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História Our Sin (EM PAUSA) - Feelings and freedom.


Escrita por: poetyeeun

Notas do Autor


Hallo!
Obrigada por todo o suporte que dão a história com comentários, favoritos e até mesmo cobranças de atualização e lindas mensagens que recebo e amo fortemente.
Devo-lhes um IMENSO pedido de desculpas por mais uma demora. No entanto, lidei com um miserável problema em ter que formatar o meu notebook e pen drive com urgência. Por essa razão, perdi quatro dos próximos capítulos de Our Sin. Fiquei brava? Amaldiçoei? Senti vontade de chorar por pura frustração? Sim, sim e sim. Contudo, passei a reescrever os capítulos, tendo sorte de ter feito anotações de muitas ideias, momentos, falas e outras coisas importantes. Reescrevi esse capítulo que deu um pouco mais de 18 páginas e, bem, não foi fácil, assim como ter que recomeçar os outros também não está sendo, mas irei aproveitar que entrei de férias da faculdade e me dedicar a adiantar os capítulos.
De qualquer maneira, espero que gostem. Boa leitura. MWAH!

➡ Capítulo sem uma revisão mais profunda, perdoem-me se tiver erros.

Capítulo 10 - Feelings and freedom.


Fanfic / Fanfiction Our Sin (EM PAUSA) - Feelings and freedom.

 Era uma tarde de fria de terça-feira e, enquanto limpava o balcão da lanchonete, tinha meus pensamentos girando em torno daquela pequena criança que conheci algumas noites atrás. Quando fui deixada no dormitório, logo pela manhã do dia seguinte, precisei engolir todas as perguntas que queriam escapar. O motoqueiro foi breve e sua feição de poucos amigos deixou claro que aquela carona era tudo o que eu teria, então apenas agradeci e me virei, seguindo até a porta de entrada, sentindo um estranho vazio ao entrar e me limitar em caminhar sem olhar para trás.

Ao ser abordada por minha colega de quarto que estava de ressaca e com um mau humor duradouro, resolvi ouvi-la antes de explicar minha situação, ciente de que precisaria dos seus conselhos. Devo confessar que não foi de grande ajuda, pois na cabeça desajuizada de Camile, eu tinha por perto dois belos homens e estava perdendo tempo pensando racionalmente ao invés de entregar-me a ambos. No entanto, preferi deixá-la sozinha e me escondi na biblioteca por algum tempo, e com o peito carregado de culpa, disquei o número dos meus pais. A conversa foi curta, não me sentia bem mentindo para eles.

Não encontrei Michael pelos corredores ou na sala de aula. Sabia que devia explicações e um grande pedido de desculpas. Pensei em sua disposição em me dar uma noite agradável e estraguei tudo quando precisei ir embora. Não me arrependo de ter ido atrás de Camile. E, secretamente, também não me arrependo de ter partido com Danger.

Mas, ainda assim, teria que me redimir com o meu amigo.

 — Ei! — dedos estalam na frente do meu rosto, assustada, dou um passo para trás, piscando rapidamente. — Está na hora de voltar para Terra.

— Eu... Desculpe. — olho para a superfície extremamente limpa do balcão. — Estava apenas pensando.

— E deduzo que esses pensamentos estejam ligados à personificação dos sete pecados capitais. — torce os lábios pintados por um tom forte de vermelho. — Que anda por essa cidade com aquele colete de couro, em cima de uma moto poderosa e é tão bonito que dói olhar e não poder lamber.

Solto o pano que segurava e levo as duas mãos ao meu rosto.

— Não estou pensando nele. — por entre os dedos vagamente abertos, vejo um sorriso insolente erguer os cantos dos lábios de Camile. — Pare já com isso. A propósito, o que ainda faz aqui?

Não era do feitio da minha amiga me acompanhar até o trabalho. Nunca. Contudo, por alguma razão desconhecida, ela esteve esperando por mim na porta da minha sala e, distraída com seu celular, digitou algo rapidamente antes de me avistar. Ela me chamou para almoçar na lanchonete de sempre e depois que o fizemos, disse que iria comigo, me fazendo deixar minha bicicleta para trás e entrar no carro que, de acordo com sua língua afiada, tinha ganhado de seus pais no último natal.

— Estou deixando o seu dia mais divertido. — murmura como se fosse o óbvio. — Devia ser menos ingrata.

— Pensei que tivesse um encontro com o filho do reitor da universidade vizinha. O nome dele é Regan, certo? — lembro-me de tê-la ouvido falar isso na noite passada, enquanto escovava os dentes e pensava no que vestir. — O que foi?

Flagro-a rolando os olhos e bufando desdenhosa.

— Não chamaria isso de encontro. — dá de ombros e fecha a revista que folheava há algum tempo. — O que nós dois fazemos as escondidas, é algo que soaria como pecado para seus ouvidos tão puros.

Arregalo os olhos.

— Por favor, não diga nada. — viro-me de costas e franzo o cenho. — Eu pensei que ele namorasse aquela loira.

— Continuo dizendo, você não gostaria de saber o que acontece entre nós, Faith. — suspira e parece se ajeitar no banco que estava sentada. — Mas, diga-me, já falou com Michael ou Danger?

— Não para os dois. — coloco os copos limpos e secos em uma das bandejas, empilhando-os. — Talvez seja melhor assim.

— Besteira. Você devia ligar para eles e chamá-los para sair.

Ela estava falando sério, e isso me assustava um pouco mais.

— Não posso fazer isso. — digo. — Michael não está indo para a universidade. E, quanto a Danger... Bem, você sabe. Não nos classificamos na categoria de amigos.

