História Os segredos que escondi de você - Estranho companheiro de poltrona

Ter um completo estranho ao meu lado,no final das contas não foi uma coisa tão ruim. Eu ainda não gostava tanto de tê-lo como companhia,mas como muitos dizem,”É o que tem pra hoje” (risos). Ele estava se organizando,colocando uma mochila no bagageiro que ficava em cima da poltrona. Vez ou outra ele encostava em mim,fosse de propósito ou sem querer eu resolvi ignorar. Comecei a ler meu livro novamente e por um breve instante me esqueci que o Marshall estava do meu lado. A história era incrível,era um livro de terror que estava consumindo a minha vida fazia uma semana. E o final estava chegando,finalmente eu iria saber quem iria morrer,ai meu Deus... E de repente,sinto meu livro sendo puxado de mim. Era o demônio da vida real se Manifestando.
Olhei feio para ele. –Você não pode me deixar em paz por um minuto? Eu estava na melhor parte do livro! 
Ele revirava o livro entre os dedos,analisando a capa. –Eu só queria ver o título do livro e... É,eu já li! No final todos eles morrem... –E me olhou,se deliciando em ter contado o final. Sorriu. –Oops! Acabou saindo! –Mais sorrisos,ele não parava de sorrir nunca? Caramba!
-Ora,seu... –Ele se  moveu mais rápido do que eu e tampou minha boca. Como ele ousa?
-Olha senhorita “Marceline quero ler meu livro”,pensa o seguinte,agora você vai ter mais tempo para conversar comigo. Pensa assim,são raras as oportunidades de conhecer um cara legal num avião. Então aproveite. Saia do universo dos livros só por algumas horas e depois prometo te deixar em paz. –E assim recuou calma e tranquilamente,como que se afastando de um animal feroz prestes a atacar.
Respire fundo Marceline,ele estragou o final do seu livro,Okay,mas acalme-se...um,dois,três...-Okay! –Eu disse,finalmente concordando com os seus termos. –Se isso te deixar menos irritante,eu aceito. E afinal,só vou passar por essa tortura por...quantas horas mesmo?
-Dezoito horas e cinquenta e cinco minutos.
-Dezoito horas e cinquenta e cinco minutos? tudo isso? –Definitivamente eu estava ferrada.

