1. Spirit Fanfics >
  2. Promessas de primavera >
  3. Dessa vez duas.

História Promessas de primavera - Dessa vez duas.


Escrita por: xBardox

Capítulo 1 - Dessa vez duas.


Saci perambulava pela mata, cantarolando um pequeno e animado verso. 

Começara a primavera, a época das flores, da fertilidade, da alegria e do mundo colorido, e isso alegrava o coração do saltitante. A época de renovação, onde as plantas desabrocham e os animais acordam, demonstrando que sobreviveram ao frio inverno, tudo isso simbolizava os meses mais bonitos e felizes para Pererê.

Saci respirou fundo, conseguindo sentir o maravilhoso perfume das flores. Ficou em silêncio por determinados segundos se permitindo escutar os mais sonoros passarinhos que já havia ouvido. Pererê sempre fora alguém feliz, mas sua alegria apenas aumentava em sua estação favorita. 

Continuou andando encantado com tudo aquilo, agradecendo Tupã por sua vida e pela vida na terra. Como promessa de primavera murmurou baixinho que iria aproveitar as oportunidades da vida, afinal estar vivo era maravilhoso, principalmente para quem estava em contato diário com uma visão de um meio ambiente exuberante. 

Também pela primeira vez o jovem do gorro resolveu prometer algo a mais. Afinal, Tupã tinha caprichado na natureza e ele precisava caprichar na retribuição. Em sua mente e coração projetou outra frase, que seria cumprida junto com a primeira promessa. 

O serelepe Saci poderia entender a primeira promessa de inúmeras formas, afinal aproveitar a vida era algo vago com várias interpretações. O negro tinha a possibilidade de aproveitar os prazeres fazendo mais traquinagens, assustando mais as pessoas ou até plantando novas flores. 

Porém, Pererê estava com uma ideia especial em mente de como aproveitar um prazer reprimido há tempos. Além disso, plantar flores nunca fora seu forte, e ele sabia que não era capaz de ser o melhor nos truques com os humanos, não quando o líder das matas ocupava a primeira posição nessas duas coisas. 

E também nos pensamentos daquele que trajava um gorro.

“Vai ser agora!” Murmurou para si com entusiasmo completo, a primavera era também a época da coragem. Sabia que não teria estômago para realizar a segunda promessa em qualquer outra época do ano e dar a desculpa que estava fazendo isso apenas para deixar Tupã feliz era reconfortante. 

O verde gramado rasteiro mesclava as densas e altas árvores, mas era isso, que na opinião do negro, deixava a primavera algo único. Cada criatura da floresta tinha sua peculiaridade, assim como cada planta e cada pedra. Saci também era peculiar e pretendia cumprir a segunda promessa com alguém ainda mais peculiar. 

Conforme caminhava rumo ao seu destino ia percebendo que as flores ficavam ainda mais bonitas. Uma verdadeira obra de arte com cheiros exuberantes e cores fantásticas. Várias espécies de plantas pareciam conviver em perfeita harmonia, colocadas cuidadosamente em seu cantinho, o melhor cantinho, visando aproveitar o potencial de cada uma. 

Pererê suspirou, em um misto de admiração e de extrema vontade de sentir o odor de cada planta uma por uma. Estava tudo maravilhoso, como ocorria todos os anos, porém esse ano parecia ainda melhor e mais bonito. 

Seguiu o caminho de flores, admirando o espetáculo maravilhoso, até que chegou ao seu destino. As plantas formavam um circulo perfeito, e no centro dele estava o motivo da admiração do jovem. 

Com cabelos de fogo, pés para trás, pelos pelas costas e uma postura ereta, o líder das matas parecia perdido em seus devaneios enquanto cuidadosamente pegava uma muda de uma florzinha desconhecida para o jovem. 

Pererê se sentia tolo só de pensar na própria cena. Estava escondido atrás de um arbusto parecendo uma tiete maluca ou uma criança tímida. Respirou fundo, ele não era do tipo antissocial e tinha costume de falar com Curupira, porém esses diálogos se resumiam as reuniões que ocorriam na floresta, protagonizadas pelo líder das matas. 

O fato era que aquele com cabelos cor de fogo se dava melhor com as plantas do que com os seus colegas da floresta, e Pererê infelizmente sabia disso. Porém, o saltitante não poderia desistir, faria aquilo por Tupã, afinal. 

Resolveu se aproximar cuidadosamente enquanto observava o jeito único que Curupira lidava com as flores, era bonito, como se fosse capaz de entendê-las. Os olhos verdes do líder das matas também pareciam entender as plantas, fazendo as cores combinarem. 

Saci era um leigo, sabia sobre a natureza, mas nada se comparava ao conhecimento possuído por aquele escolhido por Anhangá. Curupira era o guardião das matas, aquele que deveria proteger todos, Pererê se sentia inferior, alguém indigno de dirigir palavra ao flamejante. Devia ser por isso que o tagarela quase nunca conversava com o de cabelos de fogo. 