— Você está perdendo uma oportunidade dos sonhos de qualquer garota. — crispo os olhos para estudá-la. Camile sempre tagarelava, e eu não compreendia metade do que dizia. — Um engenheiro mecânico e um motoqueiro? Isso não é nada mau para a vida universitária da boa menina do interior.

Antes que pudesse pensar em uma resposta, mesmo não tendo uma à altura, prontifico-me em atender um casal que entra na lanchonete junto com um simpático garotinho de olhos extremamente azuis. Anoto seus pedidos e sirvo-os com uma deliciosa rodada de rosquinhas e de acompanhamento três canecas de chocolate quente.

Em algum momento Camile voltou a folhear a sua revista, alternando sua atenção para as fofocas das celebridades e para as mensagens que chegavam em seu celular. O movimento melhorou depois das cinco horas e tive a ajuda generosa de Anne. As outras meninas estavam em seus dias de folga e Lourine deixou tudo em nossas mãos, nos prometendo um aumento muito em breve.

Sentia-me cansada no começo da noite. Os últimos clientes tinham deixado suas mesas e nossas gorjetas. Minha amiga sentiu-se entediada e disse que iria caminhar pelas ruas, mas que retornaria antes que eu fosse embora. Ela voltou quando estávamos fechando a cozinha e guardando os doces que tinham sobrado. Os deixaríamos em uma caixa que seria entregue a um asilo da cidade.

Mais copos tinham sido despejados na pia e eu ainda enxaguava os primeiros. Meus pés doíam e já estava faminta. Duvidava que fosse capaz de me sentir disposta o bastante para telefonar para casa. Faria isso pela manhã. Colocando os copos limpos e molhados para que perdessem um pouco da umidade antes que Anne pudesse secá-los e guardá-los, mantive minha atenção totalmente presa ao meu trabalho final do dia, até que ouço um grito surpreso de Camile ao mesmo tempo em que o sino da porta ecoa pela lanchonete vazia, entregando que alguém não tinha lido a nossa placa de que estávamos fechados.

— Faith... Acho que você tem visita.

Por cima dos ombros, olho para trás e causo um desastre gerado pela minha surpresa.

Danger estava parado na entrada, com parte de seu corpo para dentro e outra ainda do lado de fora. Uma de suas mãos espalmava o vidro da porta e a outra arrastava pelos fios de seu cabelo que pareciam um pouco mais longos desde o último momento em que o vi. Ele usava uma camisa escura de mangas curtas, seu tendencioso colete, um jeans gasto e também escuro.

Mas é a falta do copo em minha mão que me faz despertar e só então percebo que quebrei mais um dos copos de Lourine. Se ela soubesse, sem sombra de dúvidas, iria descontar do meu salário. Alarmada e envergonhada, curvo-me para apanhar os cacos espalhados no chão. Minhas mãos estavam trêmulas. Na verdade, duvidava que fosse capaz de existir um mínimo músculo meu que não estivesse completamente vacilante as emoções avassaladoras que me fizeram perder o controle das minhas ações.

Procuro por uma folha de jornal e coloco os cacos que consegui apanhar com certa dificuldade e lanço-os na lixeira. Ainda de costas, puxo uma forte lufada de ar para normalizar minha respiração entrecortada. Pousando a mão direita em meu coração, talvez, procurando acalmá-lo, giro sobre meus sapatos e olho para o belo e intimidador homem que me encarava sem expressão.

— Posso falar com você? — sua voz naturalmente rouca vagueia pelo ambiente que, mesmo vazio, parecia um pouco menor com ele ali.

Ofego baixinho e tento respondê-lo de imediato, mas era como se alguém tivesse roubado minha voz.

— Sim, você pode. — Camile responde e, encarando-me com as sobrancelhas erguidas, balbucia algo como ‘’mova-se’’. Sorrindo para ele, inclina a cabeça. — Ela teve um dia agitado hoje.

Caminhando um tanto quanto trôpega, dou a volta no balcão e ando até ele. Sinto o seu aroma familiar quase que imediatamente. Sua presença poderia ser sentida a oceanos de distância. Era tão forte e impetuosa que se meu coração pudesse falar,  gritaria ao mundo como ele me deixava nervosa apenas por estar no mesmo ambiente.

Afastando-se, como se me cedesse passagem para atravessar, desfaz o bloqueio que seu corpo fez na entrada e aguarda minha caminhada até o lado de fora. Eu o faço, torcendo silenciosamente para que meus joelhos não derretessem, estava tremendo como nunca antes.

As luzes da cidade estavam todas acesas e veículos zanzavam ruidosamente pela rua. Como todo o dia havia sido alguns graus abaixo, as rajadas de vento eram violentas. Abraço meu próprio corpo e fito meus pés.

Ele não me cumprimenta ou diz qualquer coisa por algum tempo.

— Não queria aparecer sem avisar. — olha para suas botas. — Você não tem um celular, então, era vir até aqui ou ficar plantado no campus esperando que aparecesse.

— Deseja comprar algo? — arrisco uma pergunta idiota. — Estamos fechados, mas se estiver mesmo precisando...

— Não estou aqui para comprar nada. — é rápido em sua resposta. — Entretanto, vim pedir um favor.

Não podia imaginar algo que ele quisesse como favor. Mas, não faço perguntas, apenas mantenho-me quieta, dessa vez, olhando para o seu rosto bem iluminado pelas luzes que brilhavam no letreiro convidativo da lanchonete.

— Destiny insistiu para que eu viesse até aqui. — o motoqueiro parecia desconfortável, pois coçava a sua nuca e desviava o olhar. Isso era algo novo sobre ele. — E quando digo que insistiu, aquela menina foi muito traiçoeira com seu talento natural de persuasão. O seu sorriso é capaz de induzir um homem a ir buscar a lua para dar a ela. — sou incapaz de segurar o sorriso. — Você prometeu que voltaria e a ensinaria a fazer aquelas dobraduras de papel. Ela não se esqueceu.

