“Cante em mim, ó Musa, e através de mim narre a história...”
– Verso de abertura da Odisseia, de Homero
New York, NY.
Lauren Jauregui.
– Bom dia. – eu disse sorridente, enquanto acariciava o rosto de Camila com a ponta de meus dedos.
Ela sorriu de volta, aquilo era melhor do que dizer bom dia.
– Acho que teremos alguns problemas com a sua mãe... – resmunguei.
– E porque acha isso? – ela perguntou, franzindo o cenho.
– Bem, primeiro, tem vários vestígios no seu corpo que levam à crer veementemente, que, ou alguém te violentou, ou você teve uma noite muito intensa. E segundo, não acho que ela vai se agradar por você ter dormido fora de casa sem ter contatado ela antes.
Ela deu os ombros.
– Primeiro, minha mãe não vai perceber marca alguma porque eu sou muito boa em esconder alguma coisa quando eu quero, isso claro, ignorando o fato de que a únicas partes do meu corpo da qual ela se importa é o meu “rostinho bonito de bailarina” e com a barriga. E segundo, senhorita Jauregui, estou morando sozinha agora. Bem, tecnicamente sozinha, de trimestre em trimestre eu fico morando sozinha no apartamento, e no outro trimestre fico com mamãe.
Assenti, afinal, aquilo não era tão importante a ponto de valer uma conversa se ela já havia explicado como funcionara as coisas.
– Falando na sua mãe, quando é o aniversário dela? Ou você esqueceu que ainda temos que organizar uma história, um sexteto, uma coreografia, um cenário e todo um espetáculo para a vossa Marquesa Cabello? – perguntei em tom de deboche.
Ela franziu o cenho, como se não entendesse minhas palavras.
– “Ainda temos que organizar”. – ela repetiu minhas palavras quase que incrédula do que tinha ouvido – Lauren, achei que já tinha tudo em mente, o aniversário da minha mãe é daqui há uma semana.
Levantei da cama em um salto, quase como se uma bomba estivesse explodido e eu estivesse tentando correr para algum lugar seguro.
– Uma semana?! – repeti ainda atônita.
Apressei-me em vestir meu hobby e prendi rapidamente o cabelo, procurando meus chinelos.
– É Lauren, uma semana! – ela repetiu. – Achei que já soubesse.
– Lembra quando eu te contei sobre isso, porque foi o que primeiramente me veio à cabeça quando sua mãe começou a fazer várias perguntas? Então, eu também achei que você pelo menos cogitasse a possibilidade de eu não ter a mínima ideia da data do aniversário da sua mãe.
– Achei que fosse óbvio! – ela rebateu.
– Por Zeus Camila! – urrei – Eu não lembro nem exatamente a data do aniversário da minha mãe, quanto menos o da sua!
Sentei-me na cama, ainda perplexa com tudo aquilo, esfreguei os olhos, e respirando fundo, disse pacientemente:
– Vamos dar um jeito.
Caminhei com ela até a sala, e sentei-me diante do piano.
– Faça-me perguntas, aleatoriamente, sonho qualquer assunto, de preferência algum assunto que tenha sobre o que falar. Vai me fazer pensar em alguma coisa.
Comecei a tocar o piano aleatoriamente quando percebi que estava tocando Ordinary People, a primeira música que toquei na presença de Camila, na noite em que conversamos no restaurante.
– O que você acha sobre suicídio? – ela perguntou, depois de um longo tempo de ponderação.
Sorri; afinal, ela não poderia ter perguntando coisa melhor. A morte é o melhor assunto.
– Uma forma elegante de morrer. – eu disse sorrindo, enquanto respirava fundo e tentava me conectar mais com a música que transcorria entre meus dedos.
– Explique e exemplifique.
– Bem, na verdade há dois lados do suicídio. O suicídio por falta de perspicácia, e por excesso dele. Geralmente, o suicídio por falta de perspicácia está em maior número, o que é uma coisa não muito legal de se admitir. – eu disse enquanto trocava para I Know You – Já o suicídio por excesso de perspicácia, é raro e belo.
Tentava em vão, não tocar o piano, e sim, deixar que ele me tocasse, mas havia algo de errado com aquele enorme piano branco, com aquele apartamento, comigo.
– Se você explicasse, seria mais fácil compreender.
Assim, eu fazia isso sempre, duas atividades ao mesmo tempo, mas naquele momento, em que tudo me parecia impossível, aquela habilidade de usar minhas duas partes do cérebro parecia tão distante.
