofo que emanava da casa quase abandonada. Niall estava calado há um bom tempo e eu não conseguia distinguir se era bom ou ruim; tinha medo de ele começar a me achar realmente doentia com tudo que eu iria dizer, mas mesmo assim prometi a mim mesma que não fraquejaria momento algum.

— Meu pai voltou a trabalhar depois de alguns meses por conta do ferimento e acabou coincidindo com o período que apresentei melhora no tratamento. Ganhei peso novamente e consegui manter um ritmo normal na escola. Eu já tinha quase doze anos e Louis, dezesseis.

Olhei de lado para Niall e notei que ele prendia os próprios olhos em mim. Mordi a boca internamente, preparada para chegar na pior parte.

— Minha verdadeira ruína começou quando Louis descobriu o real motivo da morte do pai. Jay nunca havia contado ao filho que o pai dele tinha morrido ao tentar salvar o meu e descobrir aquilo acabou com ele. Louis foi sumindo aos poucos: começou deixando de ir praticar comigo, depois faltou a uma apresentação importante para mim na zona sul de Sydney. Demorou poucas semanas até que eu só o visse de longe, na escola. Parecia que uma parte de mim tinha ido embora e eu não podia fazer nada para tê-la de volta.

 Mal percebi quando minhas unhas começaram a perfurar a carne das mãos.

— Ele começou a andar com uns caras do último ano e faltava as aulas quase toda semana. Quando ia, ficava em uma mesa distante durante o intervalo e nem sequer olhava para mim. Tentei não ligar, mas era quase impossível lidar com a falta dele e do meu pai quando estava sozinha em casa. Phillip teve que passar quase quatro meses na Etiópia e sempre perguntava por Louis quando ligava. Não posso contar quantas vezes eu menti para ele, dizendo que Louis estava bem e que cumpria com a palavra dele de me proteger e fazer com que eu tomasse meus remédios.

— E por que você o protegeu? — Niall perguntou.

Ri pelo nariz.

— Falar com papai que o garoto que ele chamava de filho provavelmente o odiava e usava mais drogas do que bebia água iria matá-lo, disso não tenho dúvidas.

 Ouvi Niall prender a respiração.

— Percebi isso quando a ponta de um saco plástico ficou presa para fora da mochila dele. Era o último dia de aula e a sala dele fazia educação física, algo que Louis nunca dispensava por amar futebol. Michael entrou no vestiário escondido e voltou com o rosto pálido e três sacos de cocaína na mão, assim como uma seringa endereçada a uma viciada. Ver uma das pessoas mais importantes no mundo pra mim se voltando para as drogas foi uma facada certeira que me afundou novamente, só que dessa vez eu não tinha o apoio de Louis, pois ele se tornara também um perdido. Lauren fazia o que podia para me ajudar, mas passei as férias de verão dentro de casa, socando os sacos de treinamento do meu pai para espantar a raiva, e tocando piano.

— Você não contou a sua mãe sobre a situação dele? — interrompeu-me Niall.

 Puxei ar e envolvi minha cabeça com as mãos, adquirindo um tom mais agudo à medida que falava.

— Lauren quase não conseguia aguentar minha situação sozinha, Horan. Seria quase homicídio dizer a ela que Louis mexia com drogas. Minha mãe vivia para o trabalho e para meu tratamento, se posso assim dizer. Sempre me sentia uma puta de uma egoísta por deixá-la sofrer assim, mas não era algo voluntário. Eu amaria viver normalmente se eu pudesse, mas Louis estava sendo egoísta por si mesmo, Niall, então decidi guardar aqueles problemas pra mim e tentar resolvê-los clandestinamente.

 Cocei os olhos. Estava com sono, mas não conseguiria dormir tão cedo. Creio que Niall não está muito diferente.