Era estranho, mas eu sentia que iria explodir.

Danger atravessou a cidade para me pedir para que fosse até sua filha. A mesma garotinha que conheci e me surpreendi com o fato de ter um laço sanguíneo direto e extremamente forte com alguém como ele. Não alguém ruim ou tão duro quanto aparenta ser pela vida que levava, ele tem uma fraqueza que parece ser muito importante para ele.

— Oh... — é tudo que sou capaz de dizer, ainda desnorteada com a sua presença.

— Não precisa aceitar. Posso dizer a ela a verdade, que seus dias são agitados demais para passar uma noite dobrando papéis.

— Não! — apresso-me em cortá-lo, e limpo a garganta para não soar tão desesperada. — Digo, está tudo bem. Só não posso ir agora...

 — Nem mesmo ousaria pedir isso. — estreita os olhos. — Você parece cansada.

Balanço os ombros, incomodada que estivesse em completa desordem para alertá-lo sobre este ponto. Levo alguns fios do meu cabelo para trás da minha orelha, de volta para o rabo desajeitado que refiz algumas vezes durante o dia.

— Estarei de folga amanhã à tarde. Às três horas... — aviso-o, tentando não soar ansiosa demais com a possibilidade de estar novamente com ele e Destiny. — Se estiver tudo bem...

— Está ótimo. — umedece os lábios. — Você não tem obrigação alguma conosco e, ainda assim, está aceitando ir até ela.

— Não é um sacrifício. — esboço um sorriso contido em meus lábios trêmulos.

Ele anui e balança os braços, afundando as mãos nos bolsos dianteiros de seu jeans.

Tão bonito...

— Você tem uma carona para os dormitórios?

— O que? — pisco lentamente.

— Não está pensando em continuar indo embora a essa hora da noite de bicicleta, está?

— Oh, não. Hoje estou de carona com Camile.

Ele parece pensar por um segundo.

— Certo.

Certo.

Isso é tudo o que faz antes de começar a marchar até a moto estacionada na frente do SUV na cor vinho da minha amiga. Minha língua vibra para dizer algo antes de deixá-lo simplesmente ir, mas engulo minha pertinência e recuo alguns passos, também me virando para entrar de volta na lanchonete.

— Morena? — olho para o motoqueiro que erguia o capacete que eu estava acostumada a usá-lo. — Obrigado.

Com isso, ele sobe em sua moto e desaparece pelas ruas, deixando-me com o coração ainda mais agitado e os pensamentos desorganizados.

 (...)

Sentia-me ansiosa como em poucas vezes na minha vida.

Minhas aulas acabaram cedo, mas não poderia dizer que prestei atenção em cada palavra dita pela senhorita Sherwood. Encontrei-me com Camile no dormitório e ela insistiu para que vestisse uma roupa melhor que uma calça folgada e o suéter que recebi da minha mãe. Rejeitei sua oferta, pois me lembrei do que Danger havia dito naquela noite.

Estava sentada a pouco mais de cinco minutos em um dos bancos na calçada, embaixo de uma árvore. Ao meu lado eu tinha minha mochila e em meu colo uma caixa de cupcakes que pedi para Lourine, e ela separou os melhores e mais recheado para mim. Queria levar algo que pudesse agradar Destiny.

Perdida em pensamentos e podendo sentir minhas pernas balançando conforme movimentava os pés apressadamente, ouço o som de um motor que conhecia bem. Era incomparável. O campus estava parcialmente vazio, entretanto, alguns estudantes vagavam pelo gramado, outros conversavam mais afastados e alguns chegavam. Mas, tudo o que prende minha atenção é o homem que estaciona sua moto na beira da calçada, ficando de frente para o banco em que estava. Ele tinha me avistado de longe, e isso me deixava ainda mais nervosa.

Uma das suas botas escuras firma no concreto, enquanto, em um gesto rápido e majestoso, retira o capacete e olha para mim. Sinto o poder de seus olhos escuros e abalo-me com seu semblante perfeito. Ele estica o pescoço e movimenta sua cabeça, como se tentasse se livrar de alguma tensão. Notando que ainda me mantinha sentada, apresso-me em abandonar o banco.

Junto as alças da minha bolsa e sustento-as em um único ombro, e passo a caminhar até ele. Estávamos a bons passos de distância um do outro. Luto contra os tremores involuntários que se alastram por meus músculos e ignoro o frio em minha espinha.

Cesso meus passos quando estou a apenas um de distância dele e de sua inseparável moto. Uma brisa fraca balança as folhas das árvores mais próximas e eu sinto o seu perfume. Era injusto alguém ter o seu próprio aroma e ser melhor que qualquer colônia ou perfume. Tinha absoluta certeza de que seria inconfundível, não importava a situação em que estivesse, mesmo sem vê-lo, saberia que se tratava dele com seu cheiro que mesclava nicotina, álcool e algo seu. Somente seu.

— Morena... — um mínimo sorriso eleva o canto esquerdo de seus lábios e algo pinica em minha pele. — Acabei me atrasando.

— Não tem problema.

Não fazia muito tempo que estava esperando por ele. Na verdade, passei toda a noite pensando nesse momento, mas o seu atraso de alguns minutos não era sua culpa e sim da minha ansiedade.

Danger me estende o capacete e, tentando não ser tão desajeitada, procuro a melhor maneira de sustentá-lo em uma mão sem deixar a caixa de doces cair e estragar o meu singelo presente para sua filha. Percebendo a minha dificuldade e nervosismo, o motoqueiro toma a caixa da minha mão e, agradecendo-o com um sorriso torto, coloco o capacete em minha cabeça e prendo a fivela abaixo do meu queixo, regulando a alça o suficiente para que estivesse preso.