– Vamos começar pelo mais fácil: o suicídio por falta de perspicácia. – respirei fundo, prosseguindo: Os elementos que se vê presente no suicídio por falta de perspicácia, são, geralmente – interrompi-me, afinal, que merda de jeito era esse que eu estava falando, mais parecia um monologo sobre como fazer manteiga sendo ditado por um professor de voz nasalada, respirei fundo de novo e mudei meu tom. – geralmente são motivos... – tentei escolher as palavras certas, a final, eu não queria ofender as pessoas que tinham se matado. – que sugerem incapacidade ou falha. Suicídio por depressão, dividas, ou, o epicentro, que assola o enorme número de suicídios, o mesmo epicentro do suicídio por excesso de perspicácia: a falta de graça do mundo.
Estalei os dedos por instinto, se meu instrutor de violino estivesse ali iria me lançar um olhar furioso capaz de quebrar os meus dedos, mas ele não estava ali.
– Tudo se esvai quando se perde a paixão, Camila, tudo. Você pode odiar o seu trabalho, mas se amar seus filhos, ou sua esposa, ou seu cachorro, não irá se matar, pela compaixão de saber que eles precisam de você, e seria egoísmo da sua parte se matar. E mesmo se você odiar seu trabalho, seus filhos e sua esposa, e ainda sim, ter alguma coisa nesse mundo que você goste, não vai se matar, porque é essa única coisa, que sustenta a graça do seu mundo. – franzi o cenho, lembrando-me de um cena aterrorizante quando eu era pequena. – Acho que não tenho nada a acrescentar sobre o suicídio por falta de perspicácia, ele é o que é e ponto.
– Você franziu o cenho como se lembrasse de algo muito ruim por temos tocado nesse assunto, lembrou do suicídio de alguém por acaso? – ela perguntou, virando a cabeça para tentar olhar-me nos olhos, já que eles estavam fixos nas teclas do piano.
– Sim, lembrou sim. – eu disse, engolindo o enorme nó que havia se formado em minha garganta. – Eu devia ter uns 8 anos, estava atravessando a avenida Hamsworth com a minha mãe, e o homem se jogou de cima da ponte, o caminhão desviou, então ele subiu de novo, e se jogou de novo.
Respirei fundo e soltei o ar com a boca, como se o nó que havia em minha garganta fosse sair por ali.
– E o que aconteceu? – ela perguntou, tentando esconder a curiosidade que aos seus olhos parecia maliciosa.
– As rodas passaram por cima. E depois mais uns dois carros, até que um carro parou porque percebeu que tinha um corpo ali. Minha mãe nem tentou cobrir meus olhos, até porque àquela altura não adiantaria nada, e porque ela mesma não sabia o que dizer, só ficava falando pra Deus guardar a alma dele. Aquilo era real, e ponto. Fomos para casa, pedimos para rezarem uma missa para o homem que não conhecíamos e seguimos nossa vida.
Mudei para o Concerto em D menor de Sibelius quando ela pediu que eu continuasse, e lhe contasse sobre o que eu achava sobre o segundo tipo de suicídio.
– Eu disse antes, que a mesma coisa em que os dois tipos de suicídio se assemelham, que é a falta de graça no mundo, e agora, eu vou dizer uma só palavra, que vai abrir um penhasco de diferença entre os dois tipos. Apotheos.
– Apo o que? – ela perguntou.
Sorri.
– Na cozinha há uma prateleira cheia de livros, busque meu dicionário, por favor.
“Onde já se viu, ter estantes de livros na cozinha”, ela resmungou baixo, achando que seria baixo demais para que eu não escutasse, logo voltando com meu dicionário.
– Procure por apoteose.
– Apoteose: Cena gloriosa em desfile, peça teatral. O momento culminante de algum evento. Glorificação (de uma pessoa ou algo).
Franzi o cenho abruptamente, intensamente incomodada com o modo grotescamente errônea que aquela palavra estava sendo descrita por aquele dicionário horrível, antes que eu me lembrasse que papel vem das arvores e são elas que salvam a nossa vida, senti vontade de queimar aquele dicionário o processar seu autor.
– Está infinitamente errado. Apoteose é semelhante ao canonização, só que em um nível muito mais importante. Enquanto canonização consiste em transfigurar alguém como um santo, a apoteose é o ato de virar um Deus. Apotheos, Apoteosis, Apoteose. Muitos ícones públicos já ilustraram isso, admira-me muito que você não saiba o que significa.
