História Por que o Mar me Odeia? - Competição Regional de Surf - Pt 2

- Reyna? - Rachel se admirou. - Aquela Reyna?
Annabeth acenou com a cabeça, e se levantou, pondo sua prancha de lado. Reyna provavelmente não achou o comentário de Rachel relevante, apenas esboçou um breve sorriso para a ruiva e continuou se dirigir a Annabeth, com um certo riso em seus olhos cuidadosos.
- Fiquei pensando se você ainda lembraria de mim. - Não dava pra saber ao certo se ela estava falando sério ou não.
Annabeth deu risada. - Só não esperava te ver aqui hoje. Fiquei sabendo que você está quase se tornando profissional.
- Sim. - Reyna sequer forçou humildade, levantando o queixo mais um milímetro. - O resultado de hoje determinará meu contrato definitivo.
Rachel continuava sentada entre as duas, sentindo uma enorme carga. Seria rancor? O que importa, é que nem Annabeth nem Reyna desviaram o olhar por um bom tempo, e essa rixa adquiriu força gravitacional tão forte, que parecia que tudo estava sendo puxada para elas. Até que Reyna falou de novo, como uma rainha falaria com alguém de sua corte.
- Quem é seu treinador?
- Per... - Annabeth engasgou. - Quíron. E o seu?
Reyna ajeitou a postura, como se estivesse se preparando para dar um discurso, mas ao invés disso sua resposta foi curta.
- Lupa.
Os pelos da nuca de Annabeth se arrepiaram. A garota procurou ao redor em busca daquela mulher... Assustadora... E o que mais temia, estava acontecendo... Próximo ao pódio vazio, Quíron estava em sua cadeira de rodas largas para areia, estranhamente, usando camisa e bermuda. Ele estava conversando com ela, e o clima estava, muito mais tenso ali. Lupa era uma mulher alta e postura impecável, os cabelos platinados esvoaçavam como os pelos de um animal selvagem e feroz. Ela usava colar de presas de animal e braceletes de couro, uma regata preta e cavada nas costas colada ao corpo, assim como a calça de malha, cuja barra terminava dentro das botas de caminhada, tudo muito confortável, porém sexy. Não parecia exatamente uma treinadora de surf, e sim uma bond girl muito bem preparada.
- Temos um problema aqui? - Annabeth comentou mais para si mesma.
Reyna franziu a testa, tentando decidir se ficava preocupada ou não. Pelo jeito, optou pelo não, dando de ombros.
- Eles são adultos e civilizados, Annabeth. - Encerrou o assunto.
Ainda com uma pulga atrás da orelha, Annabeth notou que havia tensão e desconforto na conversa dos dois, mas não hostilidade. Independente disso, era impossível não sentir um aperto no coração, imaginando o que Quíron estava sentindo. Afinal, os dois não se falavam desde o divórcio.
A voz de Reyna puxou Annabeth desses pensamentos.
- Eu esperava ver você em uma forma melhor. 
Annabeth encarou Reyna, avaliando-a, da mesma forma que estava sendo avaliada.
- A princípio eu não ia participar. - Annabeth ergueu o queixo, veemente. - Meu treinamento sério começou com alguns meses de atraso.
- Ia ser decepcionante se você não participasse. - Um brilho cruzou os olhos de Reyna, quase como empolgação. - Estou ansiosa para subir ao pódio com você de novo. Mas com um resultado ligeiramente diferente.
Annabeth sorriu com ferocidade e empolgação equivalente. - Sim. Vou subir para o primeiro lugar, e você para o segundo.
Reyna conteve um riso, e então continuou falando, ignorando a alfinetada como faria com qualquer outra inconveniência.
- Você feriu o tornozelo recentemente?
Annabeth trocou o peso de lado, levemente desconfortável.
- Sofri um acidente meses atrás. Lesionei os ligamentos, e trinquei a fíbula.