 — Comprei alguns doces para Destiny. — explico ao notá-lo olhar para a caixa e analisar o pequeno laço decorativo. — Espero que esteja tudo bem.

— Não precisava fazer isso. — murmura, sem me olhar.

— Eu quis fazer. — dou de ombros e apanho-a de volta.

Olhando brevemente para frente, avisto um rosto familiar. Era Michael. Ele estava com metade do corpo para fora de seu carro. Sua aparência parecia saudável. Fechando a porta em suas costas, cobre os fios escuros de seu cabelo com um boné e ajeita as mangas da camisa azul que vestia. Uma caminhonete passa em sua frente e é quando seus olhos encontram os meus.

Não houve uma reação imediata, mas era um fato que minha presença ali, naquele exato instante, não fazia parte de seus pensamentos ou planos de trajeto. Contudo, quando caem para o moreno em cima da moto, algo parece atingi-lo e um misto de emoções tomam conta de sua expressão.

Meus lábios descolam para dizer algo, talvez saudá-lo, mas nada sai. E ele recua um passo e anda para o lado oposto ao que parecia disposto a seguir anteriormente, como se estivesse me evitando.

E eu me sentia um pouco pior com isso.

— Está tudo bem? — Danger questiona e, só então, noto que me mantive parada, muito perto de seu corpo.

— Uh, sim. Está tudo bem. — eu minto, mas forço um sorriso que morre tão rápido quanto surge e, ele nem mesmo percebe.

— Você é boa em seguir manuais de instrução?

Sua pergunta deixa-me confusa.

— Acho que sim. — não tive a oportunidade de montar muitas coisas em minha vida. — Porque a pergunta?

— Vou precisar da sua ajuda. — pigarreia e desvia o olhar. — Suba. Conversamos quando chegar.

Subindo na garupa, acomodo-me e faço o que sempre fazia. Abraço o seu tronco com a mão livre, e com a outra, coloco a caixa entre nós e seguro-a. Levantando o pedal com um dos próprios pés, o motoqueiro coloca-nos na pista vazia e segue rapidamente pelas ruas.

Danger não parou em nenhum sinal de trânsito e mostrou um de seus dedos do meio para um homem que gritou com ele, colocando o corpo para fora da janela de seu caminhão. Encolhi-me e, com múrmuros inaudíveis, clamei para que Deus nos guiasse com segurança e abençoasse o nosso dia. No domingo, com toda a certeza, iria até uma igreja.

Dobrando uma esquina de um bairro pequeno e afastado, ele sobe a moto na calçada e para de frente para a mesma casa que podia me lembrar de alguns detalhes, como por exemplo, o jardim que parecia ainda mais bonito e colorido quando iluminado pela luz natural do dia. Salto da moto e retiro o capacete. Aguardo-o fazer o mesmo e, poderia nunca me cansar de vê-lo escovar o seu cabelo com os dedos e raspar um de seus polegares pelo lábio inferior ao mesmo tempo em que caminhava de cabeça baixa.

— Obrigada. — agradeço por tê-lo pegando o capacete de volta e também por estar liberando minha passagem para dentro da propriedade. — Aqui é tão bonito.

— Dulce ama flores e todas essas plantas. — comenta, fechando o pequeno portão atrás de si. — Boa parte do seu tempo é dedicado nisso.

Aprecio a variedade de cores e todo o verde vivo que tinha pelo espaço reservado para bens tão naturais. Suspirando e me encantando com as diversas texturas que sinto sob as pontas dos dedos ao tocar as folhas e pétalas de flores, avisto o moreno subir degraus para a varanda e bater na porta duas vezes. A madeira range assim que é aberta e a mulher simpática que me acolheu noites atrás sorri, olhando para o seu rosto e logo o puxando para um abraço.

— Você me viu a menos de oito horas. — resmunga ao se soltar dos braços dela que o olhar com repreensão.

— E desde quando existe um tempo certo para sentir saudades? — torce os lábios.

Seus olhos brilhantes fixam em mim, e, sem saber como cumprimentá-la, subo os mesmos degraus, limpando os rastros de suor na palma da minha mão ainda livre, estendo-a para ela que ignora e puxa-me pelos ombros para um abraço tão apertado quanto o que deu em Danger. Não teria como retribuí-la com a caixa entre nós, mas quando nos distanciamos, abro um sorriso sincero. Ela me avalia e toca gentilmente em meu rosto.

— Você é ainda mais encantadora do que podia me lembrar. — seu comentário causa vermelhidão em minhas bochechas. — Vamos entrar. Temos uma criança muito agitada nessa tarde.

Por cima dos ombros, procuro pela aprovação do motoqueiro que, sutilmente e quase que em um gesto imperceptível, assente. Sou guiada por Dulce para dentro de sua aconchegante casa. Como naquela noite, meus olhos curiosos circulam pela sala de entrada e sou pega de surpresa pela linda e contagiante cena da menina girando o seu corpo magro e pequeno em um bambolê que caia desajeitadamente em seus joelhos e ela esticava seus braços o máximo que podia suportar para não deixá-lo encostar-se ao chão. O cachorro abanava seu rabo peludo, fitando-a com admiração e pura diversão.

— Faith! Papai! — notando nossa presença, ela grita e solta o arco colorido. Se esquivando da poltrona, e me deixa de boca aberta quando rodeia minhas pernas com seus braços.

Meu coração se enche de algo verdadeiro e desconhecido.

— Como você está, pequena estrela? — pergunto, afagando o seu cabelo macio.