— Era coisa demais pra assimilar. Os meninos tentavam me ajudar da maneira que podiam, tanto que começaram a tocar juntos para ver se me distraia. Quem diria que a 5 Seconds Of Summer surgiu como um antidepressivo para uma pianista adolescente? — ri pelo nariz e uma lágrima pingou no meu joelho. Tratei de limpar as outras que viriam em seguida. — É quase inacreditável que coisas boas tenham surgido no meio de tanto caos. Ashton, por exemplo. Apenas o conheci no ano seguinte, na casa de Calum, e tive aversão natural a ele. Irwin era um ano mais velho e eu estava perdendo a fé em amizades à medida que Louis se afastava. Além de tudo, meu tratamento era inconstante, e era bem normal que eu precisasse trocar de remédio para me adequar melhor.

 Parei de falar de repente.

— Nina?

— Até que ele fez algo que me deixou em débito com ele pelo resto da vida.

 Fechei os olhos novamente.

 

“Olhei para a janela do vizinho. Suspirei com pesar ao ver Jay pintando uma tela no quarto dela como se brincasse com o pincel, dando vida aos quadros tão belos que produz. Apoiei-me sobre o piano e deitei nas teclas sem me importar com o barulho desafinado que fizeram em conjunto. Tinha acabado de fazer uma conta mental que me fez odiar ainda mais saber matemática.

Louis não me visitava há quase um mês.

Mesmo quando não ficava comigo na escola ou me ignorava, andando para lá e para cá com seus amigos viciados, ele ainda vinha à tarde até o escritório para tocar um pouco. Quase nunca dizia algo e o cheiro de tabaco que exalava de suas roupas era ofensivo, mas só a presença dele me fazia bem. Então ele foi aparecendo menos e por menos tempo, até não vir mais. Papai havia voltado há alguns dias e nem isso trouxe Louis de volta.

— Ele está quebrando a promessa — sussurrei para Ginger que, deitado aos pés do piano, olhava as próprias patas.

 Eu estava tocando há mais ou menos cinco horas sem parar e meus dedos doíam tanto que tive a impressão de que cairiam a qualquer instante. Ignorei a dor como de costume e avancei faminta em uma pasta de músicas especiais, que eram as quais considerava as mais belas de tocar ou que fizeram parte de um momento importante para mim. Retirei "River Flows In You" do plástico. Posicionei minhas mãos e deixei meus dedos dançarem pelo piano de olhos fechados. O som das notas me trazia uma paz indescritível e por isso, mesmo com meus dedos prestes a sangrar, mantive um sorriso no rosto que durou até o fim do instrumental.

 Abri meus olhos para buscar outra partitura e algumas folhas grampeadas caíram no chão. Catei-as e analisei o conteúdo.

— Canon In D — murmurei, tentando puxar da memória de onde havia tocado aquela música.

Logo lembrei.

Aquele fora o dueto que eu e Louis tocamos quando nos conhecemos.

Peguei uma das partes e sorri ao ver que minha memória não estava tão ruim assim quando se tratava da sincronia dos acordes. Era uma música fácil em comparação as que eu tocava desde então, mas a falta da outra pessoa para completar o dueto era visível. Vou pedir meu pai para me acompanhar quando ele chegar da caminhada.

— Relembrando os velhos tempos?

Congelei no lugar. Não precisava me virar para reconhecer o dono daquela voz.

— Louis — disse feliz e fui ao encontro dele, abraçando-o pela cintura. Meus olhos marejaram e senti que tudo fazia sentido de novo. Não era uma ilusão minha.

Ele estava ali por mim, certo?

Errado.

Foi só o garoto me empurrar que toda minha felicidade voou para os ares.

Cai no chão com um baque surdo. Louis carregava uma garrafa de cerveja na mão e seus olhos estavam vermelhos. Um medo avassalador tomou conta de mim naquele momento.

— Você sempre foi um desastre como musicista, Stanton — ele gargalhou por um instante. — Não se envergonha de praticar assim? Fala sério, você é patética demais. Nunca conseguiu tocar direito essa merda e fica agindo como se todos quisessem escutar você o dia inteiro. O mundo não se trata sobre você, Kurtt!