A voz no auto falante começou a listar o nome da banca técnica, ambas as garotas se calaram para ouvir com clareza. Rachel que havia sido esquecida, batia a areia das pernas sardentas, também prestando atenção, retirando-se, para procurar por Piper e Hazel (contar a alta treta que estava rolando, e pedir que alguém explicasse).
"Abrimos nossa banca com a ilustre presença de Bob!", uma salva de aplausos, "Hestia e Ulisses também se apresentaram... ". Enquanto ouviam sem muita necessidade (já que a escala de técnicos havia saído no jornal), Reyna trançava o cabelo liso e escuro, encarando a areia. "E como nossa comentarista convidada..." o cara fazia um suspense, mas era irrelevante.
Reyna terminou sua longa trança e a jogou por cima do ombro. 
- Eu me preparei muito para essa ocasião... - Reyna olhava nos olhos cinza de Annabeth como se quisesse atravessá-los com um laser. - Não vou perder pra você de novo.
Os olhos de Annabeth tornaram-se ainda mais tempestuosos, tão escuros quanto a pior das tempestades marítimas. Agora ela também parecia uma rainha.
- O mar está do meu lado.
Em silêncio, as duas se fuzilaram por mais alguns eternos segundos, e então Reyna se retirou, graciosa até sua treinadora, que esperava mais a longe. Bem a tempo em que Annabeth ficou sozinha, sentiu um braço pesar sobre seu ombro.
- Eu disse que vinha que te ver. - A voz macia de Luke soou sobre ela.

Annabeth não caiu na primeira bateria. E sentiu que teve considerável sorte, nem de longe estava com medo de Reyna, mas não queria confrontá-la logo de cara. Com sua incrível performance, Reyna se colocou na dianteira, e Piper ficou logo em seguida, mas não havia muito o que comparar. A superioridade era evidente. Luke acompanhava tudo com sua câmera, sem perder um lance, e fazia mais comentários de os comentaristas.
- Cara... O 360° da Reyna foi irado!
A primeira bateria acabou com uma buzina aguda, e Piper saiu da água pisando duro, resmungando baixinho. Jason que estava perto de Annabeth e Luke, foi ao seu encontro com uma garrafa d'água mineral.
- Dei muito vacilo. - Ela tomou uma longa série de goles da garrafa.
Jason afastou a franja repicada e molhada da testa da namorada, com a expressão de quem entendia a frustração de se cobrar demais em algo.
- Sem pira. Seu Cut Back foi maneiro... - Incentivou, a cicatriz na boca adornando o sorriso sincero.
- É, e logo depois levei um caldo. - Ela sorriu de lado, e então fechou a cara. - E antes disso a Reyna roubou minha onda.
Jason deu de ombros. Não tinha comentários para fazer sobre Reyna, pelo menos não a frente da namorada.
Os nomes da segunda bateria foram chamados nas caixas de som posicionadas nas laterais da arquibancada, mas nenhum que Annabeth conhecesse.
- As primeiras baterias não são eliminatórias, Pipes. - Annabeth cruzou os braços para a amiga, sem olhar para ela. - Você foi bem, e tem mais chances de passar pra segunda etapa que a maioria.
Annabeth sabia disso. Estava avaliando todo mundo, prestando atenção em cada detalhe. No momento olhava as meninas que saiam ao som da buzina que dava inicio à bateria, na maneira com que seguravam suas pranchas, ou corriam pro mar. Antes do primeiro a ficar em pé na prancha, a garota já tinha uma noção de quem seria, e não foi diferente de sua dedução.
Ao fim dessa bateria, Quíron, chegou em sua cadeira de rodas e pegou a mão de Annabeth.
- Se prepare, você está na próxima bateria.
Annabeth olhou de esguelha, tentando conter um sorriso conspiratório ao padrinho. - Você não deveria saber a ordem. Como conseguiu a informação?
- Tenho meus contatos... 
Os dois se entreolharam e sorriram com cumplicidade. 