— Estou bem. — afastando o rosto das minhas pernas, ela sorri. Um sorriso largo e cheio de dentes pequenos. — Vocês demoraram.

Colocando as mãos em sua cintura, ela olha feio para o pai.

— Fiz o que você queria, pestinha. — resmunga e se abaixa. — Pare de ser mandona e me dê o beijo que prometeu.

Quebrando a sua postura séria, Destiny se derrete com o pedido do pai e se apressa para chegar até ele. O abraço que eles trocam é, de longe, o mais puro e sincero. Danger fecha os olhos e parece sentir toda a bondade de sua filha através daquele momento de afeto. Sua filha empurra-o pelos ombros, apenas para encher seu rosto com beijos estalados e molhados.

A risada que explode do peito do motoqueiro me atinge como um empurrão, e só não perco as forças porque meus pés pareciam colados no carpete. Nunca tinha o visto sorrir daquela maneira antes, não com tanta naturalidade. Sua risada era como a de um menino.

Era o som mais bonito que ouvi em minha vida, não tinha dúvidas.

— Agora o senhor irá terminar de montar o meu presente, não é? — a menina questiona, se separando do pai. — Enquanto isso, Faith irá me ensinar a fazer várias dobraduras.

— Irei dar o meu melhor. — ele se levanta e belisca a ponta do nariz pequeno de Destiny. — Não explore dela, garotinha. — Danger olha para mim. — Não caia nos encantos dessa trapaceira em miniatura. Quando precisar parar e respirar, não a deixe convencê-la do contrário.

— Acho que posso dar conta. — abro um sorriso e, antes que me esquecesse, afasto a caixa do meu corpo e mostro para a criança que tem os olhos arregalados. — Não tinha certeza se gostava de algum tipo de doce, mas escolhi alguns cupcakes do lugar em que trabalho. São os melhores que já comi.

Destiny segura a caixa e, com as orbes resplandecendo, olha para mim com toda a doçura que devia ter em seu coração e alma.

— Obrigada, Faith. Eu amo cupcakes. — a ênfase que ela dá ao dizer que amava os doces e seu largo sorriso são meu verdadeiro agradecimento. — Podemos comer, Dulce?

— Depois do jantar, querida. — a senhora pontua e isso a entristece. — Mas, para que possamos lanchar, irei fazer aquele bolo de milho que tanto gosta. O que acha?

Ela pondera por alguns segundos antes de colocar o sorriso de volta em seu rosto angelical.

— Está bem! — entrega a caixa para Dulce e vira-se para mim. — Vamos logo. Separei folhas coloridas para a gente usar.

Segurando minhas mãos, ela me puxa junto com ela e, sendo cuidadosa para não tropeçar em seus pés, sigo seu ritmo. Achando graça da sua ansiedade semelhante a minha de mais cedo, olho para trás, vejo que Danger tinha os braços cruzados.

Eu daria qualquer coisa para saber o que se passava por sua mente.

— Qual cor vai querer? — Destiny solta minhas mãos e corre para se sentar no tapete, puxando uma enorme caixa de papelão que parecia ter vários materiais de escola. — Acho que vou começar com azul.

Solto minha bolsa em cima do sofá e sento-me com as pernas cruzadas, de forma que pudesse ficar de frente para ela. Latindo para mim, Lassie se aproxima e lambe minhas mãos, fazendo-me cócegas agradáveis.

— Ficarei com azul também. — digo, apontando para todas as folhas que segurava e, sem deixar de sorrir por um segundo sequer, me entrega algumas delas, ficando com o resto para si. — O que deseja aprender primeiro?

— Podemos fazer uma flor como aquela? — pende a cabeça para o lado esquerdo e fita-me com olhos pidões.

Como negar algo a essa criança?

— Faremos tudo o que desejar. — torço os lábios. — Comece apoiando a folha em uma superfície lisa.

Balanço a folha no ar e levo-a até o piso limpo. A menina de grandes olhos observava atentamente cada movimento meu, reproduzindo-os com maestria. Suas primeiras dobraduras não saem de acordo com as que eu fazia, mesmo indo devagar o bastante para que pudesse fazer do mesmo modo. Notando sua frustração após descartar o quinto pedaço de papel, arrasto-me até ficar atrás de suas costas, deixando minhas pernas abertas pelas laterais de seu corpo. Minhas mãos alcançam as suas que seguravam a nova folha e, calmamente, guio-a de forma correta, no entanto, deixando-a fazer todo o trabalho sozinha.

Sua primeira flor tinha sido finalizada e, girando-a em seus dedos, ela olha-me com gratidão. As próximas dobraduras que fazemos variam entre animais até estrelas. Era encantador ter a sua felicidade preenchendo meus ouvidos com as risadas altas pelo cão se divertir com os bichos em dobraduras.

Distraí-me com sua espontaneidade em me mostrar as figuras que tinha no seu caderno e todas as palavras que tinha aprendido. Destiny era uma criança curiosa e senti-me chocada porque ela anotava palavras que ouvia, pensando ser capaz de descobrir os significados algum dia. A gramática não me chocou, mas sim as maldições anotadas. Questionei sobre onde ela tinha aprendido aquele vocabulário feio e ela não se importou em dizer que tinham sido com seu pai, seu tio Spider e até mesmo sua professora particular. Fiquei em choque com a descoberta, mas logo precisei voltar minha atenção para suas perguntas, ela queria ajuda com alguns cálculos de matemática.

Nos ajeitamos na mesa de centro, usando-a como apoio para que pudéssemos folhear as páginas do livro didático. Os cálculos que foram passados para ela eram quase impossíveis de solucionar, levando em consideração o fato de que ela era uma criança de menos de seis anos de idade. E sua professora não parecia ser o tipo que gostava da profissão. Era como se o seu trabalho fosse apenas estar presente e ao lado da garotinha até que chegasse a hora de ir embora. Não existia estímulos, ou qualquer coisa que a fizesse ter gosto por aprender.

