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História Os sábados que ainda não e os que nunca mais - Nada foi e os dias passam.


Escrita por: ohmystress

Notas do Autor


eu nem pensei em fazer algo que alguém entendesse ou bem montado e feito. vocês estão aqui por própria conta e risco. obrigada por isso.

a alguns: desculpa por ser eunhae de novo. aa.

a outros: desculpa pela sora no meio. aaa.

Capítulo 1 - Nada foi e os dias passam.


Às três da tarde daquele dia eles me disseram, “é agora”. Sem uma sensibilidade especial ou um sentimento pesaroso direcionado a mim. Enquanto eu arrumava com dedos dormentes a gravata e as meias, ninguém ali deduzia que a maior dor era a minha. E eu emudecia. Talvez, ela, a minha dor, não fosse realmente a maior, talvez só fosse a sentida com menos liberdade, enclausurada. Talvez alguém a vivesse por mim de um jeito mais livre, sem que ninguém questionasse, longe dali. A menor, afinal ou talvez. Eram tantos “talvez”, as certezas foram embora num sábado onde a gente sente que vai ficar mais sozinho, mas não entende.

Em meio ao silêncio de uma sala meio escura e fria algumas vozes soavam próximas aos meus ouvidos, elas não entravam na mente e continuavam pairando ao redor da minha cabeça como mosquitos. Era um daqueles dias onde eu vivia uma tristeza (quase) invisível, talvez, quem sabe, daqueles dias o maior.

Naquela sala, naquela tarde, eu não conseguiria me lembrar há quanto tempo havia sido a manhã daquele mesmo dia. O tempo me era sentido de forma diferente. Um tempo cheio das coisas que só eu conhecia, ali, e que iriam embora dentro de uma caixa de madeira com estofamento interno branco e flores e dúvidas que eu não saberia responder e nem ninguém, ali.

Ele se afogou, mas a gente nunca soube se foi só na água.

Eu fugi. Enquanto todo mundo erguia a caixa me firmei nos sapatos e fugi, com calma e duro, com o céu vermelho e preto na janela do corredor. Fiquei pensando em como um amigo deveria agir naquele momento. Chorar um pouco, chorar muito, permanecer calado, descontrolar-se, confortar os familiares. Fiquei pensando em como não deveria agir. Eu mordi os meus dedos e joelhos e pulsos e eu segurei. Segurei o que representava como um amigo não deveria agir. Eu sustentava um rosto (o qual não vi no espelho mas reconheci com as palmas das mãos) raivoso e doido. Sora entrou no banheiro com o corpo mole e eu percebi que nem me importei em trancar a porta e que eu deveria estar carregando o caixão também, mas eu enlouquecia. Ela olhou por uns minutos, eu lá, escondido no terno. Naqueles minutos éramos nós dois, em algum lugar do mundo, mas não ali. E, segundos depois, era a realidade caindo como uma nuvem de cinco mil toneladas cansada de obedecer a gravidade sobre nossas cabeças, esmagando nossos miolos e quebrando nossos ossos. Ela deu meia-volta e me deixou no banheiro.

 

Praquele um sábado, tempos depois, onde eu me senti mais sozinho do que deveria, eu me deitei em um colchão solitário na sala e fiquei olhando o teto frio. Havia vendido sofá, televisão, computador e até os porta-retratos, seus quadros e seu violão. Havia só o colchão e o telefone e eu. O céu era o mesmo daquela três da tarde, na janela do corredor. Vermelho, preto e baixo. Pensei que choveria e quando liguei para Sora pedi para que viesse com capa e botas de chuva.

“Você me ama?” Eu enrolei o fio do telefone no anelar até que ele estivesse branco.

Sora respirou forte perto do telefone provocando um chiado. “Amo.”

“Desde quando?”

“Desde que ele te trouxe para casa pela primeira vez.”

E quando ela lembrou daquelas lágrimas não choradas eu mordi meus dedos.

“Você sente minha falta?”

“Sinto.”

“Vem me ver.”

E ela veio. E havia realmente chovido. Ela estava com metade da calça jeans molhada quando entrou pela porta, tateando as paredes até achar o interruptor. A luz provocava manchas escuras em minha vista e o escuro deixava-a cega e desconfortável. Calmamente deixou a capa de chuva no canto da sala e caminhou pesado até mim.

“Não tem nada aqui.” Ela olhava as paredes e o chão e os armários.