 Tentei gritar de desespero, mas nenhum som saiu. Louis dizia as palavras com tanta maldade que sentia as mesmas entrarem em meus ouvidos como pregos e penetrarem fundo em meu coração. Era como se ele quisesse me fazer sangrar sem ao menos tocar em mim.

— Vadiazinha ridícula  — Tomlinson parecia ter nojo de mim, cuspindo as frases com certa dificuldade. — Pare de tocar essa merda agora!

 Soluços baixos chegaram quando me arrastei até a banqueta e desviei o olhar. Ginger ariscou para a figura de Louis, que praguejou ao animal diversas vezes. Por um instante, as palavras dele ecoaram por minha mente, zumbindo e zumbindo como se debochassem de mim. Olhei para minhas mãos e fechei-as com força. Um pigarro fez com que eu olhasse para Louis novamente e o vi na porta, encaminhando-se para fora. Riu baixo, quase de escárnio.

— Você nunca foi o suficiente, Nina. Seus pais devem ter vergonha de terem uma filha tão inútil.

E então, tão subitamente como entrou, ele saiu.”

 

Niall trancou o maxilar e fechou os olhos diante do meu relato.

— Maldito, maldito...

— Fiquei chorando por minutos. Tantas coisas passaram na minha cabeça naquela hora, Niall, tantos pensamentos insanos... — sussurrei. A dor voltava para meu coração e pressupus que não havia mais lágrimas para derramar. — Não pensei duas vezes em descer ate a cozinha e terminar com aquilo de vez.

 Ergui as mãos e estendi-as a Niall novamente. Ele fitou meus dedos e pareceu entender.

— Você...

— Peguei uma faca e cortei as pontas de quase todos meus dedos, um por um. Minha insanidade era tanta que nem senti dor e cada gota de sangue que pingava me deixava mais aliviada por estar impossibilitando a mim mesma de continuar a tocar. Louis fez com que eu me sentisse desmerecedora de tudo que eu tinha, então arrancar o mal pela raiz foi o jeito mais rápido que encontrei de reparar as coisas. Só que não me lembrei que Ashton estava a caminho de minha casa com os meninos. Ele viu pela porta aberta quando eu estava quase arrancando meus próprios dedos e me parou, correndo comigo para o pronto socorro mais próximo. Após muita insistência por parte dele, contei o que havia acontecido e Ash me acobertou para meus pais, dizendo que fora apenas um momento de loucura. Só ele e os outros meninos sabem que Louis tem a ver com isso.

 Niall piscava compulsivamente tentando assimilar aquelas histórias absurdas e foquei o olhar em minhas mãos. Apesar de estarem praticamente invisíveis, eu sabia que elas nunca desapareceriam. Sempre que olhasse, elas estariam ali para me lembrar de um dos piores dias da minha vida.

— Foi a última vez em que toquei. Meu pai sabia que algo estava errado e tentou me persuadir a voltar minha prática de vários modos, porém logo percebeu que eu não iria ceder. Louis desapareceu por um tempo e quando voltou, meu coração despedaçou ao notar quanto peso havia perdido. Tinha se tornado um homem pálido e fraco, quase um zumbi humano. A mãe dele estava grávida de criminoso, o que não melhorou muito as coisas. O mundo que era perfeito ruiu com tanta rapidez, Niall... É quase inacreditável ver o rumo que as coisas tomaram.

 Fechei os olhos novamente, preparando-me para o pior.

— O nocaute aconteceu quando eu tinha 13 anos. Phillip estava viajando e eu não tinha notícias dele há quatro dias, mas tentei continuar minha vida normalmente, afinal, ele já ficara sem dar notícias algumas vezes e julguei ser algo pontual. Tinha ido a escola e tomado todos os medicamentos, então tudo estava sob controle. Conversei com Luke durante o recreio e estava fazendo uma prova em dupla com Mike quando vi minha mãe pelo vidro da porta. Os olhos dela estavam brilhando e mesmo que eu não pudesse ouvir o som, tive certeza que ela estava chorando. Os ombros dela tremiam compulsivamente e parecia desesperada.