Ser educada em casa, longe do convívio com outras crianças e sem toda a experiência única de crescer através da escola era algo que a afetava, mesmo que não dissesse. As únicas companhias dessa criança eram a de uma senhora e um cachorro. Mesmo parecendo ser feliz com o que tinha, faltava algo e, pensar nisso, me partia o coração.

— Você podia ser minha professora particular no lugar da senhorita Smart? — pergunta assim que fecha o caderno.

— Não acho que isso será possível. — a tristeza em seu olhar é imediata. — Ei, eu realmente gostaria de ensinar você. Mas o seu pai não iria querer algo assim.

Seus lábios rosados descolam para protestar, mas a voz de Dulce preenchendo a sala chama nossa atenção. Ela aparece nos chamando para lanchar. Nem mesmo tinha percebido que o tempo corria no relógio e passava-se das seis da tarde. Tínhamos gastado longos minutos dobrando papéis e o resto deles lendo textos e juntando alguns números.

Levantamos juntas, corremos para a cozinha, sendo seguidas por Lassie que latia agitado. Uma vez na cozinha, Destiny fica nas pontas dos pés para conseguir girar o registro da pia e, mesmo que apreciasse sua independência, ajudo-a e sou retribuída com um mínimo sorriso. Após lavar as mãos, ela corre até os bancos e senta-se em um deles. Também lavo as mãos e seco-as em um pano que encontro no aparador da parede. Giro-me e caminho até o balcão.

Dulce nos serve com copos cheios de refresco de laranja e com uma grande travessa de um bolo ainda quente e muito cheiroso. Me serve uma fatia generosa, assim como para minha companheira faminta. Devoramos o primeiro, logo o segundo e terceiro pedaço do delicioso bolo de milho.

A mulher come conosco e, terminando, lavo a louça suja a contragosto da maravilhosa cozinheira. Guardando o último talher na gaveta, me pergunto onde devia estar o motoqueiro.  Destiny havia subido para tomar um banho, me fazendo prometer de mindinho que não iria embora antes que voltasse.

Estando sozinha na cozinha, caminho até a porta e recuo um passo ao sentir as rajadas muito frias embaladas por um temporal que cairia em pouco tempo. Crispando os olhos, sou incapaz de desviá-los do corpo tatuado e em movimento pelo gramado.

Era Danger e ele estava sem camisa.

Ele parecia concentrado em algo que tinha nas mãos, mas não lidava bem com todas as barras, ferramentas e caixas espalhadas pelo chão. Na realidade, sua frustração podia ser sentida de onde estava.

Sua filha era sua cópia fiel até mesmo nas manias.

— Oi. — o cumprimento ao me aproximar.

— Ei. — vira-se para me olhar. — Conseguiu fugir?

— Quase isso. — solto uma risada fraca e olho para toda a bagunça. — O que está fazendo?

— Comprei esse maldito balanço, mas não sei como montar. — balança um catalogo mediano na frente do rosto. — Pedi ajuda a um amigo e ele é tão idiota quanto essa merda.

Mordisco o lábio inferior.

— Posso tentar?

Ele ergue as sobrancelhas.

— Boa sorte. — estende o catálogo que segurava.

Abro-o e corro os olhos pelas primeiras páginas e ilustrações. Se fosse algo como motores ou pneus, lidaria bem com a situação. No entanto, não seria algo impossível de fazer se seguisse as instruções.

Passo por Danger e curvo-me sobre as caixas abertas. Encontro os parafusos e roscas que seriam necessários para uni-los a todas as barras e bases do balanço.

— Comece por essa daqui. — desvio a atenção da segunda página e aponto para uma barra com as pontas dobradas.

Com um misto de descrença em sua face endurecida, o homem segue minhas ordens sem pestanejar. Ele amaldiçoa quando percebe que tudo começava a se encaminhar e continua o trabalho. Levando algum tempo para enroscar parafusos e ter completa firmeza, acaba a primeira parte tendo que livrar-se do suor que escorria em sua testa e peito com o antebraço esquerdo.

O clima estava mudando e fazia frio. Eu estava sentada no gramado, ainda ditando o que devia fazer. O brinquedo tomava forma a cada nova peça e minha surpresa é ainda maior por vê-lo quase finalizado. Fazia-me lembrar de Owen. Nas tardes de domingo, quando saíamos da igreja, olhávamos na entrada e, como um segredo de irmãos, corríamos por entre as pessoas, aproveitando que nossos pais distraiam-se com os fiéis. Encontrávamo-nos no pequeno parque no início do quarteirão, nos sentávamos nos bancos e balançávamos por um longo tempo. Ele me arrancava risadas quando se colocava atrás de mim e me empurrava forte, me fazendo ir muito alto.

Os ruídos altos de algo chocando com os ferros trazem-me de volta dos meus devaneios e, piscando para recobrar minha lucidez, olho para as costas do homem tatuado. Ele estava de pé e parecia respirar pesadamente. Contudo, as verdadeiras marcas que me fazem encarar sua pele bronzeada são as cicatrizes grossas, expostas pela protuberância sob alguns desenhos marcados por uma tintura muito escura. Eram rígidas, mesmo que evidentes apenas se olhadas de perto. Eu estava perto. A quatro ou cinco passos de distância, talvez seis. Dependia de quanto mais meu corpo fosse capaz de aguentar se manter no mesmo lugar com a onda de sentimentos que me envolveu.