– Jura? Me diga uma. – ela disse em tom desafiador.
– Praça da Apoteose, no Brasil e o quadro “A Apoteose de Washington”, que fica no teto do domo do Capitólio dos Estados Unidos. – eu disse, erguendo gentilmente as sobrancelhas e sorrindo, deliciando-me da sensação de estar certa.
– Continue explicando. – ela disse, enquanto agitava as mãos.
– Hoje, a concepção de Apoteose, geralmente se relaciona com o conhecimento. Aquele que sabe tudo de tudo, se transfigura em uma apoteose.
– “Conhecimento é poder”, disse Francis Bacon.
Assenti.
– Exatamente. E George Washington, era um homem que, na época, as pessoas acreditavam ter atingido sua Apoteose. Não só pelo conhecimento mundano, e sim também pela sabedoria, já esperada de um renovável maçom que ele era.
– Ainda não entendo como isso pode, de alguma forma, se ligar ao suicídio por excesso de perspicácia.
Ergui as sobrancelhas, surpresa.
– Como não?
Ela se aproximou, e falou em um tom baixo, em claro deboche:
– Vamos brincar, o jogo é assim, eu finjo que eu não entendo como não se relaciona ao suicídio, e você, como adora ser o centro e mostrar que sabe tudo, me explica. – ela disse, dando leves tapinhas em meu ombro.
Estalei o pescoço, fazendo com que sua expressão se fechasse em uma careta.
– Um dos objetivos – e quando digo objetivo não confunda com sentido ou razão –, da nossa vida, é, de fato, a descoberta. A cada território explorado, cada nova combinação de sabor, espécie, raça, livro, sempre queremos mais. O homem não se contentou em explorar só a Terra, que para alimentar o seu ego teve de começar a explorar o Cosmos também.
– Espera. – ela interrompeu-me. – Porque se diz “o homem” em vez de o ser humano, como se só o homem fosse digno desse título? É como intitular todo os seres humanos como brancos, como se os negros também não fizessem parte dessa categoria.
Fiquei entre franzir o cenho e sorrir por aquela observação cuidadosa e aututa, mas preferi continuar concentrada no piano.
– Me desculpa, é que, por eu ainda viver na época A.C, onde tudo era mais belo, com os deuses gregos e as guerras pérsicas, espartanas e com os deleites de saber, meu vocabulário também não está adaptado ao século XXI, até porque, grande parte dos livros que leio, arrogam essa parte em meu vocabulário que há tanto tempo tento me livrar. – Suspirei. – É como, “brinde”, por mais que relembre dos gregos antigos que colocavam o veneno “brinde” nas bebidas, ainda não deixamos de chamar assim. Habito, costume, vicio.
Ela deu os ombros e pediu que eu continuasse.
– Se toda a nossa vida, baseia-se no vital anseio da descoberta, já que ainda não encontramos um sentido, a vida perde o objetivo quando já não se há mais nada para descobrir (por mais que isso seja uma afirmação equivocada). Alguém que atinge uma Apoteose, não tem mais nada há descobrir, e então toda a sua existência baseia-se em... – procurei a palavra adequada. – migalhas, migalhas de descobertas. E Deuses como Washington não vivem de migalhas, e sim de banquetes de conhecimento.
– Então você quer dizer que a pessoa se mata porque ela já sabe tudo, então ela se considera tão foda para esse mundo que decide acabar com sua própria vida? – ela perguntou, o ceticismo na sua voz era evidente quando eu concordei com um leve maneio de cabeça. – Acho que está errada, acho que mesmo que uma loucura dessa fosse verdade, não acho que uma pessoa tão inteligente se mataria por já saber de tudo. Acho que ela deveria compartilhar todo o conhecimento que tem.
Assoprei as mãos, elas já estavam suadas.
– Compreendeu mal o que eu disse. – cocei a garganta, e recomecei a 5ª sinfonia de Beethoven. –Por acaso, enquanto você aprendia, seus professores lhe deram as respostas dos exercícios? Ou quando entrou no colégio eles te disseram quem pegaria no seu pé? Não Camila, porque você tinha que aprender, descobrir.
– Então você quer dizer que devemos ensinar uma criança a nadar jogando-a em uma piscina cheia de tubarões.
– Se preciso, sim. – admiti, sem remorso ou sinal de compaixão. – “Deus dá a vara, não os peixes” Camila.