Forcei a voz a sair.

— Soube na hora que o problema era com meu pai. Levantei da mesa e corri até a porta, abrindo-a sem ao menos pedir licença para a professora. Lauren tapou o rosto com as mãos, soluçou como nunca havia feito antes e murmurou uma frase desconecta. Só entendi duas coisas: “seu pai” e “assassinado”. Entendi na hora. Ele estava morto e não voltaria mais. — uma lágrima escorreu lentamente por meu rosto — Gritei como nunca tinha feito ao desabar. Queria dilacerar minhas cordas vocais e arrancar minha pele com as unhas. A dor que surgiu era tão densa que não consegui levantar nem a cabeça, então pressionei o rosto no chão.

Braços me envolveram e nunca me senti tão grata. Niall tremia também, mas não olhei para o rosto dele com medo de desistir.

— Chorava tanto que mal conseguia respirar, sentindo que sufocava com as lágrimas. Quando ergui a cabeça depois de um tempo e vi que algumas pessoas da minha sala estavam olhando para mim, foi como se tudo terminasse de desandar. Algumas cochichavam, outras sentiam pena e assim por diante. Levantei-me com dificuldade e corri como nunca pelo corredor até trombar com alguém. — ri pelo nariz. — Imagine minha sorte. Recebo a notícia de que meu pai foi morto e trombo com o garoto que Phillip adotara como filho. Não pensei duas vezes em abraçá-lo e chorar na camisa de Louis, dizendo coisas desconectas sobre meu pai ter sido assassinado. Ele não mostrou reação no início, mas depois senti as mãos dele apertarem meu suéter pelas costas. Pensei que ele tinha desistido de brigar e que me apoiaria, que sofreria comigo.

Torci o nariz e funguei.

— De novo, eu estava fodidamente errada.

 Niall levantou-se e ficou de costas para a janela, encarando-me de frente. Sua cara não era uma das melhores; transbordava raiva e indignação, parecendo capaz de decapitar qualquer um que passasse em sua frente. Nunca havia o visto daquele modo.

— Por que? — ele interrogou com voz quase nula.

— Louis me fez soltá-lo e me jogou no chão antes de começar a gargalhar. Não havia ninguém por perto, apenas alguns amiguinhos drogados que andavam com ele. Tomlinson estava com os olhos vermelhos e marejados, e mesmo balançado com a notícia, mas não hesitou em cuspir ofensas. Disse: "pouco me importa se o merda do Kurtt está vivo ou não, que ele pague por ter sido culpado pela morte do meu pai" — imitei a voz de Louis. — Ele jogou na minha cara que eu tinha uma família perfeita demais, que era dependente dos meus pais e que sempre fui uma garota mimada. Disse que torceu durante muito tempo para minha felicidade ruir. Falou também que nunca ligou para nós e que éramos os culpados por tudo que estava acontecendo. Proferiu coisas que eu não diria ao meu pior inimigo, Horan. Sei que quando ele terminou e se foi, não consegui nem me mover. Tive outro ataque de pânico, só que esse me fez perder os sentidos. Acordei em minha casa com minha avó afagando meus cabelos e dizendo palavras doces, e só então acordei para a realidade.

Fechei os olhos com força e mordi o lábio até sentir gosto de sangue. Eu, que antes julgava não poder chorar mais, tive que lidar silenciosamente com as lágrimas que escorriam pelo rosto.

— Eu e minha mãe estávamos sozinhas.

Niall arregalou os olhos, parecendo não entender. Respirei fundo.