Queria saber como ele as tinha conseguido, e ao mesmo tempo, chorar. Alguém tinha o machucado, não só fisicamente, mas também, psicologicamente. Isso poderia explicar muitas coisas, mas não devia, porque não era justo. Ninguém no mundo devia sofrer assim para ter marcas de um guerreiro ou de uma guerra vencida. Tão pouco ele.

Assusto-me quando seu corpo tenso vira-se no exato segundo em que, involuntariamente, minha mão direita ergue-se para tocá-lo com os passos que cambaleei para frente. Uma de suas mãos envolve meu pulso ainda no ar. Sua respiração quente rouba um ofego inaudível que ousou sair por meus lábios. Seus olhos escuros fuzilam os meus que estavam assustados. E acompanham a descida lenta da única lágrima que escorre pelo lado direito do meu rosto.

O moreno leva algum tempo para notar o meu ato tão humanamente fraco.

O vinco que se forma entre suas sobrancelhas entrega a sua confusão e ele encara a mão que rodeava meu pulso. Era um aperto, de fato, mas a lágrima que desceu não era pela dor e ardência que sentia em minha pele, e sim porque me sentia triste por ele ter sofrido de alguma forma.

Estava chorando por sua dor, não pela minha.

Até porque, sua dor era maior. E isso, por alguma razão, se tornava doloroso para mim também.

— Acho que Destiny não aguenta mais esperar. — sua voz rouca e muito grave me aterroriza.

Já a voz fina e vibrante da criança que chamava por mim, ameniza o pânico em minha corrente sanguínea. Ela tinha me chamado antes, mas Dulce conseguiu subordiná-la em dar-lhe um cupcake antes do jantar se ela esperasse algum tempo. O seu brinquedo era um segredo que, só seria revelado quando estivesse pronto. Faltava pouco, só que ela parecia muito cheia de energia para esperar mais alguns minutos.

Ele solta meu braço.

Eu dou um passo para trás.

— Eu... Eu vou... Irei até ela. — olho para baixo. As luzes que iluminavam o quintal já não eram mais da luz do dia, porque a noite tinha caído. — Você... Quero dizer, consegue terminar.

Tento soar de maneira cordial e tranquila. Era em vão.

Ele não comenta sobre minha ousadia.

E eu não questiono sobre suas marcas. Mas queria.

Deus, como queria saber.

— Acredito que sim. — confirma e caminha para trás das caixas amontoadas. — Está sendo mais difícil do que pensei. Devo uma peça nova para a moto de Spider.

Danger e sua filha pareciam gostar deste homem. Lembrava-me dele, desde o nosso primeiro contato na lanchonete de Lourine. Ainda que Danger tivesse chamado minha atenção mais que todos os outros motoqueiros naquela mesa, ainda poderia reconhecê-los se os encontrasse.

Jogo o manual dentro da sua caixa de ferramentas e retiro-me apressadamente, sentindo-me corar. Ao entrar na cozinha, Destiny aborda-me com as mãos na cintura. Ela vestia pijama e tinha o cabelo úmido. Seus olhos pareciam maiores e ainda mais brilhantes.

— O jantar está quase pronto. — ela dá pulinhos e puxa-me pelos dedos das mãos. — Dulce fez sopa.

— Espero que goste. — a senhora olha-me e gira seu corpo, carregando uma travessa fumegante nas mãos protegidas por panos. — É uma das poucas coisas com legumes que agrada essa garotinha exigente e aquele garoto turrão.

— O cheiro está incrível.

— Vamos lavar as mãos. — a cabeça escura de Destiny vira para me olhar. — Depois do jantar, vou poder olhar a surpresa que meu pai está preparando para mim?

— Eu acho que sim.

Ajudo-a novamente com a torneira e também lavo minhas mãos. Ainda não sentia fome após o lanche que fizemos ainda pouco, mas acompanho Dulce e Destiny tomando um pouco da sopa. Era divertido observá-las, a proximidade entre ambas era quase como a uma vovó e sua neta.

Dulce se sentiu maravilhada em saber que Destiny tinha aprendido alguns cálculos e que agora sabia o que fazer com os papéis que encontrava pela casa, ao invés de jogá-los imediatamente no lixo. Senti um vazio entre nós, porque a mulher convidou o pai da menina para jantar, mas ele gritou que não estava com fome. Ele tinha passado a tarde inteira lutando para erguer o brinquedo.

Terminamos de comer e, dessa vez, não pude mesmo lavar a louça ou secá-la. Me ofereci ao menos para dar a radiante menina um cupcake de sobremesa e acabei por devorar um deles também. Enquanto ria de Destiny se lambuzando com a cobertura lilás com granulado colorido, novos passos preenchem a cozinha.

Danger secava o rosto com uma camisa preta e parecia verdadeiramente molhado, não de suor, mas com água. Sua filha salta da cadeira e corre até ele.

— Você terminou, papai? — ela pula e o cachorro que a acompanha faz o mesmo. — Eu posso ver?

— Sim, finalmente acabei. — ele se curva para olhar para o seu rosto. — Se você gostar, em breve podemos colocar outros.

— Tudo bem... — ela beija rapidamente a ponta do nariz do homem e passa ao seu lado, correndo para o lado de fora, sendo seguida por seu inseparável amigo canino.

— Essa menina está com as baterias sobrecarregadas hoje. — Dulce murmura, secando as mãos no avental. — Preciso contê-la. E vá comer um pouco, querido. Há um prato de sopa no micro-ondas.

Restaram na cozinha apenas nós dois. Mastigo devagar o último pedaço do cupcake de chocolate, evitando olhar para o homem por muito tempo. Porém, ouço-o caminhar. Meu coração dispara quando ele parece mais próximo, podia espiá-lo de soslaio. Ele para ao meu lado, e nada diz, apenas abre a geladeira e retira uma garrafa de água. Alcança um copo limpo no centro do balcão, despeja o liquido e bebe até a última gota.

