História Pointe Shoes - Dégagé

“Você tem que adorar dançar para continuar o fazendo. Dançar não te dá nada de volta, nenhum manuscrito para guardar, nenhuma pintura para colocar nas paredes ou talvez mostrar em museus, nenhum poema para ser impresso e vendido, nada além daquele único e efêmero momento no qual você se sente vivo.” – Merce Cunningham

— Você tem certeza de que é aqui? – a voz do mais novo era baixa e parecia levemente relutante com a grandiosa construção a sua frente.

— É exatamente o que diz na carta. – o mais velho respondeu com um sorriso.

— Parece que meu coração vai saltar pra fora…

—Calma lá, a gente nem entrou e você já ‘tá assim, Hoseok? – o sorriso em seu rosto diminuiu. — Se era pra desistir poderíamos ter ficado em Gwangju, comendo alguma coisa e dormindo.

— Não seja assim Yoongi... – o mais velho riu-se.

— Então não fique nervoso. Você é ótimo e eles sabem disso.

Assim que abriu a grandiosa porta a sua frente, o vento gelado que o ar-condicionado produzia pareceu lhe perfurar o rosto. O lugar era magnífico por dentro. Os quadros pintados com a representação de belíssimas bailarinas, os prêmios que enfeitavam a prateleira. Hoseok estava onde sempre sonhou em estar, desde que resolveu ser bailarino e seguir os passos de sua mãe. Pôde sentir seus olhos enchendo de lágrimas, só de poder colocar os pés ali…

— Posso ajudar? – a voz doce chegou a seus ouvidos e se surpreendeu com o sorriso mais doce ainda do homem à sua frente. Por alguns instantes travou ali, sem falar nada.

— Ele tem essa carta... – Yoongi logo se pronunciou ao ver o amigo corar de forma rápida.

— Ah... Jung Hoseok! A professora não parava de falar sobre você durante essa semana inteira! – sorriu, logo fazendo uma reverência rápida. Os outros dois imitaram o gesto.

— Não parou? Eu nunca imaginaria... – ele riu docemente. — Desculpa pelo jeito rude…

— Sem problemas! – o outro sorria sem parar. — Sou Kim Seokjin, muito prazer. Eu posso te levar a sua sala? Eles estão no meio da aula, talvez goste de ver um pouquinho dela. – Hoseok trocou olhares com Yoongi, logo sorrindo de volta.

— O prazer é todo meu! E se não for incomodo…

Logo o mais novo seguia Seokjin pelas escadas do prédio. Sua sala era no terceiro andar, disso teve certeza quando finalmente chegou na frente da porta e o outro acenou que poderia entrar, logo depois de falar com alguém. A professora, que tinha um olhar simpático para ele, fez um sinal de silêncio e pediu para que se sentasse. Parecia querer que ele esperasse o final da apresentação do garoto que agora, tinha todos os olhares dali.

Hoseok sentiu-se hipnotizado pela maneira que ele dançava, e somente uma palavra poderia descrever... Era incrível. Ele sabia ser suave e forte, um equilíbrio perfeito entre dois extremos. A cada pirueta ele podia sentir a leveza do corpo do outro. E o sorriso que enfeitava seu rosto? Sabia que todo e qualquer bailarino tinha que manter um belíssimo sorriso no rosto enquanto dança, mas os passos às vezes dificultavam tanto a vida... Mas ele não, ele sorria como se aquele fosse o seu único prazer em vida. Como se aquele sorriso fosse desaparecer no momento em que parasse de dançar. E estava certo na última frase.

No momento que seu corpo parou, fazendo a última pose e então agradecimento, ele viu o sorriso desaparecer para que a seriedade enfeitasse o seu rosto. Naquele exato momento, Hoseok sentiu um frio na barriga inesperado. Ele tinha medo do que aquele, que agora se direcionava para perto das barras, poderia ser ou fazer.

— Muito bem Jimin! – a voz da professora parecia uma doce melodia. — Gracioso e perfeito, como sempre. – todos a volta dele sorriam, mas ele mantinha o mesmo olhar. — E agora atenção... – ela acenou para que Hoseok levantasse. — Esse é Jung Hoseok!

Na mesma medida que ela mantinha o sorriso no rosto, alguns alunos pareceram esbugalhar os olhos, outros tinham um formoso “O” feito com sua boca. Hoseok sentiu alguém o olhar como se estivesse prestes a jogá-lo da primeira janela possível do prédio, e se espantou quando percebeu que o olhar furioso vinha do tal Jimin. Era incrível como qualquer impressão doce que teve do garoto, enquanto ele dançava, se esvaiu somente com aquele olhar para si.

— Hoseok será seu novo colega de classe, e assim como todos vocês foi selecionado a dedo. Não achem que por causa do nome de sua mãe ou família ele foi chamado aqui, em nenhum momento de suas vidas. Sabem que todos têm as mesmas oportunidades e peço para que o recebam de braços abertos! – ela se virou para o garoto, com o mesmo sorriso. — Meu nome é Shin Yangmi. Fico feliz em te conhecer.

— Foi estranho demais... – a voz de Hoseok parecia mais alta e clara do que antes. Finalmente sentia-se a vontade. — Eu senti que seria arremessado por uma janela a qualquer instante!

A risada de Yoongi pareceu ecoar pelo quarto de Hoseok. O apartamento era grande o suficiente para ambos estarem em suas respectivas camas, mas no exato momento eles estavam se divertindo demais conversando sobre o dia. Hoseok estava alegre, radiante, e isso o deixava um tanto quanto hiperativo.

— Se ele decidir te jogar da janela, eu mesmo faço o serviço sujo de jogar ele depois! – piscou para o mais novo, que balançou a cabeça.

— Não precisamos de assassinato. E muito menos serei jogado da janela, sei muito bem me defender, ta?

— Uhum. – o tom irônico fez com que uma almofada voasse contra seu rosto. – Ei!

— Não me trate assim! – riu mais uma vez, antes de sentar-se do lado do outro. — Sabe... Todo mundo sabia quem eu era. Foi muito estranho. Tudo bem que foi por causa da minha mãe, mas ainda assim... Eu tinha me acostumado com isso em Gwangju, mas era todo meu mérito. Agora parece que todos eles colocaram um peso em mim.

— Não pense desse jeito, Hobi. – o apelido que o outro havia inventado o atingiu como uma velha piada. — Sabe que é tão bom quanto ela foi e que logo vão te reconhecer por isso.

— Mas aquele cara…

— O tal do Jimin? – Hoseok simplesmente acenou um sim com a cabeça. — No momento que ele te ver dançando ele não vai sentir mais raiva, ele vai querer ser você.

— Mas ele é bom…

— E você é melhor. – Yoongi se impulsionou para fora da cama, levantando. – Agora vai dormir, eu preciso dormir e não dá pra ficar cuidando de você. Boa noite.

Então a porta do quarto se fechou, antes mesmo do mais novo conseguir dizer um “boa noite” sequer. Jogou-se na cama, os braços abertos para que pudesse apreciar o espaço que agora tinha para si, fechando os olhos. Sentiu o corpo formigar, finalmente avisando que estava relaxando daquele dia. A viagem tinha valido a pena, no final das contas, e agora podia sentir-se um pouco mais livre das memórias que ainda o assombravam em Gwangju. O nome de sua mãe prosseguia sendo repetido em sua cabeça, mas pela primeira vez em anos aquilo não o incomodava. Ele não ligava.

E ali mesmo, perdido nos próprios pensamentos e devaneios, ele sentiu seu próprio corpo pesar e, então, ceder ao tão merecido sono.