— Meu carinho por Louis transformou em desprezo instantaneamente, e era tão grande que me fazia querer quebrar as paredes. Ele ignorou tudo que minha família fez por ele e eu não podia deixar aquilo passar, principalmente depois que Tomlinson estragou tudo de bom que eu podia oferecer. Não compareci ao enterro do meu pai dois dias depois, pois fiquei em casa chorando no quarto e gritando para o nada. Os remédios não me controlavam mais. Eu estava enlouquecendo gradativamente e o ápice dessa loucura chegou na noite do enterro.

— Minha mãe havia deixado uma vizinha cuidando de mim, mas ela nem viu quando saí pela janela do meu quarto e desci a árvore em direção à casa de Louis. Eu queria só ficar ali e chorar mais, porém algo se apossou de mim, uma mistura de ódio e nojo quase desesperador. Lembrei das promessas que havíamos feito quando éramos crianças e percebi que Louis e papai haviam quebrado seus juramentos; Phillip não voltaria e Tomlinson destruiu qualquer afeto que eu sentia por ele. Só eu fui até o fim com minha palavra. Foi ali, sentada nas escadas da casa vizinha, que decidi esperar Louis chegar para poder finalmente quebrar a minha. Eu tinha esse direito.

— Como assim? — a voz de Niall interrompeu-me.

Temi que ele me odiasse depois do que eu iria dizer, por isso resolvi me calar mais alguns instantes. Horan olhou-me sugestivamente e, mesmo hesitante e com medo de sua reação, segui em frente.

— Eu tinha consciência que Louis só chegava em casa tarde e potencialmente chapado, portanto só sentei e esperei. A raiva me corroía a cada segundo e foi só vê-lo chegar para que ela estourasse de vez. Perdi totalmente o controle e avancei contra Tomlinson com todos os golpes que meu pai me ensinou de defesa pessoal e artes marciais asiáticas. Em situações normais, ele provavelmente teria me repelido ou ao menos desviado, mas eu sabia que Louis estaria fraco demais para revidar, por isso não parei. Ouvia seus gemidos e súplicas para que eu parasse, mas minha raiva ficava mais intensa cada vez que escutava sua voz. Chutei-o no chão ao mesmo tempo em que chorava de raiva. Descontei tudo que ele me fez passar nos últimos tempos em poucos minutos, quebrando seus ossos como se fossem isopor.

 Niall arquejou com surpresa, mas não o deixei opinar.

— Ele já estava desacordado quando alguém me puxou para trás, afastando-me de Louis. Tropecei no chão e caí a tempo de ver um garoto da minha idade ir ajudá-lo, gritando coisas que não consegui distinguir. Ao voltar a mim e notar a gravidade dos ferimentos que causei em Louis, percebi o quão covarde fui ao bater nele naquelas condições. Levantei do chão e saí correndo, mas consegui ver o rosto de Zayn Malik fitando o corpo inerte de Tomlinson no chão.

— Zayn? — Niall disse surpreso e assenti. Uma luz iluminou o rosto dele. — Então é por isso que ele falou na sua casa que te conhecia de algum lugar.

Concordei e tapei meu rosto. Estava quase no fim e aquilo me aliviava.

— Literalmente enlouqueci nos dias seguintes, o que levou Amelia a pedir internação na ala psiquiátrica de St. George Hospital. Calum fez você me levar até lá quando tive um ataque porque vivi lá durante um ano, sem sair da localidade. Recusava qualquer tipo de visita que não fosse dos meninos ou de meus avós e acabei me escondendo de todo mundo. No fim, acho que caí no esquecimento daqueles que me conheciam em Gayle’s College também. Por outro lado, a notícia sobre Louis se alastrou como fogo, mas ninguém descobriu o que houve com ele depois. Tomlinson e a mãe sumiram como fumaça de uma hora para outra e cheguei a pensar que, julgando pelo estado que ele estava no dia do enterro de Phillip, eu havia o matado. A ideia me apavorava tanto que tive pesadelos por longos períodos, mas não conseguia me arrepender. Mamãe me visitava todos os dias e levava livros para mim, chocolate e CDs. Apesar de ter sido uma época sombria na minha vida, tenho boas lembranças daquele ano. St. George é um dos poucos lugares do mundo que me deixa em paz.