– Explica, para que eu não comece a pensar, pela milésima vez no dia que você é uma completa idiota.
Descansei meus dedos enquanto os secava em meu hobbie, eles estavam muito suados e então recomecei, tocando as Noturnas de Chopin.
– Vou te contar uma história, que vai esclarecer tudo de modo bem claro. – eu disse, virando-me rapidamente para olha-la e sorrir, vendo-a dar-me um lindo sorriso de volta, eu adorava aquela história. – Há muito, muito, muito tempo, e quando digo muito, muito, muito tempo quero dizer quando... – eu adorava aquela piada, mesmo que maldosa. – o medo e a ignorância tiveram um filho, e esse filho dominou o mundo, dominou o mundo instaurando um reinado de medo que se quebraria apenas nos meados do século onde nem o maior dos conhecimentos foi vencido pelo medo, ou pela ignorância.
– Que filho era esse? – ela perguntou, aparentemente, curiosa.
– A Religião. – eu disse, dando um leve sorriso de lado. – Esse filho, chamava Supremo Tribunal Inquisidor do Vaticano, por tanto, essa história passava-se na Idade das Trevas, quando esse filho dominou o mundo. Mas – sorri, ao lembrar-me desse fato. –, tinha um grupo de humanos, que, mesmo sabendo das consequência de seus atos, duvidaram, estudaram, e desmentiram as falácias grotescamente errôneas enfiadas pelo Vaticano na veia dos humanos. O Vaticano tentou enterra-los, mal sabiam eles que esses humanos eram sementes, cresceram, e formaram uma igreja. Essa igreja, obviamente era bem restrita, eram poucos que ousavam desafiar a Santa Divindade Papal, ou o Tribunal Inquisidor em pessoa, por tanto, o “ritual” de aceitação nesse grupo secreto era um tanto quanto peculiar e difícil. Quem quisesse entrar para a igreja, os Iluminados...
– Iluminados? – ela me interrompeu.
– Latim, desculpa, Iluminatti. – respirei fundo para prosseguir. – Quem quisesse entrar no grupo dos iluminados teria que seguir umas “pistas” e “dicas”, todas, audaciosamente espalhadas pela cidade do Vaticano. E, se chegasse lá, era um deles, você tinha entrado para a Igreja dos Iluminatti. Ainda me sinto em estado de choque a respeito da localização astuta dos Iluminados. Castel di Sant’ Angelo. A sala de encontros dos Illuminati era dentro de um prédio que pertencia ao Vaticano. Seguramente, enquanto os guardas do Vaticano saíam para revistar as casas e os porões de cientistas conhecidos, os Illuminati se reuniam ali, bem debaixo do nariz da Igreja. E pensar que, durante anos, os maiores gênios se reuniam ali, bem debaixo do nariz do papa. Bernini, Galilleu, Brumö, Leonardo, todos, humildemente se unindo em uma igreja para compartilhar informações. Nenhum deles, e torno a repetir Camila, nenhum, foi convidado a entrar para a igreja, todos encontraram o caminho.
Bufei, que merda era aquela? Eu nem no piano conseguia tocar direito, nem se quer uma Noturna de Chopin, que eu tenha certeza, até Sophie tocaria melhor que eu naquela manhã. Comecei a me estressar, mas mantive em mente todos os meus estudos no violino. Errou, tente de novo. Errou, tente de novo. Errou, tente de novo, porque bater o pé e bufar só vai fazer com que você toque pior e acabe por desistir, e desistir não é uma escolha.
– E você?
– Eu o que?
– Se mataria se atingisse à sua Apoteose?
– Sem sombra de dúvidas que sim.
Seu rosto se fechou em uma expressão indistinguível de: “Eu não acredito no que você acabou de dizer”, “Como você pode?” e “Acho melhor você redizer isso se não quiser ter os olhos arrancados com uma colher agora”. Como se nosso amor não importasse, como se ela não importasse a ponto de eu troca-la pela morte.
– Mesmo se amasse muito alguém? – ela perguntou, por fim, e não, não voando na minha cara.
– Principalmente se eu amasse muito alguém.
Ela franziu o cenho, e eu logo me expliquei.