“Aproveitando a primavera?” Resolveu arriscar a pergunta enquanto se aproximava.

“Certamente.” Respondeu Curupira sem desviar os olhos da muda em suas mãos, uma flor roxa e bonita, que intrigava Saci. 

Sem responder uma resposta grande ou uma olhada nos olhos, Saci se viu obrigado a continuar o diálogo. 

“O jardim está muito bonito esse ano...” Respondeu de forma admirada enquanto olhava rapidamente para cada flor. “Quero dizer, seu trabalho é sempre bom, mas...” 

Pererê continuaria falando, mas foi surpreendido por uma virada repentina de Curupira, o encarando com os olhos verdes e bonitos. Saci reparou que os cabelos laranjas e compridos estavam presos de forma relaxada em um coque, e sua franja estava enfeitada com uma pequena flor azul. 

“O que realmente quer?” Indagou o líder sem desviar o olhar da face de Saci, que parecia desconfortável com a repentina atenção. 

“N-nada.” Gaguejou de leve com um sorriso estampado em seu rosto. A face imponente daquele com olhos verdes sabia desestabilizar o pobre Saci. 

“Como líder eu devo conhecer aqueles que comigo vivem, e pelo pouco que sei sobre você, sei que mente.”

Pererê estremeceu, pois não esperava que ele o conhecesse tão bem mesmo sem quase nunca terem trocado palavras. O tom de voz de Curupira não subiu, ele também não arqueou a sobrancelha esperando uma resposta e muito menos cruzou os braços, algo que Saci costumaria fazer. 

A face daquele com os o pés para trás parecia inexpressiva, como costumeira. Por muitas vezes os de olhos marrons se pegou pensando no que deveria se passar na cabeça de um líder de poucas palavras e poucas expressões. 

Para Saci sempre foi difícil não demonstrar sentimentos, não era um tagarela, mas certamente preferia palavras a silêncio e falava incrivelmente mais do que Curupira. 

O de olhos verdes percebeu que o de uma única perna parecia ter perdido as palavras, e portanto resolveu não insistir na conversa. Nunca gostou de diálogos e sempre preferiu ações. Saci percebeu alguns segundos depois que estava parado encarando o cabelo arrumado com uma flor do líder, que tinha voltado sua atenção para sua flor roxa, ignorando a presença do saltitante. 

Não querendo que a conversa se perdesse e visando cumprir a promessa para Tupã, resolveu falar. 

“É que nós já nos conhecemos há tantos anos e eu percebi que nos tratamos como meros desconhecidos...” Torceu as mãos. “Quero dizer, acho que nunca tivemos conversas mais longas do que as reuniões organizadas por você para discutirmos assuntos sobre a floresta...”

“Um líder não tem tempo para conversas.” Respondeu desdobrando cuidadosamente uma das pétalas da florzinha que parecia não querer abrir e logo depois olhou para Saci. “Era só isso que queria me dizer?”

Pererê sentiu sua alegria se quebrar. Curupira não parecia estar bravo ou incomodado com a presença do negro, pelo contrário, seu tom era o costumeiro tom calmo que sempre usava. E era justamente isso que incomodava o primaveril Saci. 

Ele assentiu atordoado com a direta pergunta do de olhos verdes, que nunca demonstrava nada e parecia indiferente a tudo. Pererê só queria isso, uma demonstração. Um sorriso de alegria, um olhar de desaprovação, um pulo de contentamento ou um choro de tristeza. Saci nem se importaria de ser expulso do jardim de Curupira se ele demonstrasse que não queria a presença daquele com o gorro, mas ele não demonstrava nada. 

Curupira então voltou sua atenção para o jardim florido e bonito. Saci amaria dizer que as flores não eram tão lindas quanto aqueles olhos verdes, mas não sabia como dizer isso para, infelizmente, um estranho. O de gorro vermelho perdera as contas de quantos anos fazia que conhecia o líder e era incapaz de firmar uma amizade sólida com ele. 

Ou pelo menos uma amizade comum, já que não sabia o quão próximo era considerado por Curupira. 

Continuou, odiaria ter que quebrar a promessa. Resolveu puxar o primeiro assunto que conseguiu encontrar. 

“Então... como anda as promessas de primavera?”

“Bem.” Respondeu sem desviar o olhar das plantas. “As promessas de renovação são importantes demais, nos ensinam a ser melhores e ainda honramos Tupã.”

A cada começo da estação as denominadas lendas pelos humanos faziam as promessas de primavera. Não havia limite de promessas e elas poderiam ser qualquer coisa. A maioria escolhia apenas uma coisa, mas isso não era uma regra. Além disso as promessas poderiam ou não serem compartilhadas, alguns habitantes da floresta até faziam promessas coletivas, enquanto outros as guardavam para si.