 Minhas mãos transpiravam quando Niall se levantou e caminhou até a janela, pousando os cotovelos na viga e observando o horizonte. Daria tudo para saber o que se passava na cabeça dele depois de tantas coisas que ouviu.

— O que te fez sair de lá? — questionou.

 Limpei meu rosto molhado.

— Eu tinha muito tempo livre, então estudei toda a matéria do ano escolar seguinte sozinha, com o auxílio dos livros didáticos de Luke. Ele e os meninos me ajudavam mesmo não sendo bons alunos e foram eles que não deixaram que eu desistisse totalmente de mim mesma. No fim daquele ano, os meninos entraram nos anos finais da escola secundária e Ashton finalizou o ensino médio obrigatório, que vai os 16 anos de idade, mas começaria os dois últimos anos opcionais para se preparar para o ensino superior. Minha situação escolar me preocupava e eu estava cansada de dar trabalho para as pessoas que se importavam comigo, mas não sabia como iria voltar ao colégio sem surtar de novo.  

Fiz uma breve pausa para tomar fôlego.

— Após muita relutância minha, a Sra. Hills, nossa vizinha, foi me visitar. Não a conhecia muito e tampouco éramos íntimas, então fiquei surpresa quando não a repudiei instantaneamente. Tratei-a bem e até agradeci por ter ido me ver, o que causou uma fagulha de esperança em Lauren. Diante da reviravolta em meu tratamento, Amelia terminou o diagnóstico como “transtorno de ansiedade restrito”, onde eu apenas temia situações e lugares específicos.

— Uma melhora e tanto — murmurou Niall após um tempo.

— Sim. O único problema é que esse lugar específico era a escola — respondi e olhei para Horan. — Lembra-se de Oralie?

 Ele virou-se para mim e assentiu. Tomei coragem e levantei, caminhando até a janela para receber um pouco de sol no rosto. Minha temperatura corporal abaixara com aquela conversa.

— A conheci no natal. Era dia de festa na ala psiquiátrica infantil, mas estava cansada e logo voltei para meu quarto. Lá, encontrei uma garota mais velha, talvez com 17 anos, sentada na poltrona com uma caixa nas mãos. Ela era a menina que cuidara de mim na noite em que fugi até a casa de Louis e a lembrança me fez encolher.

 

“— O que faz aqui? — perguntei com um fio de voz.

 A presença dela era esmagadora. A menina usava botas de inverno (desnecessárias em Sydney) e shorts, cabelos presos em duas tranças laterais e um colar bem grande que quase batia na cintura. Eu já a vi antes na rua em que moro, mas nunca trocamos uma palavra sequer.

 A menina sorriu, mostrando o aparelho dentário com gominhas cor de rosa. Ela não ficava ruim com ele, apesar de tudo.

— Oi, sou Oralie Hills — disse de início e se levantou. Ela era apenas um pouco mais alta que eu, não que seja relevante.

— Ah, oi. — disse encabulada. A garota sorriu largamente e me ofereceu a caixa que segurava. Dei um passo para trás quase que por puro instinto.

 Oralie pareceu sem graça.

— Desculpe a intromissão, é que minha mãe pediu para que eu viesse conversar com você sobre um assunto do seu interesse — a voz dela tornou-se quase formal e eu teria ficado mais séria se ela não estivesse usando roupas de criança. — Não é um presente, mas talvez o que tenho para lhe oferecer seja melhor que um. Feliz Natal, Nina.

 Minhas mãos tremiam quando peguei a caixa azul bebê das mãos dela. Carreguei-a até a cama e me sentei para desfazer o nó que prendia a tampa. Assim que pude ver o conteúdo interno, surpreendi-me ao encontrar um anuário.

— O que é isso? — questionei ao retirar o livro da caixa. Li a capa em voz alta. — Formandos do Ensino Médio, turma de 2013 - North High College.