“Você sabe.” Eu disse. E ela se sentou ao meu lado no colchão. Um par de palavras que se encaixariam em qualquer conversa, inclusive àquela, mas que no fim percebemos que não significavam nada além de algo subentendido por anos. E dividido agora em três.

“Como você sabe que eu sei?” Ela perguntou, olhando para a calça molhada até metade e tremendo de frio.

“Seus olhos pesavam mais sobre os meus do que sobre os dos seus pais.”

E Sora concordou com um movimento de cabeça. Ela ainda usava preto.

“Ele te contou?” Eu tornei.

“Ele nunca me contou.” Ele respondeu assustada ou qualquer outra coisa que a fizesse evitar meu rosto.

Passaram-se os minutos, tudo tão depressa, um silêncio que falava e falava naquela sala e a gente não entendia. Ela me perguntou se eu havia vendido os móveis, mas eu não lembrava. “Onde estão as coisas dele?” e eu não sabia. “Quem mais sabe?” eu perguntei, ela respondeu e eu não ouvi. Aí abriu o zíper da calça e a abaixou.

“Tira a camisa.” Ela disse.

“Eu amo seu irmão.” Eu respondi.

“E a calça e as meias e a cueca.”

E eu tirei.

 

Quando ela acordou o café estava frio. Observei ao redor. O colchão e a lareira de casa, o piso e as paredes e eu não entendia. E eu não queria entender. Nem de mim, nem de Sora, nem de Hyukjae, nem da morte, nem da vida.

“Sou como qualquer outro.” Eu disse quando ela abriu os olhos e me viu sentado no chão. “Eu tenho cáries e vomito quando to bêbado, me alimento com bobagens, arroto, irrito, teu irmão desistiu de mim mais de cinco vezes, foi embora por cinco horas centenas de vezes, eu não sei sustentar nada porque quem sabia era ele. Eu não vou saber decepcionar você do jeito que você quer. Eu vou deixar a porta aberta pra quando você quiser ir.”

Enquanto saía pela porta me perguntei se ela havia chamado meu nome, cobri o nariz com o cachecol e sua voz chegou em mim quando já longe. O barulho das ondas quebrava minha linha de pensamento e as lembranças que me atropelavam espalhavam-se na areia. Um bando de metáfora de merda. Quando voltei para casa Sora vestia a calça.

 

Donghwa uma vez me disse “você já foi gentil um dia”. Estávamos numa cafeteria, numa tarde atípica. Eu pedi o de sempre para a garçonete, mas eu nunca havia estado ali. Havia aquele silêncio meu, aquelas palavras minhas que no fim não diziam era nada.

 “Eu enterrei meu namorado.” Eu respondi calmamente sua afirmação quando a garçonete trouxe aquele de sempre que eu nem conhecia.

Donghwa levantou agitado da mesa e nunca mais me ligou.

 

"No que acha que ele pensava quando se foi?" Ela me perguntou.

"Num adeus de mãos e olhos solitários. Adeus é tão solitário." Respondi.

 

“Ainda não era nossa última hora.” Eu disse numa noite, sentado com Sora na varanda. Carregava em mim tudo o que antes eu não sabia que seria capaz. Por meses. Uma noite de céu vagabundo e marrom.

“O que aconteceu de verdade?” Ela me perguntou.

“Nada. Não aconteceu nada. Nem um olhar solitário, nem mãos solitárias ou tristes. Ele me disse “caraca Donghae, estou feliz” enquanto mudava os canais da TV. Naquela noite a gente comeu, escovou os dentes e dormiu. Eu não sei o porquê ele levantou da cama e decidiu nadar às quatro da manhã num mar agitado. E depois disso não tem mais nada. Não tem mais nada depois disso.”

Sora franziu o cenho e tragou um cigarro que apareceu em seus dedos do nada. Aquela fumaça sob a luz amarela de um poste tomado por limo e sujeira me fez pensar em algo que nunca mais. Quando ela me perguntou como começou, eu já esperava.

Aí eu lembrei.

Hyukjae quase quebrou a cabeça caindo do muro de casa. A cara ralada no concreto feito presunto. Eu sabia que ele estava meio mal, era madrugada e havia perdido as chaves.

“Donghae-ssi, eu vou morrer. Eu vou morrer por causa daquela desgraçada.” Ele choramingou limpando na manga do casaco o sangue que saia no supercílio.