Os nomes da próxima bateria feminina começaram a ser chamados, e Annabeth foi a primeira da lista. A garota se posicionou com as demais surfistas na beach start, com sua prancha laranja. Ouviu seu nome em coro na arquibancada, virando-se para trás viu seu fã club com aquela faixa desconcertante, fazendo uma coreografia bem ensaiada, todos de laranja.  Havia também duas figuras fantasiadas próximo a eles, desajeitadamente acompanhado as dancinhas.
O ultimo nome da bateria soou pela praia.
- Thalia Grace. - A voz do locutor era animada.
Mas Thalia não apareceu na linha do beach start, como Annabeth sabia que não aconteceria. Olhou de relance para trás, em busca de contato visual com Luke, mas ele encarava sua câmera de testa franzida, evitando-a. Com isso Annabeth soube que ele sabia o que ela estava pensando, e pensava o mesmo. 
A buzina de inicio de bateria acionou o nervosismo na boca do estômago de Annabeth, como de costume, tarde demais para que ela desistisse. Já estava correndo de encontro ao mar que tanto amava. 
A água estava agradável, fresca. Glass. Um choque de renovo subiu pelo corpo de Annabeth a medida que ela se molhava, como se a água a fortalecesse. Furaram a arrebentação, e emergiram. Annabeth viu a onda antes, sentiu ela vindo, e começou a remar a seu encontro. Mas outra competidora passou por ela, mas rápida, de camiseta preta.
- Thalia! - Annabeth soltou, surpresa.
O espanto não durou tempo suficiente para que Annabeth se deixasse ficar para trás. Remou com mais intensidade, e ao passar novamente por Thalia, pode ouvi-la gargalhar.
E Annabeth pegou a onda. Ficou de pé com maestria, e fez a primeira curva, e um Cut Back... A onda era grande e ela soube aproveitar isso em cada movimento. 
Ao soar da buzina, Annabeth voltou para a areia, escutando os comentaristas anunciando as notas da bateria. Ela estava em primeiro, e Thalia em segundo. Ela procurou em volta, e se sentiu abraçada com um impacto, quase derrubando a prancha.
- Annie!!! - Thalia gritou em seu ouvido e beijou-lhe o alto da cabeça. - Eca! Sal...
- Thalia! Quando você...? 
- Cheguei agora a pouco. - Thalia jogou a prancha na areia e pegou Annabeth pelos ombros. - Seu Pump foi divo!
E continuou falando. Thalia estava com um pouco de receio, imaginando que Annabeth não estaria bem quando chegassem. Mas ela estava ótima! Arrebentando no mar como de costume...
- Thalia. - Annabeth interrompeu a empolgação da amiga ao vê-la. - Cadê o Percy?
Com seus intensos olhos azuis, Thalia ficou séria. Tirou o excesso da água do cabelo com a mão e deu de ombros.
- Deve estar por ai. - Deu um sorriso torto. - Ele estava procurando por você, mas Sally o achou primeiro.
- Sally... - Annabeth varreu a praia lotada com os olhos treinados. Ele podia estar logo ali, ao alcance dela.
No segundo seguinte, Annabeth não viu mais nada.
- Sua pontuação foi a mais alta até agora!!!
Um bolinho de gente, envolveu as duas meninas. E quem falou foi Hazel. Junto dela as outras meninas, Piper, Rachel, e também Luke e Jason.
Cercada de gente Annabeth não conseguiu ir procurar por Percy, e ele tão pouco apareceu. Ficou a maior parte do tempo focada no surf, ao lado de Quíron.
Durante todo o tempo, Thalia parecia desconfortável, como se algo cutucasse sua coluna periodicamente. Como quem está preparando uma festa surpresa para alguém, mas está doido pra perguntar para esse alguém que cor prefere para os balões. Luke também percebeu mas não conseguiu tirar nada da namorada. Até Jason parecia ter notado. Ela não fazia contato visual com ninguém.