— Formei esse ano — ela falou com voz entediada. A olhei em procura de uma explicação plausível para a situação e Oralie suspirou. — Procure minha foto.

 Mesmo achando a situação estranha demais, abri o anuário e folheei página por página. O nome do colégio era conhecido, porém diversos rostos passavam diante dos meus olhos e não me surpreendi por não conhecer nenhum deles. Cheguei à letra ‘O’ e procurei pelo nome de Oralie, não encontrando o rosto dela em uma foto particular como os outros.

— Tá, agora vá até a última página.

 Fiz o que me foi pedido e achei a fotografia tirada no dia da formatura. Todos usavam becas vermelhas e seguravam seus diplomas, felizes por terem terminado uma parte da vida deles. Ao canto da página pude ver a figura da tal Oralie, encolhida e com um sorriso mínimo.

Franzi a testa.

— Por que você não tem foto separada que constata que foi uma formanda? — perguntei e ela sorriu.

— Simplesmente porque ninguém sabia que eu era uma aluna.”

 

— Foi ela que me apresentou North High College e contou tudo o que havia passado na vida dela durante os três anos finais de ensino médio. Parecia surreal escutar, entretanto tudo se encaixava. Oralie me disse naquela noite que North High era uma escola de intercambistas e alunos mais egocêntricos de elevada posição social, então todos estavam acostumados a pessoas temporárias e não faziam questão de conhecer pessoas ou manter laços. Caso eu quisesse ser uma pessoa reclusa e afastada de tudo e todos, era só andar sozinha e nunca conversar com ninguém. Pedi que ela deixasse o anuário comigo antes de ir embora e a agradeci pelas dicas. Não dormi aquela noite de tanta expectativa que criei ao redor daquela escola e foi só amanhecer que pedi a minha mãe para me matricular no ano seguinte.

Niall pigarreou e pressionou os dedos sobre a madeira empoeirada da janela.

— Tão fácil assim?

— Meu maior objetivo tinha se tornado melhorar as coisas, voltar a viver de novo. Se eu ficasse mais uma semana presa naquele hospital, tenho certeza que Lauren teria morrido de tristeza. Eu devia a ela algum retorno por ter segurado a barra quando as coisas ficaram piores e devia uma resposta positiva para meu tratamento. — disse, quase resmungando. Ainda me enxergo como uma egoísta quando olho para o passado. — Minha mãe quase explodiu de felicidade quando voltei para casa. A casa onde Louis morava havia sido vendida e demolida, dando lugar à grande mansão em que os Styles viriam morar mais tarde. Me matriculei em North High e fiz uma prova para ver se estava apta para ir para a série em que estaria se não tivesse parado os estudos. Felizmente, passei. Dra. Henderson deixou com a diretoria uma ficha de minhas limitações, pedindo para que qualquer tipo de aula de laboratório, educação física ou música, em outras palavras, aulas com contato humano direto, fossem incluídas em minha grade. Escreveu também uma restrição para que os professores que lecionariam para mim não dessem trabalhos em grupo ou dupla, nem fizessem chamada nas aulas em que eu estivesse. 

— Então esse é o motivo de você ter sido a única que não fazia todas as aulas — ele disse lentamente, analisando as próprias mãos com um olhar mais abrangente. — Não imaginei que Amelia estivesse metida nisso.