Eu estava assustado, o clima era frio, olhava para ele sentado na calçada com o rosto ralado nas mãos e não sabia o que fazer. Eu queria brigar com ele, dizer que ele ia morrer pra cacete e que saía sangue até de sua bunda só para assustá-lo, queria dizer que a desgraçada na história era ele, que se metia em roubada por causa de mulher. Mas no banco de trás do carro ele me apareceu com um cigarro que eu não sabia de onde raios, com um ar carregado de drama que, merda, me comovia. Hyukjae não fumava. Enquanto eu o olhava pelo retrovisor ele me pediu para parar o carro. E eu parei.

“Donghae. Esse é o primeiro e último cigarro da minha vida e eu to aqui te olhando, acho que eu vou morrer de tanto sangrar, eu sou profundamente apaixonado por você. Eu nunca te disse isso até agora.”

Nós poderíamos correr, correr e nunca estaríamos longe o suficiente um do outro. Notei isso. Não era como se Hyukjae tivesse inventado que ali existia amor. Nos era tão certo quanto palpável. E mesmo que tivesse inventado, eu teria acreditado.

 

Fazer amor com Sora era diferente do que com Hyukjae. Eu me sentia sujo quando pensava nisso. Com ela eu olhava os detalhes de pérolas de algum de seus brincos, a echarpe verde pendurada na maçaneta da porta do quarto e as botas de chuva no canto da sala. Era eu e ela, em um futuro borrado que parecia nunca certo. Em Hyukjae eu escondia o rosto em algum canto de sua pele, eu olhava tudo, eu mal piscava, seu rosto absorto numa espécie de sono raivoso, as pálpebras caídas sobre os olhos. Era eu e ele, em um passado, em uma vida minha que, agora, parecia ser vivida longe dali, por outro alguém. No longe onde eu queria viver. Ou um dia quis.

 

Seus pais queriam netos. E eu os dei uma neta. De dedos longos e brancos e olhos bem separados como os meus e cabelos escuros como os meus, fraquinha de saúde como eu, com o nome de uma estrela, que os desapontou em se parecer com quem já se fora.

Sora desenhava a menina num caderno de anotação enquanto ela brincava com um camelo vermelho no tapete da sala de casa, quando ela aprendera a se firmar sentada. Lápis diferentes repousados em suas coxas enquanto ela se concentrava na menina. Dizia que sentia dificuldade em desenhar o que gostava muito. De casa ainda dava para se ouvir as ondas. Ela me mostrava os desenhos e eu ria porque ela fazia a menina mais gorda do que era, sentia-se triste pela menina parecer tão esmirrada perto das outras. Eu a amava muito e eu a amo.

Quando a menina aprendeu a andar levei-a para lugares significativos, onde muitos sábados aconteceram e outros nunca. Contei a ela sobre Hyukjae, sobre como ele a amaria e sobre como não saberia pegá-la no colo e depois me calei porque ela babava nos próprios dedos e olhava pra dentro de mim.

 

Uma vez Sora jogou um vaso de flores nas minhas costas e eu não desviei a tempo. “Você queria que ela fosse sua e dele, maldito”. Eu deixei ela dizer aquelas bobagens que afiavam os cacos daquele vaso espatifado no chão e na parede e em mim. Eu saí de casa com a menina no colo, enfiei minha jaqueta nos braços curtos dela e passei parte da noite olhando o mar frio com ela reclamando e chorando de fome. Quando voltei para casa Sora me pediu desculpas, me disse para não ir embora e eu fiquei e eu alimentei a menina e eu dormi na sala. Por dias e dias e dias e dias.

 

Em frente ao mar eu chorava sem lágrimas e sem careta e sem dor as distâncias para onde a vida havia me levado. Não era nem tristeza e nem alegria o que eu sentia, o que eu sentia era a vida. Sora e a menina caminhavam agasalhadas na areia sob um céu alto e azul. Eu as observava. Pensava eu, na época que os espelhos me entregavam uma imagem mais jovem e mais cansada, que a vida nos preparava surpresas em lugares onde nunca chegaríamos a tempo, em lugares onde nunca estivemos e onde nunca estaremos. De onde estava, sob aquele céu alto e aquele sentimento pesado feito as ondas, concluí o contrário. Pensei “talvez Hyukjae pensasse da mesma forma”. Aí eu me afoguei, mas foi em mim.


Notas Finais




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