As rodadas eliminatórias e semifinais passaram tão depressa quanto o ventos. Acirradas, aos poucos o número de competidoras foi diminuindo gradativamente.


Percy estava sufocando. Era amor demais. Não sabia se preferia continuar naquilo, ou levar logo a bronca completa. Quando seu pai chegou, e Sally soltou-o do abraço de mãe, decidiu que definitivamente preferia o abraço. Mestre Poseidon veio pisando firme pelo jardim dos fundos de seu quiosque, a seiscentos metros , os olhos ardentes em lava vulcânica encravados no filho mais velho, que se encolheu.
- Você! Sua criatura teimosa, irresponsável e desobediente! Eu deveria pendurá-lo de ponta-cabeça em um mastro até seu próximo aniversário! - Ele apontou o dedo para a cara de Percy, sua têmpora latejava. - IGNOROU A VONTADE DO MAR, SEU PEDAÇO DE ESTRUME!
Percy nunca vira o pai tão zangado, parecia até que o chão tremia enquanto ele falava. Foi se esgueirando para trás da mãe, inconscientemente em busca de proteção. Ai a expressão de Poseidon se transformou, e ele abraçou Percy.
- Pensei que estivesse morto.
Percy engoliu em seco e não conseguiu responder logo de cara, em vez disso abraçou o pai também.
- Mas eu não estou. - Disse finalmente, quando se separaram, e então sorriu. - Bem quase morri algumas vezes. Mas isso é detalhe.
Sally Jackson levou as mãos a boca. - Como assim?!
Percy deu de ombros e mexeu no cabelo. - Ah... Teve uma tempestade, um cardume de água-viva... Quase me afoguei... Teve um Megalodonte chateado, e umas criaturas violentas em uma caverna submarina...
- Um... Megalodonte? - Mestre Poseidon ergueu a sobrancelha, igualzinho o filho, descrente.
- Eu sei, pelo jeito eles estão extintos... Deve ser por isso que ele estava chateado. Enfim...
Percy beijou o rosto da mãe, abraçou o pai mais uma vez, agitado.
- Vou explicar tudo depois. - Ao ver a expressão franzida dos pais e emendou. - Sei que quando o mar não responde não se deve interferir no assunto, e foi bem isso que eu fiz. Que vocês ficaram sem saber de mim, preocupados. Que sou um idiota. E estou ciente do castigo que estou para receber. Mas! Eu tenho que voltar pra a competição de surf. Preciso achar Annabeth.
E saiu correndo sem esperar resposta. No auto-falante já anunciavam a final.
A bateria final foi travada por Annabeth, Reyna e  Piper. Toda a pontuação acumulada foi zerada. Ganha quem demostra o melhor desempenho. Depois de ouvir um mini discurso tático de seu treinador, Annabeth pegou sua prancha com nova camada de parafina, e ao som de seu fã club em coro, dirigiu-se ao start beach, sem muita pressa, quando ouviu seu nome. Em meio ao turbilhão de sons, poderia ser apenas a torcida, os comentaristas falando dela. Mas Annabeth estancou onde estava e olhou em volta. Conhecia aquela voz.
Seu coração, que do nada vacilou e então acelerou, também conhecia.
Percy vinha desviando e driblando a multidão até ela. Estava do mesmo jeito de sempre: bermuda, camiseta, pés descalços, e aqueles cabelos desordenados, apenas um pouco mais compridos. E... Seus olhos verdes, cravados nela.
Desviou seu percurso, antes para o mar, agora para ele. Sentiu a euforia, e apressou o passo. Ele sorriu para ela, e como se o universo estivesse assistindo e conspirando por eles, as pessoas foram abrindo caminho. A poucos metros um do outro, a loira sentiu de lagar a prancha na areia e se lançar contra o namorado, enchê-lo de beijos. Era bem isso que a cena descrevia, o que todos que assistiam, amigos ou não, esperavam. 
E ai Annabeth bateu em Percy com a prancha de surf.