— Até o pescoço — respondi olhando para a manhã australiana que surgia diante de meus olhos. — O primeiro dia foi um inferno, mas logo percebi que Oralie estava certa. Mesmo que eu passasse mal e desmaiasse no meio do pátio lotado de estudantes, ainda havia grande possibilidade de ninguém notar. Ver que estava tudo dando certo foi um alívio tão grande que parei de ter crises. Suspendi com os remédios e consultas a Amelia depois de um mês. Pedi pra minha mãe tirar da nossa casa tudo que fosse relacionado a Louis ou Jay e queimasse, jogasse fora, que seja. Lauren sabe de tudo que aconteceu, menos do episódio da faca com Louis. Apesar disso, sempre soube que mamãe não doaria o piano que papai me dera por ser algo importante demais para nos duas, então nunca tentei abrir a porta da sala de música, mesmo que soubesse que a chave estaria ali para mim caso quisesse entrar. Vivemos os três anos seguintes tranquilamente, tanto que comecei a trabalhar com os meninos e não tive nenhum problema. Acho que foi por isso que mamãe nos inscreveu no Programa de Intercâmbio sem meu conhecimento. Ela achou que eu estava curada, mas tudo que eu fiz foi viver minha vida debaixo dos panos.

   Decidi me calar. Eu poderia ficar ali pelo resto do dia apenas falando sobre coisas que Niall já sabe, como a tentativa de meus amigos em fazer que eu superasse o passado, o desespero que me afligiu quando soube que ele viria morar em minha casa ou até mesmo sobre o tanto que melhorei nos meses de nossa convivência. Mas, como eu disse, eram coisas que ele já sabia. Horan tem a plena consciência de que eu estaria no mesmo lugar que um ano atrás, apenas vendo com maus olhos qualquer um que tentasse se aproximar se ele não tivesse chegado.

— Eu sinto muito — repeti pela segunda vez no dia. — Foi o modo mais coerente que encontrei para dizer que te amo também.

Agora assim as palavras pareciam reais. Niall sorriu de lado.

— Não podia pensar em um modo melhor. Parabéns pela criatividade, Stanton.

— Obrigada — enrubesci pela primeira vez no dia.

 Ele soltou ar e assentiu.

— Vai demorar um tempo para processar isso tudo.

 Arregalei os olhos e me afastei da janela.

— Isso significa que... — não terminei a frase com medo das palavras se tornarem verdadeiras. Ele não me abandonaria agora, ele não podia.

Niall virou e veio até mim, abafando-me em um abraço. Coloquei meus braços em torno dele e quis gritar de alívio, mas apenas aspirei o cheiro da colônia masculina que ele usava. Por um instante, pensei que havia o perdido.

— Você está bem? — perguntou ele com um pouco de aflição, o corpo tenso de um modo que nunca vi.

— Sim, por incrível que pareça — disse com sinceridade. Niall ergueu meu rosto e analisou de perto. Estava suado, sujo de poeira e decadente, mas continuava lindo. — E você?

— Satisfeito se encaixa melhor — respondeu devagar, as mãos tremiam de encontro a minha cintura.  — As coisas serão diferentes agora, Nina.

Apertei o paletó dele nos dedos, agarrando-me a aquela frase como se fosse necessária para que eu vivesse.

Com certeza, Niall, pensei em silêncio. Serão muito melhores, pois eu fiz muito mais do que somente me abrir para você.

Eu me abri para mim mesma.

 

 


Notas Finais


Consegui superar as teorias? Caso não, espero pelo menos que tenha sido legalzinho \o/
Bem gente, escrevi e escrevi nesse um mês que passou e saiu isso. Sinto muito se decepcionei alguém, pois li e senti que não passei tudo que queria. Sei lá, sempre penso isso, acho que é porque já conheço a história e não a vejo como vocês veem. Não foi um capítulo bombástico como todo mundo provavelmente pensou que seria (minha opinião), e sim mais puxado pra tragédia e tristeza. Queria explorar esse lado da Nina que ninguém conhece, espero ter dado pelo menos um pouco certo huehue Faltam três capítulos + epílogo para o fim e espero que ninguém me abandone até lá, né? ♥♥ Capítulo que vem vai ser bem heartbreaker, arrumem seus lenços ><
Por favor, estava ansiosa demais pra postar esse e preciso de saber o que acharam e as expectativas para os próximos. Falem o que quiser amores e não se esqueçam que estarei aqui sempre que precisarem.
Twitter: @liamdiabolico
See ya no capítulo 47!
Isa xx


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