– Me mataria principalmente, porque, além da Apoteose dos conhecimentos externos, eu conheceria os internos, neurológicos, psicológicos. Se eu amasse tanto alguém, é bem provável que eu já tenha sentido as emoções que Paul Ekman descreveu no estudo incrível que ele fez sobre as emoções universas (alegria, medo, raiva, nojo, surpresa e tristeza). E além das emoções, os sentimentos. Sentimentos são muito mais complexos do que emoções. Eu posso ter raiva, mas ódio é pior. Eu posso estar alegre, mais feliz é melhor. E claro, tem os sentimentos não rotulados, intitulados, enumerados ou catalogados. Sentimentos e emoções sem explicação, descrição, cor, desejo. É só uma coisa que você sente.
Pausei rapidamente para trocar de música.
– O que você sabe, qualquer um pode saber, mas o que você sente, ninguém pode sentir igual. Até os sentimentos e emoções universais. E, se você ainda não entendeu o porque acho o suicídio uma forma elegante de morrer, porque, você dribla a morte, ok, não exatamente, mas a morte natural. Você é tão arrogante que toma a frente, e diz “Eu sou o senhor do meu Destino”, e se mata.
Ela assentiu, parecia realmente me entender.
– Tem alguma história favorita? – ela perguntou, mudando para cara de tédio, provavelmente já esperando que eu citasse algum conto de 900 A.C.
– O Conto dos Três Irmãos. – respondi, surpreendendo-a com o fato de que minha história favorita, era provavelmente a sua, mostrando o óbvio vínculo com Harry Potter.
– E qual o seu Irmão favorito? – ela perguntou entusiasmada. – Já sei, o que pediu a Varinha das Varinhas.
– Na verdade não. Meu preferido, foi o mais humilde e mais sábio, o irmão mais novo. Que pediu a Capa da Invisibilidade para se esconder da morte, e que em sua velhice à deu para seu filho, para protege-lo, abdicando de sua vida e “acolheu a morte como uma velha amiga, para que então acompanhasse-a de bom grado para partirem dessa vida”.
Ela deu um calmo sorriso de lado, sem mostrar os dentes, e em um momento de paz, eu disse:
– Eu vou ser a sua Capa da Invisibilidade, Camila. – e por mais que soasse idiota, eram as palavras mais doces que me ocorreram. Eu a protegeria, nem que precisasse dar a minha vida para isso.
Suas mãos tocaram as minhas e ela me deu um beijo na testa, levantando-se para me recostar minha cabeça em sua barriga em um abraço.
Voltei a tocar o piano, um silêncio supremo se instalou. Tentei, embora em vão, deixar que o piano me tocasse, me conectar com a música, e fazer fluir ali uma boa música, um bom enredo, uma boa história digna de aplausos de pé no Teatro, mas nada me ocorria.
Até o momento em que até meus ensinamentos no violino foram inúteis, levantei-me irritada e andei com pressa até a parede, socando-a repetidas vezes, e, por mais que Camila me chamasse, eu não conseguia ouvir sua voz.
Subi as escadas e fui até o Estúdio, todas as paredes tinham espelhos as cobrindo, para ajudar nos estudos. Pus-me diante de uma e bati a cabeça três vezes, e então me abaixei, chorando diante do meu fracasso.
Camila estava diante de mim, e ajoelhou, e acariciou meu rosto, tirou os pequenos pedaços de vidro do meu rosto, e limpou o pouco de sangue, enquanto secada minhas lágrimas.
Sentando-se ao meu lado, ela puxou-me para um abraço silencioso, beijando minha cabeça, meu rosto, minha alma.
Em seu peito eu encontrava a calmaria e o silêncio que acalentavam meu coração desesperado pela lembrança distante do que parecera que nunca havia me ocorrido: bloqueio.
Me sentia diminuída, ferida, a dor era real, a ponto de eu sentir tudo o que me tocava, como um metal quente queimando a minha pele. Não a dor prazerosa que vem em leves doses, e sim uma dor insuportável, sufocante, sem pausas, torturante, densa.
A abracei com força descomunal, até que meus braços quisessem arrebentar toda a defesa, e ser enfim, apenas Lauren. Em um momento, tão pequeno e gentil cheio de beleza, beijei seu rosto, sua boca, e disse como um sussurro, como um segredo:
– eu te amo.
Ela não precisava dizer “eu te amo também”, não precisava me beijar de volta, seus olhos já faziam isso, seus gestos, cada movimento, cada suspiro, tudo em Camila me dizia, que ela me amava, mesmo que ela não pronunciasse essas exatas palavras. Palavras já tão desgastadas por cenas de cinema, e literaturas clichês que não podia-se dar o luxo de intitular o que sentíamos, de ser o que sentíamos. Era muito mais do que amor, era Camren.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.