O mais importante era Tupã, o criador da natureza, estar envolvido nelas. Promessas feitas em nome de Tupã eram as melhores e mais bonitas promessas e cumprí-las era um orgulho tremendo. 

“Sim, sim!” Concordou o animado Saci percebendo que tinha uma carta na manga, falaria sobre suas promessas para Curupira, despertando curiosidade e diálogo. “Esse ano decidi fazer duas promessas.”

Porém, o sorriso preparado e ensaiado de Saci se desmanchou ao ver que Curupira não demonstrara nem um misero tantinho de curiosidade, nem um olhinho levemente arregalado e muito menos uma olhada para o saltitante. 

“Que bom para você.”

Pererê suspirou baixinho, ainda não se dando por vencido. 

“Você não quer perguntar quais foram?”

Curupira olhou para ele, o que fez Saci sorrir. Além do líder ter uma beleza exuberante digna de admiração, Pererê esperava uma reação.

Uma cabeça assentindo ou um olhar de desaprovação faria o negro pular de alegria, mas novamente a indiferença tomou conta dos verdes olhos. 

“Creio que cada criatura da floresta tem a opção de compartilhar suas promessas com os demais ou não. Se quiser me contar vá em frente, mas se não quiser... os únicos que precisam saber disso é você e Tupã.”

Estava atordoado novamente, pensava como era possível respostas em tom tão calmo machucarem tanto, ou como alguém com cabelos de fogo poderia ser frio como gelo.  

“Sim, claro.” Respondeu Saci pensando em como prosseguir um assunto com alguém que não parecia disposto a ter uma conversa. 

Decidiu então falar sobre a flor roxa e bonitinha e finalmente saciar a curiosidade sobre a espécie dela. 

“Que flor roxa é essa?” Perguntou.

“Um Narciso.” Respondeu olhando para a muda em sua mão, parecendo prestes a plantá-la. 

Saci mentalmente tentou buscar tudo o que sabia sobre os Narcisos, e descobriu ser algo incrivelmente vago, que se resumia em: ser uma flor e existir em algum lugar do mundo. 

“Ah é aquela planta nativa do... da...” Tentou começar um diálogo, que na opinião do jovem seria um fracasso, porém o líder via uma possibilidade de conversar. 

Curupira não demonstrou o mínimo de interesse, mas por dentro estava pronto para despejar freneticamente os mínimos detalhes sobre a flor, porém, não o faria. 

“Mediterrâneo.”

“Mas, estamos no Brasil...”

“Existem climas parecidos no mundo, e jardineiros habilidosos são capazes de fazer maravilhas.” Respondeu simplesmente, sabia que não estava preparado para conversar, embora compreendesse tanto sobre plantas quanto qualquer especialista. 

Saci assentiu admirado, sabia que o líder tinha conhecimento de mais do que apenas uma curta frase, mas tinha o pressentimento que ele não contaria mais do que isso. O saltitante se sentia frustrado, pois tinha esperança daquele ser o assunto favorito de Curupira e que ele começasse a falar. 

O que Pererê não entendia era que aquele era o assunto favorito do líder e que ele falara mais do que conversava nas últimas semanas. E principalmente, estava fazendo um enorme esforço para não tagarelar sobre plantas. 

“É sua flor favorita?” Perguntou enquanto olhava discretamente para a face indiferente de Curupira, parando em seu lindo e flamejante cabelo decorado com uma flor. 

“Não tenho flor favorita, eu sou capaz de amar todas.”

“Isso é muito bonito.” Respondeu Saci sem se dar conta que estava falando isso dos olhos do líder e não sobre o amor dele por flores.

O de pés para trás assentiu calmamente, tão indiferente quanto no começo da conversa. Porém, olhava para o Narciso com uma ideia sugestiva. 

“Pegue, você se interessou por ela.” Disse entregando a muda nas mãos do Saci de maneira cuidadosa. 

Ele sorriu com o presente, embora Curupira não fez o mesmo. 

“Obrigado.” Respondeu sentindo seu coração acelerar aos poucos com a vontade de fazer a pergunta. “Mas, você está entregando uma das suas flores para mim por quê? Achei que elas fossem especiais para você... quero dizer, eu vou cuidar bem delas, mas...” 

Saci só percebeu que começava a tagarelar quando percebeu que o líder voltara sua atenção para seu jardim e não para o negro. 

Pererê se deu por vencido em começar um assunto com o inexpressivo, mas estava feliz. Mandou para Curupira um aceno de cabeça, que não foi respondido, e decidiu se afastar. 

Admirava a flor que ganhara e sabia que tinha sido um avanço. 

“Não é uma conversa completa, mas é um começo.” Pensou feliz. 

Era apenas o primeiro dia da nova estação, portanto teria muito mais tempo para cumprir as duas promessas para Tupã. Aproveitar as novas oportunidades e principalmente, fazer Curupira sorrir.



Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...