Tento respirar devagar para não engasgar com o cupcake.

— Obrigado por toda a ajuda.

Engulo em seco o doce em minha boca.

— Não foi nada. — tento sorrir quando olho para ele.

Ele não diz mais nada. No entanto, deixa a garrafa ainda com água e o copo vazio no mármore do balcão e inclina-se em minha direção. Não ouso me mover um centímetro sequer, porque meus olhos arregalam quando seu polegar esquerdo toca meu rosto. Minha pele formiga sob seu toque, mas não sei se ele percebe. Seus olhos estavam nos meus. Sua respiração na minha. E seu rosto muito, realmente muito próximo ao meu.

Assim como seus lábios.

Eles eram rosados, cheios e bonitos.

Jesus! Eram lindos e pareciam macios.

O polegar que tocava sutilmente minha pele, escorrega por meu rosto até chegar no meu queixo e, tão lento que quase me fere, ele limpa o rastro de algo que não saberia dizer do que se tratava, talvez fosse o chantilly, e leva aos seus próprios lábios.

Danger chupa o seu dedo sem desviar os olhos dos meus e sem se afastar de mim.

— Estava sujo de chocolate. — o sopro de sua voz me inebria.

O ar estava me faltando.

Meu corpo estava flutuando.

Meu interior parecia em estado de erupção.

Nunca tinha sentido nada igual. Era tão incômodo.

— Papai, eu amei! — Destiny entra correndo na cozinha e isso leva seu pai para longe de mim. — Podemos ter um escorregador algum dia?

Danger limpa a garganta e se aproxima dela, beijando sua testa.

— Tudo o que você quiser, meu amor.

Não sei quanto tempo levo para me recuperar daquele estranho momento, mas desperto quando estou sendo levada pela menina eufórica até o quintal e sento-me ao seu lado para balançar com ela. O balanço parecia ter sido o melhor presente que tinha ganhado em toda a vida e sua felicidade era incrivelmente contagiante.

Minutos mais tarde, eu estava me despedindo dela com um beijo em sua testa. Ela dormiu em meus braços, enquanto assistíamos um desenho aleatório. Antes de embalar em um sono tranquilo, a menina iluminada olhou para o seu pai e perguntou se eu poderia ser sua nova professora particular. Ele não negou ou afirmou, porque precisou atender o celular. De qualquer maneira, ao analisá-la pela última vez antes de partir, prometo com um sussurro que voltarei a vê-la.

Até porque, não acredito que seja capaz me afastar dela.

— Destiny tem a todos em seu dedo mindinho. — Danger comenta quando estávamos do lado de fora da casa, depois de ter me deixado dar um abraço em Dulce que me fez levar alguns pedaços de bolo para o café da manhã.

— Sim, ela tem.

Antes do capacete, ele me entrega sua jaqueta. Penso em recusar, mas estava tão frio que não o faço, apenas aceito e me visto rapidamente.

— Sobre as aulas...

— Foi uma sugestão dela, porque sua professora não parece muito proativa com as atividades que exerce. — mordisco o lado interno da minha bochecha, do lado esquerdo. — Imagino que seja difícil viver sem a interação natural com outras crianças. No entanto, ela pode receber um aprendizado importante para a vida, mesmo dentro de casa. Sua filha é uma criança esperta e isso deve ser explorado.

 — Não posso colocar isso em suas costas. — nega com a cabeça em um aceno ligeiro. — Não faria sentido fazê-la se deslocar de tão longe para vir até aqui.

— Faria isso com muito gosto, Danger. — digo, com sinceridade.

— Por quê?

Dou de ombros.

Essa era uma boa pergunta.

— Faria qualquer coisa para ver um sorriso dela. — suspiro, e abaixo a cabeça, olhando para minhas mãos que seguravam a vasilha recheada com fatias de bolo de milho. — Em Ames, quando saia da escola, costumava ensinar algumas crianças do orfanato da cidade. Não tenho um diploma de professora, mas gosto de fazer o que está ao meu alcance.

Danger me encara, em silêncio.

A queimação volta a circular por minha pele.

 — Você sabe quem eu sou e que o que faço não é certo, ou dentro da lei.  — ele praticamente rosna. Não sinto medo, mas estremeço. — Como ainda pode ser tão malditamente boa comigo?

Porque acredito que você seja bom. Penso, no entanto, não digo.

— Gosto de enxergar o lado bom das coisas.

— Não devia esperar algo bom vindo de mim, morena.

— Não quero nada em troca. — olho-o diretamente nos olhos. — Quero apenas conhecer você.

Era a frase mais sincera que havia dito em meses. Ou, anos.

Desde que Owen morreu, venho dizendo estar bem, e em todas as vezes era mentira. Concordava com tudo o que meu pai dizia, e estava mentindo. Aceitava ordens, acomodava-me entre os exageros e dizia estar feliz vivendo em torno daquilo. Era mentira.

A verdade era que, não acreditava ser possível me sentir fascinada por algo que não fosse companheirismo que tive durante tanto tempo com meu irmão. Não acreditava conhecer alguém com uma essência tão rebelde quanto a dele ou que se doasse tanto por alguém como ele fazia para me libertar do que insistia ser errado. Não acreditava, não até agora. Não até o dia em que esse motoqueiro entrou em meu caminho e me ofereceu uma carona.

Queria conhecê-lo, porque assim, poderia me descobrir também.

Talvez fosse sobre essa vontade que meu irmão falava que eu encontraria quando me permitisse viver de forma livre.


Notas Finais




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