Eu estava sentada ao lado da janela,o Marshall estava no meio,e ao lado dele sentou uma senhora. Mau ela tinha se instalado na poltrona que já estava no décimo primeiro sonho,menos uma para eu me preocupar.
O avião estava decolando,senti aquele frio na barriga,um frio gostoso,daqueles que você sente quando está em uma montanha russa. Olhei para fora,pela minha janelinha circular. As casinhas lá em baixo cada vez mais pequenas,até que não passavam mais de míseros pontinhos distantes para finalmente sumirem,dando lugar a uma paisagem de nuvens. Várias camadas de nuvens brancas,de todas as formas e tamanhos.
-Já brincou de adivinhar com qual animal as nuvens se parecem? –Marshall também estava olhando para fora,admirando o céu.
-E quem nunca brincou disso? –Olhei para ele. –Nos fundos da minha casa tem um enorme quintal,e quando eu era criança...na verdade,até semana passada,eu deitava na grama e olhava pra cima,para as formas das nuvens. Ajuda a passar o tempo.
-Eu também costumava fazer isso –Disse ele,animado. –Mas eu tinha um balanço. Eu costumava me balançar o mais alto que eu podia,e depois jogava a cabeça pra trás para olhar o céu. Era uma ótima sensação. Até que um dia eu cai do balanço e quebrei o braço... Nunca mais vi o balanço...
-Ownt,que triste. Quer um balão? Talvez isso te deixe mais feliz? –Eu estava rindo.
-Há,há,engraçadinha. –Ele também estava rindo.
Mas na verdade,relembrar de tudo aquilo me deixou triste. Eu não vou voltar a ver a casa ou aquele quintal por muito tempo. Marshall notou a minha súbita mudança  de humor. –Você está bem?
Não,eu não estava. –Sim,eu estou... –Dei um sorrisinho falso. –É só que...ahh,nada,deixa quieto..
O clima ficou estranho,nós dois não tínhamos mais o que falar,então cada um virou para o seu canto e ficamos em silêncio. Continuei olhando para fora,imaginando o que as pessoas estariam fazendo neste exato momento,imaginando o que Emma estaria fazendo. Provavelmente ela estava no quarto dela,lendo algum livro ou conversando com alguém por redes sociais,ou até postando algo em seu blog. Que saudade...
Ah,quer saber? Chega de ficar suspirando pelos cantos,o que está feito não pode ser modificado. Vou começar a mudar a situação a partir de agora. O que custa se divertir um pouco com um completo estranho que você acabou de conhecer? Não vou ver ele nunca mais então se eu passar vergonha ou falar besteira,não vai ter nada com o que eu me preocupar.
Resolvi me virar e conversar com o Marshall e quando virei,ele já estava olhando pra mim. Ficamos nos encarando,até eu quebrar o silêncio: -Já te disseram que é feio encarar as pessoas? (Sorri)
-Eu não costumo ficar encarando todos por aí,só as pessoas interessantes. (E sorriu também)
-Então Marshall Lee,como vamos ficar 18 horas eternas presos nesse avião,sugiro encontrarmos logo algo para fazer.
-Okay,vejamos... Nós podemos assistir um filme. Ou ficar jogando conversa fora. 
-Ou podemos comer os sanduíches que você não destruiu,abro uma exceção só hoje e divido com você. –Já disse que ele fica me olhando fixamente enquanto eu falo? Que perturbador!
-Vamos comer sanduíches e conversar,depois assistimos um filme. Nosso plano de viagem (mais risos)
-Feito! –Fazendo tratos com o demônio (risos)
-Então senhorita,o que te traz a esse avião em uma tarde de sábado tão agradável? (falou com uma ridícula voz nasalada)
-Seu ridículo. –Revirei os olhos,rs. –Pois bem,eu não gosto de lembrar,mas o que me trás a esse avião em uma tarde de sábado tão agradável são meus pais! Aqueles cinco poltronas à frente. –E apontei. –Na verdade mais meu pai,pra ser exata. Ele subiu de cargo na empresa,e a vaga era para trabalhar na Austrália,que é pra onde todos estamos indo agora. E você? 
-É uma droga se mudar,conheço muito bem isso... Então,eu moro na Austrália,e o que me trás a esse avião é a volta a rotina. 
-Isso soa estranho. –Franzi a testa.
-Eu sei... –Disse ele,totalmente vago.
-Entããão...?
-Então o que? –Agora ele encarava o teto,finalmente. 
-Você é tão vago... –Disse eu,numa tentativa de demonstrar tédio na voz.
-Não sou vago. É que na minha vida não tem tantas coisas para serem contadas,só isso...
-Entendo... –Que nada! Ele só não queria dividir sua vida pessoal com uma estranha,Rá!
Então ele voltou e me encarar. Seu olhar era tão suave. Estar com Marshall Lee provocava uma sensação estranha,uma sensação de entorpecimento. Eu conseguia conversar com ele da mesma forma que eu conversava com a Emma. A diferença era que ele era mais bonito (risos).
-Dessa vez é você quem está me constrangindo. –Ele cobriu o rosto,numa tosca encenação de vergonha.
-O que??
-Você está me encarando,Marceline. –Sorriu de forma sedutora,e então ficou sério. –Eu não acredito que estou voltando pra casa...
-Como assim? Eu adoraria voltar pra casa! –Eu não conseguia entendê-lo.
-Você tem razão,voltar pra casa é ótimo! (Sorriso forçado) –Se me permite perguntar,quantos anos você tem?
-Ahh,seu indelicado! (Gargalhada) dezessete...e você?!
-Dezoito...

Depois de muito conversar,Marshall Lee ficou sabendo de vários detalhes sobre mim,enquanto eu não sabia nada sobre ele. Sempre quando um assunto pessoal surgia,ele dava respostas vagas,se esquivava... Ele era um tanto quando misterioso. 
E apesar dele ser uma companhia estranha,quando menos percebemos já eram 18:00 da tarde,a hora passou voando e nenhum de nós percebemos. Quando ele levantou-se para ir ao banheiro eu parei um pouco para pensar e me surpreendi com meus pensamentos. De repente aquela viagem não estava sendo chata e sinceramente,quanto mais atrasados chegássemos na Austrália,melhor.